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O Q U E E S T Á A O
M E U A L C A N C E ?
LUIZ FERNANDO SARMENTO
IDEIAS E METODOLOGIAS
PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS
O Q U E E S T Á A O
M E U A L C A N C E ?
LUIZ FERNANDO SARMENTO
IDEIAS E METODOLOGIAS
PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS
Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de
trinta anos. Reflexões, descobertas – minhas, de outros – e práticas
que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já
sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por
cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que
movimentos sociais são compostos por movimentos individuais.
Conhecimentos misturados, este livro cuida da formação de redes
presenciais, da terapia da palavra, da utilização do próprio sangue, da
comunicação do que dá certo, do trabalho como sinônimo de prazer.
para quem deseje
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S255q
Sarmento, Luiz Fernando, 1946-
O que está ao meu alcance? ideias e metodologias para movimentos sociais e individuais /
Luiz Fernando Sarmento. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Viajante do Tempo, 2014.
196 p. ; 20 cm.
ISBN 978-85-63382-32-0
1. Sociologia. 2. Sociologia - Metodologia. 3. Capitalismo. 4. Mudança social. I. Título.
14-14967	 CDD: 301
	 CDU: 316
2014
Impresso no Brasil - Rio de Janeiro
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Viajante do Tempo LTDA
www.editoraviajantedotempo.com
editora@viajantedotempo.com
Ilustrações e Diagramação: Pedro Sarmento
Índice
Introdução 10
I. Agências de inFormações Independentes 15
II. Rede de Comunicação Popular 23
III. Reflexões sobre o Homem Novo 43
IV. Rodízio Criativo 71
V. Visão de Mundo 77
VI. Auto-hemoterapia 89	
VII. Terapia Comunitária 95
VIII. BRincadeiras 103
IX. Movimentos Relacionados 111
X. Redes Humanitárias Comunitárias 135
XI. Sonho e Realidade 153
XII. Redes na Prática 177
Se o leitor é um editor
– e acredito que cada um é –
merece ter ao lado um caderno em branco,
onde anote o que intui e faça o bem que lhe aprouver.
Lembrete
Tão bom não ter que fazer prova.
Leio o que me atrai,
salteio, paro, regresso, esqueço.
Às vezes algo fica.
Aí me reconheço. E cresço.
O que desejo pra mim,
desejo para quem deseje.
Jovem, não acreditava em mim. Meu corpo esquelético, sem óculos
ceguim, insuficiente nas brincadeiras, nunca escolhido nas peladas,
frangueiro. Inseguro de tudo, sensação de excluído. Isto de um
lado. De outro, na família, tratado como igual. Sorte minha ter
nascido ali, naquele espaço e tempo, do jeito que foi.
A insegurança estimula minha curiosidade. Tantos mistérios no
mundo fora de mim, no mundo dentro de mim. A cada descoberta,
um porto. No mundo e em mim, qualidades que desconhecia.
Noutros lugares, noutras épocas, com outras pessoas, passo a passo,
aprendi um tanto do que é e do que parece ser. Certezas mesmo, só
de dúvidas: quase tudo permanece e muda a cada instante. Assim,
aqui, o que foi talvez não seja.
Introdução
Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de
trinta anos. Reflexões, descobertas – minhas, de outros – e práticas
que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já
sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por
cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que
movimentos sociais são compostos por movimentos individuais.
Conhecimentos misturados, o O que está ao meu alcance?
cuida da formação de redes presenciais, da terapia da palavra, da
utilização do próprio sangue, da comunicação do que dá certo, do
trabalho como sinônimo de prazer.
Intenção e gesto
Os mesmos fatos, visões diferentes. É assim em relação à própria
criação do universo, da terra, do homem. Ser ou não ser, estar ou
não estar, passam os séculos, ao fundo permanecem estas e outras
questões. Cada homem, do seu jeito, cultiva – ou não – sua própria
evolução, em tentativas de viver melhor. A soma destas revoluções
individuais se traduz na evolução da humanidade como um todo.
A memória nos lembra de nossa história recente: vida rural,
industrial, pós-industrial. Agora globalização, fase de stresses,
tendências desumanizadoras. Indivíduos, bairros, cidades, países
fortes e fracos – é só olhar ao longe e ao redor – destinam recursos
para armas. Volta e meia, implosões de insatisfações que – juntas
– se transformam em conflitos e confrontos coletivos. A vida,
breve: tempo curto para lutar contra. O buraco – quase sempre
– mais embaixo. O inconsciente individual e coletivo – parece –
induz nossas ações.
Por outro lado, olhando bem, sinais de vida no planeta Terra. A
favor do homem. Também aqui, cada ato traz resultados. No que
pode neste barco, cabe a cada um de nós – que deseje – dar-se
conta, sentir, refletir, nortear, realizar seus gestos.
I
Agências de
inFormações Independentes
17Agências de inFormações Independentes
Síntese
Informações de qualidade podem chegar a muita gente, através
de veículos de comunicação já existentes. A ideia básica: qualquer
pessoa ou instituição pode montar sua própria agência de
inFormações independente. Esta agência oferecerá inFormações a
veículos de comunicação.
Para a realização desta agência – além de informações benéficas de
interesse público – é necessária uma pessoa, um computador com
acesso à internet e endereços virtuais de veículos de comunicação.
Simples assim.
Consciência
É mais fácil compreender processos de transformações, individuais
e coletivas, quando reconheço a existência do meu inconsciente e
considero o que vai pelo meu e pelo do outro. Freud, Jung, Reich
me ensinam que cada um de nós, no correr da vida, adquire e
internaliza defesas. Elas têm a função de impedir sentimentos que
nos incomodam.
Por outro lado, a construção de relações de confiança me facilita
comunicaçõesmaisprofundas.Assim,antesdeentrarpropriamente
nos conteúdos, é necessário cuidar de mim e do outro, estabelecer
aproximações. Como no namoro: há o olhar, a empatia, a delicadeza
na aproximação, as identificações comuns, os sinais, o pegar na
mão, a construção da relação.
As inFormações profundas somente chegam ao seu destino quanto
o destinatário está receptivo.
Comunicar é uma arte.
18 Agências de inFormações Independentes 19Agências de inFormações Independentes
vinculados. Há instituições especializadas que oferecem
comercialmente estas informações. Talvez, por exemplo, a Meio
& Mensagem, http://www.meioemensagem.com.br. Ou a
Comunique-se, http://www.comunique-se.com.br.
Merecem ser também ser relacionados – além dos mais conhecidos
– os profissionais e veículos menos conhecidos. E jornais, revistas,
rádios, TVs... produzidos e voltados para suas comunidades.
No campo virtual, outro mundo de comunicações. Aqui, quando
a inFormação disponibilizada toca quem a recebe, são incontáveis
as possibilidades de reprodução e espalhamento. Dependem
basicamente da iniciativa de cada um. Assim mais facilmente se
formam redes e movimentos.
