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1

ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO

ANIMAIS SILVESTRES
E O PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO

GUARULHOS, 2001
Edição revisada em 2013
2

ANIMAIS SILVESTRES E O PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO

Monografia apresentada às Faculdades Integradas de Guarulhos (FIG),
como Trabalho de Conclusão do Curso de Direito e obtenção do título de
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.
Ano: 2001

ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO

Guarulhos
Edição revisada em 2013
3

DEDICATÓRIA

Ao Pietro Augusto Nassaro, meu filho.

Que ele possa conhecer os animais silvestres
no seu ambiente natural ou, porventura,
em algum cativeiro preservacionista.
Que ele possa ser beneficiário
de toda a riqueza ambiental
de que dispomos.
4

AGRADECIMENTOS
Aos dedicados integrantes do Comando de Policiamento Ambiental
(CPAmb) e seus batalhões, órgão fiscalizador do aproveitamento dos recursos
naturais e pioneiro na defesa do meio ambiente de São Paulo. O trabalho junto ao
CPAmb despertou o interesse do autor pelo estudo da legislação aplicada à fauna.
Ao Des. Álvaro Lazzarini, pelas preciosas lições de Direito Administrativo.
A cada dia seus ensinamentos revelam-se atuais e imprescindíveis ao bom trabalho
do administrador público.
Ao Des. Celso Luis Limongi, que gentilmente ofereceu a correção da
obra, valorizando a sua apresentação.
A João Daniel Rassi, brilhante Professor de Direito Penal, pela orientação
e acompanhamento do trabalho de pesquisa.
A Vander Ferreira de Andrade, companheiro de profissão e Professor
talentoso, pelas valiosas sugestões apresentadas.
A Marcelo Robis Francisco Nassaro, estudioso da matéria ambiental, pelo
fornecimento de material bibliográfico. Sua mais enriquecedora contribuição foi o
incentivo que um irmão é capaz de dar.
5

“Deus disse: ‘Produza a terra seres
vivos segundo a sua espécie: animais
domésticos, répteis e animais selvagens,
segundo a sua espécie’.
E assim se fez. Deus fez os animais
selvagens segundo a sua espécie, os
animais domésticos igualmente e, da mesma
forma, todos os animais que se arrastam
sobre a terra. E Deus viu que isto era bom.
Então Deus disse: ‘Façamos o homem
à nossa imagem e semelhança. Que ele
reine sobre os peixes do mar, sobre aves
dos céus, sobre os animais domésticos e
sobre a terra, e sobre todos os répteis que se
arrastam sobre a terra’.”

Livro do Gênesis, capítulo I, “A criação”,
versículos 24-26
6

SUMÁRIO
1. A MANTENÇA DE ANIMAL SILVESTRE A PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO
(INTRODUÇÃO).......................................................................................................08
2. CONCEITOS E CLASSIFICAÇÃO DOS ANIMAIS....................................................11
2.1 Conceitos Básicos..................................................................................................12
2.1.1 Espécie..............................................................................................................12
2.1.2 Espécime...........................................................................................................15
2.1.3 Animal................................................................................................................15
2.1.4. Fauna................................................................................................................16
2.1.5 Espécie nativa e espécime natural...................................................................17
2.2 Como se classificam os animais..............................................................................19
2.2.1 Fauna silvestre..................................................................................................19
2.2.2 Fauna doméstica: os utilitários e os de estimação............................................22
2.2.3 Domesticados....................................................................................................26
2.2.4 Fauna exótica....................................................................................................27
2.2.5 Animais em cativeiro..........................................................................................31
2.2.6 Animais em liberdade........................................................................................33
3. EVOLUÇÃO DA TUTELA LEGAL DA FAUNA NO BRASIL......................................35
3.1 Legislação anterior à Constituição Federal de 1988............................................36
3.1.2 A Lei 5.197/67 e a interpretação do vocábulo “utilização”..............................38
3.2 A mudança do tratamento jurídico da fauna, do início do século XX
até a Constituição de 1988.................................................................................42
3.3 A mobilização mundial a partir da segunda metade do século XX.....................44
3.4 A fauna silvestre como bem público de interesse difuso....................................47
3.5 Inovações da Lei 9.605/98 em relação à proteção da fauna..............................52
7

4. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 29 DA LEI 9.605/98..............................................54
4.1 Os quatro enfoques do artigo 29 da Lei 9.605/98..................................................55
4.1.1 Proteção da integridade dos animais silvestres................................................56
4.1.1.1 Os atos de caça e a integridade dos animais silvestres..............................60
4.1.2 Proteção da capacidade de reprodução da fauna...........................................65
4.1.3 Proteção da integridade dos ninhos, abrigos e criadouros naturais................67
4.1.4 Restrição da exploração econômica do animal silvestre e de seus
subprodutos.....................................................................................................69
4.2 A guarda doméstica e a hipótese de perdão judicial............................................73

5. O APROVEITAMENTO DOS RECURSOS DA FAUNA SILVESTRE......................77
5.1 Custo ambiental e intervenção humana no meio natural......................................78
5.2 O aproveitamento privado do animal silvestre......................................................83
5.3 Conceito de posse aplicado ao animal silvestre...................................................86

6. EXERCÍCIO IRREGULAR DA MANTENÇA, SANÇÃO E APREENSÃO................91
6.1 A posse injusta de animais silvestres e a necessidade de incentivo ao comércio
legal.....................................................................................................................92
6.2 A preferência popular pelo papagaio e a devida preservação das espécies
da fauna silvestre................................................................................................95
6.3 Eventual sanção para a posse injusta na mantença de animal silvestre a
propósito de estimação......................................................................................99
6.4 A questão da apreensão do animal silvestre.....................................................104

7. CONCLUSÕES......................................................................................................110
8

1. A MANTENÇA DE ANIMAL SILVESTRE A PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO
(INTRODUÇÃO)

A conduta de mantença de animal silvestre a propósito de estimação é
comum no Brasil, tanto no meio rural quanto no meio urbano. Espécimes diversos
como papagaios, araras, macacos e tartarugas, integrantes da fauna silvestre, são
mantidos em ambiente doméstico sem autorização ou licença devida 1. Apesar da
irregularidade dessa situação, muitos cidadãos mantêm animais bem cuidados,
submetidos à condição de ente de estimação.
O vocábulo “mantença” ora adotado significa, exatamente, provimento de
sustento, ou mantenimento. Portanto, o seu emprego é adequado para identificar a
conduta do possuidor que trata do espécime simplesmente para o propósito de
estimação e nunca para finalidade comercial ou de utilização, em sentido estrito.
Manter simplesmente um animal silvestre em ambiente doméstico a
propósito de estimação não representa um mal em si e não constitui ação moralmente
reprovável; aliás, diversas espécies foram salvas da extinção em razão de que foram
preservados espécimes representativos em cativeiro. Todavia, a conduta tolerada pode
estimular a retirada ilegal de espécimes do meio natural e o seu comércio clandestino,
comprometendo a perpetuação das espécies e o equilíbrio ecológico; esta é a grande
preocupação dos ambientalistas e estudiosos das questões da fauna.
No Brasil, a Lei 9.605/98 que trata dos crimes ambientais deu margem a
algumas interpretações, menos ou mais rigorosa, sobre o tema proposto. Afinal, a
mantença de animal silvestre é crime ou não? Em que condições é possível identificar
1

A legislação brasileira admite a compra e a venda de animais silvestres a títulos diversos, como se
observa no artigo 19 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais), em que se
nota a excludente de ilicitude do crime relacionado ao comércio, transporte e depósito de animal
silvestre, entre outras condutas, quando o espécime é proveniente de criadouros autorizados ou
mediante a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Já a Portaria do
IBAMA nº 117, de 15 de outubro de 1997, que regulou a compra e venda de animais silvestres,
estabeleceu em seu artigo. 10: “Os animais vivos da fauna silvestre brasileira poderão ser
comercializados por criadouros comerciais, jardins zoológicos devidamente registrados no IBAMA e por
pessoas jurídicas que intencionem adquirir animais e revendê-los a particulares para dar inicio à criação
comercial ou conservacionista ou para aqueles que pretendam mantê-los como animais de
estimação” (grifo nosso).
9

o propósito de estimação? E como distinguir o propósito de estimação do propósito de
utilização? Pois bem, estima-se que mais de 500.000 espécimes da fauna silvestre
são mantidos no interior de casas e em quintais, apenas no Estado de São Paulo, na
condição de bichos de estimação2. Qualquer um de nós conhece um vizinho, um
parente, ou um amigo que possui animal silvestre em casa e quase todos não têm
licença ou autorização para tanto. Essa é a realidade.
Todos os mantenedores em situação irregular são criminosos? Qual o
grau de lesividade da conduta ao meio ambiente? Quais os mecanismos legais
eficazes para desestimular a posse injusta do animal silvestre? É possível
compatibilizar a vontade popular de se manter, por exemplo, um papagaio em casa e
ao mesmo tempo perpetuar a espécie silvestre especialmente protegida em lei?
São estas as indagações que motivaram o esforço de pesquisa e o
exercício de raciocínio sobre os dispositivos legais aplicáveis ao tema, que se revela de
interesse multidisciplinar, razão pela qual foi ele explorado no âmbito de diversos
ramos do Direito, especialmente o Penal, o Administrativo, o Constitucional, o Civil e o
mais recente Direito Ambiental, que vem conquistando um espaço de destaque.
Mas a pesquisa não se limitou ao campo jurídico. Trata-se de assunto
complexo e raramente explorado na literatura, circunstância que exigiu prévia análise de
conceitos ambientais e reflexões sobre os aspectos histórico, social, cultural e ecológico
que influenciam decisivamente a correta interpretação da norma legal. Diante disso,
impôs-se a produção de um capítulo especialmente para a apresentação do resultado de
uma preliminar análise conceitual que abre o desenvolvimento do trabalho.

2

O Boletim Técnico n. 2, Ano I, de 15 de agosto de 2000, do Comando de Policiamento Florestal e de
Mananciais, atual Comando de Policiamento Ambiental de São Paulo, sob o título: “Guarda Doméstica
de Espécie Silvestre a Título de Estimação”, registrou: “Estima-se que há hoje mais de 500 mil animais
silvestres vivendo em cativeiro em todo o estado de São Paulo, na condição de animais de estimação,
recebendo tratamento razoável, não havendo qualquer possibilidade de dar-lhes outra destinação
melhor e mais adequada, por falta de estrutura ou de acompanhamento técnico especializado, até
porque o animal silvestre, depois de domesticado, perde suas características naturais de sobrevivência,
não podendo mais ser reintegrado ao seu habitat natural”. Mesmo diante da inexistência de dados
estatísticos confiáveis, mas levando-se em conta a totalização de apreensões ou simples constatações
de animais silvestres em cativeiro na sequência dos anos seguintes, acredita-se que a estimativa
estava correta no ano 2000 e continua hoje próxima do real.
10

A verificação da evolução da tutela ambiental, em especial a tutela da
fauna no Brasil, mereceu destaque em vista de que não é possível compreender a
legislação atual referente a assunto tão específico sem conhecer o desenvolvimento,
no curso da história, do esforço legal de preservação dos recursos ambientais,
particularmente os da fauna silvestre.
A interpretação do artigo 29, da Lei 9.605/98, com todas as suas
previsões de condutas criminosas contra a fauna, subsidia o estudo centrado na
abordagem da teoria da posse aplicada ao animal silvestre. Parte-se do princípio de
que, por disposição legal, a fauna silvestre é propriedade da União e que é possível o
aproveitamento privado, mediante autorização para a mantença de animal silvestre a
propósito de estimação.
Buscou-se uma abordagem prática da questão, sem omissão das
características do contexto atual, a fim de que a interpretação dos dispositivos legais
viabilize a adoção de medidas coerentes, não somente subordinadas ao princípio da
legalidade, mas também ao da razoabilidade e ao da realidade. Nessa linha, foram
analisados o problema da apreensão dos espécimes mantidos em ambiente doméstico
e suas consequências, bem como a forma de atuação do órgão de fiscalização
ambiental estadual de São Paulo.
Enfim, o tema desenvolvido abre espaço para amplo debate sobre a
compatibilização dos interesses sociais, primeiro, quanto à necessidade de
perpetuação das espécies da fauna silvestre, para que possam desempenhar sua
função ecológica no meio natural e, segundo, quanto à possibilidade de exercício da
mantença de animais silvestres em ambiente doméstico, questão para a qual se
propõe solução que viabilize a sadia qualidade de vida humana, em amplo e irrestrito
sentido, e o respeito à integridade das demais formas de vida, mediante um justo
aproveitamento dos recursos da fauna disponibilizados ao homem.
11

2. CONCEITOS E CLASSIFICAÇÃO DOS ANIMAIS

Antes do estudo da legislação vigente voltada às questões da fauna e
suas implicações, faz-se imprescindível a análise dos significados de vocábulos e
expressões básicas nela empregados com frequência, além da verificação da própria
classificação dos animais para efeitos jurídicos e operacionais.
Ao mesmo tempo em que são desenvolvidos os conceitos, é abordada a
questão da imprescindibilidade da integridade da fauna para a preservação do
equilíbrio ambiental, possibilitando a relação entre as diversas normas vigentes, o que
favorece a compreensão dos dispositivos legais em destaque.
Tal providência é justificável em virtude de que o assunto apresenta
peculiaridades e há escassez de literatura especializada na área do direito aplicado à
fauna. De fato, são poucos os doutrinadores que se aventuram em tecer comentários
sobre o tema proposto, mormente com uma abordagem prática que tanto interessa aos
operadores do direito e aos estudiosos da fauna.
Importante salientar que semelhantes expressões podem apresentar
diferentes significados do mesmo objeto, em normas que tratam de assuntos
correlatos, algumas indicando seu sentido mais amplo, outras indicando seu sentido
mais estrito, o que aumenta a necessidade de cautela na avaliação dos conceitos
utilizados. Comum, inclusive, o registro de definições no próprio texto legal com o
evidente propósito de evitar interpretações que não correspondam à expectativa do
legislador quanto à proteção da fauna.
Assim, a verificação do vocabulário básico e a assimilação de
conhecimentos fundamentais permitem ao pesquisador situar-se no contexto das
normas ambientais aplicáveis à fauna, garantindo-lhe a capacidade de identificação
dos seus principais elementos e, principalmente, a percepção de seu real significado,
que sempre se revela em favor do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois é
este exatamente o objetivo da tutela jurídica dos animais.
12

2.1 Conceitos básicos
2.1.1 Espécie
Espécie é a unidade biológica fundamental. Sem ingressar em debate
teórico no campo das classificações científicas - de taxonomia - pode-se afirmar que,
basicamente, espécie é um conjunto de indivíduos que possuem várias características
semelhantes entre si e em relação aos seus ancestrais e que, além dessas
semelhanças, ainda se entrecruzam. O entendimento inicial evoluiu para um conceito
biológico, como explica Mayr:
Desse critério que leva em conta o não cruzamento veio o chamado
conceito biológico de espécie. Uma espécie, de acordo com esse
conceito, é um grupo de populações naturais, que se cruzam entre si
que é reprodutivamente (geneticamente) isolado de outros grupos
semelhantes por causa de barreiras fisiológicas ou de comportamento3.

A tradicional estrutura hierárquica de classificação usada em biologia, do
nível maior para o menor, é o seguinte: vida, domínio, reino, filo ou divisão, classe,
ordem, família, gênero, espécie (baseado na taxonomia de Linnaeus). No propósito de
análise ora apresentado, serão abordados os níveis espécie, gênero e família,
levando-se em conta o critério do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica
adotado pelo XV Congresso Internacional de Zoologia, Londres, em julho de 1958. Por
essa convenção, a nomenclatura zoológica definida como “sistema de nomes
científicos aplicados a unidades taxonômicas de animais (táxons; singular: táxon) que
se sabe existirem na natureza, vivos ou extintos” (artigo 1º), definem-se critérios para
identificação e denominação exatamente desses três grupos básicos, padronizando-se
o emprego dos respectivos nomes4.
Levando-se em conta que várias espécies constituem um gênero e vários
gêneros constituem uma família, observaremos a seguinte sequência lógica dos
3
4

MAYR, Ernst. Isto é Biologia: a ciência do mundo vivo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 179.
PAPAVERO, Nelson, org. Fundamentos práticos de taxonomia zoológica: coleções, bibliografia,
nomenclatura. 2. ed. ver. e ampl. São Paulo: UNESP, 1994, p. 193.
13

conceitos, tendo por base o emprego dos termos na legislação vigente, em harmonia
com os critérios de fundamento biológico (do menor para o maior nível): o indivíduo:
unidade distinta, espécime, exemplar de uma espécie; a espécie: conjunto de
indivíduos, na condição já apresentada; gênero: espécie ou espécies que integram
uma categoria natural e a família: congregação de gêneros.
Ainda que os dispositivos legais tratem sempre da “espécie” como nível
básico, convém observar que ela pode tecnicamente ser dividida em subespécies e
estas ainda em variedades, ou seja, grupos de indivíduos com pequenas variações
uniformes em suas características, mantendo, todavia, semelhanças em comum que
definem a mesma espécie a que pertencem. Essa mínima variedade uniforme
observada consiste em uma chave que demonstra a dinâmica da natureza, em um
argumento importante para as ideias de Darwin, defendidas na sua obra clássica A
Origem das Espécies, em 1859:
Até o presente não se conseguiu traçar um limite entre as espécies e as
subespécies, isto é, entre as formas que, na opinião de alguns
naturalistas, podiam ser consideradas quase como espécies sem o
merecerem totalmente. Não se conseguiu, além disso, traçar uma linha
de demarcação entre as subespécies e as variedades bem
características, ou entre as variedades apenas sensíveis e as
diferenças individuais. Estas diferenças incorporam-se uma na outra por
graus insensíveis, constituindo em verdadeira série; ora, a noção de
série implica as ideias de uma transformação real5.

O gênero pode ser constituído de apenas uma espécie, por exemplo, o
próprio gênero humano, que é composto tão somente da espécie humana6. Em regra,
porém, na organização dos seres vivos proposta pela biologia, são verificadas
coleções de grupos que congregam características físicas e comportamentais
marcantes, obedecendo-se critérios objetivos para tal classificação, o que caracteriza o
coletivo “espécies” vinculadas a um gênero.
5
6

DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 67.
O Homo sapiens é espécie pertencente ao gênero Homo, da família Hominidae (taxonomicamente:
Homo sapiens; tem por significado em latim: "homem sábio"). Sua capacidade mental associada às
características físicas (corpo ereto e uso dos braços) proporcionou-lhe a capacidade de alterar o
ambiente ao seu redor e dominar outras espécies de forma única.
14

Identificam-se as espécies, particularmente, em virtude das qualidades do
seu hábitat natural, ou seja, do ecossistema em que naturalmente são encontrados os
seus representantes. Aliás, as próprias características das espécies também decorrem
da influência do meio em que evoluíram, em razão da somatória de mínimas variações
genéticas, verificadas nos ciclos da vida animal.
Podem as espécies, portanto, serem classificadas como próprias de uma
região ou de um país, em razão do local em que se encontra seu meio natural. Assim,
para aplicação da legislação pertinente, é fundamental observar que existem espécies
brasileiras, também denominadas próprias da fauna brasileira, e aquelas que não
integram a fauna nacional. Importante tal divisão para se verificar, por exemplo, o valor
ecológico de um animal em determinado espaço natural, definindo-se sua condição de
parte, ou não, essencial ao equilíbrio do ecossistema local.
Ainda sobre a distribuição geográfica das espécies, convém observar que
um animal introduzido em ecossistema diverso do seu, em contato com animais de
espécies distintas, pode trazer prejuízos ao equilíbrio ecológico da região, interferindo
na ocupação dos espaços naturais, na cadeia alimentar ou, ainda, disseminando
doenças contra as quais os animais locais não possuem defesas orgânicas
desenvolvidas.
Evidentemente as fronteiras dos países não são respeitadas pelas
espécies animais - que têm os seus próprios critérios de ocupação de espaço -,
exatamente porque o seu hábitat natural pode estender-se por mais de um território
geograficamente identificado pelo homem, em áreas contínuas ou não. Por exemplo, o
ecossistema conhecido como Pantanal encontra-se em grande parte no território
brasileiro (dois terços do seu total) estendendo-se aos territórios da Bolívia e do
Paraguai e isso faz com que as mesmas espécies consideradas brasileiras, que
povoam a região, também sejam consideradas nativas (próprias) da Bolívia e do
Paraguai.
15

2.1.2 Espécime
Como visto, a palavra “espécime” possui um sentido totalmente diferente
da palavra “espécie”, mas, devido à semelhança de grafia dos dois vocábulos, tem sido
notada imprecisão em relação ao seu emprego, mesmo na redação das leis. A
distinção é simples: espécime é um indivíduo representativo de um grupo (espécie,
gênero ou família), ou seja, qualquer animal ou planta - aqui compreendidos como
representantes do reino animal ou do reino vegetal -, ao contrário da espécie, que é
um conjunto de espécimes com características comuns. Também o animal morto é
considerado juridicamente um espécime, desde que não tenha passado o seu corpo
por processo de modificação para se chegar ao “produto” ou deste para o
“subproduto”7.
Oportuno destacar que o vocábulo “espécime” é um substantivo
masculino, devendo ser precedido do artigo “o” para referir-se tanto a exemplar macho
quanto a exemplar fêmea (“o espécime”), em oposição à “espécie”, que é um
substantivo feminino que representa, no âmbito da fauna, determinado coletivo de
animais.
Na sua forma plural - “espécimes” - o vocábulo é utilizado para descrever
indivíduos que podem pertencer ou não à mesma espécie.

