1. Morrer Em Vida É Fatal
Martha Medeiros
Nunca esqueci de uma senhora que, ao responder por
quanto tempo pretendia trabalhar, respondeu com
toda a convicção: “Até os 100 anos”.
O repórter, provocador, insistiu: “E depois?”.
“Ué, depois vou aproveitar a vida”.
2. É de se comemorar que as pessoas aparentem ter menos
idade do que realmente têm e que mantenham a vitalidade e
o bom humor intactos
– os dois grandes elixires da juventude.
No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais tarde, aleluia),
envelheceremos todos.
3. Não escondo que isso
me amedronta um
pouco.
Ainda não cheguei perto
da terceira idade, mas
chegarei, e às vezes me
angustio por
antecipação com a dor
inevitável de um dia ter
que contrapor meu eu
de dentro com meu eu
de fora.
Rugas, tudo bem.
4. Velhice não é isso,
conheço gente enrugada
que está saindo da
faculdade.
A velhice tem armadilhas
bem mais elaboradas do
que vincos em torno dos
olhos.
Ela pressupõe uma
desaceleração gradativa:
descer escadas de
forma mais cautelosa,
ser traída pela memória
com mais regularidade,
ter o corpo mais flácido,
menos frescor nos
gestos,
5. os órgãos internos não respondendo com tanta presteza, o
fôlego faltando por causa de uma ladeira à toa, ainda que
isso nem sempre se cumpra:
há muitos homens e mulheres que além de um ótimo
aspecto, mantêm uma saúde de pugilista.
A comparação com os pugilistas não é de todo absurda:
é de briga mesmo que estamos falando.
6. A briga contra o olhar do outro.
Muitos se queixam da pior das
invisibilidades:
“Não me olham mais com
desejo”.
Ouvi uma mulher belíssima dizer
isso num programa de tevê, e eu
pensei:
não pode ser por causa da
embalagem, que é tão
charmosa.
Deve estar lhe faltando ousadia,
agilidade de pensamento, a
mesma gana de viver que tinha
aos 30 ou 40.
7. Ela deve estar se boicotando de
alguma forma, porque só cuidar da
embalagem não adianta, o produto
interno é que precisa seguir na
validade.
Quem viu o filme “Fatal” deve
lembrar do professor sessentão,
vivido por Ben Kingsley,
que se apaixona por uma linda e
jovem aluna (Penélope Cruz) e
passa a ter com ela um
envolvimento que lhe serve como
tubo de oxigênio
e ao mesmo tempo o faz
confrontar-se com a própria
finitude.
8. No livro que deu origem
ao filme (O Animal
Agonizante, de Philip
Roth),
há uma frase que
resume essa comovente
ansiedade de vida:
“Nada se aquieta, por
mais que a gente
envelheça”.
Essa é a ardileza da
passagem do tempo:
ela não te sossega por
dentro da mesma forma
que te desgasta por
fora.
9. O corpo decai com mais
ligeireza que o espírito,
que, ao contrário, costuma
rejuvenescer quando a
maturidade se estabelece.
Como compensar as
perdas inevitáveis que a
idade traz?
Usando a cabeça:
em vez de lutarmos para
não envelhecer, devemos
lutar para não emburrecer.
10. Seguir trabalhando,
viajando, lendo, se
relacionando, se
interessando e se
renovando.
Porque se
emburrecermos,
aí sim, não restará
mais nada.
Texto de Martha Medeiros,
publicado no jornal ZERO
HORA em 03/05/2009
Música:
André Rieu - Si Vous L'aviez
Compris
Formatação:
maricarusocunha@pranos.com.br
www.pranos.com.br