•Uma relação de fontes possíveisde inFormações.Valepesquisa.
Há as pessoas e instituições que já dão certo, já fazem trabalhos
reconhecidamente em favor do desenvolvimento integral da
pessoa e da coletividade. Há os desconhecidos do público, atuantes
ou na semeadura. O boca-a-boca constrói redes. Um leva a outros
que leva a muitos.
Estas fontes podem estar relacionadas ao foco da agência. Imagino
uma diversidade grande, de acordo com o interesse de quem
envolvido. Agências voltadas para o bem estar das crianças, mães,
pais, adolescentes. Ou para áreas de conhecimento específicas:
agronomia, psicologia, engenharia, medicina, alimentação,
esportes, lazer, voluntariado, magistério... Aqui vale um livre
pensar,alémdeaproximaçõesdosprópriosdesejosdequem–pessoa
ou instituição – intenciona atuar como agente de inFormações.
Da compreensão...
Conteúdos diferenciados – que intencionam contribuir para
qualidade na vida de cada um e de todos – podem ser oferecidos a
veículos de comunicação de todo o país, em todo o mundo.
Existem fontes – individuais, coletivas, comunitárias, ONGs,
Oscips... Existem veículos potencialmente interessados – jornais,
revistas, rádios, TVs. E os virtuais, inventados ou por inventar –
sites, blogs, orkuts, twitters, faces...
As fontes não têm normalmente conexão com os veículos. Agências
de inFormações podem ter esta função: colher conteúdos de
qualidade e disponibilizá-los para veículos e seus públicos.
O terceiro setor – organizações de interesse público sem fins
lucrativos, formais ou informais – e um quarto setor – indivíduos,
pessoas físicas – podem assim compartilhar suas visões de mundo.
... Ao gesto
A realização de uma Agência de inFormações independente é
trabalhosa, mas simples. O básico:
• Uma pessoa interessada, com senso ético internalizado e
capacidade de aprender o fazimento e articular a integração
de recursos: colher informações e fomentar sua veiculação. Se
necessário, editá-las, formatá-las.
• Um espaço, uma mesa, cadeira, um computador, um telefone
com fax, um scanner.
• Uma relação atualizável de profissionais de comunicação
atuantes no país – e suas funções nos veículos a que estejam
20 Agências de inFormações Independentes 21Agências de inFormações Independentes
Todo o mundo quer
Aqui, ali, acolá, conteúdos de qualidade, quando emocionalmente
entendidos, tendem a encontrar pessoas e instituições pró-ativas
que utilizam e reproduzem os conhecimentos adquiridos. Assim,
em leve prazo, se sucesso aqui, também sucesso entre outras
pessoas, outros povos de outros países com outras línguas, que
tenham em comum a mesma humanidade.
Conteúdos
Todo este trabalho só faz sentido se os conteúdos das inFormações
a serem oferecidas contribuírem para o bem estar individual e
coletivo. Para não ter dúvidas, me pergunto: é o que desejo oferecer
aos meus filhos, aos meus pais, aos amigos, aos que não conheço?
Poderá fazer bem, estimular reflexões?
InFormações atemporais tendem a permanecer. Foram úteis
ontem, podem ser úteis hoje e amanhã.
A construção de um mundo melhor comporta variedade de temas
e públicos: ética, comportamento, brincadeiras passo a passo,
notícias que geram esboços de sorrisos, agradáveis de saber...
Escritas para todos nós ou especificamente destinadas a pais,
crianças, babás, professores, empresários, médicos, políticos,
funcionários públicos... InFormações que tragam, mais que
informações, conhecimentos. Que estimulem a consciência,
possibilitem insights...
Formas
Lembranças difusas. No início da segunda metade do século vinte,
um jornal de circulação nacional oferecia a jornais do interior
matérias atemporais em cadernos-tipo-cultura, com espaços para
inserções publicitárias locais. Informações de qualidade, para
públicos virgens, ampliaram visões de mundo.
Hoje abrem-se novas fronteiras para a imaginação. Textos, fotos,
vídeos, áudios... Em releases, artigos, cromos, fitas, DVDs, CDs –
virtuais ou físicos... Escolhas de produção e oferta em função dos
veículos, físicos e virtuais, escritos e audiovisuais.
II
Rede de Comunicação Popular
25Rede de Comunicação Popular
Conteúdos para transformações
Retrato rápido
Os jornais pendurados nas bancas exibem quase sempre as
mesmas notícias, escritas de forma um pouco diferentes. As
fontes de informações, parece, são as mesmas. Umas poucas
agências de notícias. No Brasil, Agências O Globo, Folha de São
Paulo e quais mais?
Uma jovem conhecida, no início do século, registrou que manchetes
de grandes jornais de cidades europeias exibiam, no mesmo dia,
fotos semelhantes sobre o mesmo assunto. Também lá as mesmas
poucas agências como fontes principais. Reuters, UPI, France
Presse... Eventualmente só uma fonte, o Pentágono?
Bom problema
Como podemos contribuir para chegar à população informações
diversificadas e com qualidade de conteúdo?
O que sabemos
Há conteúdos de qualidade ainda invisíveis para a maioria da
população.
Há pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas
informações.
Há veículos potencialmente interessados em difundir estas
informações.
Há públicos potencialmente interessados nestes conteúdos.
26 Rede de Comunicação Popular 27Rede de Comunicação Popular
Sabemos do corre-corre geral que toma conta de muitos
de nós, inclusive do pessoal da imprensa. É curto o tempo
para ir fundo nas matérias. Talvez a preferência habitual
seja pelas informações que chegam tão completas que
delas é quase só selecionar o texto que será prensado. Daí
a importância das fontes e das qualidades dos conteúdos.
As fontes possíveis são inumeráveis. Se os conteúdos são
atemporais, ampliamos as possibilidades de produzir e difundir
textos estimuladores de reflexões, facilitadores de insights, escritos
por livres-pensadores contemporâneos e anteriores, aqui incluídos
filósofos, o pessoal da literatura, o pessoal psi, o pessoal da educação,
das artes e da cultura... Além de informações sobre tecnologias e
metodologias voltadas para o bem estar individual e coletivo...
Se os conteúdos são temporais, notícias originadas de territórios
ou de temas – se possível focadas mais nas competências que nas
faltas. E notícias de interesse público geradas por instituições,
tanto as de Estado quanto as não governamentais ou as privadas
eventualmente sem fins lucrativos.Umadesvantagemdeconteúdos
temporais é que se desatualizam com o passar dos tempos. Pressões
por tempos e datas estimulam ansiedade.
Uma vantagem de conteúdos atemporais está exatamente na sua
atemporalidade. Podem ter sido lidos ontem, podem ser lidos
hoje ou amanhã. Mais que informações, trazem conhecimentos,
estimulam reflexões.