2.1.3 Animal
O vocábulo “animal” possui dois sentidos principais encontrados nos
dicionários; o primeiro, mais amplo e originado na zoologia, corresponde à: “ser
organizado, com a forma do corpo relativamente constante, órgãos na maioria internos,
tecidos banhados em solução que contém cloreto de sódio, células revestidas de
membranas delicadas, com crescimento limitado, e provido de irritabilidade ou sistema

7

Por exemplo, as penas de uma ave silvestre multicolor podem ser compreendidas como um “produto”
da fauna silvestre, enquanto que um trabalho de decoração ou artesanato mediante uso desse mesmo
material é considerado um “subproduto”.
16

nervoso, que lhe permite responder prontamente aos estímulos”; o segundo, que exclui
o ser humano, indica: “qualquer animal que não o homem; o animal irracional” 8.
Objetivamente, quando a legislação utiliza a palavra “animais”, sem
qualquer adjetivo que a qualifique, pretende representar o conjunto de seres vivos
excluindo-se os integrantes da flora (Reino Vegetal ou Reino Plantae) e o ser humano.
O sentido jurídico da palavra, portanto, é o segundo, ou seja, diz respeito a ser vivo, do
Reino Animal (Reino Animalia), exceto o homem.
O homem, coletivo, apesar de também constituir uma espécie animal no
sentido amplo da palavra em análise, coloca-se acima de todos os integrantes das
outras espécies e racionalmente dita normas de aproveitamento, ou de convivência,
em relação a elas. Por isso, a maior parte dos doutrinadores defende que somente o
ser humano é considerado sujeito de direitos, enquanto que os “animais”, em sentido
estrito, são considerados objetos jurídicos por ele tutelados9.

2.1.4 Fauna
A palavra fauna refere-se a um amplo conjunto de animais. No texto legal,
tal como na linguagem comum, quase sempre ela é acompanhada de adjetivo que
determina sua abrangência, como por exemplo, silvestre, doméstica, exótica (de outros
países), ictiológica (dos animais que têm na água o seu principal meio de vida) etc.
Algumas vezes, inclusive, verifica-se a combinação desses adjetivos, o que reduz
ainda mais o conjunto de espécies animais representadas, como no inciso II, do artigo
2o da portaria do IBAMA nº 93, de 07.07.98, que estabeleceu normas para importação
8

9

.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova
Fronteira, 1996.
Mesmo os estudiosos do Direito Ambiental, novo ramo do Direito Público, resistem à ideia de que os
animais seriam “sujeitos de direito” e, de outra forma, a maior parte defende que os animais são
“objetos de direito” cuja titularidade pertence sempre ao homem em uma visão tradicionalmente
antropocêntrica e dominante nas Ciências Jurídicas. Nesse sentido, cita-se: “Os animais são bens
sobre os quais incide a ação do homem. Com isso, deve-se frisar que animais e vegetais não são
sujeitos de direitos, porquanto a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e
somente por via reflexa para proteger as demais espécies” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso
de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 89).
17

e exportação de animais vivos, além de produtos e subprodutos da “fauna silvestre
exótica”, ou seja, das espécies não domésticas próprias de outros países, salvo
aquelas que naturalmente passam parte do ciclo de sua vida nos limites do território
brasileiro.
Quando empregada isoladamente, a palavra “fauna” representa todas as
espécies animais exceto a espécie humana. Assim, por exemplo, o título “Crimes
Contra a Fauna”, dado à Seção I, do Capítulo V, da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes
Ambientais) propõe abranger todos os delitos praticados contra animais de qualquer
espécie - menos obviamente o homem -, seja ela integrante da fauna silvestre,
doméstica, exótica, ou de qualquer outra categoria de animais.
Sendo a fauna o conjunto dos animais próprios de uma região, de um
ecossistema, ou de um dado período geológico, é correto tanto afirmar que ela é
integrada por espécies quanto afirmar que é integrada por espécimes. Quando se diz
que fauna é um conjunto de espécies, considera-se a soma dos grupos de animais
existentes; quando se diz que fauna é um conjunto de espécimes, considera-se a
soma dos indivíduos existentes, independentemente das espécies à que pertencem.

2.1.5 Espécie nativa e espécime natural
A variada utilização dos adjetivos “nativo” e “natural”, qualificando um
espécime ou espécie animal nos textos da jurisprudência e da doutrina gera conflitos
de interpretação. Os dicionários trazem vários significados para esses dois vocábulos,
e é possível concluir que são mesmo sinônimos na linguagem comum. Porém, no
campo jurídico, o critério para utilizá-los com coerência deve ser o mesmo adotado na
lei, que é o principal objeto e também a fonte primária do trabalho de interpretação no
estudo do Direito.
Propõe-se, portanto, uma uniformização do uso das expressões,
respeitando-se o seu significado conforme expresso no texto legal hierarquicamente
superior, o mesmo que será adotado no desenvolvimento desse estudo.
18

O parágrafo 3o, do artigo 29, da Lei 9.605/98 estabelece que: “São
espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas,
migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de
seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas
jurisdicionais brasileiras” (grifo nosso). O sentido adotado na legislação brasileira,
portanto, é o seguinte: espécies nativas são grupos de animais cujo hábitat natural
permanente ou mesmo transitório consiste em ecossistema encontrado no território
nacional, ainda que sem exclusividade. Então, para efeitos legais, a capivara, o
tamanduá-bandeira, o lobo-guará e tantos outros animais característicos do território
nacional, integram as “espécies nativas”, mesmo que venham a ser encontrados em
outros ecossistemas ou criadouros no território estrangeiro.
Em contrapartida, “natural” tem o sentido próprio de lugar de nascedouro
de determinado animal. Assim, o espécime natural do Brasil - também denominado
“oriundo” do Brasil - é aquele nascido no território nacional, mesmo não pertencente à
espécie nativa.
É preciso ter muita cautela para utilizar a expressão “espécie natural
de...”, pois ela traz a compreensão, em sentido estrito, de que todos os animais
existentes de determinada espécie nasceram em uma mesma região. Isso pode
acontecer no caso das espécies endêmicas, ou seja, aquelas cujos espécimes vivos
são encontrados em apenas uma região, em determinado ecossistema, como por
exemplo, algumas espécies nativas de aves e macacos cujos espécimes - todos - são
10

encontrados apenas na Mata Atlântica, no Brasil . Em sentido amplo, a expressão
“espécie natural de...” também já foi utilizada para identificar os grupos de animais que,
no processo de evolução, surgiram em determinada região.
10

O Sabiá-pimenta, também conhecido por cocho ou crocoió (Carpornis melanocephala - Wied, 1820) é
exemplo de espécie endêmica da Mata Atlântica brasileira, ocorrendo localmente em Alagoas, e no sul
da Bahia a Santa Catarina. Sua distribuição é restrita à mata litorânea e de encosta; vive em áreas de
floresta não alterada, com presença de palmito. De acordo com a BirdLife International (2008), sua
população é estimada entre 2.500 e 10 mil indivíduos e se encontra em declínio. Por esse motivo, foi
classificada como espécie ameaçada de extinção, na condição Vulnerável (VU), o que significa que
enfrenta um risco alto de extinção na natureza (BRESSAN, Paulo Magalhães, KIERULFF, Maria Cecília
Martins, SUGIEDA, Angélica Midori: coordenação geral. Fauna ameaçada de extinção no estado de São
Paulo. São Paulo: Fundação Parque Zoológico de São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2009, p. 231).
19

Não é conveniente o uso da expressão “espécime nativo”, pois tal
adjetivação aplicada a um determinado espécime animal pode apresentar dois
sentidos distintos: que esse exemplar pertence à espécie própria de um país, ou que
ele tenha nascido nesse mesmo país (onde está o referido espécime), dificultando
sobremaneira a compreensão do texto. Melhor utilizar as construções: “animal de
espécie nativa” e/ou “espécime natural de...”, dependendo da ideia que se deseja
exprimir.
Em síntese, para evitar a duplicidade de sentidos dos adjetivos e não cair
na armadilha das expressões que também podem indicar mesmos significados é
aconselhável utilizar sempre as expressões: espécies nativas, para indicar espécies
próprias ou características de um país (ou em mais de um) em razão do local onde se
encontra o seu hábitat natural; e espécime natural, para indicar o local de nascimento
de determinado espécime animal (do mesmo modo, não empregamos a palavra
origem para evitar duplo sentido).

2.2. Como se classificam os animais
2.2.1 Fauna silvestre
No ordenamento jurídico brasileiro, as duas principais leis federais em
vigor que tratam da proteção da fauna, Lei 5.197/67 e Lei 9.605/98, trazem definições
que se complementam quando procuram delimitar o universo de abrangência das suas
normas aplicadas aos animais da denominada fauna silvestre.
O artigo 1o da Lei 5.197/67 estabelece o critério geral de qualificação da
fauna silvestre: “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase de seu
desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna
silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade
do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”
(grifo nosso). Já o parágrafo 3o, do artigo 29, da Lei 9.605/98 ampliou o conceito de
20

fauna silvestre para abranger também os animais que, apesar de não serem próprios
do Brasil, nascidos ou não no país, têm ao menos parte do seu ciclo natural de vida no
território nacional (como visto, “São espécimes da fauna silvestre todos aqueles
pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou
terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites
do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”).
Sendo assim, por exemplo, nos limites do território nacional, os animais
que pertencem a espécies migratórias, oriundos de outros países, têm tratamento legal
especial, pois são reconhecidos como integrantes do conjunto da fauna silvestre
(nacional). Há interesse do Estado na sua preservação, eis que, em tese, desenvolvem
relações de interdependência com outras formas de vida locais, durante essa
permanência ou período de trânsito.
Exemplo de espécie migratória é a pequena ave conhecida como
maçarico, que vem buscar no verão brasileiro condições propícias para a sua
reprodução. Proveniente do extremo norte do Continente Americano, passa até cinco
dias voando, sem se alimentar, e pode ser encontrada em grupos no litoral do Brasil. A
presença dessa ave no território nacional é significativa e, em Pernambuco, no litoral
próximo de sua capital, Recife, exatamente na Praia de Coroa do Avião, foi instituída
uma Base de Pesquisa de Aves Migratórias administrada pela Universidade Federal
Rural de Pernambuco, que dispensa especial atenção ao seu estudo; a ave já é
considerada característica da região e por isso são pesquisadas melhores condições
de preservá-la.
Na verdade, a palavra “silvestre”, é um adjetivo que significa na
linguagem comum “próprio das selvas” e por isso é aplicada inclusive ao animal que,
mesmo não pertencente a espécies brasileiras, reúne características que o qualificam
como naturalmente selvagem. Esta é a razão pela qual os dispositivos legais apontam,
quando necessário à clareza da exposição, se a fauna silvestre a que se referem é a
nacional ou não, como é o caso da portaria do IBAMA nº 93, de 07.07.98, que no
21

inciso I e II, respectivamente, do seu artigo 2o, trouxe a definição de “fauna silvestre
brasileira” (a mesma do parágrafo 3o, do artigo 29, da Lei 9.605/98) e a definição de
“fauna silvestre exótica”.
Realmente, o critério básico é a condição de viver naturalmente fora do
cativeiro, em outros termos, é animal silvestre aquele que pelas suas características
físicas e comportamentais vive naturalmente sem qualquer relação de dependência
com o homem. Esta é uma norma em branco, ou seja, que exige complementação de
outra fonte para a sua exata compreensão e justa aplicação. Assim, o Poder Público
deveria apresentar regulamentação da matéria, estabelecendo quais são efetivamente
as espécies silvestres, particularmente as brasileiras, no plano da classificação geral
das espécies proposta pela biologia; no entanto, essa é uma tarefa extremamente
difícil, em razão da quantidade e da mutabilidade das espécies existentes, muitas
delas ainda desconhecidas.
Atualmente são conhecidas mais de um milhão de espécies animais no
mundo e todos os anos este número cresce com a descoberta de novos organismos.
Na dinâmica da natureza, a própria evolução das espécies faz com que umas se
extingam e outras apareçam, com ou sem a interferência do homem, como resultado
das transformações a que estão sujeitas ao longo do tempo. A título de ilustração,
durante

a

elaboração

da

primeira

versão

desta

pesquisa,

reconheceu-se

cientificamente a existência de uma nova espécie de camelo, conforme noticiado em
revista de circulação nacional:
Reconhecida oficialmente a existência de uma nova espécie animal. O
camelo selvagem de Lop Nur, na China, tem capacidade de sobreviver
em um deserto usado para testes nucleares ingerindo apenas água
salgada. O DNA apresenta diferença de 3% em relação à espécie
domesticada. A variação do DNA do homem para o chipanzé, por
exemplo, é de 5%11.

Como tecnicamente é inviável relacionar em regulamentação quais as
espécies que naturalmente vivem fora do cativeiro - e por isso integram a fauna
11

Revista Época, nº 143, ano III, ed. Globo, 12.02.2001, p. 33.
22

silvestre -, o que abrangeria a maior parte delas, os animais silvestres são legalmente
considerados como tal por processo de exclusão, na seguinte fórmula: são animais da
fauna silvestre todos aqueles que não são classificados como animais da fauna
doméstica.

2.2.2 Fauna doméstica: os utilitários e os de estimação
O conceito de fauna doméstica foi apresentado no inciso III, do artigo 2o,
da portaria do IBAMA nº 93/98 com a seguinte redação:
Fauna Doméstica: todos aqueles animais que através de processos
tradicionais e sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico
tornaram-se domésticos, apresentando características biológicas e
comportamentais em estreita dependência do homem, podendo
apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os
originou.

O anexo I da mesma portaria apresentou uma “listagem de fauna
considerada doméstica para fins de operacionalização do IBAMA”, que traz o nome
comum, além do nome científico das espécies (nome composto, em latim). Constavam
nessa relação cinquenta e quatro animais como: abelhas, cabra, cavalo, ovelha,
coelho, cachorro, gato, gado bovino etc. e alguns deles com variações nominadas.
Notadamente é bem mais fácil relacionar e nominar os domésticos que os integrantes
da fauna silvestre, que é constituída da grande maioria das espécies do reino animal.
Ao contrário dos animais da fauna silvestre, o animal doméstico já se
encontra adaptado para a vida em cativeiro, apresentando características físicas e
comportamentais que indicam dependência do ser humano para a sua sobrevivência.
Isso em razão de que diversas gerações de determinadas espécies viveram em
contato direto com o homem desde tempos remotos, impondo-se gradativa alteração
do fenótipo dos indivíduos (característica determinada pelo seu genótipo e pelas
condições ambientais locais) que, ao longo do tempo, muito lentamente foi incorporada
às características do respectivo grupo animal. O processo de seleção provocado pelo
23

homem em relação aos espécimes para fins de cruzamento, em um segundo
momento, fez acelerar as mudanças12.
Darwin dedicou todo o primeiro capítulo de sua obra A Origem das
Espécies para demonstrar as evidências da “Variação sob domesticação”, tendo por
laboratório sua criação de pombos de diversas espécies. Abordou temas como as
causas de variabilidade, a origem das variedades domésticas a partir de uma ou mais
espécies, os princípios de seleção anteriormente aplicados e seus efeitos, a questão
da seleção inconsciente e as circunstâncias favoráveis à capacidade de seleção do
homem, entre outros aspectos relevantes de sua revolucionária pesquisa. Quanto aos
efeitos dos hábitos e do uso ou desuso de partes do corpo do animal, partindo de suas
observações registrou, a propósito de exemplificação das variações constatadas:
(...) descobri que, comparados com os patos selvagens e
proporcionalmente ao peso total do esqueleto, os patos domesticados
têm os ossos das asas mais leves e os das pernas mais pesados, o que
se pode atribuir com segurança ao fato de os patos domésticos voarem
muito menos e andarem mais que os seus antepassados selvagens.
Outro exemplo possível dos efeitos do uso é o grande desenvolvimento,
adquirido por herança, dos úberes nas vacas e das tetas das cabras
nos locais em que se ordenham estes animais, desenvolvimento que
não se observa onde não se registra esta prática. E um exemplo do
desuso será o fato de todos os animais em estado doméstico terem,
nalgumas regiões, orelhas mais caídas que os seus congêneres
selvagens, muito provavelmente porque vivem num estado de alerta
inferior e, consequentemente, dão menos uso aos músculos das
13
orelhas .

As espécies hoje consideradas integrantes da fauna doméstica são o
provável resultado de um processo histórico em que o homem elegeu, desde tempos
remotos, alguns animais - que naturalmente já ofereciam menor resistência ao cativeiro
- para viverem sob sua custódia, como uma garantia de provisão quando lhe faltasse a
caça habitual; deles poderia facilmente obter alimentos (carne e ovos) e matérias para
atender outras necessidades (peles para proteger-se do frio, ossos e chifres para
12

A Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, com repartição de benefícios,
define “espécie domesticada” no inciso IX, do seu artigo 7º, como: “aquela em cujo processo de
evolução influiu o ser humano para atender às suas necessidades”.
13
DARWIN, op. cit., p. 36.
24

construção de armas etc.). Também se cogita que algumas espécies se aproximaram
do homem pela maior facilidade de, nessa condição, obterem alimentos, como restos
de comida e carcaças de outros animais.
Paulatinamente, o homem da Antiguidade percebeu que era mais fácil
manter em cativeiro animais capturados, que caçar a cada vez que precisasse dos
recursos deles advindos. Descobriu e aperfeiçoou, como método, a criação de
espécies e não abandonou tão cedo a prática da caça, que continuou utilizando como
forma de complementação, para obter o que ainda lhe faltasse do reino animal.
No compasso dessa ligação de sobrevivência entre o ser humano e as
demais espécies, alguns animais que, por uma razão ou outra, viviam próximo do
homem - dentro ou fora do cativeiro - foram desenvolvendo com ele intensa relação de
dependência e, em razão das características comportamentais das espécies em
constante evolução junto ao homem, passaram a oferecer-lhe outro tipo mais
sofisticado de recurso: a companhia.
Gradualmente, o homem descobriu outras formas de aproveitamento dos
animais, em razão da sua proximidade e a decorrente adaptação das espécies ao
hábitat em comum (com o ser humano). Os animais passaram a ser utilizados como
instrumento de locomoção e transporte de objetos (por exemplo, cavalo com rédeas,
cavalos ou bois atrelados a carros ou charretes), como meio de prover segurança ou
recurso de caça para captura de outros animais (cães treinados para defesa,
farejadores e cães de caça), como meio de obtenção de medicamento (abelha, na
produção de mel e própolis), como meio de esporte e recreação (corridas, competições
diversas envolvendo os próprios animais em disputas), como guia (no caso de cão
treinado utilizado por deficiente visual) e tantas outras formas de aproveitamento que
foram incorporadas à cultura dos diversos povos, de tal modo, que atualmente é quase
impossível imaginar a vida do ser humano sem a presença do animal doméstico.
Hoje em dia, aliás, quando se fala em animal doméstico, remete-se
automaticamente àqueles bichos tais como cães, gatos e pássaros que, apesar de não
25

serem utilizados economicamente ou como meio de obtenção de qualquer vantagem,
desempenham uma exata função junto ao seu mantenedor, a de simples companhia, e
são recipiendários de gestos de afeto, o que proporciona ao homem contemporâneo
um grande bem estar sobre o qual ele quase sempre desconhece a razão. Pois o que
lhe faz bem é o próprio contado com outra forma de vida animal, que passou a
denominar “de estimação” em vista de sua afeição e apreço desenvolvidos por ela. No
meio urbano, onde atualmente habita a maior parte das pessoas, é o animal de
estimação quase sempre a ligação mais forte, tanto quanto primitiva, do homem com a
própria natureza.
A relação que se estabelece, por vezes é tão intensa que o animal de
estimação passa a ser considerado um integrante da família de seu mantenedor.
Sobre esse tema, discorreu interessante matéria publicada em revista de circulação na
Grande São Paulo, com o título “Adeus, bichinho”:
Calcula-se que os paulistanos criem cerca de 1,4 milhão de cães e
600.000 gatos, entre outros bichos de estimação. Muitos são tratados
como se fizessem parte da família e chegam a dormir no próprio quarto
do dono. Quando um animalzinho desses adoece e morre, seu
proprietário às vezes chega ao desespero. ‘O animal torna-se um
companheiro de rotina. Supre as necessidades afetivas de pessoas
com dificuldades de se relacionar ou que vivem sozinhas’, diz a
psicóloga Fabiana Rossi Vallejo, especializada no tratamento de
traumas, como a perda de um ente querido. (...) Inaugurado em junho,
em São Bernardo do Campo, o crematório Pet Memorial oferece duas
salas para velório, uma capela e apoio psicológico para os donos. Foi lá
que a família Maeda deu adeus ao seu cocker spaniel ‘Bruno Shien Le
Rochelle’, morto em setembro. ‘Ele chegou num momento difícil para
nós e nos trouxe muita alegria’, diz Yoko Maeda, com lágrimas nos
olhos. As cinzas do cachorro foram depositadas em uma urna que é
uma réplica de um cocker14.

Diante das peculiaridades dessa forma de relacionamento do homem
com os animais, que denominamos “mantença a propósito de estimação”, torna-se
mesmo difícil reconhecer o aspecto de “aproveitamento” do recurso ambiental,
enquanto

os

termos

“exploração”,

ou

“utilização”,

revelam-se

absolutamente

inadequados para adjetivá-lo. O homem estaria se aproveitando do animal ao suprir
14

Revista Veja São Paulo, suplemento da revista Veja, edição 1677, ano 33, ed. Abril, 29.11.2000, p. 47
26

com ele sua carência afetiva? Antes disso, verifica-se propriamente uma troca de
“favores” entre dois seres vivos. Com efeito, o mantenedor aproveita-se tanto da
companhia do animal, quanto este se beneficia da sua relação de dependência do ser
humano, para sua sobrevivência e conforto, encontrando-se a ele sujeito.
Apesar dessas considerações, raciocinando no sentido de que a opção
normalmente não é do animal estimado, mas ao contrário, do homem, que por sua
iniciativa submete-o à condição de objeto de “estimação”, dá-se tratamento a tal
conduta como uma das modalidades de aproveitamento da fauna, evidentemente, com
a ressalva de que não se considera um caso de “utilização”, conduta dirigida aos
animais domésticos utilitários.
Portanto, os animais domésticos podem ser classificados em duas
grandes categorias, sob o critério da forma de relacionamento com o ser humano, o
que implica em diferentes modalidades de seu aproveitamento: os animais domésticos
utilitários e os animais domésticos mantidos a propósito de estimação.

