Last Mile Lean: como estruturar uma empresa de última milha
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Last Mile Logistics no contexto da Lean Supply Chain
Management
Ana Mota, MBA em Logística e Supply Chain Management (III Ed. b-learning)
NOTA INTRODUTÓRIA
O presente trabalho, desenvolvido no âmbito do módulo de Lean Supply Chain
Management do MBA em Logística e SCM (III Edição b-learning), pretende abordar o
tema “Last Mile Logistics” numa perspetiva Lean. Encontra-se dividido em duas partes
principais: i) enquadramento teórico e ii) proposta de estrutura de uma empresa cujo
core business seja a última milha da logística.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
To start with...
Last Mile Logistics (adiante apenas LML) refere-se ao passo final do processo de entrega
de um determinado bem, de um centro de distribuição até ao consumidor final.
O último passo do processo de entrega/distribuição é crucial para a eficácia da cadeia de
abastecimento, na medida em que o produto deve ser disponibilizado na quantidade
certa, no local exato, nas condições estabelecidas e no momento prometido ao cliente.
Na verdade, o cumprimento do prazo de entrega definido é um dos principais desafios
da LML e um dos elementos mais “ferozmente” considerado pelo cliente no momento
da avaliação da experiência vivenciada.
No artigo “Perfect Last Mile Logistics Attributes” da Business Insider, de abril de 2016,
[disponível a 12/01/2020, em https://www.retail360asia.com/perfect-last-mile
-logistics-attributes/], são mencionados os principais problemas e ineficiências
enfrentadas pela LML:
1. Localização dos centros de distribuição - um dos propósitos dos centros de
distribuição é precisamente aumentar a proximidade ao consumidor final; não
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obstante um número insuficiente de meios e vias de transporte pode implicar
despesas significativas e atrasos indesejados.
2. Tempo médio de entrega - se, em média, uma entrega demora 45 minutos, então
torna-se necessário aproximar o centro de distribuição ao consumidor final habitual.
Tempos de entrega longos resultam em perda de produtividade, enquanto tempos
cada vez mais curtos oferecem um aumento de oportunidades de entrega dentro da
mesma janela temporal. Por conseguinte, a empresa prospera e a satisfação do
cliente aumenta.
3. Condições do trânsito - as condições do trânsito têm grande impacte no tempo de
entrega e, geralmente, resultam em custos extraordinários de transporte. Esta
fragilidade pode ser colmatada com a implementação de centros de distribuição
adicionais e/ou com a análise e aumento da frequência de entregas numa dada
região.
O mesmo artigo aponta que a existência de uma comunicação clara entre os vários
agentes logísticos e os clientes finais pode ajudar a resolver atrasos de entrega e atenuar
a eventual insatisfação do consumidor.
No entanto, sendo a LML a chave da satisfação do cliente, este passo é simultaneamente
o mais caro e o que consome mais tempo no processo global de entrega de um produto.
No artigo “The challenges of last mile delivery logistics & the technology solutions
cutting costs”, de maio de 2018, disponível no portal da Business Insider [12/01/2020,
em https://www.businessinsider.com/last-mile-delivery-shipping-explained] é
esclarecido que os custos da última milha poderão representar 53% do custo global de
todo o processo de expedição.
Em paralelo, e verificando-se a tendência cada vez mais alargada do conceito de “free
shipping”, os retalhistas e agentes logísticos têm de suportar todo o custo inerente ao
processo de entrega ao cliente final. Neste contexto, têm surgido soluções tecnológicas
que pretendem aumentar a eficiência e eficácia da LML.
No artigo “7 Top Trends in Last Mile Logistics - The Revolution is Coming”, de abril de
2019, disponível em https://www.supplychain247.com/article/7_top_trends_in_last
_mile_logistics_the_revolution_is_coming, são referidas as sete tendências atualmente
observáveis na LML,e que estão já a modelar um quadro futuro desta etapa, como
sendo:
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1. LML está a adquirir uma maior capacidade e rapidez de resposta - os consumidores
querem receber mais rápido e os expedidores precisam satisfazer mais pedidos e
mais rápido. Atualmente verifica-se uma maior disponibilidade para pagar mais (ou
mesmo um extra) para obter o produto no mesmo dia ou no menor prazo possível.
Neste contexto, prevê-se que a aposta no desenvolvimento na LML irá aumentar
10%/ano.
2. Alguns agentes da Supply Chain têm um efeito disruptivo na LML - novas
tecnologias como a criação de uma app tipo Uber para Camionagem, mesmo que
avançando de uma forma lenta e incipiente, têm um potencial disruptivo.
3. Os expedidores estão cada vez mais a apostar em smart tech (IoT) para
geolocalização - através da “smart technology”, IoT (Internet Of Things) e utilização
de sensores, que permitem a geolocalização/monitorização em tempo real, tanto
consumidores como expedidores podem receber notificações cada vez que o envio
cumpre uma etapa. A combinação entre este panorama e a utilização de aparelhos
eletrónicos de “logging” abre igualmente espaço para uma maior aplicabilidade
destas tecnologias na LML.
4. A análise de dados conduzirá a uma redução dos custos associados à LML - as
“smart techs” e os sistemas automáticos geram grande quantidade de informação,
que, quando analisada, pode revelar fatores que impactem nos custos e que são
transversais a todo o processo de envio. Pequenas melhorias que resultem na
redução global dos custos da LML podem encorajar os consumidores a utilizarem
cada vez mais a opção ‘entrega no próprio dia’, abrindo, por consequência, novas e
mais rápidas opções de entrega.
5. O “insourcing” chega à LML - apesar do “outsourcing”ser uma modalidade de
contratação comummente utilizada nos negócios em termos gerais, no caso da
Distribuição, o aumento do foco na LML tem encorajado os expedidores a
recorrerem ao “insourcing”, utilizando a própria frota para fazer face a entregas
imediatas e locais.