Possibilidades
Num dia qualquer de um maio de um outro ano, em busca de
referências de tamanho de colunas, contei 3.564 dígitos no texto
de Chico Alencar, 2.448 no de Nelson Motta e 3.120 no de Luiz
Garcia. Média de 3.061.
Há instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras de
agências de informações de interesse das populações.
A ideia é simples
Oferta de informações atemporais para veiculação na
mídia existente. Para isto, criação de agências de informação
independentes.Paracomporestaagência:umapessoa,computador,
telefone, scanner, fax, internet, softwares que facilitem acesso a
veículos de comunicação. E um espaço, que pode ser residência.
Esta pessoa:
Contata e articula produtores de informações atemporais.
Constrói um baú virtual com estes textos disponibilizáveis.
Contata e articula editores e colunistas de veículos de
comunicação em todo o país. Oferece os textos do baú.
	
Esta pessoa:
Ao aprender, fazendo, testa e reinventa uma metodologia
singelaquepossasercompartilhadacominstituiçõesepessoas
ativas, interessadas em montar suas próprias agências para
fomentar a difusão – através de veículos de comunicação já
existentes – de informações específicas atemporais.
		
Na prática, estas informações são contribuições para os conteúdos
de veículos de comunicação. Para quaisquer veículos, físicos ou
virtuais. Tanto jornais, revistas quanto rádios, TVs, alto-falantes...
Diversidade de fontes
Com as agências, uma diferença:
são as informações que buscam os veículos.
As agências contribuem para as pautas dos veículos.
28 Rede de Comunicação Popular 29Rede de Comunicação Popular
oportunidade de falar o que oferece e o que procura, em relação
a um tema ou a um território. E quando cada sabe do outro, as
aproximações possibilitam formações de vínculos, de parcerias, de
projetos comuns, de capital social. Existem tanto a metodologia
quanto os movimentos e somas que ela fomenta. Como a Rede
Brasileira de Artistas de Rua, com participantes de quase todas
unidades da Federação. Articulados, profissionais ampliam suas
possibilidades, oportunidades, conhecimentos.
Ou a Terapia Comunitária, metodologia que estimula solidariedade
quando disponibiliza espaços de escutas – para se falar do que
aflige, incomoda, deixa um sem dormir. Para falar do que gera
dores de cabeça, gastrites, distúrbios funcionais cotidianos.
A Terapia Comunitária se tornou política pública nacional e é
também utilizada em países do primeiro mundo – a materialidade
que aqui faz falta talvez lá corresponda à ausência de afetividade.
Há núcleos de formação e terapeutas comunitários já formados e
sendo formados em diversos estados do Brasil.
Movimentos de interesse social
Lembro que movimentos surgem, desaparecem, renascem em
outros tempos e espaços. Os exemplos que abaixo relato existiram
em lugares e tempos específicos.
Um exemplo: A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria
e pela Vida. Entre os seus objetivos encontram-se o fomento da
mobilização de todos os segmentos da sociedade brasileira na busca
de soluções para as questões da fome e da miséria, visando realizar
o sonho de um país sem fome, alimentado, onde todos tenham
direitos de cidadania, onde a justiça seja mais do que uma palavra e
que a integração social seja mais fato do que discurso. Hoje talvez,
como outros movimentos, já tenha se adaptado a novas realidades.
E os focos poderão ser outros, como educação e arte.
Imagino vale tentar oferecer uma série de textos, formatáveis como
colunas. 26 textos corresponderiam a 26 semanas ou um semestre.
Movimentos, redes surgem, atuam e desaparecem, de acordo com
os desejos e ações que os originam. Deixam sementes que, como
fênix, renascem, reciclam. O que escrevo aqui no presente pode ser,
passado um tempo, passado para quem lê. Os exemplos são como
oportunidades de desenvolvimento humano que não chegam aos
ouvidos e corações de muitos que delas poderiam usufruir.
Agências específicas e independentes de inFormações facilitarão
desenvolvimentos individuais e coletivos, ao oferecer conteúdos
saudáveis aos públicos, através de veículos de comunicação hoje
existentes. A interatividade com leitores será uma decorrência
natural. Não é assim que caminha a humanidade?
Exemplos práticos
A Rede de Tecnologias Sociais, por volta de 2010, congregava
centenas de pessoas e instituições. A RTS contém informações de
interesse de toda a população – podem facilitar a vida de muita gente
que ainda não tem estes conhecimentos. Na maioria são soluções
simples, custos diferenciados, para as questões mais diversas.
É a cisterna, inventada pelo pedreiro nordestino, que acumula água
durante as chuvas e a conserva para o período das secas. Resolveu
o problema de sua família. A nova tecnologia se tornou política
pública. Hoje são milhões de cisternas assim no Brasil.
É o tijolo construído a partir do entulho. É o aquecedor solar que
pode ser feito em casa, com insumos simples oferecidos por lojas
de materiais de construção.
Ou a metodologia focada nas competências e não na falta. Nas
Redes Comunitárias há reuniões presenciais onde cada um tem
30 Rede de Comunicação Popular 31Rede de Comunicação Popular
grande imprensa. Desconfio aqui da interferência de interesses
financeiros: saúde dá lucro pra quem tem. Doenças dão lucros
pra quem vive delas.
Paralelamente, o vídeo Auto-hemoterapia – Conversa com Dr. Luiz
Moura, a partir de iniciativas individuais, circula na internet e há
indicações que tenha sido acessado milhões de vezes. Foi transcrito
para o papel, publicado física e virtualmente e já existem versões
em inglês, espanhol.
Ampliando, há interesse potencial de populações pelas sabedorias
e práticas milenares das medicinas chinesa e hindu. E pelas
sabedorias populares – indígenas, negras, brancas, de todas as cores
e credos, miscigenadas – adquiridas pelas práticas de todo dia: com
as folhas, os chás, os toques, os sons, as espiritualidades. E mais, é
só lembrar: homeopatia, acupuntura... Além do entendimento de si
mesmo, que muda tudo.
Comunidades populares: pessoas ativas, reaplicando,
reinventando a metodologias – inclusive a das agências
independentes de inFormações – poderão, com simples e justos
custos, gerar conteúdos para a imprensa escrita. Desde textos
atemporais, reflexivos, de construção intelectual local até
informações temporais, notícias mesmo.
Exemplo: algumas pessoas ativas em Vila Aliança, bairro do Bangu,
no Rio, se dedicaram a formar um centro cultural local. Inicialmente
sem espaço, trocavam ideias nas esquinas. Ocuparam uma escola
desativada pela prefeitura, articularam uma formalização desta
ocupação ao mesmo tempo que produziram oficinas e cursos para
o público local, com os recursos humanos locais, solidariamente.