2.2.3 Animais domesticados
Alguns espécimes integrantes da fauna silvestre que mantêm intenso
contato com o ser humano, em especial aqueles que ainda filhotes foram colocados
em cativeiro - por exemplo, papagaios, araras ou macacos - deixam com o tempo de
apresentar características selvagens. O animal nessa condição, apesar de seu
comportamento já se assemelhar muito ao dos domésticos, não será classificado como
tal, ainda que mantido a título de estimação; continuará identificado como espécime da
fauna silvestre, pois pertence à espécie que não é considerada doméstica para fins
legais. O espécime nessa situação é considerado animal silvestre domesticado, ou
simplesmente animal domesticado.
As espécies domésticas têm normalmente o seu paralelo na fauna
silvestre, pois, na linha evolutiva em que surge a influência do homem, são as espécies
27

silvestres que dão origem às domésticas, o que não significa que todos os espécimes
tenham passado pelas mesmas transformações (as mudanças provocadas apenas
pelo meio natural são bem mais lentas, no raciocínio darwiniano sobre a variabilidade
doméstica). De fato, um espécime silvestre ora identificado como “paralelo” ao
doméstico é classificado pela zoologia como de espécie distinta, não obstante
apresentar semelhanças biológicas com os correspondentes domésticos. Por esse
motivo, interpreta-se que o espécime retirado do meio natural, continuará classificado
como integrante da fauna silvestre, mesmo que tenha sido domesticado.
Assim, quando se faz referência ao espécime ou animal domesticado,
compreende-se a sua condição de silvestre.

2.2.4 Animais da fauna exótica
Os chamados animais da fauna exótica no Brasil (ou da fauna
alienígena), por exemplo, o elefante, o leão e o canguru, são animais próprios de
outros países que comportam ecossistemas com características diversas dos
ecossistemas locais. Outros espaços territoriais congregam hábitat de permanência de
espécies que naturalmente não seriam encontradas no Brasil.
Nessa interpretação, os espécimes em rota migratória que possuem
como hábitat transitório localidade do território brasileiro, nos meios aéreo, terrestre ou
aquático, constituem exceção, pois, na ordem natural, participam do equilíbrio do
ambiente local durante parte de seu ciclo de vida.
Os animais da fauna exótica também são classificados como silvestres ou
domésticos. A definição de fauna silvestre exótica é trazida pelo inciso II, do artigo 2o,
da portaria IBAMA nº 93/98 com a seguinte redação:
São todos aqueles animais pertencentes às espécies ou subespécies
cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro e as
espécies ou subespécies introduzidas pelo homem, inclusive
domésticas em estado asselvajado ou alçado. Também são
consideradas exóticas as espécies ou subespécies que tenham sido
introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas jurisdicionais e
que tenham entrado em Território Brasileiro.
28

A “distribuição geográfica” inicialmente aludida, diz respeito evidentemente
à ordem natural de distribuição das espécies em razão do seu hábitat original de
permanência, sem a intervenção humana. Na sequência, é abordada a situação da
“introdução de espécies e subespécies”, ou seja, são qualificados como animais
silvestres exóticos também os espécimes silvestres pertencentes a espécies não
brasileiras (espécies que não são próprias do Brasil) e os espécimes domésticos em
estado selvagem pertencentes a espécies não brasileiras, trazidos diretamente ao
Brasil e, também, aqueles já nascidos no território nacional e pertencentes às espécies
silvestres não brasileiras, pois todos estes animais integram, de qualquer forma,
espécies que foram introduzidas no país e não fazem parte da fauna silvestre
nacional. Ao final, ainda são enquadrados como animais silvestres exóticos aqueles de
espécies silvestres não brasileiras que foram introduzidas em outros países e que
entram por qualquer meio em território brasileiro.
Já a fauna doméstica exótica é integrada por todos os animais que
pertencem a espécies não brasileiras e apresentam características físicas e
comportamentais que os qualificam como domésticos, nos termos do inciso III, do
artigo 2o da mesma portaria IBAMA nº 93/98 (“Fauna Doméstica: todos aqueles
animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e/ou
melhoramento zootécnico tornaram-se domésticos, apresentando características
biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo
apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os originou”).
Os animais exóticos de pequeno porte, por sinal, durante a década de
1990 foram preferidos por diversos moradores da Grande São Paulo, especialmente
os adolescentes, para a mantença a propósito de estimação. Tal modismo surgiu
provavelmente como reflexo da intensa divulgação com vistas à proteção aos animais
silvestres brasileiros, a partir da vigência da Lei 7.653, de 12 de fevereiro de 1988, que
impôs severas sanções aos atos de caça ilegal, classificando-os inclusive como crimes
29

inafiançáveis, o que pode ter diminuído a oferta de animais silvestres no mercado
clandestino. Como efeito da lei que recebeu várias críticas pelo desproporcional
tratamento jurídico, alguém que fosse detido matando um animal silvestre
permaneceria preso para responder ao processo crime (inafiançabilidade), enquanto
um réu primário com residência fixa poderia responder em liberdade pela prática de
homicídio, com o benefício da liberdade provisória15.
Adquiria-se nessa época, por exemplo, um lagarto water dragon do
sudeste asiático, uma cobra píton indiana, ou uma cobra corn slake norte americana.
Esse fenômeno teve breve duração, conforme relatado com precisão em revista de
circulação na cidade de São Paulo, em matéria sob o título: “o efeito colateral daquela
moda de criar cobras, lagartos, aranhas e outros bichos esquisitos: muitos desses
animais estão sendo abandonados em parques e praças da cidade”:
Para os funcionários do Instituto Butantan não é mais surpresa ver que
deixaram à sua porta uma caixa de madeira com uma cobra dentro. ‘Já
recebemos algumas raridades assim’, diz o biólogo Marcelo Duarte, do
laboratório de herpetologia. A maioria, no entanto, é figurinha repetida.
‘No ano passado, vinha pelo menos uma píton bola por mês’, recorda.
Não por acaso, essa cobra originária da África era umas mais
preferidas entre os colegiais16.

Esse episódio demonstra bem, de um lado, o fascínio das pessoas pelo
caráter de exotismo das espécies silvestres (tanto as nacionais quanto as estrangeiras)
e, de outro, o fato de que nem todos os animais silvestres se adaptam bem ao
ambiente doméstico e também o mantenedor não se adapta bem ao animal escolhido
para a mantença a propósito de estimação sem critério adequado.
Existe, evidentemente, o aspecto sanitário também a ser preservado,
diante do perigo de transmissão de doenças que podem ser trazidas por espécimes do
exterior e que causam danos à saúde humana e, igualmente, à saúde dos animais
15

Essa realidade mudou. A maior parte dos crimes contra a fauna silvestre prescritos na Lei 9.605/98
trouxe como pena a detenção de 6 meses a 1 ano e multa. Portanto, são consideradas infrações
penais de menor potencial ofensivo e, por isso, processados nos termos da Lei 9.099/95, que
possibilita a transação penal e a conversão da pena de privação de liberdade para a restrição de direitos.
16
Revista Veja São Paulo, integrante da revista Veja, nº 37, ano 33, ed. Abril, 11.09.2000, p. 12.
30

locais, que são geralmente as primeiras vítimas. Ainda, deve ser coibida a introdução
irregular de espécimes no hábitat natural da fauna silvestre brasileira, especialmente
em seus ecossistemas legalmente protegidos (áreas remanescentes), pois ela pode
desencadear grandes baixas na fauna local, pelo desequilíbrio da cadeia alimentar e a
concorrência entre os espécimes da fauna silvestre nacional e os da fauna exótica pelo
mesmo espaço.
Continua o relato na mesma matéria, ilustrando bem a questão do
comércio ilegal, das doenças transmissíveis e a inadequabilidade da mantença de
determinados animais silvestres em ambiente doméstico:
Doenças também são outro motivo que pode transformar o mascote em
estorvo. A incidência é alta, sobretudo por causa das más condições
em que os animais são transportados e mantidos nos fundos das ‘pet
shops’. Para driblar a fiscalização alfandegária, os importados vêm em
bolsos de casacos ou embolados às centenas dentro de malas quase
sem oxigênio. Recentemente, um homem foi preso com cerca de 500
pererecas ‘Dendrobates’ em tubos de filme fotográfico. Algumas
pessoas consideram que a raiz do problema é querer tratar como
animais domésticos bichinhos que estão longe de se prestar a esse fim.
‘É uma estupidez ter em casa esses bichos que não são sociais. Que
relação pode estabelecer um homem com uma espécie de lagartixa?’,
questiona Paulo Emílio Vanzolin, ex-diretor do Museu de Zoologia da
USP17.

Por isso, impõe-se como necessário um controle rigoroso aos atos de
comércio, mediante cumprimento de normas para importação e exportação de
espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre exótica. A esse propósito,
configura-se crime, nos termos do artigo 31 da Lei 9.605/98, a conduta de introduzir
espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por
autoridade competente.
Em nível internacional, a questão do comércio ilegal de animais silvestres
é um grande mal que deve ser combatido para o bem do equilíbrio ecológico do
planeta. Da mesma forma que animais da fauna exótica são transportados
irregularmente pelas fronteiras, ingressando eventualmente no Brasil, vários espécimes
17

Ibid., p. 12.
31

da fauna silvestre nacional (considerados exóticos em outros países) saem
irregularmente das fronteiras brasileiras, para suprir a demanda do comércio
clandestino no exterior.
Em síntese, os animais da fauna exótica também têm sido aproveitados
na modalidade de mantença a propósito de estimação, em pese os aspectos negativos
registrados, que indicam prejuízos ambientais em relação a tal prática quando não
observadas as condições impostas pela legislação pertinente, que regula o ingresso
dos espécimes naturais de outros países no território nacional.

2.2.5 Animais em cativeiro
O “cativeiro” citado na legislação de proteção da fauna significa
aprisionamento ou retenção em espaço limitado, para submissão do animal à condição
de dependência do ser humano. Por implicar em relativo cerceamento de locomoção
do espécime, o termo traz conotação negativa; porém, em muitos casos, o cativeiro é o
único meio de se preservar uma espécie que teve dizimados os espécimes que a
integram ou descaracterizado o seu hábitat natural.
Os zoológicos, que constituem principal exemplo de manutenção de
espécimes em cativeiro, desempenham uma função de difusão cultural quando
mantêm em exposição espécimes raros, possibilitando ao público conhece-los
fisicamente, ainda que afastados de seu ambiente natural. Afora esse aspecto,
também é comum a tentativa de preservação, em ambiente artificial, de espécies em
risco de extinção, o que importa na manutenção de espécimes em cativeiro conforme
relatado.
Quando são detectados sinais de iminente extermínio de determinada
espécie animal, em razão dos cálculos de quantidade de espécimes vivos no meio
selvagem, as organizações preservacionistas - públicas ou privadas - mediante heroico
32

trabalho de seus biólogos, procuram adaptar no cativeiro casais remanescentes, a fim
de que possam ser perpetuadas as espécies por meio de sua reprodução, ainda que
se perca a chamada “memória selvagem” que caracteriza o comportamento dessas
espécies no meio natural. Ao menos se resguarda, em última análise, o seu valor
genético na condição atual.
O cativeiro, nessa hipótese, corresponde a uma verdadeira “Arca de Noé”
do tempo contemporâneo, uma forma derradeira de salvar espécies da degradação do
meio natural e da dizimação de exemplares vivos por motivos diversos, particularmente
a ocupação humana de áreas protegidas e a caça ilegal, que provocam suas
extinções.
Existem hoje, por exemplo, algumas poucas dezenas de espécimes da
ararinha-azul, mantidos em cativeiro. O valor desses espécimes é incalculável, mesmo
vivendo em ambiente artificial, pois ainda não se conhece o potencial de recurso que
cada espécie animal, em sua exclusiva forma de vida, pode apresentar.
Trata-se de belíssima ave que possuía na caatinga o seu hábitat natural.
Em 1985, na região de Curaça, cidade do sertão da Bahia, foram localizados os
últimos exemplares que viviam no meio selvagem. Apesar do ecossistema não ter sido
degradado, a ação de traficantes de aves - com colaboração de caçadores da região -,
acabou com os poucos exemplares que viviam no meio natural e o último espécime,
que já era monitorado por biólogos, também desapareceu, conforme noticiou revista de
18

circulação nacional .
Porém, a simples manutenção da vida em cativeiro não corresponde à
recuperação de uma espécie da fauna silvestre, pois ela tem o seu valor ecológico
vinculado ao meio natural de origem, que determina padrões comportamentais e
reflete, no processo de evolução, características de ordem física. Se os espécimes
sobreviventes
18

continuarem

apenas

em

total

dependência

Revista Veja, Ed. Abril, nº 06, ano 34, ed. Abril, 14.02.2001, p. 81.

do

homem,

será
33

desenvolvida, com o tempo, uma nova espécie de animal doméstico. Fazendo-se uma
projeção, com sucessivas gerações nascidas em cativeiro, a ararinha-azul passará a
ter, por exemplo, atrofiados músculos e modificadas características do bico, garras e
pelagem, além da perda do instinto que possibilita sua defesa contra os predadores,
tornando inviável a sobrevivência no meio natural. Perde-se primeiramente a memória
selvagem da espécie; na sequência, perdem-se também as características físicas
originais, resultado da adaptação em novo ambiente, o artificial.
A reintrodução das espécies nativas no meio selvagem é a fórmula
buscada para a verdadeira preservação da biodiversidade comprometida pela ação do
próprio homem; porém, não é tarefa tão fácil quanto retirar os animais da natureza. Os
espécimes nascidos em cativeiro têm que aprender a sobreviver de forma
independente do homem (busca de alimentos, abrigo, defesa etc.) o quanto antes, e
são submetidos a estágios em viveiros cada vez maiores, com condições próximas às
do meio natural, mediante constante monitoramento de especialistas.
No entanto, a experiência tem demonstrado que, mesmo com os recursos
técnicos hoje disponíveis, a reintrodução de espécies nem sempre é missão possível.
O valor que deve ser pago como preço da desmedida intervenção humana no meio
natural ainda é muito alto.

2.2.6 Animais em liberdade
Animal da fauna silvestre, no sentido genérico, pela própria classificação
legal, é o que vive naturalmente fora do cativeiro. Animal em liberdade é aquele que
vive efetivamente fora do cativeiro, sendo ele integrante da fauna silvestre ou da
fauna doméstica. A vida em liberdade (ou fora do cativeiro), em situação de
independência do homem, faz parte da característica original das espécies silvestres.
34

Por isso, na ordem natural, os animais silvestres devem ser encontrados,
em maior número, soltos nos ecossistemas que caracterizam seu hábitat original. Já os
animais domésticos, em razão de sua dependência do homem, serão encontrados fora
do cativeiro proporcionalmente em menor número, como é o caso dos animais
domésticos abandonados ou fugidios.
Mas, afinal, por que os animais silvestres devem ser mantidos em
liberdade no seu hábitat natural? Possível responder essa indagação lembrando que
as complexas combinações da natureza e o emaranhado de relações físicas e
químicas que se processam entre todos os elementos dos ecossistemas, muitas ainda
desconhecidas, em seu conjunto, possibilitam o equilíbrio ecológico nos diversos níveis
na biosfera. O próprio ciclo da vida impõe que cada espécime - vegetal ou animal - tem
o seu papel bem definido nessas relações. A cadeia alimentar no reino animal é um
exemplo desse sistema de necessário equilíbrio.
Existe uma interdependência entre todos os elementos da natureza e, no
meio artificial - onde invariavelmente habita o homem -, as relações dessa rede não
são processadas com a mesma intensidade (quando possível que ocorram). Portanto,
para a preservação da biodiversidade é fundamental manter intactas algumas áreas,
notadamente nos locais em que se encontram significativos ecossistemas naturais tais
como florestas remanescentes, áreas com cobertura vegetal primária de diversas
categorias, mangues, rios etc. em espaços limitados geograficamente pelo Poder
Público, que serão preservados da interferência humana.
São as várias Reservas, as Estações Ecológicas, as Áreas de
Preservação Permanente previstas em lei. Nesses locais racionalmente protegidos
pelo homem, sobreviventes da degradação que já atingiu a maior parte de extensas
áreas consideradas de relevante interesse ambiental, os animais silvestres
naturalmente em liberdade podem desempenhar sua função ecológica.
35

3. EVOLUÇÃO DA TUTELA LEGAL DA FAUNA NO BRASIL

Para entendimento amplo dos dispositivos legais contemporâneos que
tratam da proteção da fauna e que também regulam a convivência do homem e
espécies diversas, destacadamente as da fauna silvestre no Brasil, é importante uma
análise detalhada da evolução das normas legais que, ao longo do tempo, cuidaram da
matéria em estudo.
No mundo todo, a maior parte das leis que trouxeram dispositivos de
proteção aos animais surgiu como reflexo do reconhecimento da imprescindibilidade
de um meio ambiente equilibrado, de que são partes indissociáveis a fauna e a flora
em sua grande diversidade; o ser humano, como espécie animal, integra esse meio
físico, evidenciada sua condição de principal agente modificador do ambiente.
Concorreu para tal entendimento, forçosamente, a constatação de que os
recursos naturais não são inesgotáveis, como se chegou a pensar. Quando a
intervenção humana no meio ambiente natural atingiu proporções que impediam a
espontânea regeneração da camada de cobertura vegetal devassada, muitas espécies
passaram a se extinguir em virtude da incapacidade de adaptação, diante da abrupta
alteração do seu meio natural e também em razão da impossibilidade técnica de
manutenção de formas sensíveis de vida em ambiente artificial.
O homem avançou no sentido de reconhecer a importância da integridade
das variadas formas de vida, como condição de sua própria sobrevivência. Em
consequência, passou o Estado a tutelar efetivamente a fauna, por meio de legislação
específica, sob o enfoque da preservação do valor ecológico da vida animal. Outro
avanço que se encontra em curso, em manifestações cada vez mais evidentes, é o
reconhecimento de que o animal também pode ser encarado como um “sujeito de
direitos”, e não apenas um “objeto voltado ao bem estar do homem” em condições
especiais e inovadoras, pela tutela de sua integridade física por via reflexa da
preservação da dignidade da pessoa humana.
36

3.1 Legislação anterior à Constituição Federal de 1988

Vigeram no Brasil, enquanto colônia de Portugal, as nominadas
Ordenações, ou “leis da Corte”. Foram três as Ordenações: Afonsinas, Manoelinas e
Filipinas e elas já traziam normas voltadas ao uso dos recursos naturais.
Especificamente em relação à fauna, os dispositivos legais então modestos
incriminavam condutas lesivas a algumas espécies consideradas por seu valor material
ou por serem particularmente reconhecidas como benéficas ao ser humano; também,
incriminavam condutas que prejudicassem a reprodução das espécies de vida
aquática, então principal fonte de proteína na alimentação local.
Como registrou Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado:
Nas Ordenações Filipinas, em seu Livro V, o Título LXXV descrevia o
crime de corte de árvores, ao longo de determinados rios. Ainda que de
forma indireta e fragmentária, a proteção do meio ambiente também era
vislumbrada, quando alguns animais, por seu valor medicinal (assim,
aquele que comprasse colmeias para aproveitar-se da cera e matar as
abelhas era punido com açoite ou degredo, a depender da pessoa,
além de multa – Título LXXVIII) ou econômico (bestas, boi ou vaca –
Título LXXVIII) eram objeto material do crime19.

Não obstante a previsão legal, a cultura de exploração suplantava
qualquer ideia preservacionista. A grande quantidade de recursos naturais disponíveis,
que parecia inesgotável também no que se refere aos animais silvestres, serviu como
pretexto, durante longo tempo, para certa despreocupação quanto à necessidade de
adequação dos instrumentos legais para a preservação do meio ambiente, inclusive
após a independência política do Brasil.
Entre as formas de exploração das riquezas naturais do Brasil, proliferou
a figura do “caçador profissional”, aquele que vivia da negociação da caça - animal
abatido ou a sua carne - por ele capturada e de seus subprodutos (peles curtidas,
garras e dentes artesanalmente trabalhados, troféus para decoração etc.); isso porque,
19

PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção Penal do Meio Ambiente, Fundamentos. São
Paulo: Atlas, 2000, p. 38.
37

de um modo geral, o animal silvestre pertencia a quem o capturasse, inexistindo
mecanismo de eficaz proteção às espécies.
Em grande escala de exploração, os ciclos econômicos no país foram
sucedendo-se até o início do processo de industrialização e este, somado ao aumento
populacional e à ocupação desordenada dos espaços naturais, trouxe maior nível de
impacto ao meio ambiente, atingindo principalmente as espécies mais sensíveis da
fauna silvestre.
Sobre a evolução histórica da tutela ambiental, destacou João Leonardo
Mele:
Em 1551, Ordenações Manuelinas (Dom Manoel) continham proibição
de usos de armadilhas que provocassem sofrimentos nos animais e
ainda uma reparação de dano para aquele que abatesse determinados
tipos de árvores. As Ordenações Filipinas (Dom Felipe II), de 1603,
proibiam, por sua vez, uso de redes em lagos ou rios, bem como lançar
nas águas substâncias que matassem os peixes. (...) Demonstra-se a
timidez dos instrumentos legais adequados para conter uso
indiscriminado de fauna e flora, que, apesar de extremamente
preciosos, foram sistematicamente trocados ao longo dos séculos por
ciclos agrícolas, de mineração e urbanização. Neste século, a
tecnologia no país serviu para depredar o ambiente com maior
velocidade20.