6. Veículos e camiões autónomos, drones e a robótica aplicada à Distribuição
tornar-se-ão cada vez mais importantes - todas estas soluções avançadas
tornar-se-ão chave para aumentar as opções de entrega, mantendo a alta
fiabilidade e a capacidade de entrega no mesmo dia, tanto em zonas rurais como
urbanas.
7. Evolução do papel dos condutores: os condutores tornam-se vendedores - num
contexto de crescente competitividade e necessidade de aumentar as vendas, os
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expedidores precisam de encontrar formas de alcançar mais lojistas e torná-los seus
clientes. Apesar da Internet permitir pesquisar o produto antes da compra, a forma
mais eficaz de tornar o lojista num cliente é apresentar-lhe o produto fisicamente.
Tendo em conta as tendências supra mencionadas, potenciadas pelos avanços
tecnológicos, o papel do condutor também deverá evoluir - passando de ‘apenas’
condutor a condutor ‘vendedor’.
PROPOSTA DE ESTRUTURA DE UMA EMPRESA CUJO “CORE BUSINESS” SEJA A
ÚLTIMA MILHA DA LOGÍSTICA
Valências da empresa:
1. Centro de controlo com operação em tempo real
2. Diferentes tipologias de centros de distribuição (principais e secundários),
localizados estrategicamente
3. Frota própria diversificada para entregas a diferentes níveis geográficos
4. “Outsourcing” no transporte e no desenvolvimento de soluções tecnológicas à
medida (hardware e software)
CENTRO DE CONTROLO
Cérebro da Organização - responsável por recolher, analisar, definir e distribuir a
informação a todos os intervenientes no processo. Situado num dos principais centros
de distribuição e dotado de uma infraestrutura tecnológica com servidores próprios e
capazes de garantir um “uptime” de praticamente 100% (a fim de evitar quebras de
serviço no fluxo informacional), bem como de Internet de alta velocidade.
Este centro de controlo poderá assemelhar-se a uma torre de controlo de um aeroporto,
com os respetivos controladores e seus monitores. Cada um será responsável por X
viaturas e respetivas áreas de atribuição e fluxos de informação.
Disporá de um ecrã de grandes dimensões para visualização de um mapa dinâmico, com
localizações de toda a frota, com código de cores que indique se as viaturas se
encontram dentro do tempo previsto, com indicações do trânsito em tempo real e outras
notificações que possam ser consideradas pertinentes. Pretende-se que este ecrã
permita a um Gestor de Operações a leitura visual rápida dos principais acontecimentos
e centros de distribuição.
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CENTROS DE DISTRIBUIÇÃO
Rede de centros de distribuição, principais e secundários, cuja localização foi
determinada com base na importância ou representatividade de cada área para o
atividade da distribuição em causa. Pretende-se que estes centros assumam a dupla
função de aglutinadores de informação e distribuidores de materiais. Cada pacote ou
contentor, enviado de um centro de distribuição para outro, terá um dispositivo que
comunica a sua localização e estado, permitindo que à chegada/na receção o registo
ocorra de forma automática e envie para o centro de controlo um manifesto
continuamente atualizado.
FROTA
Numa primeira fase, uma frota diversificada com até X veículos (desde camiões para
longas distâncias; passando por carrinhas para clientes mais próximos, até motas para
entregas mais rápidas e de grande proximidade geográfica). Esta frota, principalmente
os camiões e as carrinhas, beneficiaria de um conjunto de soluções tecnológicas,
composto por sensores diversos (IoT) para, não só permitir a geolocalização e a
monitorização, mas também questões de segurança relacionadas com o estado do
veículo, tempo de condução etc. Estes dados seriam enviados em tempo real para o
centro de controlo e o condutor receberia, num dispositivo tipo tablet, indicações
respeitantes a possíveis alterações na rota devido a acidentes ou outras situações,
indicações de segurança ou manutenção (pressão e estado de pneus, níveis de óleo etc.).
Numa segunda fase, a frota poderia manter alguns veículos “tradicionais” - para uso por
parte dos ‘condutores vendedores’ - mas os restantes deveriam ser de condução
autónoma e/ou elétricos, a fim de beneficiar não só de ajudas de Estado mas também de
reduzir os custos de manutenção e maximizar o tempo de circulação (sem necessidade
de realizar pausas para descanso).
OUTSOURCING
Em termos de transporte, o “insourcing” somente não será nem deverá ser suficiente,
havendo a necessidade de contratar terceiros, principalmente para áreas geográficas
mais distantes dos centros de distribuição principais.
Apesar de justificada a elevada utilização de tecnologia em todas as soluções indicadas
previamente, a permanência de uma equipa de pessoal técnico, para desenhar e
implementar soluções a nível de hardware ou software por parte da empresa, não seria
economicamente viável. Esta área afigura-se como ideal para “outsourcing”, podendo a
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empresa manter um técnico permanente para auxílio e manutenção da infraestrutura
tecnológica existente.
NOTA CONCLUSIVA
A proposta apresentada pretende evidenciar o Pensamento Lean associado às operações
inerentes ao último passo no processo de entrega de um bem. Todas as soluções
indicadas procuram a redução dos custos na LML e dos desperdícios de informação, de
materiais e de tecnologia. A nova era do consumidor informado e exigente desencadeia a
necessidade de pensar/criar/operacionalizar praticamente ‘na hora’ e ‘em cima do
acontecimento’. Diante de tão exigente contexto, e tendências já identificadas e
estudadas, o pensamento magro é basilar para a aquisição de efetiva vantagem
competitiva e sustentável por parte de uma organização.