Estimulam a inclusão de instituições e pessoas que desejem
participar. Têm, entre outras soluções, utilizado metodologias
que possibilitam a expressão de cada um e de todos. A partir do
O movimento atua através de comitês locais: cidadãos solidários
que se mobilizam por toda a nação. Em todos os estados
brasileiros, comitês regionais da Ação da Cidadania promovem
ações conjuntas integradas pela coordenação nacional, com sede
no Rio de Janeiro. Os comitês locais atuam junto a famílias,
promovem ações assistenciais e de mobilização de comunidades na
luta pela conquista dos direitos sociais. Formados por voluntários,
os comitês promovem, individualmente e por iniciativas próprias,
projetos nas mais diversas áreas, como a doação de alimentos, a
geração de emprego e renda, educação, creches, esporte e lazer,
arte e cultura, saúde, assistência à população de rua...
Outro exemplo: comunidades populares dos centros urbanos.
O UNICEF quer contribuir com a redução das iniquidades que
separam, em mundos completamente diferentes, crianças e
adolescentes que vivem em comunidades populares daqueles que
estão em outras regiões dos centros urbanos.
Para isso, foi desenvolvida a Plataforma dos centros urbanos,
umainiciativaquevisaamobilizaracidadeparaquetodos–governo,
sociedade civil, empresas e cada cidadão – trabalhem juntos pela
garantia dos direitos de cada menino e menina. Em meados de 2012
centenas de pessoas, satisfeitas de si, se encontraram no Armazém
da Utopia, no Rio de Janeiro, para comemorar alegremente os 3
anos do projeto-movimento. 43 GALs – Grupos de Articulação
Local – compunham a Plataforma.
E outro: durante uma semana, em outro maio, ocorreu audiência
pública no STF, focada na Saúde. As intenções, por exemplo,
incluíam a liberação da auto-hemoterapia, técnica centenária
de baixo custo utilizada por milhares de brasileiros – na prática
comprovadamente eficaz e, que eu tenha conhecimento, sem relato
algum de contraindicação. Mesmo sendo realizada a partir de um
movimento popular espontâneo, a audiência não foi noticiada pela
32 Rede de Comunicação Popular 33Rede de Comunicação Popular
De modo semelhante, uma agência voltada para o áudio cuidaria de,
além de congregar conteúdos já existentes, gerar novos conteúdos
para as rádios.
Difícil, hoje, além das rádios AM e FM tradicionais, dizer onde e
quantas são as rádios comunitárias em funcionamento no Brasil.
São milhares.
Há geradores de conteúdos em plena atividade – independentes, em
comunidades populares, em escolas de comunicação, instituições
e pessoas físicas. O Rio – como outros lugares? – , desconhece o
que tem. Talvez um ou outro saiba do movimento de Comunicação
Crítica que inclui a Maré. Ou dos produtores audiovisuais de
Manguinhos, Vidigal, Japeri. Há também os estudantes de
comunicação das universidades – UFRJ, UFF, PUC, FACHA, Gama,
Estácio... Quando há possibilidades reais de veiculação, cresce o
interesse pela produção e oferta.
Convivemos há tempos com a não-veiculação de produções
culturais populares. O Cinema Novo e produções comunitárias
recentes, quase ou totalmente invisíveis, são exemplos de filmes e
vídeos que permanecem nas prateleiras.
Talvez as informações temporais que aqui descrevo já sejam
diferentes no presente.
Anotações não editadas
Movimento interativo, colaborativo: as Agências oferecem e
prospectam conteúdos para e de veículos e leitores.
O que chamo de inFormações são conteúdos geradores de
conhecimento. Mais que informação, aprendizagem.
que cada um oferece e do que cada um procura em relação àquele
território, montam seus projetos e programações. Querem ser
referência para o mundo. Para informar ao mundo e interagir com
ele, estão interessados em articular uma Agência de inFormações
de Vila Aliança.
Assim... Estas e outras informações, na medida em que
interessados a elas tenham acesso, podem gerar tanto as chamadas
soluções práticas quanto estimular as evoluções subjetivas – estas
que interferem nos desejos, no bem estar de cada um, independente
de raça, credo, classe social.
Mais possibilidades
Num segundo momento, esta nascente metodologia de difusão
de textos atemporais, adaptável a cada realidade, poderá ser
uma referência para a criação de metodologias de difusão áudio e
audiovisual.
Uma Agência de inFormações Audiovisuais cuidaria de gerar ou
congregar conteúdos, editados ou brutos, e disponibilizá-los –
considerando as experiências de assessorias de imprensa – para
TVs abertas, fechadas, comunitárias. Além da internet.
Há Assessorias de Imprensa que disponibilizam conteúdos
organizados – em books, releases, conjuntos de cromos, fitas... –
para veículos os mais variados. A foto e a informação que vão para a
Folha de São Paulo são um tanto diferentes da foto e da informação
que vão para O Globo. As fitas de vídeo, EPKs – contêm trailers,
cenas de making-off não editadas, entrevistas brutas com atores,
atrizes, diretores... – são destinadas a responsáveis pelas pautas de
programas específicos de TV.
34 Rede de Comunicação Popular 35Rede de Comunicação Popular
Cada Agência de inFormações teria esta função de integração
dos stakeholders – produtores de conteúdo, veiculadores, público,
financiadores, apoiadores, agentes – assim fomentando aplicações
destes capitais disponíveis para transformações sociais.
Conteúdos atemporais porque: informações colhidas hoje e
ontem, servirão para amanhã e depois.
A atemporalidade poderá evitar a ansiedade provocada pelos
prazos, além da corrida em concorrência com agências de notícias
temporais tradicionais.
Conteúdos de qualidade, evolucionários, atemporais, motivadores
de reflexões, poderão se tornar temas específicos de agências de
inFormações. Fontes fortes poderão ser tanto clássicos – Platão,
Freud, Reich, Jung... – quanto livres pensadores contemporâneos:
Boff, Beto, Veríssimo, De Masi, Morin, Calligaris, Millôr, Barreto,
Freire... Além dos ainda desconhecidos, do interior e das capitais.
Veículos potencialmente interessados
Por confirmar: softwares como o do Meio & Mensagem e o do
Comunique-se disponibilizam informações – inclusive contatos
e endereços – sobre a maior parte da mídia brasileira. Utilizando
estes serviços é possível entrar corresponder com quase todos
veículos de comunicação do país – jornais, revistas, rádios, TVs,
internet... Outros softwares devem facilitar acesso a veículos de
países de língua portuguesa, da América Latina, de todo o mundo.
Públicos potencialmente interessados
O que os olhos não veem, o coração não sente.
Do que não sei, não usufruo.
As Agências de inFormações intencionam, interativamente,
pesquisar e disponibilizar – para e junto a populações – conteúdos
que facilitem o bem estar e possibilitem transformações individuais
e coletivas.
Num primeiro momento, informações atemporais em texto, que
estimulem reflexões e ampliações de visão de mundo. E informações
objetivas – sobre tecnologias sociais, por exemplo – que possibilitem
soluções acessíveis a cada um e todos. Estes textos serão oferecidos
a veículos de comunicação impressos. Do Brasil, de países de língua
portuguesa, de países de língua espanhola, do mundo.