O Decreto 24.645, de 10.07.34, conhecido como Lei de Proteção dos
Animais, estabeleceu medidas de proteção não somente voltadas aos animais da
fauna silvestre, mas a todas as espécies, indistintamente. Houve necessidade de
criação desse instrumento legal específico em vista de que, naquela época (década de
1930), os animais eram intensamente usados, por exemplo, para tração de carga, para
transporte e para recreação, sendo submetidos a diversas condições de sobrecarga
em sua utilização.
Assim, foi tipificada a contravenção de maus tratos aos animais (artigo 2o,
caput) e, para tanto, foram descritas detalhadamente trinta e uma ações que
20

MELE, João Leonardo. Ordenamento Histórico-Jurídico da Legislação de Proteção do Meio Ambiente
Natural. Centro de Aperfeiçoamento e de Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo
(CAES) - Curso Superior de Polícia. São Paulo, edição interna, 1999. p. 61.
38

caracterizavam a infração penal (artigo 3o, I a XXXI). Esse mesmo diploma legal criou
importantes

mecanismos

que

sustentaram

novas

legislações,

tornando-se

basicamente os primeiros fundamentos da proteção legal da fauna, entre eles: a tutela
do Estado sobre todos os animais e a imputação de pena e multa àquele que praticar
maus tratos contra animal, sendo seu proprietário ou não, sem prejuízo da ação civil.
Seis anos mais tarde, o Decreto-Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções
Penais), definiu em seu artigo 64, como contravenção penal, a crueldade praticada,
como o Decreto 24.645/34 previa, contra quaisquer animais (domésticos ou silvestres),
observada a seguinte redação do seu caput: “Tratar animal com crueldade ou
submetê-lo ao trabalho excessivo”. Durante as mais de cinco décadas seguintes foi
aplicado este artigo (até 1998, com o advento da Lei dos Crimes Ambientais),
enquadrando-se todas as práticas de maus tratos contra animais na condição de
contravenção penal. A definição de maus tratos, porém, continuou a ser buscada no
o

Decreto 24.645/34, dada à específica conceituação constante do seu artigo 2 ,
dispositivo recepcionado pelas legislações posteriores.

3.1.2 A Lei 5.197/67 e a interpretação do vocábulo “utilização”
Na evolução da tutela legal da fauna no Brasil, a Lei 5.197, de 03.01.67,
conhecida como “Lei de Proteção à Fauna” e também como “Código de Caça”, veio
substituir o antigo Código de Caça de 1943 (Decreto-Lei 5.894/43) e trouxe uma
novidade logo em seu artigo 1o, estabelecendo que: “os animais de quaisquer
espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do
cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros
naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição,
destruição, caça ou apanha”. O Estado aqui mencionado é o ente federal, ou seja, a
União.
39

Nota-se que essa Lei tratou somente dos animais silvestres, partindo de
sua definição no artigo 1o, salvo quando se refere aos animais domésticos “que se
tornem selvagens ou ferais” (por abandono) oportunidade em que autoriza, nesse
caso, sua utilização, caça, perseguição ou apanha (parágrafo único, do artigo 8o).
Protegeu, assim, especificamente os animais silvestres em razão de sua maior
fragilização, decorrente da ocupação humana dos seus ecossistemas em momento de
grande expansão e desenvolvimento no país. Também, proibiu definitivamente a caça
profissional, que durante séculos dizimou espécimes da fauna silvestre brasileira,
estabelecendo condições para a caça amadora praticada em alguns Estados da
Federação.
Assim, conforme previa o texto legal, deu-se o tratamento de
contravenção penal às condutas contrárias à Lei de Proteção à Fauna; e isso ocorreu
até 1988.

A Lei 7.653, de 12 de outubro de 1988, que surgiu com o objetivo de

prontamente coibir o escandaloso comércio e matança de animais silvestres no Brasil,
particularmente os jacarés no Pantanal Mato-Grossense, alterou substancialmente a
Lei de Proteção à Fauna e criminalizou as condutas irregulares da caça propriamente
dita, abrangendo a perseguição, destruição, apanha, além da utilização e outras
condutas relacionadas aos animais silvestres e seus subprodutos, definidas nos
diversos artigos da referida Lei.
A aplicação da Lei de Proteção à Fauna, com as inovações da Lei
7.653/88, tornou-se particularmente difícil, pois as condutas irregulares foram
incriminadas com gravosa previsão de penas de reclusão e mais, os crimes descritos
foram definidos como inafiançáveis, conforme redação de seu novo artigo 34. Então,
como todos os animais silvestres se encontravam tutelados mediante severa
imposição legal, a pena passou a ser visivelmente desproporcional à conduta
considerada lesiva à fauna silvestre, causando notáveis distorções na aplicação da
legislação penal. Dessa forma, por exemplo, um morador da área rural que fosse
40

surpreendido pela autoridade policial nos limites de sua propriedade caçando um tatu
para alimentar-se, seria preso em flagrante (prisão inafiançável) e poderia ser
condenado de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, na interpretação do artigo 1o
combinado com o parágrafo 1o, do artigo 27 e artigo 34 da Lei 5.197; se, porém, o
mesmo indivíduo, com bons antecedentes e residência fixa, não tivesse caçado o tatu
e sim praticado um homicídio, poderia responder a ação penal em liberdade.
Outro problema encontrado durante a vigência plena da Lei 5.197/67 era a
compreensão do vocábulo “utilização”. Para a mais restrita interpretação, a conduta
criminosa de utilização consistia em fazer uso do animal da fauna silvestre com o
objetivo de obtenção de real vantagem, excluindo-se da tipificação legal a conduta de
simples mantença, também denominada manutenção ou mantenimento de animal
silvestre a propósito de estimação.
Nesse entendimento, não praticaria crime quem mantivesse um
papagaio, uma arara, ou um macaco em seu quintal, na condição de animal de
estimação e sim, por exemplo, quem expusesse uma arara em estabelecimento
comercial para atrair transeuntes, utilizando-a como chamariz, quem mantivesse um
papagaio ou um macaco preso a um realejo para fazer sorteio de bilhetes vendidos ao
público, ou, ainda, um artista que exibisse uma onça-pintada, utilizando-a em seu
espetáculo.
A corrente mais radical, no entanto, entendia que a própria relação de
afetividade desenvolvida pelo homem em relação ao animal silvestre no seu convívio
doméstico caracterizava a utilização, eis que o mantenedor dela tiraria proveito, aliado
ao fato de que, exercendo a posse injusta de propriedade da União, mantinha
irregularmente o animal como se doméstico fosse e, portanto, indevidamente integrado
ao seu patrimônio.
Com o passar do tempo, a primeira interpretação acabou por se revelar
mais coerente e a maioria absoluta dos julgados veio confirmar a posição de que a
41

mantença de animais silvestres em cativeiro a propósito de estimação não configurava
crime sob a forma de utilização, nos termos da Lei 5197/67.
Nesse mesmo sentido, como ilustração, transcrevemos as ementas de
quatro acórdãos, de recursos julgados no âmbito da Justiça Federal:
1) Não é fato típico o mantenimento de aves silvestres em cativeiro para
lazer, bem cuidadas, sem que se prove tenham sido caçadas ou
venham a ser utilizadas ilicitamente (TRF 3a Região – 1a T. – AC –
Rel. Ramza Tartuce – DJU 22.03.1994 – RJ 200/131);
2) 1. A mera conduta de possuir animal silvestre não configura crime
contra a Lei de Proteção à Fauna, salvo se o próprio agente o tiver
caçado ou apanhado, sem que para tal haja sido legalmente
autorizado. 2. A utilização a que se refere o artigo 1o, caput, da Lei
5.197, de 03.01.67, é de ser entendida como a atividade através da
qual alguém obtém relevante proveito pelo efetivo emprego ou pela
a
a
exibição de animal silvestre (TRF 1 Região – 3 T. – Rec. – Rel.
Tourinho Neto – RJ 196/98);
3) I - A Lei 5.197/67 tutela a fauna silvestre e sua preservação, bem com
o equilíbrio ecológico, coibindo a utilização e a exploração comercial
das espécies. II - a mantença de aves em cativeiro, para lazer, é
penalmente irrelevante se não demonstra o dano ao equilíbrio
ecológico e a preservação da espécie (TRF 3a Reg., Acr.
03006148/SP), 2a T., relator Juiz Célio Benevides, julgado em
10.12.1996);
4) I - É atípica a conduta do detentor que mantém em cativeiro
espécimes da fauna silvestre nacional. II - As Leis 5197/67 e 7653/88
objetivam coibir a utilização ou a exploração comercial de animais
silvestres, o que inocorreu in casu (TRF 3a Reg., Acr. 03057749/SP,
2a T., relator Juíza Sílvia Steiner, julgado em 19.11.1996).

Condicionou-se, então, no âmbito da fiscalização, o enquadramento da
conduta “utilização” - na área criminal - como decorrência da constatação de obtenção
de real vantagem tendo por instrumento, ou meio, o animal silvestre, compreendendose atípica a prática de simples mantença para o fim de estimação 21.

21

No ano de 2000, o Comando de Policiamento Florestal e de Mananciais de São Paulo (atual Comando
de Policiamento Ambiental) divulgou o Boletim Técnico 2 (ano I, 15.08.2000), sob o título: “Guarda
Doméstica de Espécie Silvestre a Título de Estimação”, com as conclusões de um grupo técnico que
desenvolveu pesquisa e debates, sob responsabilidade do então Capitão PM Nilson Odair dos
Prazeres, confirmando a interpretação majoritária e, com isso, firmou-se doutrina interna aplicável à
fiscalização do policiamento ambiental paulista.
42

3.2 A mudança do tratamento jurídico da fauna, do início do século XX até a
Constituição de 1988.
A efetiva proteção legal da fauna no Brasil, influenciada pela doutrina
civilista do começo do século XX, partiu de uma noção privatista da relação existente
entre o homem e os animais. Nessa fase, o legislador preocupou-se em coibir
condutas lesivas aos semoventes, objetivando protegê-los enquanto bens jurídicos
incorporados ou passíveis de incorporação ao patrimônio particular. Para tanto,
classificou-os materialmente como bens móveis, com a característica de “bens
suscetíveis de movimento próprio”, na precisa definição do artigo 47 do Código Civil de
191622.
O Poder Público protegia o valor econômico agregado ao animal,
defendendo a sua propriedade particular, ou mesmo a expectativa de propriedade do
criador, do pescador ou do caçador. Tal como a água, por exemplo, o animal sem
dono constituía res nullius; assim, na condição de bem que não estava integrado ao
patrimônio de alguém, poderia vir a pertencer àquele que o caçasse, em razão do
próprio sentido primitivo da ocupação.
Se existia alguma preocupação em relação à proteção ao meio ambiente,
era ela notoriamente secundária em relação à prioritária garantia do direito de
propriedade da fauna. Da mesma forma, os outros bens oriundos da natureza não
eram tutelados por seu valor ambiental como parte essencial ao equilíbrio dos
ecossistemas, mas em razão do seu potencial econômico individual, como evidente
manifestação de uma cultura de economia eminentemente extrativista, comum no país
na medida em que os recursos naturais eram encontrados ainda em abundância.
22

O “Código Civil de 1916” que entrou em vigência em 01 de janeiro de 1917 (com texto integral
aprovado e consignado na Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916), permaneceu em vigência por 86
anos. Em 10 de janeiro de 2003 foi revogado em razão do início da vigência do novo Codex (Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002). O objetivo do Código longevo estava previsto logo no seu artigo 1º:
“Este código regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às
suas relações”.
43

Essa forma de “proteção” à fauna, vinculada ao aspecto patrimonial, era
caracterizada pela sua função apenas repressiva e imediatista, ignorando-se o valor do
conjunto dos animais, para o equilíbrio e a preservação do meio ambiente natural. Com
o passar dos anos, porém, ocorreu a expressiva diminuição das áreas verdes, como
resultado da desenfreada ocupação humana em quase todo o território do país, além
da prática extrativista dos recursos naturais sem sustentabilidade e o processo de
industrialização associado ao crescimento populacional, o que tornou impossível a
manutenção da exploração indiscriminada da fauna. O novo quadro exigiu do Estado
a regulação do aproveitamento desse bem ambiental, sob pena de seu esgotamento e
de outros a ele vinculados em condição de interdependência (característica básica dos
ecossistemas).
A concepção individualista foi forçosamente substituída pela noção de
que os bens da natureza, entre eles os animais, devem ser considerados e valorados
em seu conjunto e a legislação foi aprimorada nesse sentido, reconhecendo
gradativamente a participação da fauna na formação do equilíbrio ecológico, essencial
para a sobrevivência de todas as espécies, entre elas a do próprio homem.
A evolução dos textos legais fez surgir, então, o moderno conceito de
bem ambiental, como novo tratamento jurídico aplicado à fauna, cujos titulares são
indeterminados - em oposição ao antigo res nullius -, vez que, teoricamente, todos os
homens têm interesse em relação ao meio ambiente, ou seja, há o interesse difuso,
sendo reconhecida a função ecológica do animal, que é anterior ao seu valor individual
observado na esfera econômica.
Como registrou Celso Antonio Pacheco Fiorillo:
Buscando resguardar as espécies, porquanto a fauna, através da sua
função ecológica, possibilita a manutenção do equilíbrio dos
ecossistemas, é que se passou a considerá-la como um bem de uso
comum do povo, indispensável à sadia qualidade de vida. Com isso,
abandonou-se no seu tratamento jurídico o regime privado de
propriedade, verificando-se que a importância das suas funções
reclamava uma tutela jurídica adequada à sua natureza. Dessa forma,
44

em razão de suas características e funções, a fauna recebe a natureza
jurídica de bem ambiental23.

A abordada mudança do enfoque, que ao longo do tempo foi estabelecida
nas relações entre o homem e os animais, culminou com o texto da Constituição
Federal de 1988, no seu artigo 225, parágrafo 1o, inciso VII, que estabeleceu como
tarefa do Poder Público: “Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”. Assim, no plano da tutela da fauna, a
dimensão completa desse dispositivo pode ser estabelecida mediante análise das
normas infraconstitucionais que descreveram condutas classificadas em três classes
distintas: 1) que coloquem em risco a função ecológica das espécies; 2) que
provoquem a extinção de espécies; e, ainda, 3) que submetam os animais a
crueldade.
Evidentemente, o legislador constitucional não quis delimitar a proteção
do Estado em relação à fauna silvestre; ao contrário, pretendeu tutelar todos os
animais, porque se considerarmos que o animal doméstico não tem propriamente
função ecológica e não corre o risco de extinção, ainda assim será protegido contra a
prática de atos cruéis, pois é integrante do coletivo “fauna”.

3.3 A mobilização mundial a partir da segunda metade do século XX
A proteção do meio ambiente veio a merecer destaque no ordenamento
jurídico brasileiro também como reflexo de uma postura internacional, especialmente a
partir da década de 1970. Isso ocorreu pela rápida evolução da densidade demográfica
do planeta, que ampliou o impacto da ocupação humana na superfície terrestre, junto à
exploração desenfreada dos recursos naturais.
A escassez dos recursos fez com que o meio ambiente passasse a ser
observado sobre o enfoque da economia. Constatou-se que o homem deveria
23

FIORILLO, op. cit., p. 86.
45

preocupar-se com a preservação dos valores ambientais, cada vez mais escassos, o
que exigiria mobilização de todos os países na busca de soluções para as questões
ambientais emergentes.
Em 1972, foi realizada uma reunião promovida pela Organização das
Nações Unidas (ONU), em Estocolmo, na Suécia, com representações de diversos
países, para tratar do problema ambiental já apresentado como uma realidade mundial
incontestável. Essa reunião despertou a atenção dos países no sentido de que o
ambiente é o mesmo para todo o planeta, sendo a Terra o grande ecossistema onde
habita o ser humano. Concluiu-se pela necessidade de ações - por parte de todos os
países - que minimizassem o impacto sobre os recursos naturais disponíveis, com a
observação de que o meio ambiente não possui divisa natural, sendo as fronteiras dos
territórios uma convenção humana, mesmo porque problemas ambientais de um país
afetam diretamente outro.
Nessa primeira reunião mundial considerou-se que o ambiente não era
apenas o natural, onde se encontravam intactos os valores da fauna e da flora, mas
também o ambiente artificial, caracterizado pelas inovações do homem, e que o ser
humano necessita de qualidade de vida no meio onde vive. A partir dessa análise, foi
enfocada também a necessidade de aproveitamento racional dos recursos naturais e o
relacionamento entre os dois ambientes (natural e artificial) tendo como elo o homem e
as suas intervenções que deveriam ser pautadas pela preservação dos valores
ambientais essenciais à sua própria sobrevivência.
O Brasil, que na época vivia e comemorava o “milagre econômico”,
deixou de atender ao apelo internacional por interpretar, em um primeiro momento (tal
como outros países não desenvolvidos), que os países mais ricos promoviam a
mobilização mundial como forma de frear o avanço dos países em processo de
desenvolvimento, restringindo-lhes a capacidade de exploração dos recursos naturais
necessários ao seu crescimento econômico.
46

Especificamente sobre as questões da fauna, em 27 de janeiro de 1978,
foi proclamada pela UNESCO, em sessão realizada em Bruxelas, a Declaração
Universal dos Direitos dos Animais, contendo treze artigos que descreveram direitos
naturais que devem ser respeitados pelo homem na sua relação com os animais. Uma
das justificativas constantes do preâmbulo dessa Declaração diz respeito ao
desconhecimento e o desprezo dos “direitos dos animais” que levaram o homem a
cometer crimes contra a natureza e contra os animais.
A mobilização mundial continuou e, na década de 1980 os movimentos
ambientalistas exerceram papel fundamental na conscientização da necessidade de
preservação dos valores ambientais, de aperfeiçoamento da legislação ambiental e
adoção de medidas eficazes para fiscalização do aproveitamento dos recursos
naturais, entre eles os da fauna silvestre. Nessa fase, surgiram várias Organizações
Não-Governarmentais (ONG) que se popularizaram no Brasil, voltadas à defesa do
meio ambiente.
Reflexo dessa movimentação em nível internacional foi o já citado texto
da Constituição Federal de 1988, que reservou um Capítulo exclusivo para abordar o
tema “Do Meio Ambiente” (Capítulo VI), além de diversas leis que surgiram, tais como
a Lei 7.653, de 12 de outubro de 1988, que impôs graves sanções às infrações
ambientais, no caso, praticadas contra a fauna.
Já na última década do século XX, a atenção do mundo voltou-se ao
Brasil com a realização da “ECO-92” (ou “Rio-92”), reunião promovida pela ONU, em
1992, na cidade do Rio de Janeiro. Dessa vez, objetivou-se traçar uma estratégia de
aproveitamento dos recursos naturais de forma compatível com as necessidades
sociais, para a garantia da qualidade de vida humana, e também coerente com a
manutenção dos valores ambientais, encerrada no amplo conceito de conservação,
almejando-se um desenvolvimento sustentável das nações.
47

Com o avanço da tecnologia, os bancos genéticos naturais despertaram o
interesse econômico em nível mundial, diante da possibilidade de aproveitamento
desses recursos (matrizes) como material para pesquisa e desenvolvimento científico,
na busca de soluções medicinais e de inovações na área da produção de bens
diversos que propiciem melhor qualidade de vida ao ser humano. A riqueza da fauna
silvestre do Brasil, que possui várias espécies endêmicas, vem atraindo pesquisadores
e grupos empresariais de diversas partes do mundo, ensejando ações de iniciativa
governamental, e mesmo privada, para a preservação das espécies nativas brasileiras.

