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Liberdade Religiosa
Sábado, 11 Março 2006
A cerimónia da tomada de posse do Presidente da
República revelou uma contradição entre as regras do
protocolo de Estado e a Lei da Liberdade Religiosa,
publicada em 2001 e que determina a igualdade entre as
confissões religiosas. Quem levantou a questão foi a
associação República e Laicidade, considerando "difícil de
imaginar" o modo como "os muitos políticos que participaram naquele
evento encaram a presença "oficialmente destacada" que o cardealpatriarca católico aí teve".
No artigo em que se densifica o princípio constitucional da não
confessionalidade do Estado, estabelece-se claramente que "nos actos
oficiais e no protocolo de Estado" será respeitada a separação entre o
Estado e a Igreja. Mas o cardeal-patriarca de Lisboa continuou a ter um
lugar de relevo no cerimonial parlamentar de investidura do Chefe de
Estado, sentando-se na tribuna A, ao lado dos ex-Presidentes e exprimeiro-ministros.
No ordenamento de precedência das entidades para a sessão de
cumprimentos, o cardeal surge em quarto lugar, mesmo antes de titulares
de órgãos de soberania como os vice-presidentes da Assembleia da
República, presidentes dos grupos parlamentares e deputados. E muito à
frente dos embaixadores e das altas autoridades portuguesas, nas quais
estão os ex-Chefes de Estado, antigos primeiros-ministros e presidentes da
Assembleia da República.
Em Portugal não há nenhuma lista de precedências de Estado com força de
lei, funcionando esta sobretudo com força consuetudinária e o peso da
tradição. Foi assim que Assembleia da República (AR) e Ministério dos
Negócios Estrangeiros (MNE), onde funciona o protocolo de Estado,
justificaram a presença do cardeal-patriarca. "Sempre foi assim, desde há
séculos e mesmo depois do 25 de Abril", afirmou ao PÚBLICO Carneiro
Jacinto, porta-voz do MNE.
"Vivemos sempre nesta ponte entre sermos um país católico e a separação
entre o Estado e a Igreja", confessou a secretária-geral da AR, Adelina Sá
Carvalho, sublinhando que o desenho do cerimonial da investidura,
elaborado em "estreita cooperação com o protocolo de Estado", manteve a
tradição.
"O que existia é o que existe, o protocolo é o protótipo da estabilidade e
muda muito devagar", considerou ainda. Mas naturalmente que admite
mudanças: "Sabemos que existe a lei e com certeza que a questão está a
ser ponderada pelo protocolo de Estado e provavelmente dentro de pouco
tempo serão feitas as alterações necessárias."
O PÚBLICO tentou obter uma justificação junto do protocolo de Estado, mas
tal não foi possível durante o dia de ontem.
Público OnLine (Portugal)

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