Num segundo momento, informações de áudio e audiovisuais.
Quandoumainformaçãoéinternalizada–quandocaiaficha–muda
a visão de mundo, muda um tanto de tudo, mudam os desejos de
quem compreendeu, mudam suas necessidades de consumo, muda
a economia. Transformações individuais e coletivas se realizam.
A credibilidade de pessoas e instituições-fontes facilitará o
acolhimento de conteúdos delas originados e sua reprodução por
veículos de comunicações.
Uma vez criadas e testadas metodologias voltadas para a difusão
de informações que beneficiem populações, são muitos e diversos
os potencialmente reaplicadores – pessoas e instituições voltadas
para o interesse público, comunidades ativas, movimentos sociais...
Numa primeira fase, as inFormações – os conteúdos iniciais
oferecidos aos meios de comunicação – poderão ser basicamente
atemporais, estimuladores de reflexões, de insights, de ampliações
de visões de mundo.
36 Rede de Comunicação Popular 37Rede de Comunicação Popular
Instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras:
Há recursos potencialmente disponíveis.
Materiais,humanos,financeiros...NoBrasil,aFINEP–Financiadora
de Estudos e Projetos, a Caixa Econômica Federal, a Fundação Banco
do Brasil, a Petrobrás, além de organismos regionais, estaduais,
municipais... Há voluntários à procura de oportunidades de prestar
serviços pelo bem comum. Há equipamentos ociosos aqui e ali.
Há tecnologias e metodologias desenvolvidas e disponíveis. Estes
recursos, parece, podem ser integrados em agências.
	
Metodologia, reaplicação
A metodologia inicial poderá ser apenas uma referência, pois sua
reaplicação naturalmente possibilitará criação de metodologias
adaptadas a cada realidade. É estimulante a diversidade de visões
de mundo que poderão se expressar através de agências específicas.
Além das transformações individuais e coletivas que a difusão de
conhecimentos poderá facilitar.
Espectadores
Salvo engano, oficiosamente, em 2010, talvez existissem no Rio 8
gatos-net para cada net oficial. Se assim, quem mais vê a net são os
mais pobres. Que não se veem, não são representados na TV.
Realidade virtual
Parece, grosso modo, acredita-se mais na TV que na realidade. Ver-
se na TV estimula gostar de si mesmo.
Há gente com sede...
E há possibilidades de água ao seu lado.
Há gente doente...
E há possibilidades de saúde ao seu alcance.
Há gente com culpa...
E há possibilidades de desculpabilizar-se.
Há gente com soluções...
E há gente que delas precisam e não sabem.
Pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas
informações:	
	
Difícil hoje encontrar profissionais de comunicação com
tempo e disponibilidade para pesquisar conteúdos, aprofundar
conhecimentos e difundi-los. Mas se lhes chegam às mãos
conteúdos que lhes toquem e que possam contribuir pruma vida
melhor tanto pra si quanto pra sua família e leitores...
Uma assessoria de imprensa focada em cinema, por exemplo,
constrói um kit – com informações em book e em release, fotos em
cromos, material audiovisual não totalmente editado numa fita
(entrevistas com atores, diretores, cenas do filme e de making-off,
trailer...) – e oferece, com critérios, parte ou todo deste material
a diversos veículos de comunicação. Funciona. Nos veículos, este
material é editado e veiculado.
Além da mídia, há pessoas e instituições também interessadas em
veicular informações de qualidade.
É só lembrar.
38 Rede de Comunicação Popular 39Rede de Comunicação Popular
Ludemir, Jorge Russo Dumas, Jorge Rodrigues, Jeferson Cora,
Itamar Silva, Isabel Miranda, Gustavo Barreto, Glória Rodrigues,
George de Araújo, George Cleber da Silva, Fernando Lannes, Félix
Ferreira, Felipe Sarmento, Evandro Ouriques, Elizeu Ewald, Eliberto
Martins, Eliany Fully, Edu Pereira, Cunca Bocayuva, Clemente
Viscaíno, Christiane Agnese, Charles Feitosa, Cássio Martinho,
Carolina Pellegrino, Caio Silveira, Ana Martinez, Alita Margutti,
Alex Vargas, Alcir Raymundo, Alberto Mejia.
Encontros de comunicadores
Em 2010 convidamos para rodas de conversas pessoas e instituições
interessadas em comunicação popular interativa. Gente de rádios,
TVs, jornais comunitários. Gente que utiliza internet, alto-falantes,
filipetas e outros meios de comunicação que levam informações até
moradores de comunidades populares. Chamamos estes encontros
de Comunicação Comunitária Interativa, CCI na intimidade.
George de Araújo, logo de início, deu força, convidou mais gente,
tornou-se parceiro e coprodutor.
Foram, na prática, encontros singelos voltados para trocas de
experiências relativas a comunicações de interesse comunitário.
Sem excluir outras possibilidades, uma intenção inicial era facilitar
movimentos de comunicação comunitária interativa e construções
de parcerias.
Umametodologiautilizadanosencontroséaquelaemquetodostêm
tido oportunidade de se expressar, saber do que cada participante
oferece e interagir com aqueles com quem se identifica.
Os encontros fizeram parte de um processo de desenvolvimento de
metodologias de comunicação interativa popular, compartilháveis
e reaplicáveis, de acordo com cada realidade.
Autonomia
Autonomia é característica de redes. Cada Agência, também, tem
sua autonomia. Inclusive na definição de seu foco, do seu campo
de atuação, de seu nome, de suas características. Como exemplos
sonhados, Agências Independentes de inFormações sobre Ética,
Cuidados com os Bebês, Brincadeiras, Insights, Economia, Filosofia,
Terapias, Saúde, Redes, Alimentação, Agricultura, Educação,
Tecnologias Sociais, sobre...
E outras e outras com inFormações para desenvolvimento integral
do ser humano, motivadoras, reflexivas, metodológicas – a
diversidade prevalece.
Redes de Agências
A partir de sua própria iniciativa – na medida em que tenha os
contatos de outras – uma Agência poderá trocar inFormações com
outra e outras. A tendência será formação de redes de Agências
interativas, colaborativas e autônomas.
Influências
Este texto tem se modificado, na medida em que conversei com
Viviane Oliveira, Michel Robin, Jean Engel, Gilberto Fugimoto,
Egeu Laus, Bianca Beser. E, ai minha memória, Vinicius Carvalho,
Vânia Faria, Tito César, Thiago Catarino, Theresa Williamson, Tainá
Diniz, Silvana Gontijo, Samuca, Rudá Almeida, Rosita Chaves,
Roseli Franco, Rosa Zambrano, Roberto Pontes, Richard Riguetti,
Regina Rodrigues Chaves, Phillip Johnston, Pedro Sarmento, Paulo
Magalhães, Oscar Pereira, Michelle Lopes, Mário Pereira, Mário
Margutti, Mário Chaves, Mariana Dias, Marco Pantoja, Marcos
Alvito, Márcia dos Anjos, Luiz Soares, Luiz Pina, Luciana Phebo,
Lília Coelho, Larissa Barros, Katty Cuel, Jun Kawaguchi, Júlio
40 Rede de Comunicação Popular
Havia intenção de construirmos condições para – além de mapear
meios de comunicação contemporâneos – desenvolver, testar
e promover a reaplicação de metodologias de comunicação que
possibilitem compartilharmos interativamente conteúdos de
qualidade com quem deseja e necessita: trocas de informações e
conhecimentos que facilitem melhor viver, em benefício de todos.