3.4 A fauna silvestre como bem público de interesse difuso

Sob o prisma do direito natural, é razoável defender que todos os
animais, sem exceção, possuem “direitos” na condição de seres vivos que dividem o
mesmo espaço ambiental. Porém, no direito positivo brasileiro, que é o campo deste
estudo, somente o ser humano é sujeito de direitos - e também de deveres -, pelo
menos por enquanto. As demais espécies, materializadas nos espécimes que as
integram, são objetos de tutela legal, considerados os seus representantes entes
protegidos contra crueldade, contra o risco de extinção da espécie a que pertencem e
contra práticas que coloquem em risco sua função ecológica.
Todas as leis criadas para a defesa do meio ambiente existem para
beneficiar o próprio homem; é ele o favorecido e, secundariamente, as demais
espécies. Objetivamente, os animais que integram a fauna são bens sobre os quais
direta ou indiretamente a ação humana se faz incidente, motivo pelo qual possuem
relevância jurídica e recebem tratamento legal adequado a essa característica; são,
portanto, bens jurídicos.
O homem exerce a condição de sujeito de direitos de forma individual ou
coletiva. Algumas leis brasileiras da segunda metade do século XX destacaram a
48

proteção de interesses transindividuais, ou seja, que transcendem o indivíduo,
alcançando uma dimensão maior, o interesse de uma coletividade. O gênero
interesses transindividuais dividiu-se em duas espécies: os interesses coletivos,
que dizem respeito às pretensões ou valores de um dado grupo de pessoas, de uma
parcela da sociedade, como por exemplo, os interesses das associações; e os
difusos, que são interesses de um número indeterminado de pessoas e, assim, o
interesse de toda a sociedade.
Exemplo dessa nova disposição é a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), que em seu artigo 81 estabelece que:
A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
Titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Entre as inovações trazidas na Constituição de 1988 para a proteção dos
interesses difusos, registrou-se um Capítulo específico para tratar do meio ambiente
(Título VIII – Da ordem social, Capítulo VI – Do Meio Ambiente), em que foi
reconhecido o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
classificado como “bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida” (artigo
225, caput). Tendo o legislador considerado a função ecológica da fauna silvestre
(artigo 225, parágrafo 1o, inciso VII), admitiu-a como bem ambiental, em vista de sua
imprescindibilidade, face o almejado equilíbrio ecológico do meio ambiente.
A questão que se apresenta, então, é qual o regime de titularidade da
fauna silvestre, enquanto bem que desempenha uma função ecológica. Devemos
inicialmente aceitar que os animais domésticos têm regime diverso dos silvestres, pois
os primeiros compreendem indiscutível propriedade particular de quem legitimamente
sobre eles exerce domínio, com as limitações impostas pela lei, constituindo bens
privados; já os segundos, os silvestres, por possuírem função ecológica, são
49

considerados bens ambientais e, portanto, indisponíveis. Não obstante, o Estado, que
administra esses bens, possibilita sua exploração mediante autorização, concessão ou
licença, nos termos da lei, objetivando o bem comum.
Nesse contexto, alguns autores defendem que a fauna silvestre,
enquanto bem ambiental, constitui bem difuso e não um bem público, considerando
superada a visão de simples separação dos bens jurídicos em dois grandes grupos: os
bens privados e os bens públicos. Sob esse enfoque, propõe-se a seguinte
diferenciação: o bem público é aquele pertencente ao patrimônio público, tendo como
titular o Estado e o bem difuso é aquele que pertence à coletividade, possuindo
características de indivisibilidade e tendo por titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato.
No entanto, o Código Civil (de 1916), em seu artigo 66, inciso I, já
considerava como uma das modalidades de bem público o “de uso comum do povo,
tais como mares, rios, estradas, ruas e praças” e esta foi evidentemente a fonte da
expressão utilizada no Texto Constitucional, observada a sua mesma redação. Assim,
a classificação de bem difuso aplicada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
que implica na aceitação da coletividade como titular desse bem jurídico no seu mais
amplo sentido, é justa na medida em que o nominado meio ambiente reúne
características de indivisibilidade e constitui exatamente bem de uso comum do povo;
ademais, a própria evolução da legislação brasileira indica um desmembramento do
bem público, ao considerar o bem difuso de forma autônoma. Não é tão simples,
porém, a classificação da fauna silvestre sob esses mesmos critérios. Vejamos.
O conjunto dos animais que compõem a fauna silvestre é um bem
ambiental tanto quanto cada espécime, em sua individualidade, por seu valor ecológico
agregado ou potencial. O aproveitamento desse ou desses bens ambientais, porém,
dá-se de modo diverso do chamado “uso comum do povo”, expressão que a
Constituição empregou para descrever o direito de aproveitamento do meio ambiente
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Mantença de animais silvestres como estimação

  • 1. 1 ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO ANIMAIS SILVESTRES E O PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO GUARULHOS, 2001 Edição revisada em 2013
  • 2. 2 ANIMAIS SILVESTRES E O PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO Monografia apresentada às Faculdades Integradas de Guarulhos (FIG), como Trabalho de Conclusão do Curso de Direito e obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Ano: 2001 ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO Guarulhos Edição revisada em 2013
  • 3. 3 DEDICATÓRIA Ao Pietro Augusto Nassaro, meu filho. Que ele possa conhecer os animais silvestres no seu ambiente natural ou, porventura, em algum cativeiro preservacionista. Que ele possa ser beneficiário de toda a riqueza ambiental de que dispomos.
  • 4. 4 AGRADECIMENTOS Aos dedicados integrantes do Comando de Policiamento Ambiental (CPAmb) e seus batalhões, órgão fiscalizador do aproveitamento dos recursos naturais e pioneiro na defesa do meio ambiente de São Paulo. O trabalho junto ao CPAmb despertou o interesse do autor pelo estudo da legislação aplicada à fauna. Ao Des. Álvaro Lazzarini, pelas preciosas lições de Direito Administrativo. A cada dia seus ensinamentos revelam-se atuais e imprescindíveis ao bom trabalho do administrador público. Ao Des. Celso Luis Limongi, que gentilmente ofereceu a correção da obra, valorizando a sua apresentação. A João Daniel Rassi, brilhante Professor de Direito Penal, pela orientação e acompanhamento do trabalho de pesquisa. A Vander Ferreira de Andrade, companheiro de profissão e Professor talentoso, pelas valiosas sugestões apresentadas. A Marcelo Robis Francisco Nassaro, estudioso da matéria ambiental, pelo fornecimento de material bibliográfico. Sua mais enriquecedora contribuição foi o incentivo que um irmão é capaz de dar.
  • 5. 5 “Deus disse: ‘Produza a terra seres vivos segundo a sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selvagens, segundo a sua espécie’. E assim se fez. Deus fez os animais selvagens segundo a sua espécie, os animais domésticos igualmente e, da mesma forma, todos os animais que se arrastam sobre a terra. E Deus viu que isto era bom. Então Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra’.” Livro do Gênesis, capítulo I, “A criação”, versículos 24-26
  • 6. 6 SUMÁRIO 1. A MANTENÇA DE ANIMAL SILVESTRE A PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO (INTRODUÇÃO).......................................................................................................08 2. CONCEITOS E CLASSIFICAÇÃO DOS ANIMAIS....................................................11 2.1 Conceitos Básicos..................................................................................................12 2.1.1 Espécie..............................................................................................................12 2.1.2 Espécime...........................................................................................................15 2.1.3 Animal................................................................................................................15 2.1.4. Fauna................................................................................................................16 2.1.5 Espécie nativa e espécime natural...................................................................17 2.2 Como se classificam os animais..............................................................................19 2.2.1 Fauna silvestre..................................................................................................19 2.2.2 Fauna doméstica: os utilitários e os de estimação............................................22 2.2.3 Domesticados....................................................................................................26 2.2.4 Fauna exótica....................................................................................................27 2.2.5 Animais em cativeiro..........................................................................................31 2.2.6 Animais em liberdade........................................................................................33 3. EVOLUÇÃO DA TUTELA LEGAL DA FAUNA NO BRASIL......................................35 3.1 Legislação anterior à Constituição Federal de 1988............................................36 3.1.2 A Lei 5.197/67 e a interpretação do vocábulo “utilização”..............................38 3.2 A mudança do tratamento jurídico da fauna, do início do século XX até a Constituição de 1988.................................................................................42 3.3 A mobilização mundial a partir da segunda metade do século XX.....................44 3.4 A fauna silvestre como bem público de interesse difuso....................................47 3.5 Inovações da Lei 9.605/98 em relação à proteção da fauna..............................52
  • 7. 7 4. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 29 DA LEI 9.605/98..............................................54 4.1 Os quatro enfoques do artigo 29 da Lei 9.605/98..................................................55 4.1.1 Proteção da integridade dos animais silvestres................................................56 4.1.1.1 Os atos de caça e a integridade dos animais silvestres..............................60 4.1.2 Proteção da capacidade de reprodução da fauna...........................................65 4.1.3 Proteção da integridade dos ninhos, abrigos e criadouros naturais................67 4.1.4 Restrição da exploração econômica do animal silvestre e de seus subprodutos.....................................................................................................69 4.2 A guarda doméstica e a hipótese de perdão judicial............................................73 5. O APROVEITAMENTO DOS RECURSOS DA FAUNA SILVESTRE......................77 5.1 Custo ambiental e intervenção humana no meio natural......................................78 5.2 O aproveitamento privado do animal silvestre......................................................83 5.3 Conceito de posse aplicado ao animal silvestre...................................................86 6. EXERCÍCIO IRREGULAR DA MANTENÇA, SANÇÃO E APREENSÃO................91 6.1 A posse injusta de animais silvestres e a necessidade de incentivo ao comércio legal.....................................................................................................................92 6.2 A preferência popular pelo papagaio e a devida preservação das espécies da fauna silvestre................................................................................................95 6.3 Eventual sanção para a posse injusta na mantença de animal silvestre a propósito de estimação......................................................................................99 6.4 A questão da apreensão do animal silvestre.....................................................104 7. CONCLUSÕES......................................................................................................110
  • 8. 8 1. A MANTENÇA DE ANIMAL SILVESTRE A PROPÓSITO DE ESTIMAÇÃO (INTRODUÇÃO) A conduta de mantença de animal silvestre a propósito de estimação é comum no Brasil, tanto no meio rural quanto no meio urbano. Espécimes diversos como papagaios, araras, macacos e tartarugas, integrantes da fauna silvestre, são mantidos em ambiente doméstico sem autorização ou licença devida 1. Apesar da irregularidade dessa situação, muitos cidadãos mantêm animais bem cuidados, submetidos à condição de ente de estimação. O vocábulo “mantença” ora adotado significa, exatamente, provimento de sustento, ou mantenimento. Portanto, o seu emprego é adequado para identificar a conduta do possuidor que trata do espécime simplesmente para o propósito de estimação e nunca para finalidade comercial ou de utilização, em sentido estrito. Manter simplesmente um animal silvestre em ambiente doméstico a propósito de estimação não representa um mal em si e não constitui ação moralmente reprovável; aliás, diversas espécies foram salvas da extinção em razão de que foram preservados espécimes representativos em cativeiro. Todavia, a conduta tolerada pode estimular a retirada ilegal de espécimes do meio natural e o seu comércio clandestino, comprometendo a perpetuação das espécies e o equilíbrio ecológico; esta é a grande preocupação dos ambientalistas e estudiosos das questões da fauna. No Brasil, a Lei 9.605/98 que trata dos crimes ambientais deu margem a algumas interpretações, menos ou mais rigorosa, sobre o tema proposto. Afinal, a mantença de animal silvestre é crime ou não? Em que condições é possível identificar 1 A legislação brasileira admite a compra e a venda de animais silvestres a títulos diversos, como se observa no artigo 19 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais), em que se nota a excludente de ilicitude do crime relacionado ao comércio, transporte e depósito de animal silvestre, entre outras condutas, quando o espécime é proveniente de criadouros autorizados ou mediante a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Já a Portaria do IBAMA nº 117, de 15 de outubro de 1997, que regulou a compra e venda de animais silvestres, estabeleceu em seu artigo. 10: “Os animais vivos da fauna silvestre brasileira poderão ser comercializados por criadouros comerciais, jardins zoológicos devidamente registrados no IBAMA e por pessoas jurídicas que intencionem adquirir animais e revendê-los a particulares para dar inicio à criação comercial ou conservacionista ou para aqueles que pretendam mantê-los como animais de estimação” (grifo nosso).
  • 9. 9 o propósito de estimação? E como distinguir o propósito de estimação do propósito de utilização? Pois bem, estima-se que mais de 500.000 espécimes da fauna silvestre são mantidos no interior de casas e em quintais, apenas no Estado de São Paulo, na condição de bichos de estimação2. Qualquer um de nós conhece um vizinho, um parente, ou um amigo que possui animal silvestre em casa e quase todos não têm licença ou autorização para tanto. Essa é a realidade. Todos os mantenedores em situação irregular são criminosos? Qual o grau de lesividade da conduta ao meio ambiente? Quais os mecanismos legais eficazes para desestimular a posse injusta do animal silvestre? É possível compatibilizar a vontade popular de se manter, por exemplo, um papagaio em casa e ao mesmo tempo perpetuar a espécie silvestre especialmente protegida em lei? São estas as indagações que motivaram o esforço de pesquisa e o exercício de raciocínio sobre os dispositivos legais aplicáveis ao tema, que se revela de interesse multidisciplinar, razão pela qual foi ele explorado no âmbito de diversos ramos do Direito, especialmente o Penal, o Administrativo, o Constitucional, o Civil e o mais recente Direito Ambiental, que vem conquistando um espaço de destaque. Mas a pesquisa não se limitou ao campo jurídico. Trata-se de assunto complexo e raramente explorado na literatura, circunstância que exigiu prévia análise de conceitos ambientais e reflexões sobre os aspectos histórico, social, cultural e ecológico que influenciam decisivamente a correta interpretação da norma legal. Diante disso, impôs-se a produção de um capítulo especialmente para a apresentação do resultado de uma preliminar análise conceitual que abre o desenvolvimento do trabalho. 2 O Boletim Técnico n. 2, Ano I, de 15 de agosto de 2000, do Comando de Policiamento Florestal e de Mananciais, atual Comando de Policiamento Ambiental de São Paulo, sob o título: “Guarda Doméstica de Espécie Silvestre a Título de Estimação”, registrou: “Estima-se que há hoje mais de 500 mil animais silvestres vivendo em cativeiro em todo o estado de São Paulo, na condição de animais de estimação, recebendo tratamento razoável, não havendo qualquer possibilidade de dar-lhes outra destinação melhor e mais adequada, por falta de estrutura ou de acompanhamento técnico especializado, até porque o animal silvestre, depois de domesticado, perde suas características naturais de sobrevivência, não podendo mais ser reintegrado ao seu habitat natural”. Mesmo diante da inexistência de dados estatísticos confiáveis, mas levando-se em conta a totalização de apreensões ou simples constatações de animais silvestres em cativeiro na sequência dos anos seguintes, acredita-se que a estimativa estava correta no ano 2000 e continua hoje próxima do real.
  • 10. 10 A verificação da evolução da tutela ambiental, em especial a tutela da fauna no Brasil, mereceu destaque em vista de que não é possível compreender a legislação atual referente a assunto tão específico sem conhecer o desenvolvimento, no curso da história, do esforço legal de preservação dos recursos ambientais, particularmente os da fauna silvestre. A interpretação do artigo 29, da Lei 9.605/98, com todas as suas previsões de condutas criminosas contra a fauna, subsidia o estudo centrado na abordagem da teoria da posse aplicada ao animal silvestre. Parte-se do princípio de que, por disposição legal, a fauna silvestre é propriedade da União e que é possível o aproveitamento privado, mediante autorização para a mantença de animal silvestre a propósito de estimação. Buscou-se uma abordagem prática da questão, sem omissão das características do contexto atual, a fim de que a interpretação dos dispositivos legais viabilize a adoção de medidas coerentes, não somente subordinadas ao princípio da legalidade, mas também ao da razoabilidade e ao da realidade. Nessa linha, foram analisados o problema da apreensão dos espécimes mantidos em ambiente doméstico e suas consequências, bem como a forma de atuação do órgão de fiscalização ambiental estadual de São Paulo. Enfim, o tema desenvolvido abre espaço para amplo debate sobre a compatibilização dos interesses sociais, primeiro, quanto à necessidade de perpetuação das espécies da fauna silvestre, para que possam desempenhar sua função ecológica no meio natural e, segundo, quanto à possibilidade de exercício da mantença de animais silvestres em ambiente doméstico, questão para a qual se propõe solução que viabilize a sadia qualidade de vida humana, em amplo e irrestrito sentido, e o respeito à integridade das demais formas de vida, mediante um justo aproveitamento dos recursos da fauna disponibilizados ao homem.
  • 11. 11 2. CONCEITOS E CLASSIFICAÇÃO DOS ANIMAIS Antes do estudo da legislação vigente voltada às questões da fauna e suas implicações, faz-se imprescindível a análise dos significados de vocábulos e expressões básicas nela empregados com frequência, além da verificação da própria classificação dos animais para efeitos jurídicos e operacionais. Ao mesmo tempo em que são desenvolvidos os conceitos, é abordada a questão da imprescindibilidade da integridade da fauna para a preservação do equilíbrio ambiental, possibilitando a relação entre as diversas normas vigentes, o que favorece a compreensão dos dispositivos legais em destaque. Tal providência é justificável em virtude de que o assunto apresenta peculiaridades e há escassez de literatura especializada na área do direito aplicado à fauna. De fato, são poucos os doutrinadores que se aventuram em tecer comentários sobre o tema proposto, mormente com uma abordagem prática que tanto interessa aos operadores do direito e aos estudiosos da fauna. Importante salientar que semelhantes expressões podem apresentar diferentes significados do mesmo objeto, em normas que tratam de assuntos correlatos, algumas indicando seu sentido mais amplo, outras indicando seu sentido mais estrito, o que aumenta a necessidade de cautela na avaliação dos conceitos utilizados. Comum, inclusive, o registro de definições no próprio texto legal com o evidente propósito de evitar interpretações que não correspondam à expectativa do legislador quanto à proteção da fauna. Assim, a verificação do vocabulário básico e a assimilação de conhecimentos fundamentais permitem ao pesquisador situar-se no contexto das normas ambientais aplicáveis à fauna, garantindo-lhe a capacidade de identificação dos seus principais elementos e, principalmente, a percepção de seu real significado, que sempre se revela em favor do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois é este exatamente o objetivo da tutela jurídica dos animais.
  • 12. 12 2.1 Conceitos básicos 2.1.1 Espécie Espécie é a unidade biológica fundamental. Sem ingressar em debate teórico no campo das classificações científicas - de taxonomia - pode-se afirmar que, basicamente, espécie é um conjunto de indivíduos que possuem várias características semelhantes entre si e em relação aos seus ancestrais e que, além dessas semelhanças, ainda se entrecruzam. O entendimento inicial evoluiu para um conceito biológico, como explica Mayr: Desse critério que leva em conta o não cruzamento veio o chamado conceito biológico de espécie. Uma espécie, de acordo com esse conceito, é um grupo de populações naturais, que se cruzam entre si que é reprodutivamente (geneticamente) isolado de outros grupos semelhantes por causa de barreiras fisiológicas ou de comportamento3. A tradicional estrutura hierárquica de classificação usada em biologia, do nível maior para o menor, é o seguinte: vida, domínio, reino, filo ou divisão, classe, ordem, família, gênero, espécie (baseado na taxonomia de Linnaeus). No propósito de análise ora apresentado, serão abordados os níveis espécie, gênero e família, levando-se em conta o critério do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica adotado pelo XV Congresso Internacional de Zoologia, Londres, em julho de 1958. Por essa convenção, a nomenclatura zoológica definida como “sistema de nomes científicos aplicados a unidades taxonômicas de animais (táxons; singular: táxon) que se sabe existirem na natureza, vivos ou extintos” (artigo 1º), definem-se critérios para identificação e denominação exatamente desses três grupos básicos, padronizando-se o emprego dos respectivos nomes4. Levando-se em conta que várias espécies constituem um gênero e vários gêneros constituem uma família, observaremos a seguinte sequência lógica dos 3 4 MAYR, Ernst. Isto é Biologia: a ciência do mundo vivo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 179. PAPAVERO, Nelson, org. Fundamentos práticos de taxonomia zoológica: coleções, bibliografia, nomenclatura. 2. ed. ver. e ampl. São Paulo: UNESP, 1994, p. 193.
  • 13. 13 conceitos, tendo por base o emprego dos termos na legislação vigente, em harmonia com os critérios de fundamento biológico (do menor para o maior nível): o indivíduo: unidade distinta, espécime, exemplar de uma espécie; a espécie: conjunto de indivíduos, na condição já apresentada; gênero: espécie ou espécies que integram uma categoria natural e a família: congregação de gêneros. Ainda que os dispositivos legais tratem sempre da “espécie” como nível básico, convém observar que ela pode tecnicamente ser dividida em subespécies e estas ainda em variedades, ou seja, grupos de indivíduos com pequenas variações uniformes em suas características, mantendo, todavia, semelhanças em comum que definem a mesma espécie a que pertencem. Essa mínima variedade uniforme observada consiste em uma chave que demonstra a dinâmica da natureza, em um argumento importante para as ideias de Darwin, defendidas na sua obra clássica A Origem das Espécies, em 1859: Até o presente não se conseguiu traçar um limite entre as espécies e as subespécies, isto é, entre as formas que, na opinião de alguns naturalistas, podiam ser consideradas quase como espécies sem o merecerem totalmente. Não se conseguiu, além disso, traçar uma linha de demarcação entre as subespécies e as variedades bem características, ou entre as variedades apenas sensíveis e as diferenças individuais. Estas diferenças incorporam-se uma na outra por graus insensíveis, constituindo em verdadeira série; ora, a noção de série implica as ideias de uma transformação real5. O gênero pode ser constituído de apenas uma espécie, por exemplo, o próprio gênero humano, que é composto tão somente da espécie humana6. Em regra, porém, na organização dos seres vivos proposta pela biologia, são verificadas coleções de grupos que congregam características físicas e comportamentais marcantes, obedecendo-se critérios objetivos para tal classificação, o que caracteriza o coletivo “espécies” vinculadas a um gênero. 5 6 DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 67. O Homo sapiens é espécie pertencente ao gênero Homo, da família Hominidae (taxonomicamente: Homo sapiens; tem por significado em latim: "homem sábio"). Sua capacidade mental associada às características físicas (corpo ereto e uso dos braços) proporcionou-lhe a capacidade de alterar o ambiente ao seu redor e dominar outras espécies de forma única.
  • 14. 14 Identificam-se as espécies, particularmente, em virtude das qualidades do seu hábitat natural, ou seja, do ecossistema em que naturalmente são encontrados os seus representantes. Aliás, as próprias características das espécies também decorrem da influência do meio em que evoluíram, em razão da somatória de mínimas variações genéticas, verificadas nos ciclos da vida animal. Podem as espécies, portanto, serem classificadas como próprias de uma região ou de um país, em razão do local em que se encontra seu meio natural. Assim, para aplicação da legislação pertinente, é fundamental observar que existem espécies brasileiras, também denominadas próprias da fauna brasileira, e aquelas que não integram a fauna nacional. Importante tal divisão para se verificar, por exemplo, o valor ecológico de um animal em determinado espaço natural, definindo-se sua condição de parte, ou não, essencial ao equilíbrio do ecossistema local. Ainda sobre a distribuição geográfica das espécies, convém observar que um animal introduzido em ecossistema diverso do seu, em contato com animais de espécies distintas, pode trazer prejuízos ao equilíbrio ecológico da região, interferindo na ocupação dos espaços naturais, na cadeia alimentar ou, ainda, disseminando doenças contra as quais os animais locais não possuem defesas orgânicas desenvolvidas. Evidentemente as fronteiras dos países não são respeitadas pelas espécies animais - que têm os seus próprios critérios de ocupação de espaço -, exatamente porque o seu hábitat natural pode estender-se por mais de um território geograficamente identificado pelo homem, em áreas contínuas ou não. Por exemplo, o ecossistema conhecido como Pantanal encontra-se em grande parte no território brasileiro (dois terços do seu total) estendendo-se aos territórios da Bolívia e do Paraguai e isso faz com que as mesmas espécies consideradas brasileiras, que povoam a região, também sejam consideradas nativas (próprias) da Bolívia e do Paraguai.
  • 15. 15 2.1.2 Espécime Como visto, a palavra “espécime” possui um sentido totalmente diferente da palavra “espécie”, mas, devido à semelhança de grafia dos dois vocábulos, tem sido notada imprecisão em relação ao seu emprego, mesmo na redação das leis. A distinção é simples: espécime é um indivíduo representativo de um grupo (espécie, gênero ou família), ou seja, qualquer animal ou planta - aqui compreendidos como representantes do reino animal ou do reino vegetal -, ao contrário da espécie, que é um conjunto de espécimes com características comuns. Também o animal morto é considerado juridicamente um espécime, desde que não tenha passado o seu corpo por processo de modificação para se chegar ao “produto” ou deste para o “subproduto”7. Oportuno destacar que o vocábulo “espécime” é um substantivo masculino, devendo ser precedido do artigo “o” para referir-se tanto a exemplar macho quanto a exemplar fêmea (“o espécime”), em oposição à “espécie”, que é um substantivo feminino que representa, no âmbito da fauna, determinado coletivo de animais. Na sua forma plural - “espécimes” - o vocábulo é utilizado para descrever indivíduos que podem pertencer ou não à mesma espécie. 2.1.3 Animal O vocábulo “animal” possui dois sentidos principais encontrados nos dicionários; o primeiro, mais amplo e originado na zoologia, corresponde à: “ser organizado, com a forma do corpo relativamente constante, órgãos na maioria internos, tecidos banhados em solução que contém cloreto de sódio, células revestidas de membranas delicadas, com crescimento limitado, e provido de irritabilidade ou sistema 7 Por exemplo, as penas de uma ave silvestre multicolor podem ser compreendidas como um “produto” da fauna silvestre, enquanto que um trabalho de decoração ou artesanato mediante uso desse mesmo material é considerado um “subproduto”.
  • 16. 16 nervoso, que lhe permite responder prontamente aos estímulos”; o segundo, que exclui o ser humano, indica: “qualquer animal que não o homem; o animal irracional” 8. Objetivamente, quando a legislação utiliza a palavra “animais”, sem qualquer adjetivo que a qualifique, pretende representar o conjunto de seres vivos excluindo-se os integrantes da flora (Reino Vegetal ou Reino Plantae) e o ser humano. O sentido jurídico da palavra, portanto, é o segundo, ou seja, diz respeito a ser vivo, do Reino Animal (Reino Animalia), exceto o homem. O homem, coletivo, apesar de também constituir uma espécie animal no sentido amplo da palavra em análise, coloca-se acima de todos os integrantes das outras espécies e racionalmente dita normas de aproveitamento, ou de convivência, em relação a elas. Por isso, a maior parte dos doutrinadores defende que somente o ser humano é considerado sujeito de direitos, enquanto que os “animais”, em sentido estrito, são considerados objetos jurídicos por ele tutelados9. 2.1.4 Fauna A palavra fauna refere-se a um amplo conjunto de animais. No texto legal, tal como na linguagem comum, quase sempre ela é acompanhada de adjetivo que determina sua abrangência, como por exemplo, silvestre, doméstica, exótica (de outros países), ictiológica (dos animais que têm na água o seu principal meio de vida) etc. Algumas vezes, inclusive, verifica-se a combinação desses adjetivos, o que reduz ainda mais o conjunto de espécies animais representadas, como no inciso II, do artigo 2o da portaria do IBAMA nº 93, de 07.07.98, que estabeleceu normas para importação 8 9 . FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1996. Mesmo os estudiosos do Direito Ambiental, novo ramo do Direito Público, resistem à ideia de que os animais seriam “sujeitos de direito” e, de outra forma, a maior parte defende que os animais são “objetos de direito” cuja titularidade pertence sempre ao homem em uma visão tradicionalmente antropocêntrica e dominante nas Ciências Jurídicas. Nesse sentido, cita-se: “Os animais são bens sobre os quais incide a ação do homem. Com isso, deve-se frisar que animais e vegetais não são sujeitos de direitos, porquanto a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente por via reflexa para proteger as demais espécies” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 89).
  • 17. 17 e exportação de animais vivos, além de produtos e subprodutos da “fauna silvestre exótica”, ou seja, das espécies não domésticas próprias de outros países, salvo aquelas que naturalmente passam parte do ciclo de sua vida nos limites do território brasileiro. Quando empregada isoladamente, a palavra “fauna” representa todas as espécies animais exceto a espécie humana. Assim, por exemplo, o título “Crimes Contra a Fauna”, dado à Seção I, do Capítulo V, da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) propõe abranger todos os delitos praticados contra animais de qualquer espécie - menos obviamente o homem -, seja ela integrante da fauna silvestre, doméstica, exótica, ou de qualquer outra categoria de animais. Sendo a fauna o conjunto dos animais próprios de uma região, de um ecossistema, ou de um dado período geológico, é correto tanto afirmar que ela é integrada por espécies quanto afirmar que é integrada por espécimes. Quando se diz que fauna é um conjunto de espécies, considera-se a soma dos grupos de animais existentes; quando se diz que fauna é um conjunto de espécimes, considera-se a soma dos indivíduos existentes, independentemente das espécies à que pertencem. 2.1.5 Espécie nativa e espécime natural A variada utilização dos adjetivos “nativo” e “natural”, qualificando um espécime ou espécie animal nos textos da jurisprudência e da doutrina gera conflitos de interpretação. Os dicionários trazem vários significados para esses dois vocábulos, e é possível concluir que são mesmo sinônimos na linguagem comum. Porém, no campo jurídico, o critério para utilizá-los com coerência deve ser o mesmo adotado na lei, que é o principal objeto e também a fonte primária do trabalho de interpretação no estudo do Direito. Propõe-se, portanto, uma uniformização do uso das expressões, respeitando-se o seu significado conforme expresso no texto legal hierarquicamente superior, o mesmo que será adotado no desenvolvimento desse estudo.
  • 18. 18 O parágrafo 3o, do artigo 29, da Lei 9.605/98 estabelece que: “São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras” (grifo nosso). O sentido adotado na legislação brasileira, portanto, é o seguinte: espécies nativas são grupos de animais cujo hábitat natural permanente ou mesmo transitório consiste em ecossistema encontrado no território nacional, ainda que sem exclusividade. Então, para efeitos legais, a capivara, o tamanduá-bandeira, o lobo-guará e tantos outros animais característicos do território nacional, integram as “espécies nativas”, mesmo que venham a ser encontrados em outros ecossistemas ou criadouros no território estrangeiro. Em contrapartida, “natural” tem o sentido próprio de lugar de nascedouro de determinado animal. Assim, o espécime natural do Brasil - também denominado “oriundo” do Brasil - é aquele nascido no território nacional, mesmo não pertencente à espécie nativa. É preciso ter muita cautela para utilizar a expressão “espécie natural de...”, pois ela traz a compreensão, em sentido estrito, de que todos os animais existentes de determinada espécie nasceram em uma mesma região. Isso pode acontecer no caso das espécies endêmicas, ou seja, aquelas cujos espécimes vivos são encontrados em apenas uma região, em determinado ecossistema, como por exemplo, algumas espécies nativas de aves e macacos cujos espécimes - todos - são 10 encontrados apenas na Mata Atlântica, no Brasil . Em sentido amplo, a expressão “espécie natural de...” também já foi utilizada para identificar os grupos de animais que, no processo de evolução, surgiram em determinada região. 10 O Sabiá-pimenta, também conhecido por cocho ou crocoió (Carpornis melanocephala - Wied, 1820) é exemplo de espécie endêmica da Mata Atlântica brasileira, ocorrendo localmente em Alagoas, e no sul da Bahia a Santa Catarina. Sua distribuição é restrita à mata litorânea e de encosta; vive em áreas de floresta não alterada, com presença de palmito. De acordo com a BirdLife International (2008), sua população é estimada entre 2.500 e 10 mil indivíduos e se encontra em declínio. Por esse motivo, foi classificada como espécie ameaçada de extinção, na condição Vulnerável (VU), o que significa que enfrenta um risco alto de extinção na natureza (BRESSAN, Paulo Magalhães, KIERULFF, Maria Cecília Martins, SUGIEDA, Angélica Midori: coordenação geral. Fauna ameaçada de extinção no estado de São Paulo. São Paulo: Fundação Parque Zoológico de São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2009, p. 231).