Neste tipo de encontros – onde a diversidade se identifica
– comunicações se movimentam, movimentos se espraiam,
interações e parcerias se constroem.
Em cada novo movimento, como caderno novo,
há páginas em branco em busca de atores.
III
Reflexões sobre o Homem Novo
45Reflexões sobre o Homem Novo
PRIMEIRA PARTE
Este texto escrevi em Moçambique. Estive lá como cooperante em 1981,
colaborei para a reorganização do Instituto Nacional de Cinema. A
necessidade de trabalho aliada à leitura de poemas de Samora Machel
me despertou o desejo de ir. Alberto Graça me apresentou a Rui Guerra,
que articulou minha ida.
Soldados e populares de mãos dadas, conversando naturalmente me
surpreenderam. Revolução, independência recente, o país alerta em
estado de guerra, faltava de um tudo, mas havia uma distribuição
bem mais justa da que eu vivia já no Brasil de então. Mesmo assim, a
tristeza nos olhares me incomodava. Porque esta tristeza? À procura de
respostas, escrevi.
Comportamento
Ao escrever aqui, pensei em mim, lembrei de nós, no que nos
imagino semelhantes. Quando semelhantes, talvez caiba
escrever nós. Se diferentes, talvez permaneça o eu.
Está sempre presente na minha cabeça a esperança de um futuro
mais humano e mais gostoso. Volta e meia me pego na expectativa
de acontecimentos externos a mim – uma revolução social, um
cristo, uma nova fórmula – que alterem o sistema atual e outros
seres humanos.
Mas esqueço que meu caráter está fundamentalmente impregnado
de informações que, no correr da vida, recebi tanto da escola, igreja,
família quanto dos meios de comunicações e do meu alredor. E que
eu mesmo colaboro para a manutenção da moral atual, quando
nos atos e encontros de toda hora transmito preconceitos a meus
filhos, amigos, vizinhos, colegas de trabalho.
46 Reflexões sobre o Homem Novo 47Reflexões sobre o Homem Novo
Enfim: o homem amanhã deverá ser fruto do que hoje aprende
e sente. Quem hoje vê na TV a violência como ato rotineiro,
talvez rotineiramente conviverá com a violência. E naturalmente
outros exemplos de todos os momentos contribuem também
para a deformação de homens de amanhã. Ontem mesmo não
nos disseram que éramos a esperança do futuro? Nós não somos
marcados pelos modelos que nos foram apresentados? O futuro de
ontem não é agora?
Sinto-me impotente diante de tantas mudanças necessárias: o meu
poder de influência sobre o atual estado das coisas é mínimo. O
que fazer?
De tudo isto e de não sei o que mais, veio a necessidade de refletir
sobre um homem novo. Falo por mim, cheio de dúvidas. Sem a
certeza absoluta nas reflexões e nos resultados. A certeza de agora,
o que acredito agora, tento traduzir.
Proibição de Emoções
Acredito no ser humano recém embrionado como totalmente
original, sem nenhum comportamento de origem moral. As regras
que vai absorvendo têm suas fontes em seus modelos, que são as
pessoas ao seu redor, a vida ao seu redor.
Acredito ainda que a cada regra pode corresponder uma limitação
de atuação do novo ser. E esta atuação deformada, pressionada de
fora – ou esta atuação suprimida – gera sentimentos, emoções. Que
podem ser de medo, raiva... Estas emoções, por sua vez, necessitam
ser expressas.
Assim, muitas vezes, quando são expressas estas emoções e
sentimentos – percebidos socialmente como algo ruim – acontece
de serem proibidas por outros seres humanos com quem convive
Quase nunca me lembro de transformações que estão dentro do
meu poder de atuação. E sinto que as sonhadas transformações
sociais interdependem, complementam transformações pessoais.
Das observações destes fatos veio a vontade de saber o que é
necessário para o ser humano individual – eu mesmo – tomar
consciência da irracionalidade de falsas verdades atuais, e alterar
o seu – o meu próprio – comportamento. Na busca de um ser
humano emocionável, lúcido, saudável, autônomo, vivo. É sobre
este homem novo que procuro refletir.
Veneno para Crianças
Num mundo tão maluco como é o que vivo, a todo momento me
pego querendo que outras pessoas se modifiquem, para que este
mundo se transforme no mundo que desejo. Mesmo desejando
que, consciente do que é, caiba a cada um cuidar de se desenvolver
integralmente. Assim – adeus onipotência? – a alteração de
comportamento de outras pessoas está fora do meu limite de poder.
Gostaria que pessoas que detêm o poder público fossem racionais
e humanas, sábias, atuantes, ternas e de bom humor. Mas não tem
jeito, não conseguem enxergar muitas soluções que parecem óbvias
a pessoas que permanecem vivas.
Um exemplo próximo a todos nós é a televisão, com programas
influindo diretamente no comportamento de quem os assiste:
o moralismo, o preconceito, a violência, a fofoca quase sempre
presentes. E se são crianças os espectadores, a tristeza se multiplica:
quase 24 horas por dia a televisão está deformando adultos do futuro.
O homem aprende do que vê, ouve, tateia, cheira, bota na boca
e sente. Desde criança transforma-se um tanto no que lhe é
apresentado como modelo.
48 Reflexões sobre o Homem Novo 49Reflexões sobre o Homem Novo
Agir, alterar comportamentos já rotineiros, recuperar as próprias
emoções, acredito ser a base para a tentativa de trabalhar pela
autonomia de outros seres humanos, emocionáveis como eu.
Certeza absoluta, nenhuma: o que aqui tento relatar tem a intenção
de compartilhar informações com pessoas que usam o seu poder de
refletir. São anotações pessoais, frutos da observação constante:
acredito que possam representar o que percebo como verdades.
Formação do Caráter
Quando nasce, às vezes sofre já no parto. É separado da mãe, único
ponto de referência até então. Aplicam-lhe substâncias químicas:
líquidos nos olhos, pomadas na pele, vitaminas artificiais pela
boca. “Remédios”. Deixam-no sem mamar na mãe. Às vezes a
incubadeira, cesariana, fórceps. Reclama como sabe: chora.