  • 19. 19 Não é conveniente o uso da expressão “espécime nativo”, pois tal adjetivação aplicada a um determinado espécime animal pode apresentar dois sentidos distintos: que esse exemplar pertence à espécie própria de um país, ou que ele tenha nascido nesse mesmo país (onde está o referido espécime), dificultando sobremaneira a compreensão do texto. Melhor utilizar as construções: “animal de espécie nativa” e/ou “espécime natural de...”, dependendo da ideia que se deseja exprimir. Em síntese, para evitar a duplicidade de sentidos dos adjetivos e não cair na armadilha das expressões que também podem indicar mesmos significados é aconselhável utilizar sempre as expressões: espécies nativas, para indicar espécies próprias ou características de um país (ou em mais de um) em razão do local onde se encontra o seu hábitat natural; e espécime natural, para indicar o local de nascimento de determinado espécime animal (do mesmo modo, não empregamos a palavra origem para evitar duplo sentido). 2.2. Como se classificam os animais 2.2.1 Fauna silvestre No ordenamento jurídico brasileiro, as duas principais leis federais em vigor que tratam da proteção da fauna, Lei 5.197/67 e Lei 9.605/98, trazem definições que se complementam quando procuram delimitar o universo de abrangência das suas normas aplicadas aos animais da denominada fauna silvestre. O artigo 1o da Lei 5.197/67 estabelece o critério geral de qualificação da fauna silvestre: “Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase de seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha” (grifo nosso). Já o parágrafo 3o, do artigo 29, da Lei 9.605/98 ampliou o conceito de
  • 20. 20 fauna silvestre para abranger também os animais que, apesar de não serem próprios do Brasil, nascidos ou não no país, têm ao menos parte do seu ciclo natural de vida no território nacional (como visto, “São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”). Sendo assim, por exemplo, nos limites do território nacional, os animais que pertencem a espécies migratórias, oriundos de outros países, têm tratamento legal especial, pois são reconhecidos como integrantes do conjunto da fauna silvestre (nacional). Há interesse do Estado na sua preservação, eis que, em tese, desenvolvem relações de interdependência com outras formas de vida locais, durante essa permanência ou período de trânsito. Exemplo de espécie migratória é a pequena ave conhecida como maçarico, que vem buscar no verão brasileiro condições propícias para a sua reprodução. Proveniente do extremo norte do Continente Americano, passa até cinco dias voando, sem se alimentar, e pode ser encontrada em grupos no litoral do Brasil. A presença dessa ave no território nacional é significativa e, em Pernambuco, no litoral próximo de sua capital, Recife, exatamente na Praia de Coroa do Avião, foi instituída uma Base de Pesquisa de Aves Migratórias administrada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, que dispensa especial atenção ao seu estudo; a ave já é considerada característica da região e por isso são pesquisadas melhores condições de preservá-la. Na verdade, a palavra “silvestre”, é um adjetivo que significa na linguagem comum “próprio das selvas” e por isso é aplicada inclusive ao animal que, mesmo não pertencente a espécies brasileiras, reúne características que o qualificam como naturalmente selvagem. Esta é a razão pela qual os dispositivos legais apontam, quando necessário à clareza da exposição, se a fauna silvestre a que se referem é a nacional ou não, como é o caso da portaria do IBAMA nº 93, de 07.07.98, que no
  • 21. 21 inciso I e II, respectivamente, do seu artigo 2o, trouxe a definição de “fauna silvestre brasileira” (a mesma do parágrafo 3o, do artigo 29, da Lei 9.605/98) e a definição de “fauna silvestre exótica”. Realmente, o critério básico é a condição de viver naturalmente fora do cativeiro, em outros termos, é animal silvestre aquele que pelas suas características físicas e comportamentais vive naturalmente sem qualquer relação de dependência com o homem. Esta é uma norma em branco, ou seja, que exige complementação de outra fonte para a sua exata compreensão e justa aplicação. Assim, o Poder Público deveria apresentar regulamentação da matéria, estabelecendo quais são efetivamente as espécies silvestres, particularmente as brasileiras, no plano da classificação geral das espécies proposta pela biologia; no entanto, essa é uma tarefa extremamente difícil, em razão da quantidade e da mutabilidade das espécies existentes, muitas delas ainda desconhecidas. Atualmente são conhecidas mais de um milhão de espécies animais no mundo e todos os anos este número cresce com a descoberta de novos organismos. Na dinâmica da natureza, a própria evolução das espécies faz com que umas se extingam e outras apareçam, com ou sem a interferência do homem, como resultado das transformações a que estão sujeitas ao longo do tempo. A título de ilustração, durante a elaboração da primeira versão desta pesquisa, reconheceu-se cientificamente a existência de uma nova espécie de camelo, conforme noticiado em revista de circulação nacional: Reconhecida oficialmente a existência de uma nova espécie animal. O camelo selvagem de Lop Nur, na China, tem capacidade de sobreviver em um deserto usado para testes nucleares ingerindo apenas água salgada. O DNA apresenta diferença de 3% em relação à espécie domesticada. A variação do DNA do homem para o chipanzé, por exemplo, é de 5%11. Como tecnicamente é inviável relacionar em regulamentação quais as espécies que naturalmente vivem fora do cativeiro - e por isso integram a fauna 11 Revista Época, nº 143, ano III, ed. Globo, 12.02.2001, p. 33.
  • 22. 22 silvestre -, o que abrangeria a maior parte delas, os animais silvestres são legalmente considerados como tal por processo de exclusão, na seguinte fórmula: são animais da fauna silvestre todos aqueles que não são classificados como animais da fauna doméstica. 2.2.2 Fauna doméstica: os utilitários e os de estimação O conceito de fauna doméstica foi apresentado no inciso III, do artigo 2o, da portaria do IBAMA nº 93/98 com a seguinte redação: Fauna Doméstica: todos aqueles animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico tornaram-se domésticos, apresentando características biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os originou. O anexo I da mesma portaria apresentou uma “listagem de fauna considerada doméstica para fins de operacionalização do IBAMA”, que traz o nome comum, além do nome científico das espécies (nome composto, em latim). Constavam nessa relação cinquenta e quatro animais como: abelhas, cabra, cavalo, ovelha, coelho, cachorro, gato, gado bovino etc. e alguns deles com variações nominadas. Notadamente é bem mais fácil relacionar e nominar os domésticos que os integrantes da fauna silvestre, que é constituída da grande maioria das espécies do reino animal. Ao contrário dos animais da fauna silvestre, o animal doméstico já se encontra adaptado para a vida em cativeiro, apresentando características físicas e comportamentais que indicam dependência do ser humano para a sua sobrevivência. Isso em razão de que diversas gerações de determinadas espécies viveram em contato direto com o homem desde tempos remotos, impondo-se gradativa alteração do fenótipo dos indivíduos (característica determinada pelo seu genótipo e pelas condições ambientais locais) que, ao longo do tempo, muito lentamente foi incorporada às características do respectivo grupo animal. O processo de seleção provocado pelo
  • 23. 23 homem em relação aos espécimes para fins de cruzamento, em um segundo momento, fez acelerar as mudanças12. Darwin dedicou todo o primeiro capítulo de sua obra A Origem das Espécies para demonstrar as evidências da “Variação sob domesticação”, tendo por laboratório sua criação de pombos de diversas espécies. Abordou temas como as causas de variabilidade, a origem das variedades domésticas a partir de uma ou mais espécies, os princípios de seleção anteriormente aplicados e seus efeitos, a questão da seleção inconsciente e as circunstâncias favoráveis à capacidade de seleção do homem, entre outros aspectos relevantes de sua revolucionária pesquisa. Quanto aos efeitos dos hábitos e do uso ou desuso de partes do corpo do animal, partindo de suas observações registrou, a propósito de exemplificação das variações constatadas: (...) descobri que, comparados com os patos selvagens e proporcionalmente ao peso total do esqueleto, os patos domesticados têm os ossos das asas mais leves e os das pernas mais pesados, o que se pode atribuir com segurança ao fato de os patos domésticos voarem muito menos e andarem mais que os seus antepassados selvagens. Outro exemplo possível dos efeitos do uso é o grande desenvolvimento, adquirido por herança, dos úberes nas vacas e das tetas das cabras nos locais em que se ordenham estes animais, desenvolvimento que não se observa onde não se registra esta prática. E um exemplo do desuso será o fato de todos os animais em estado doméstico terem, nalgumas regiões, orelhas mais caídas que os seus congêneres selvagens, muito provavelmente porque vivem num estado de alerta inferior e, consequentemente, dão menos uso aos músculos das 13 orelhas . As espécies hoje consideradas integrantes da fauna doméstica são o provável resultado de um processo histórico em que o homem elegeu, desde tempos remotos, alguns animais - que naturalmente já ofereciam menor resistência ao cativeiro - para viverem sob sua custódia, como uma garantia de provisão quando lhe faltasse a caça habitual; deles poderia facilmente obter alimentos (carne e ovos) e matérias para atender outras necessidades (peles para proteger-se do frio, ossos e chifres para 12 A Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, com repartição de benefícios, define “espécie domesticada” no inciso IX, do seu artigo 7º, como: “aquela em cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender às suas necessidades”. 13 DARWIN, op. cit., p. 36.
  • 24. 24 construção de armas etc.). Também se cogita que algumas espécies se aproximaram do homem pela maior facilidade de, nessa condição, obterem alimentos, como restos de comida e carcaças de outros animais. Paulatinamente, o homem da Antiguidade percebeu que era mais fácil manter em cativeiro animais capturados, que caçar a cada vez que precisasse dos recursos deles advindos. Descobriu e aperfeiçoou, como método, a criação de espécies e não abandonou tão cedo a prática da caça, que continuou utilizando como forma de complementação, para obter o que ainda lhe faltasse do reino animal. No compasso dessa ligação de sobrevivência entre o ser humano e as demais espécies, alguns animais que, por uma razão ou outra, viviam próximo do homem - dentro ou fora do cativeiro - foram desenvolvendo com ele intensa relação de dependência e, em razão das características comportamentais das espécies em constante evolução junto ao homem, passaram a oferecer-lhe outro tipo mais sofisticado de recurso: a companhia. Gradualmente, o homem descobriu outras formas de aproveitamento dos animais, em razão da sua proximidade e a decorrente adaptação das espécies ao hábitat em comum (com o ser humano). Os animais passaram a ser utilizados como instrumento de locomoção e transporte de objetos (por exemplo, cavalo com rédeas, cavalos ou bois atrelados a carros ou charretes), como meio de prover segurança ou recurso de caça para captura de outros animais (cães treinados para defesa, farejadores e cães de caça), como meio de obtenção de medicamento (abelha, na produção de mel e própolis), como meio de esporte e recreação (corridas, competições diversas envolvendo os próprios animais em disputas), como guia (no caso de cão treinado utilizado por deficiente visual) e tantas outras formas de aproveitamento que foram incorporadas à cultura dos diversos povos, de tal modo, que atualmente é quase impossível imaginar a vida do ser humano sem a presença do animal doméstico. Hoje em dia, aliás, quando se fala em animal doméstico, remete-se automaticamente àqueles bichos tais como cães, gatos e pássaros que, apesar de não
  • 25. 25 serem utilizados economicamente ou como meio de obtenção de qualquer vantagem, desempenham uma exata função junto ao seu mantenedor, a de simples companhia, e são recipiendários de gestos de afeto, o que proporciona ao homem contemporâneo um grande bem estar sobre o qual ele quase sempre desconhece a razão. Pois o que lhe faz bem é o próprio contado com outra forma de vida animal, que passou a denominar “de estimação” em vista de sua afeição e apreço desenvolvidos por ela. No meio urbano, onde atualmente habita a maior parte das pessoas, é o animal de estimação quase sempre a ligação mais forte, tanto quanto primitiva, do homem com a própria natureza. A relação que se estabelece, por vezes é tão intensa que o animal de estimação passa a ser considerado um integrante da família de seu mantenedor. Sobre esse tema, discorreu interessante matéria publicada em revista de circulação na Grande São Paulo, com o título “Adeus, bichinho”: Calcula-se que os paulistanos criem cerca de 1,4 milhão de cães e 600.000 gatos, entre outros bichos de estimação. Muitos são tratados como se fizessem parte da família e chegam a dormir no próprio quarto do dono. Quando um animalzinho desses adoece e morre, seu proprietário às vezes chega ao desespero. ‘O animal torna-se um companheiro de rotina. Supre as necessidades afetivas de pessoas com dificuldades de se relacionar ou que vivem sozinhas’, diz a psicóloga Fabiana Rossi Vallejo, especializada no tratamento de traumas, como a perda de um ente querido. (...) Inaugurado em junho, em São Bernardo do Campo, o crematório Pet Memorial oferece duas salas para velório, uma capela e apoio psicológico para os donos. Foi lá que a família Maeda deu adeus ao seu cocker spaniel ‘Bruno Shien Le Rochelle’, morto em setembro. ‘Ele chegou num momento difícil para nós e nos trouxe muita alegria’, diz Yoko Maeda, com lágrimas nos olhos. As cinzas do cachorro foram depositadas em uma urna que é uma réplica de um cocker14. Diante das peculiaridades dessa forma de relacionamento do homem com os animais, que denominamos “mantença a propósito de estimação”, torna-se mesmo difícil reconhecer o aspecto de “aproveitamento” do recurso ambiental, enquanto os termos “exploração”, ou “utilização”, revelam-se absolutamente inadequados para adjetivá-lo. O homem estaria se aproveitando do animal ao suprir 14 Revista Veja São Paulo, suplemento da revista Veja, edição 1677, ano 33, ed. Abril, 29.11.2000, p. 47
  • 26. 26 com ele sua carência afetiva? Antes disso, verifica-se propriamente uma troca de “favores” entre dois seres vivos. Com efeito, o mantenedor aproveita-se tanto da companhia do animal, quanto este se beneficia da sua relação de dependência do ser humano, para sua sobrevivência e conforto, encontrando-se a ele sujeito. Apesar dessas considerações, raciocinando no sentido de que a opção normalmente não é do animal estimado, mas ao contrário, do homem, que por sua iniciativa submete-o à condição de objeto de “estimação”, dá-se tratamento a tal conduta como uma das modalidades de aproveitamento da fauna, evidentemente, com a ressalva de que não se considera um caso de “utilização”, conduta dirigida aos animais domésticos utilitários. Portanto, os animais domésticos podem ser classificados em duas grandes categorias, sob o critério da forma de relacionamento com o ser humano, o que implica em diferentes modalidades de seu aproveitamento: os animais domésticos utilitários e os animais domésticos mantidos a propósito de estimação. 2.2.3 Animais domesticados Alguns espécimes integrantes da fauna silvestre que mantêm intenso contato com o ser humano, em especial aqueles que ainda filhotes foram colocados em cativeiro - por exemplo, papagaios, araras ou macacos - deixam com o tempo de apresentar características selvagens. O animal nessa condição, apesar de seu comportamento já se assemelhar muito ao dos domésticos, não será classificado como tal, ainda que mantido a título de estimação; continuará identificado como espécime da fauna silvestre, pois pertence à espécie que não é considerada doméstica para fins legais. O espécime nessa situação é considerado animal silvestre domesticado, ou simplesmente animal domesticado. As espécies domésticas têm normalmente o seu paralelo na fauna silvestre, pois, na linha evolutiva em que surge a influência do homem, são as espécies
  • 27. 27 silvestres que dão origem às domésticas, o que não significa que todos os espécimes tenham passado pelas mesmas transformações (as mudanças provocadas apenas pelo meio natural são bem mais lentas, no raciocínio darwiniano sobre a variabilidade doméstica). De fato, um espécime silvestre ora identificado como “paralelo” ao doméstico é classificado pela zoologia como de espécie distinta, não obstante apresentar semelhanças biológicas com os correspondentes domésticos. Por esse motivo, interpreta-se que o espécime retirado do meio natural, continuará classificado como integrante da fauna silvestre, mesmo que tenha sido domesticado. Assim, quando se faz referência ao espécime ou animal domesticado, compreende-se a sua condição de silvestre. 2.2.4 Animais da fauna exótica Os chamados animais da fauna exótica no Brasil (ou da fauna alienígena), por exemplo, o elefante, o leão e o canguru, são animais próprios de outros países que comportam ecossistemas com características diversas dos ecossistemas locais. Outros espaços territoriais congregam hábitat de permanência de espécies que naturalmente não seriam encontradas no Brasil. Nessa interpretação, os espécimes em rota migratória que possuem como hábitat transitório localidade do território brasileiro, nos meios aéreo, terrestre ou aquático, constituem exceção, pois, na ordem natural, participam do equilíbrio do ambiente local durante parte de seu ciclo de vida. Os animais da fauna exótica também são classificados como silvestres ou domésticos. A definição de fauna silvestre exótica é trazida pelo inciso II, do artigo 2o, da portaria IBAMA nº 93/98 com a seguinte redação: São todos aqueles animais pertencentes às espécies ou subespécies cuja distribuição geográfica não inclui o Território Brasileiro e as espécies ou subespécies introduzidas pelo homem, inclusive domésticas em estado asselvajado ou alçado. Também são consideradas exóticas as espécies ou subespécies que tenham sido introduzidas fora das fronteiras brasileiras e suas águas jurisdicionais e que tenham entrado em Território Brasileiro.
  • 28. 28 A “distribuição geográfica” inicialmente aludida, diz respeito evidentemente à ordem natural de distribuição das espécies em razão do seu hábitat original de permanência, sem a intervenção humana. Na sequência, é abordada a situação da “introdução de espécies e subespécies”, ou seja, são qualificados como animais silvestres exóticos também os espécimes silvestres pertencentes a espécies não brasileiras (espécies que não são próprias do Brasil) e os espécimes domésticos em estado selvagem pertencentes a espécies não brasileiras, trazidos diretamente ao Brasil e, também, aqueles já nascidos no território nacional e pertencentes às espécies silvestres não brasileiras, pois todos estes animais integram, de qualquer forma, espécies que foram introduzidas no país e não fazem parte da fauna silvestre nacional. Ao final, ainda são enquadrados como animais silvestres exóticos aqueles de espécies silvestres não brasileiras que foram introduzidas em outros países e que entram por qualquer meio em território brasileiro. Já a fauna doméstica exótica é integrada por todos os animais que pertencem a espécies não brasileiras e apresentam características físicas e comportamentais que os qualificam como domésticos, nos termos do inciso III, do artigo 2o da mesma portaria IBAMA nº 93/98 (“Fauna Doméstica: todos aqueles animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico tornaram-se domésticos, apresentando características biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os originou”). Os animais exóticos de pequeno porte, por sinal, durante a década de 1990 foram preferidos por diversos moradores da Grande São Paulo, especialmente os adolescentes, para a mantença a propósito de estimação. Tal modismo surgiu provavelmente como reflexo da intensa divulgação com vistas à proteção aos animais silvestres brasileiros, a partir da vigência da Lei 7.653, de 12 de fevereiro de 1988, que impôs severas sanções aos atos de caça ilegal, classificando-os inclusive como crimes
  • 29. 29 inafiançáveis, o que pode ter diminuído a oferta de animais silvestres no mercado clandestino. Como efeito da lei que recebeu várias críticas pelo desproporcional tratamento jurídico, alguém que fosse detido matando um animal silvestre permaneceria preso para responder ao processo crime (inafiançabilidade), enquanto um réu primário com residência fixa poderia responder em liberdade pela prática de homicídio, com o benefício da liberdade provisória15. Adquiria-se nessa época, por exemplo, um lagarto water dragon do sudeste asiático, uma cobra píton indiana, ou uma cobra corn slake norte americana. Esse fenômeno teve breve duração, conforme relatado com precisão em revista de circulação na cidade de São Paulo, em matéria sob o título: “o efeito colateral daquela moda de criar cobras, lagartos, aranhas e outros bichos esquisitos: muitos desses animais estão sendo abandonados em parques e praças da cidade”: Para os funcionários do Instituto Butantan não é mais surpresa ver que deixaram à sua porta uma caixa de madeira com uma cobra dentro. ‘Já recebemos algumas raridades assim’, diz o biólogo Marcelo Duarte, do laboratório de herpetologia. A maioria, no entanto, é figurinha repetida. ‘No ano passado, vinha pelo menos uma píton bola por mês’, recorda. Não por acaso, essa cobra originária da África era umas mais preferidas entre os colegiais16. Esse episódio demonstra bem, de um lado, o fascínio das pessoas pelo caráter de exotismo das espécies silvestres (tanto as nacionais quanto as estrangeiras) e, de outro, o fato de que nem todos os animais silvestres se adaptam bem ao ambiente doméstico e também o mantenedor não se adapta bem ao animal escolhido para a mantença a propósito de estimação sem critério adequado. Existe, evidentemente, o aspecto sanitário também a ser preservado, diante do perigo de transmissão de doenças que podem ser trazidas por espécimes do exterior e que causam danos à saúde humana e, igualmente, à saúde dos animais 15 Essa realidade mudou. A maior parte dos crimes contra a fauna silvestre prescritos na Lei 9.605/98 trouxe como pena a detenção de 6 meses a 1 ano e multa. Portanto, são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo e, por isso, processados nos termos da Lei 9.099/95, que possibilita a transação penal e a conversão da pena de privação de liberdade para a restrição de direitos. 16 Revista Veja São Paulo, integrante da revista Veja, nº 37, ano 33, ed. Abril, 11.09.2000, p. 12.
  • 30. 30 locais, que são geralmente as primeiras vítimas. Ainda, deve ser coibida a introdução irregular de espécimes no hábitat natural da fauna silvestre brasileira, especialmente em seus ecossistemas legalmente protegidos (áreas remanescentes), pois ela pode desencadear grandes baixas na fauna local, pelo desequilíbrio da cadeia alimentar e a concorrência entre os espécimes da fauna silvestre nacional e os da fauna exótica pelo mesmo espaço. Continua o relato na mesma matéria, ilustrando bem a questão do comércio ilegal, das doenças transmissíveis e a inadequabilidade da mantença de determinados animais silvestres em ambiente doméstico: Doenças também são outro motivo que pode transformar o mascote em estorvo. A incidência é alta, sobretudo por causa das más condições em que os animais são transportados e mantidos nos fundos das ‘pet shops’. Para driblar a fiscalização alfandegária, os importados vêm em bolsos de casacos ou embolados às centenas dentro de malas quase sem oxigênio. Recentemente, um homem foi preso com cerca de 500 pererecas ‘Dendrobates’ em tubos de filme fotográfico. Algumas pessoas consideram que a raiz do problema é querer tratar como animais domésticos bichinhos que estão longe de se prestar a esse fim. ‘É uma estupidez ter em casa esses bichos que não são sociais. Que relação pode estabelecer um homem com uma espécie de lagartixa?’, questiona Paulo Emílio Vanzolin, ex-diretor do Museu de Zoologia da USP17. Por isso, impõe-se como necessário um controle rigoroso aos atos de comércio, mediante cumprimento de normas para importação e exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre exótica. A esse propósito, configura-se crime, nos termos do artigo 31 da Lei 9.605/98, a conduta de introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente. Em nível internacional, a questão do comércio ilegal de animais silvestres é um grande mal que deve ser combatido para o bem do equilíbrio ecológico do planeta. Da mesma forma que animais da fauna exótica são transportados irregularmente pelas fronteiras, ingressando eventualmente no Brasil, vários espécimes 17 Ibid., p. 12.
  • 31. 31 da fauna silvestre nacional (considerados exóticos em outros países) saem irregularmente das fronteiras brasileiras, para suprir a demanda do comércio clandestino no exterior. Em síntese, os animais da fauna exótica também têm sido aproveitados na modalidade de mantença a propósito de estimação, em pese os aspectos negativos registrados, que indicam prejuízos ambientais em relação a tal prática quando não observadas as condições impostas pela legislação pertinente, que regula o ingresso dos espécimes naturais de outros países no território nacional. 2.2.5 Animais em cativeiro O “cativeiro” citado na legislação de proteção da fauna significa aprisionamento ou retenção em espaço limitado, para submissão do animal à condição de dependência do ser humano. Por implicar em relativo cerceamento de locomoção do espécime, o termo traz conotação negativa; porém, em muitos casos, o cativeiro é o único meio de se preservar uma espécie que teve dizimados os espécimes que a integram ou descaracterizado o seu hábitat natural. Os zoológicos, que constituem principal exemplo de manutenção de espécimes em cativeiro, desempenham uma função de difusão cultural quando mantêm em exposição espécimes raros, possibilitando ao público conhece-los fisicamente, ainda que afastados de seu ambiente natural. Afora esse aspecto, também é comum a tentativa de preservação, em ambiente artificial, de espécies em risco de extinção, o que importa na manutenção de espécimes em cativeiro conforme relatado. Quando são detectados sinais de iminente extermínio de determinada espécie animal, em razão dos cálculos de quantidade de espécimes vivos no meio selvagem, as organizações preservacionistas - públicas ou privadas - mediante heroico
  • 32. 32 trabalho de seus biólogos, procuram adaptar no cativeiro casais remanescentes, a fim de que possam ser perpetuadas as espécies por meio de sua reprodução, ainda que se perca a chamada “memória selvagem” que caracteriza o comportamento dessas espécies no meio natural. Ao menos se resguarda, em última análise, o seu valor genético na condição atual. O cativeiro, nessa hipótese, corresponde a uma verdadeira “Arca de Noé” do tempo contemporâneo, uma forma derradeira de salvar espécies da degradação do meio natural e da dizimação de exemplares vivos por motivos diversos, particularmente a ocupação humana de áreas protegidas e a caça ilegal, que provocam suas extinções. Existem hoje, por exemplo, algumas poucas dezenas de espécimes da ararinha-azul, mantidos em cativeiro. O valor desses espécimes é incalculável, mesmo vivendo em ambiente artificial, pois ainda não se conhece o potencial de recurso que cada espécie animal, em sua exclusiva forma de vida, pode apresentar. Trata-se de belíssima ave que possuía na caatinga o seu hábitat natural. Em 1985, na região de Curaça, cidade do sertão da Bahia, foram localizados os últimos exemplares que viviam no meio selvagem. Apesar do ecossistema não ter sido degradado, a ação de traficantes de aves - com colaboração de caçadores da região -, acabou com os poucos exemplares que viviam no meio natural e o último espécime, que já era monitorado por biólogos, também desapareceu, conforme noticiou revista de 18 circulação nacional . Porém, a simples manutenção da vida em cativeiro não corresponde à recuperação de uma espécie da fauna silvestre, pois ela tem o seu valor ecológico vinculado ao meio natural de origem, que determina padrões comportamentais e reflete, no processo de evolução, características de ordem física. Se os espécimes sobreviventes 18 continuarem apenas em total dependência Revista Veja, Ed. Abril, nº 06, ano 34, ed. Abril, 14.02.2001, p. 81. do homem, será
  • 33. 33 desenvolvida, com o tempo, uma nova espécie de animal doméstico. Fazendo-se uma projeção, com sucessivas gerações nascidas em cativeiro, a ararinha-azul passará a ter, por exemplo, atrofiados músculos e modificadas características do bico, garras e pelagem, além da perda do instinto que possibilita sua defesa contra os predadores, tornando inviável a sobrevivência no meio natural. Perde-se primeiramente a memória selvagem da espécie; na sequência, perdem-se também as características físicas originais, resultado da adaptação em novo ambiente, o artificial. A reintrodução das espécies nativas no meio selvagem é a fórmula buscada para a verdadeira preservação da biodiversidade comprometida pela ação do próprio homem; porém, não é tarefa tão fácil quanto retirar os animais da natureza. Os espécimes nascidos em cativeiro têm que aprender a sobreviver de forma independente do homem (busca de alimentos, abrigo, defesa etc.) o quanto antes, e são submetidos a estágios em viveiros cada vez maiores, com condições próximas às do meio natural, mediante constante monitoramento de especialistas. No entanto, a experiência tem demonstrado que, mesmo com os recursos técnicos hoje disponíveis, a reintrodução de espécies nem sempre é missão possível. O valor que deve ser pago como preço da desmedida intervenção humana no meio natural ainda é muito alto. 2.2.6 Animais em liberdade Animal da fauna silvestre, no sentido genérico, pela própria classificação legal, é o que vive naturalmente fora do cativeiro. Animal em liberdade é aquele que vive efetivamente fora do cativeiro, sendo ele integrante da fauna silvestre ou da fauna doméstica. A vida em liberdade (ou fora do cativeiro), em situação de independência do homem, faz parte da característica original das espécies silvestres.
  • 34. 34 Por isso, na ordem natural, os animais silvestres devem ser encontrados, em maior número, soltos nos ecossistemas que caracterizam seu hábitat original. Já os animais domésticos, em razão de sua dependência do homem, serão encontrados fora do cativeiro proporcionalmente em menor número, como é o caso dos animais domésticos abandonados ou fugidios. Mas, afinal, por que os animais silvestres devem ser mantidos em liberdade no seu hábitat natural? Possível responder essa indagação lembrando que as complexas combinações da natureza e o emaranhado de relações físicas e químicas que se processam entre todos os elementos dos ecossistemas, muitas ainda desconhecidas, em seu conjunto, possibilitam o equilíbrio ecológico nos diversos níveis na biosfera. O próprio ciclo da vida impõe que cada espécime - vegetal ou animal - tem o seu papel bem definido nessas relações. A cadeia alimentar no reino animal é um exemplo desse sistema de necessário equilíbrio. Existe uma interdependência entre todos os elementos da natureza e, no meio artificial - onde invariavelmente habita o homem -, as relações dessa rede não são processadas com a mesma intensidade (quando possível que ocorram). Portanto, para a preservação da biodiversidade é fundamental manter intactas algumas áreas, notadamente nos locais em que se encontram significativos ecossistemas naturais tais como florestas remanescentes, áreas com cobertura vegetal primária de diversas categorias, mangues, rios etc. em espaços limitados geograficamente pelo Poder Público, que serão preservados da interferência humana. São as várias Reservas, as Estações Ecológicas, as Áreas de Preservação Permanente previstas em lei. Nesses locais racionalmente protegidos pelo homem, sobreviventes da degradação que já atingiu a maior parte de extensas áreas consideradas de relevante interesse ambiental, os animais silvestres naturalmente em liberdade podem desempenhar sua função ecológica.
  • 35. 35 3. EVOLUÇÃO DA TUTELA LEGAL DA FAUNA NO BRASIL Para entendimento amplo dos dispositivos legais contemporâneos que tratam da proteção da fauna e que também regulam a convivência do homem e espécies diversas, destacadamente as da fauna silvestre no Brasil, é importante uma análise detalhada da evolução das normas legais que, ao longo do tempo, cuidaram da matéria em estudo. No mundo todo, a maior parte das leis que trouxeram dispositivos de proteção aos animais surgiu como reflexo do reconhecimento da imprescindibilidade de um meio ambiente equilibrado, de que são partes indissociáveis a fauna e a flora em sua grande diversidade; o ser humano, como espécie animal, integra esse meio físico, evidenciada sua condição de principal agente modificador do ambiente. Concorreu para tal entendimento, forçosamente, a constatação de que os recursos naturais não são inesgotáveis, como se chegou a pensar. Quando a intervenção humana no meio ambiente natural atingiu proporções que impediam a espontânea regeneração da camada de cobertura vegetal devassada, muitas espécies passaram a se extinguir em virtude da incapacidade de adaptação, diante da abrupta alteração do seu meio natural e também em razão da impossibilidade técnica de manutenção de formas sensíveis de vida em ambiente artificial. O homem avançou no sentido de reconhecer a importância da integridade das variadas formas de vida, como condição de sua própria sobrevivência. Em consequência, passou o Estado a tutelar efetivamente a fauna, por meio de legislação específica, sob o enfoque da preservação do valor ecológico da vida animal. Outro avanço que se encontra em curso, em manifestações cada vez mais evidentes, é o reconhecimento de que o animal também pode ser encarado como um “sujeito de direitos”, e não apenas um “objeto voltado ao bem estar do homem” em condições especiais e inovadoras, pela tutela de sua integridade física por via reflexa da preservação da dignidade da pessoa humana.
  • 36. 36 3.1 Legislação anterior à Constituição Federal de 1988 Vigeram no Brasil, enquanto colônia de Portugal, as nominadas Ordenações, ou “leis da Corte”. Foram três as Ordenações: Afonsinas, Manoelinas e Filipinas e elas já traziam normas voltadas ao uso dos recursos naturais. Especificamente em relação à fauna, os dispositivos legais então modestos incriminavam condutas lesivas a algumas espécies consideradas por seu valor material ou por serem particularmente reconhecidas como benéficas ao ser humano; também, incriminavam condutas que prejudicassem a reprodução das espécies de vida aquática, então principal fonte de proteína na alimentação local. Como registrou Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado: Nas Ordenações Filipinas, em seu Livro V, o Título LXXV descrevia o crime de corte de árvores, ao longo de determinados rios. Ainda que de forma indireta e fragmentária, a proteção do meio ambiente também era vislumbrada, quando alguns animais, por seu valor medicinal (assim, aquele que comprasse colmeias para aproveitar-se da cera e matar as abelhas era punido com açoite ou degredo, a depender da pessoa, além de multa – Título LXXVIII) ou econômico (bestas, boi ou vaca – Título LXXVIII) eram objeto material do crime19. Não obstante a previsão legal, a cultura de exploração suplantava qualquer ideia preservacionista. A grande quantidade de recursos naturais disponíveis, que parecia inesgotável também no que se refere aos animais silvestres, serviu como pretexto, durante longo tempo, para certa despreocupação quanto à necessidade de adequação dos instrumentos legais para a preservação do meio ambiente, inclusive após a independência política do Brasil. Entre as formas de exploração das riquezas naturais do Brasil, proliferou a figura do “caçador profissional”, aquele que vivia da negociação da caça - animal abatido ou a sua carne - por ele capturada e de seus subprodutos (peles curtidas, garras e dentes artesanalmente trabalhados, troféus para decoração etc.); isso porque, 19 PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção Penal do Meio Ambiente, Fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 38.
  • 37. 37 de um modo geral, o animal silvestre pertencia a quem o capturasse, inexistindo mecanismo de eficaz proteção às espécies. Em grande escala de exploração, os ciclos econômicos no país foram sucedendo-se até o início do processo de industrialização e este, somado ao aumento populacional e à ocupação desordenada dos espaços naturais, trouxe maior nível de impacto ao meio ambiente, atingindo principalmente as espécies mais sensíveis da fauna silvestre. Sobre a evolução histórica da tutela ambiental, destacou João Leonardo Mele: Em 1551, Ordenações Manuelinas (Dom Manoel) continham proibição de usos de armadilhas que provocassem sofrimentos nos animais e ainda uma reparação de dano para aquele que abatesse determinados tipos de árvores. As Ordenações Filipinas (Dom Felipe II), de 1603, proibiam, por sua vez, uso de redes em lagos ou rios, bem como lançar nas águas substâncias que matassem os peixes. (...) Demonstra-se a timidez dos instrumentos legais adequados para conter uso indiscriminado de fauna e flora, que, apesar de extremamente preciosos, foram sistematicamente trocados ao longo dos séculos por ciclos agrícolas, de mineração e urbanização. Neste século, a tecnologia no país serviu para depredar o ambiente com maior velocidade20. O Decreto 24.645, de 10.07.34, conhecido como Lei de Proteção dos Animais, estabeleceu medidas de proteção não somente voltadas aos animais da fauna silvestre, mas a todas as espécies, indistintamente. Houve necessidade de criação desse instrumento legal específico em vista de que, naquela época (década de 1930), os animais eram intensamente usados, por exemplo, para tração de carga, para transporte e para recreação, sendo submetidos a diversas condições de sobrecarga em sua utilização. Assim, foi tipificada a contravenção de maus tratos aos animais (artigo 2o, caput) e, para tanto, foram descritas detalhadamente trinta e uma ações que 20 MELE, João Leonardo. Ordenamento Histórico-Jurídico da Legislação de Proteção do Meio Ambiente Natural. Centro de Aperfeiçoamento e de Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CAES) - Curso Superior de Polícia. São Paulo, edição interna, 1999. p. 61.
  • 38. 38 caracterizavam a infração penal (artigo 3o, I a XXXI). Esse mesmo diploma legal criou importantes mecanismos que sustentaram novas legislações, tornando-se basicamente os primeiros fundamentos da proteção legal da fauna, entre eles: a tutela do Estado sobre todos os animais e a imputação de pena e multa àquele que praticar maus tratos contra animal, sendo seu proprietário ou não, sem prejuízo da ação civil. Seis anos mais tarde, o Decreto-Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), definiu em seu artigo 64, como contravenção penal, a crueldade praticada, como o Decreto 24.645/34 previa, contra quaisquer animais (domésticos ou silvestres), observada a seguinte redação do seu caput: “Tratar animal com crueldade ou submetê-lo ao trabalho excessivo”. Durante as mais de cinco décadas seguintes foi aplicado este artigo (até 1998, com o advento da Lei dos Crimes Ambientais), enquadrando-se todas as práticas de maus tratos contra animais na condição de contravenção penal. A definição de maus tratos, porém, continuou a ser buscada no o Decreto 24.645/34, dada à específica conceituação constante do seu artigo 2 , dispositivo recepcionado pelas legislações posteriores. 3.1.2 A Lei 5.197/67 e a interpretação do vocábulo “utilização” Na evolução da tutela legal da fauna no Brasil, a Lei 5.197, de 03.01.67, conhecida como “Lei de Proteção à Fauna” e também como “Código de Caça”, veio substituir o antigo Código de Caça de 1943 (Decreto-Lei 5.894/43) e trouxe uma novidade logo em seu artigo 1o, estabelecendo que: “os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. O Estado aqui mencionado é o ente federal, ou seja, a União.
  • 39. 39 Nota-se que essa Lei tratou somente dos animais silvestres, partindo de sua definição no artigo 1o, salvo quando se refere aos animais domésticos “que se tornem selvagens ou ferais” (por abandono) oportunidade em que autoriza, nesse caso, sua utilização, caça, perseguição ou apanha (parágrafo único, do artigo 8o). Protegeu, assim, especificamente os animais silvestres em razão de sua maior fragilização, decorrente da ocupação humana dos seus ecossistemas em momento de grande expansão e desenvolvimento no país. Também, proibiu definitivamente a caça profissional, que durante séculos dizimou espécimes da fauna silvestre brasileira, estabelecendo condições para a caça amadora praticada em alguns Estados da Federação. Assim, conforme previa o texto legal, deu-se o tratamento de contravenção penal às condutas contrárias à Lei de Proteção à Fauna; e isso ocorreu até 1988. A Lei 7.653, de 12 de outubro de 1988, que surgiu com o objetivo de prontamente coibir o escandaloso comércio e matança de animais silvestres no Brasil, particularmente os jacarés no Pantanal Mato-Grossense, alterou substancialmente a Lei de Proteção à Fauna e criminalizou as condutas irregulares da caça propriamente dita, abrangendo a perseguição, destruição, apanha, além da utilização e outras condutas relacionadas aos animais silvestres e seus subprodutos, definidas nos diversos artigos da referida Lei. A aplicação da Lei de Proteção à Fauna, com as inovações da Lei 7.653/88, tornou-se particularmente difícil, pois as condutas irregulares foram incriminadas com gravosa previsão de penas de reclusão e mais, os crimes descritos foram definidos como inafiançáveis, conforme redação de seu novo artigo 34. Então, como todos os animais silvestres se encontravam tutelados mediante severa imposição legal, a pena passou a ser visivelmente desproporcional à conduta considerada lesiva à fauna silvestre, causando notáveis distorções na aplicação da legislação penal. Dessa forma, por exemplo, um morador da área rural que fosse
  • 40. 40 surpreendido pela autoridade policial nos limites de sua propriedade caçando um tatu para alimentar-se, seria preso em flagrante (prisão inafiançável) e poderia ser condenado de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, na interpretação do artigo 1o combinado com o parágrafo 1o, do artigo 27 e artigo 34 da Lei 5.197; se, porém, o mesmo indivíduo, com bons antecedentes e residência fixa, não tivesse caçado o tatu e sim praticado um homicídio, poderia responder a ação penal em liberdade. Outro problema encontrado durante a vigência plena da Lei 5.197/67 era a compreensão do vocábulo “utilização”. Para a mais restrita interpretação, a conduta criminosa de utilização consistia em fazer uso do animal da fauna silvestre com o objetivo de obtenção de real vantagem, excluindo-se da tipificação legal a conduta de simples mantença, também denominada manutenção ou mantenimento de animal silvestre a propósito de estimação. Nesse entendimento, não praticaria crime quem mantivesse um papagaio, uma arara, ou um macaco em seu quintal, na condição de animal de estimação e sim, por exemplo, quem expusesse uma arara em estabelecimento comercial para atrair transeuntes, utilizando-a como chamariz, quem mantivesse um papagaio ou um macaco preso a um realejo para fazer sorteio de bilhetes vendidos ao público, ou, ainda, um artista que exibisse uma onça-pintada, utilizando-a em seu espetáculo. A corrente mais radical, no entanto, entendia que a própria relação de afetividade desenvolvida pelo homem em relação ao animal silvestre no seu convívio doméstico caracterizava a utilização, eis que o mantenedor dela tiraria proveito, aliado ao fato de que, exercendo a posse injusta de propriedade da União, mantinha irregularmente o animal como se doméstico fosse e, portanto, indevidamente integrado ao seu patrimônio. Com o passar do tempo, a primeira interpretação acabou por se revelar mais coerente e a maioria absoluta dos julgados veio confirmar a posição de que a
  • 41. 41 mantença de animais silvestres em cativeiro a propósito de estimação não configurava crime sob a forma de utilização, nos termos da Lei 5197/67. Nesse mesmo sentido, como ilustração, transcrevemos as ementas de quatro acórdãos, de recursos julgados no âmbito da Justiça Federal: 1) Não é fato típico o mantenimento de aves silvestres em cativeiro para lazer, bem cuidadas, sem que se prove tenham sido caçadas ou venham a ser utilizadas ilicitamente (TRF 3a Região – 1a T. – AC – Rel. Ramza Tartuce – DJU 22.03.1994 – RJ 200/131); 2) 1. A mera conduta de possuir animal silvestre não configura crime contra a Lei de Proteção à Fauna, salvo se o próprio agente o tiver caçado ou apanhado, sem que para tal haja sido legalmente autorizado. 2. A utilização a que se refere o artigo 1o, caput, da Lei 5.197, de 03.01.67, é de ser entendida como a atividade através da qual alguém obtém relevante proveito pelo efetivo emprego ou pela a a exibição de animal silvestre (TRF 1 Região – 3 T. – Rec. – Rel. Tourinho Neto – RJ 196/98); 3) I - A Lei 5.197/67 tutela a fauna silvestre e sua preservação, bem com o equilíbrio ecológico, coibindo a utilização e a exploração comercial das espécies. II - a mantença de aves em cativeiro, para lazer, é penalmente irrelevante se não demonstra o dano ao equilíbrio ecológico e a preservação da espécie (TRF 3a Reg., Acr. 03006148/SP), 2a T., relator Juiz Célio Benevides, julgado em 10.12.1996); 4) I - É atípica a conduta do detentor que mantém em cativeiro espécimes da fauna silvestre nacional. II - As Leis 5197/67 e 7653/88 objetivam coibir a utilização ou a exploração comercial de animais silvestres, o que inocorreu in casu (TRF 3a Reg., Acr. 03057749/SP, 2a T., relator Juíza Sílvia Steiner, julgado em 19.11.1996). Condicionou-se, então, no âmbito da fiscalização, o enquadramento da conduta “utilização” - na área criminal - como decorrência da constatação de obtenção de real vantagem tendo por instrumento, ou meio, o animal silvestre, compreendendose atípica a prática de simples mantença para o fim de estimação 21. 21 No ano de 2000, o Comando de Policiamento Florestal e de Mananciais de São Paulo (atual Comando de Policiamento Ambiental) divulgou o Boletim Técnico 2 (ano I, 15.08.2000), sob o título: “Guarda Doméstica de Espécie Silvestre a Título de Estimação”, com as conclusões de um grupo técnico que desenvolveu pesquisa e debates, sob responsabilidade do então Capitão PM Nilson Odair dos Prazeres, confirmando a interpretação majoritária e, com isso, firmou-se doutrina interna aplicável à fiscalização do policiamento ambiental paulista.
  • 42. 42 3.2 A mudança do tratamento jurídico da fauna, do início do século XX até a Constituição de 1988. A efetiva proteção legal da fauna no Brasil, influenciada pela doutrina civilista do começo do século XX, partiu de uma noção privatista da relação existente entre o homem e os animais. Nessa fase, o legislador preocupou-se em coibir condutas lesivas aos semoventes, objetivando protegê-los enquanto bens jurídicos incorporados ou passíveis de incorporação ao patrimônio particular. Para tanto, classificou-os materialmente como bens móveis, com a característica de “bens suscetíveis de movimento próprio”, na precisa definição do artigo 47 do Código Civil de 191622. O Poder Público protegia o valor econômico agregado ao animal, defendendo a sua propriedade particular, ou mesmo a expectativa de propriedade do criador, do pescador ou do caçador. Tal como a água, por exemplo, o animal sem dono constituía res nullius; assim, na condição de bem que não estava integrado ao patrimônio de alguém, poderia vir a pertencer àquele que o caçasse, em razão do próprio sentido primitivo da ocupação. Se existia alguma preocupação em relação à proteção ao meio ambiente, era ela notoriamente secundária em relação à prioritária garantia do direito de propriedade da fauna. Da mesma forma, os outros bens oriundos da natureza não eram tutelados por seu valor ambiental como parte essencial ao equilíbrio dos ecossistemas, mas em razão do seu potencial econômico individual, como evidente manifestação de uma cultura de economia eminentemente extrativista, comum no país na medida em que os recursos naturais eram encontrados ainda em abundância. 22 O “Código Civil de 1916” que entrou em vigência em 01 de janeiro de 1917 (com texto integral aprovado e consignado na Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916), permaneceu em vigência por 86 anos. Em 10 de janeiro de 2003 foi revogado em razão do início da vigência do novo Codex (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). O objetivo do Código longevo estava previsto logo no seu artigo 1º: “Este código regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações”.
  • 43. 43 Essa forma de “proteção” à fauna, vinculada ao aspecto patrimonial, era caracterizada pela sua função apenas repressiva e imediatista, ignorando-se o valor do conjunto dos animais, para o equilíbrio e a preservação do meio ambiente natural. Com o passar dos anos, porém, ocorreu a expressiva diminuição das áreas verdes, como resultado da desenfreada ocupação humana em quase todo o território do país, além da prática extrativista dos recursos naturais sem sustentabilidade e o processo de industrialização associado ao crescimento populacional, o que tornou impossível a manutenção da exploração indiscriminada da fauna. O novo quadro exigiu do Estado a regulação do aproveitamento desse bem ambiental, sob pena de seu esgotamento e de outros a ele vinculados em condição de interdependência (característica básica dos ecossistemas). A concepção individualista foi forçosamente substituída pela noção de que os bens da natureza, entre eles os animais, devem ser considerados e valorados em seu conjunto e a legislação foi aprimorada nesse sentido, reconhecendo gradativamente a participação da fauna na formação do equilíbrio ecológico, essencial para a sobrevivência de todas as espécies, entre elas a do próprio homem. A evolução dos textos legais fez surgir, então, o moderno conceito de bem ambiental, como novo tratamento jurídico aplicado à fauna, cujos titulares são indeterminados - em oposição ao antigo res nullius -, vez que, teoricamente, todos os homens têm interesse em relação ao meio ambiente, ou seja, há o interesse difuso, sendo reconhecida a função ecológica do animal, que é anterior ao seu valor individual observado na esfera econômica. Como registrou Celso Antonio Pacheco Fiorillo: Buscando resguardar as espécies, porquanto a fauna, através da sua função ecológica, possibilita a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas, é que se passou a considerá-la como um bem de uso comum do povo, indispensável à sadia qualidade de vida. Com isso, abandonou-se no seu tratamento jurídico o regime privado de propriedade, verificando-se que a importância das suas funções reclamava uma tutela jurídica adequada à sua natureza. Dessa forma,
  • 44. 44 em razão de suas características e funções, a fauna recebe a natureza jurídica de bem ambiental23. A abordada mudança do enfoque, que ao longo do tempo foi estabelecida nas relações entre o homem e os animais, culminou com o texto da Constituição Federal de 1988, no seu artigo 225, parágrafo 1o, inciso VII, que estabeleceu como tarefa do Poder Público: “Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. Assim, no plano da tutela da fauna, a dimensão completa desse dispositivo pode ser estabelecida mediante análise das normas infraconstitucionais que descreveram condutas classificadas em três classes distintas: 1) que coloquem em risco a função ecológica das espécies; 2) que provoquem a extinção de espécies; e, ainda, 3) que submetam os animais a crueldade. Evidentemente, o legislador constitucional não quis delimitar a proteção do Estado em relação à fauna silvestre; ao contrário, pretendeu tutelar todos os animais, porque se considerarmos que o animal doméstico não tem propriamente função ecológica e não corre o risco de extinção, ainda assim será protegido contra a prática de atos cruéis, pois é integrante do coletivo “fauna”. 3.3 A mobilização mundial a partir da segunda metade do século XX A proteção do meio ambiente veio a merecer destaque no ordenamento jurídico brasileiro também como reflexo de uma postura internacional, especialmente a partir da década de 1970. Isso ocorreu pela rápida evolução da densidade demográfica do planeta, que ampliou o impacto da ocupação humana na superfície terrestre, junto à exploração desenfreada dos recursos naturais. A escassez dos recursos fez com que o meio ambiente passasse a ser observado sobre o enfoque da economia. Constatou-se que o homem deveria 23 FIORILLO, op. cit., p. 86.
  • 45. 45 preocupar-se com a preservação dos valores ambientais, cada vez mais escassos, o que exigiria mobilização de todos os países na busca de soluções para as questões ambientais emergentes. Em 1972, foi realizada uma reunião promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Estocolmo, na Suécia, com representações de diversos países, para tratar do problema ambiental já apresentado como uma realidade mundial incontestável. Essa reunião despertou a atenção dos países no sentido de que o ambiente é o mesmo para todo o planeta, sendo a Terra o grande ecossistema onde habita o ser humano. Concluiu-se pela necessidade de ações - por parte de todos os países - que minimizassem o impacto sobre os recursos naturais disponíveis, com a observação de que o meio ambiente não possui divisa natural, sendo as fronteiras dos territórios uma convenção humana, mesmo porque problemas ambientais de um país afetam diretamente outro. Nessa primeira reunião mundial considerou-se que o ambiente não era apenas o natural, onde se encontravam intactos os valores da fauna e da flora, mas também o ambiente artificial, caracterizado pelas inovações do homem, e que o ser humano necessita de qualidade de vida no meio onde vive. A partir dessa análise, foi enfocada também a necessidade de aproveitamento racional dos recursos naturais e o relacionamento entre os dois ambientes (natural e artificial) tendo como elo o homem e as suas intervenções que deveriam ser pautadas pela preservação dos valores ambientais essenciais à sua própria sobrevivência. O Brasil, que na época vivia e comemorava o “milagre econômico”, deixou de atender ao apelo internacional por interpretar, em um primeiro momento (tal como outros países não desenvolvidos), que os países mais ricos promoviam a mobilização mundial como forma de frear o avanço dos países em processo de desenvolvimento, restringindo-lhes a capacidade de exploração dos recursos naturais necessários ao seu crescimento econômico.
  • 46. 46 Especificamente sobre as questões da fauna, em 27 de janeiro de 1978, foi proclamada pela UNESCO, em sessão realizada em Bruxelas, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, contendo treze artigos que descreveram direitos naturais que devem ser respeitados pelo homem na sua relação com os animais. Uma das justificativas constantes do preâmbulo dessa Declaração diz respeito ao desconhecimento e o desprezo dos “direitos dos animais” que levaram o homem a cometer crimes contra a natureza e contra os animais. A mobilização mundial continuou e, na década de 1980 os movimentos ambientalistas exerceram papel fundamental na conscientização da necessidade de preservação dos valores ambientais, de aperfeiçoamento da legislação ambiental e adoção de medidas eficazes para fiscalização do aproveitamento dos recursos naturais, entre eles os da fauna silvestre. Nessa fase, surgiram várias Organizações Não-Governarmentais (ONG) que se popularizaram no Brasil, voltadas à defesa do meio ambiente. Reflexo dessa movimentação em nível internacional foi o já citado texto da Constituição Federal de 1988, que reservou um Capítulo exclusivo para abordar o tema “Do Meio Ambiente” (Capítulo VI), além de diversas leis que surgiram, tais como a Lei 7.653, de 12 de outubro de 1988, que impôs graves sanções às infrações ambientais, no caso, praticadas contra a fauna. Já na última década do século XX, a atenção do mundo voltou-se ao Brasil com a realização da “ECO-92” (ou “Rio-92”), reunião promovida pela ONU, em 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Dessa vez, objetivou-se traçar uma estratégia de aproveitamento dos recursos naturais de forma compatível com as necessidades sociais, para a garantia da qualidade de vida humana, e também coerente com a manutenção dos valores ambientais, encerrada no amplo conceito de conservação, almejando-se um desenvolvimento sustentável das nações.
  • 47. 47 Com o avanço da tecnologia, os bancos genéticos naturais despertaram o interesse econômico em nível mundial, diante da possibilidade de aproveitamento desses recursos (matrizes) como material para pesquisa e desenvolvimento científico, na busca de soluções medicinais e de inovações na área da produção de bens diversos que propiciem melhor qualidade de vida ao ser humano. A riqueza da fauna silvestre do Brasil, que possui várias espécies endêmicas, vem atraindo pesquisadores e grupos empresariais de diversas partes do mundo, ensejando ações de iniciativa governamental, e mesmo privada, para a preservação das espécies nativas brasileiras. 3.4 A fauna silvestre como bem público de interesse difuso Sob o prisma do direito natural, é razoável defender que todos os animais, sem exceção, possuem “direitos” na condição de seres vivos que dividem o mesmo espaço ambiental. Porém, no direito positivo brasileiro, que é o campo deste estudo, somente o ser humano é sujeito de direitos - e também de deveres -, pelo menos por enquanto. As demais espécies, materializadas nos espécimes que as integram, são objetos de tutela legal, considerados os seus representantes entes protegidos contra crueldade, contra o risco de extinção da espécie a que pertencem e contra práticas que coloquem em risco sua função ecológica. Todas as leis criadas para a defesa do meio ambiente existem para beneficiar o próprio homem; é ele o favorecido e, secundariamente, as demais espécies. Objetivamente, os animais que integram a fauna são bens sobre os quais direta ou indiretamente a ação humana se faz incidente, motivo pelo qual possuem relevância jurídica e recebem tratamento legal adequado a essa característica; são, portanto, bens jurídicos. O homem exerce a condição de sujeito de direitos de forma individual ou coletiva. Algumas leis brasileiras da segunda metade do século XX destacaram a
  • 48. 48 proteção de interesses transindividuais, ou seja, que transcendem o indivíduo, alcançando uma dimensão maior, o interesse de uma coletividade. O gênero interesses transindividuais dividiu-se em duas espécies: os interesses coletivos, que dizem respeito às pretensões ou valores de um dado grupo de pessoas, de uma parcela da sociedade, como por exemplo, os interesses das associações; e os difusos, que são interesses de um número indeterminado de pessoas e, assim, o interesse de toda a sociedade. Exemplo dessa nova disposição é a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que em seu artigo 81 estabelece que: A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam Titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Entre as inovações trazidas na Constituição de 1988 para a proteção dos interesses difusos, registrou-se um Capítulo específico para tratar do meio ambiente (Título VIII – Da ordem social, Capítulo VI – Do Meio Ambiente), em que foi reconhecido o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, classificado como “bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida” (artigo 225, caput). Tendo o legislador considerado a função ecológica da fauna silvestre (artigo 225, parágrafo 1o, inciso VII), admitiu-a como bem ambiental, em vista de sua imprescindibilidade, face o almejado equilíbrio ecológico do meio ambiente. A questão que se apresenta, então, é qual o regime de titularidade da fauna silvestre, enquanto bem que desempenha uma função ecológica. Devemos inicialmente aceitar que os animais domésticos têm regime diverso dos silvestres, pois os primeiros compreendem indiscutível propriedade particular de quem legitimamente sobre eles exerce domínio, com as limitações impostas pela lei, constituindo bens privados; já os segundos, os silvestres, por possuírem função ecológica, são
  • 49. 49 considerados bens ambientais e, portanto, indisponíveis. Não obstante, o Estado, que administra esses bens, possibilita sua exploração mediante autorização, concessão ou licença, nos termos da lei, objetivando o bem comum. Nesse contexto, alguns autores defendem que a fauna silvestre, enquanto bem ambiental, constitui bem difuso e não um bem público, considerando superada a visão de simples separação dos bens jurídicos em dois grandes grupos: os bens privados e os bens públicos. Sob esse enfoque, propõe-se a seguinte diferenciação: o bem público é aquele pertencente ao patrimônio público, tendo como titular o Estado e o bem difuso é aquele que pertence à coletividade, possuindo características de indivisibilidade e tendo por titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. No entanto, o Código Civil (de 1916), em seu artigo 66, inciso I, já considerava como uma das modalidades de bem público o “de uso comum do povo, tais como mares, rios, estradas, ruas e praças” e esta foi evidentemente a fonte da expressão utilizada no Texto Constitucional, observada a sua mesma redação. Assim, a classificação de bem difuso aplicada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que implica na aceitação da coletividade como titular desse bem jurídico no seu mais amplo sentido, é justa na medida em que o nominado meio ambiente reúne características de indivisibilidade e constitui exatamente bem de uso comum do povo; ademais, a própria evolução da legislação brasileira indica um desmembramento do bem público, ao considerar o bem difuso de forma autônoma. Não é tão simples, porém, a classificação da fauna silvestre sob esses mesmos critérios. Vejamos. O conjunto dos animais que compõem a fauna silvestre é um bem ambiental tanto quanto cada espécime, em sua individualidade, por seu valor ecológico agregado ou potencial. O aproveitamento desse ou desses bens ambientais, porém, dá-se de modo diverso do chamado “uso comum do povo”, expressão que a Constituição empregou para descrever o direito de aproveitamento do meio ambiente