Seu choro não é entendido, e seu choro é sua maneira de se
expressar. Tem medo. Como defesa, naturalmente se contrai. O
ato de contrair se dá com o enrijecimento de musculaturas. Se
uma contração muscular é repetida diversas vezes, a tendência
é se formar uma contração muscular crônica. Ou seja, um
endurecimento constante (fixo) da musculatura. Que corresponde
a uma alteração do comportamento original.
Enfim,fisicamente,intelectualmente,emocionalmenteoserhumano
jáéinduzidoaendurecer-sedesdequandonasce.Esteendurecimento
funciona como uma defesa contra as tantas agressões inesperadas e
repetidasquesofre.Emresumo:aumasituaçãodeperigocorresponde
uma reação muscular de contração. À repetição de situações de perigo
semelhantes, correspondem contrações musculares semelhantes. A
repetição de uma contração muscular torna o músculo cronicamente
rígido. Ou seja: um enrijecimento muscular (físico) corresponde a
uma fixação de uma repressão emocional, intelectual.
este novo ser. E, em função destas proibições, o novo ser tende a se
sentir incomodado, ridículo, inseguro.
A partir de então, para evitar estes desagradáveis sentimentos
reativos, o novo ser aprende a evitar as emoções originais,
geradoras de atuações de repressões externas. O novo ser evita as
emoções originais, internaliza a repressão.
Como evita as emoções? Engolindo, se contendo. Alterando a
respiração natural, enrijecendo a parte do corpo que for necessária
enrijecer para que a emoção seja suprimida. Até que a repetição
constante deste enrijecimento torne a parte do corpo cronicamente
enrijecida – quando da sensualidade do requebro, por exemplo,
parando de requebrar, endurecendo a musculatura pélvica. Para
sossego dos pais (viado meu filho não vai ser!), da igreja (alma em
estado de graça, assexuado, sem pecados, passivo e submisso...),
do quartel (homem tem que ser duro!), dos que exploram operários
como escravos.
Recuperar o jogo dos quadris, outras sensações, sentimentos e
emoções, implica numa recuperação da mobilidade da parte do
corpo enrijecida.
Trabalhar o corpo, a cabeça, recuperar a flexibilidade perdida tem
sido difícil, às vezes quase impossível. Acredito - pelas vivências
sinto - que recuperar emoções, sentir de novo emoções pode ser
inicialmente doloroso. Em seguida – fluem energias contidas –
atraente, gostoso, gratificante.
Equandoasemoçõesgostosaspintam,asaçõessãomaisprodutivas.
Soluções mais claras, humor mais leve, comportamentos mais
racionais. E quando do avesso, da contenção de emoções, restam
mesquinharia, burrice, mau humor invadindo a vida.
50 Reflexões sobre o Homem Novo 51Reflexões sobre o Homem Novo
crescer o homem “civilizado”. O processo se inicia com as crianças,
cresce com os adolescentes e se solidifica com os adultos.
Situações repressivas continuam a acontecer no dia a dia, com
adultos trabalhadores, quando o poder é utilizado para fazer
prevalecer uma ideia ou uma ação. A todo momento poderosos de
diversos níveis dão ordens que têm a função de – aparentemente
– fazer produzir mais. Os oprimidos (*), na maioria das vezes
sem condições de agredir diretamente quem os oprime,
inconscientemente ou conscientemente, se “vingam” de maneiras
as mais inesperadas. Mão de obra mecânica, omissão, trabalho
malfeito. São resultados de desprazer no trabalho e na vida.
A emoção, a mente contra o ato do corpo. Resultado: a burocracia,
o mal-estar, a dissociação trabalho-prazer.
O Trabalho como Prisão
Para tentar mudar a situação, o poder reage com o controle e o
castigo. A imagem antiga é a do feitor com o chicote. A imagem
atual é a do relógio de ponto, do corte do salário, da suspensão,
do controle de papel. Tanto controle se torna necessário, que uma
grande quantidade de mão-de-obra é destinada a esta tarefa. O
volume do trabalho de controlar pede utilização de tecnologia
avançada. Entram os computadores. São formados especialistas
em controles. Faz-se a ciência do controle. Isto já são fatos no
Brasil, em boa parte do mundo.
(*)
Oprimidos também se tornam opressores. Acredito que o opressor de hoje
tem origem em opressões sofridas anteriormente. Quem deseja ardentemente
o poder não estaria procurando inconscientemente suprir um vazio antigo –
por exemplo, o peito que precocemente lhe retiraram? O exercer o poder de
mando não representaria o cobrar do mundo o que se percebe como devido
pelo mundo? Cobro o que me devem. Estes e ou quais seriam os motivos que
fazem tantos oprimirem e tantos se submeterem a opressões?
Na verdade, no corpo de cada homem está escrita sua história.
No corpo de cada homem, individualmente.
Vejamos: quando começa a se expressar, a criança já é alvo de
repressões por parte de pessoas que a rodeiam. Um exemplo: uma
criança de dois, três anos. O brincar com o seu próprio corpo lhe dá
sensações. Em princípio, de prazer. Ao brincar com os seus órgãos
genitais, uma pessoa lhe diz: “para com isto menino. Que feio.”.
Se a criança continua, é alvo de uma sanção – um tapa, um falar
enérgico. “Tira a mão daí!”. Ao lhe ser proibido o prazer, a criança
reage. Primeiro, com raiva. Vê-se impotente diante do mais forte.
Então chora.
Mas toda vez que chora, lhe é dito: “ih, bobo. Homem não chora.”.
E, toda vez que ouve isto, sente-se ridículo. Para evitar a sensação
desagradável do ridículo, corta o choro. A maneira de cortar o
choro é engoli-lo. Para engolir, tem que contrair musculaturas
da garganta.
Situações que provocam choro são repetidas constantemente.
Situações de corte de choro são também repetidas constantemente:
ou seja, situações de contração de uma mesma musculatura são
muitas vezes repetidas. Contrações musculares repetidas geram
contrações musculares crônicas. No exemplo do choro, quando o
choro é engolido repetidamente, a musculatura correspondente
se endurece. Aí então já não é necessário se esforçar para cortar o
choro. Ele já está definitivamente cortado. A criança virou “homem”.
Só que o endurecimento muscular - efetuado para se dar o corte do
choro – impede também o se expressar plenamente: o cantar a todo
vapor, o falar, o gritar. Impede muito mais que só o choro.
Inúmeras outras situações repetidas a todo momento, no dia a dia
de cada um de nós, “assassinam” o ser humano natural e fazem
52 Reflexões sobre o Homem Novo 53Reflexões sobre o Homem Novo
Pra me sentir bem, acredito ser mais do que necessário ter
consciência um tanto de mim mesmo. Desde tentar perceber
meu próprio corpo, minhas emoções, minha mente... a tornar-me
autônomo na realização do que desejo. Amplio minha consciência,
amplio meu mundo.
Transformações Pessoais
A revolução social não exclui a revolução individual: na verdade se
complementam. Acredito que transformações pessoais sejam mais
fáceis num lugar onde os problemas econômicos sejam resolvidos em
função do bem-estar dos seres humanos. Em termos práticos, num
lugar onde o que é produzido é distribuído em consenso entre os que
nele vivem. Em síntese, onde – como em mim? – a ética prevaleça.
Mesmo não sendo estas as condições em que vivo, sinto posso
transformar-me. Um ponto de partida, acredito, é a tomada de
consciência de origens de fatos incômodos atuais. Do que tenho
aprendido, algo como uma compreensão emocional, um insight.
Aquele Ah! Entendi!
Tanto esta compreensão quanto a vivência de uma forte emoção
podemserpontosdepartidaparaalteraçõesdehábitos,aprendizado
de novos comportamentos. Sinto que eu – como cada um dos meus
semelhantes? – tenho meus próprios recursos para inventar meus
caminhos. A recuperação da capacidade de sentir emoções tem me
pedido alguma atenção e o cultivo de respeito por mim mesmo.
Em resumo, reflexões e compreensões – além de emoções – têm
estimulado mudanças em minha vida.
A Busca das Origens dos Incômodos
Tateio. Rever as verdades talvez seja um caminho. Sinto que o
que é tido como verdade talvez permaneça – ou não? – verdade.
Como resolver então o problema do aumento de produção, dito
tão necessário? Em última instância um dos fatores decisivos
para o aumento de produção é a mão-de-obra. Em mão-de-obra
leia-se homem.
A mão-de-obra deverá ter a sua produtividade aumentada. Poderá
também ter o volume de tempo de trabalho aumentado.
Sigamos pelo aumento de produtividade: isto com certeza
aumentará a produção. Como fazer com que isto aconteça?
Tentando fazer com que a mão-de-obra participe por iniciativa
própria? Tentando controlar o seu trabalho? Enfim: mão-de-obra
autônoma ou mão-de-obra mecânica?
Para a formação de autômatos, reforçar o controle e o castigo é um
caminho. Para a formação de autônomos, temos que refletir.
Anotações sobre a Autonomia
Há anos me interesso pelas relações corpo-mente, no ser humano.
Acredito, como outros observadores, que, via de regra, o corpo é
um espelho da história de cada um. A barriga, o olhar, o andar, o
falar, são sinais da história de cada um. A nuca que dói pode ser
sintoma do músculo que endureceu de tanta tensão provocada, por
exemplo, pelo medo. A boca rigidamente fechada pode refletir a
raiva tão longamente contida.
Acredito também, pela observação e alteração de mim mesmo, que
a situação pode ser mudada. Um lado gratificante é a ampliação da
percepção, o acesso a novos olhares. Uma boa e honesta conversa,
também comigo mesmo. Parece, porém, ser indispensável tentar
entender profundamente o ser humano, eu próprio, meu próximo,
para apoiar-me no meu novo parto. Para ajudar-me a aprender a
andar, pensar, agir, emocionar-me, ser autônomo.
54 Reflexões sobre o Homem Novo 55Reflexões sobre o Homem Novo
preconceitos e os compreendo – meus sentimentos de medo e culpa
se dissolvem um tanto, perdem suas fontes. Vivo mais levemente,
retorna minha alegria da inocência.
Procuro e pratico os conceitos radicalmente humanos, ou adapto-
me aos preconceitos existentes? Dura luta. E esta luta tem uma
importância maior do que a que antes eu lhe dava. Atrás do
preconceituoso, do moralista, está o eu mecânico.
Estou em aprendizado. Um caminho tem sido repensar as verdades
estabelecidas – o repensar como ato cotidiano, o refletir em cada
ação de que me dou conta – e isto tem criado possibilidades de
alterar meu mundo, ampliá-lo. Dá trabalho, canso, descanso,
cresço. E, mais do que digo e escrevo, meu comportamento tem sido
minha mensagem para os meus filhos, companheiros de trabalho,
vizinhos, amigos, os que passam e estão em minha vida. Como eu,
sinto, acreditam mais no que sou do que no que digo que sou.
Inda bem. Estou aprendendo a me aceitar como originalmente sou.
Assim fica mais fácil aceitar o outro como é, outros como são.
31 anos depois, 2012
Fico mais tranquilo - e estou gostando - quando me limito
ao que está ao meu alcance. Não sei nem dizer direito, não
sei se a memória alimenta desejos... e se desejos diminuem
com ausências de memória. Esqueço e me tranquilizo. O
que não quero esquecer, anoto. Inclusive compromissos.
Tateio neste novo mundo – pra mim – onde me aceitar
me facilita a compreensão do outro... Sem complicações, o
indicador tem sido meu humor. Meu bom humor indica que
estou bem... Tento, tropeço, engatinho... Estou gostando.
Intuo que verdades atuais necessitam ser sentidas, analisadas,
repensadas. Para ser verdade somente o verdadeiro, enquanto
verdadeiro. Para deixar de ser verdade o preconceito, o moralismo,
o basicamente falso.
Fui marcado em minha inocência. Por muito tempo permaneceram
dúvidas. Tudo que a igreja católica (**) me ensinou não foi verdade
durante tanto tempo? O prazer a gerar o pecado? O pecado a gerar
o castigo? A possibilidade de castigo a gerar o medo, a culpa? A
culpa, o medo a gerar submissão?
Sentir prazer? É pecado! Namoro, sonho, raiva, beijos? Pecados!
Veniais ou mortais, do tamanho da culpa. Sentimentos e sensações
suprimidos pelo medo, durante toda minha vida. E cada vez mais
insensível, mais homem, mais burro.
O correto, me diziam, era a submissão. Submissão hoje, paraíso
amanhã. Nada de aqui e agora. O passado com a “cultura”, o
futuro com o “juízo final”. Com tanta pressão só me restava, no
presente, o medo.
E quantas ditas verdades tão duramente implantadas em mim, na
minha infância e no correr da minha vida, ainda permanecem no
meu inconsciente como marcas e verdades? Mas quando repenso
o que me foi ensinado – volto às origens, tomo consciência de
(**)
Hinduísmo, budismo, islamismo, judaísmo, cristianismo. Católicos, protestantes,
kardecistas, umbandistas, candomblecistas. Batistas, metodistas, pentecostais,
quacres. xintoístas, taoístas, confucionistas. Não tenho experiências com outras
culturas religiosas. Sei que minha vivência pessoal na cultura católica mais
contribuiu para minhas limitações de que para meu desenvolvimento integral
– seja emocional, intelectual ou espiritual.
Isto naturalmente não exclui o bem estar que cada uma das religiões possa ter
propiciado a outros. A fé vem da experiência. Não devo criticar quem, por ter
vivido o que não conheço, tem fé. Ninguém melhor que cada um para melhor
se conhecer, saber de si.
56 Reflexões sobre o Homem Novo 57Reflexões sobre o Homem Novo
Algo que escrevi, sinto, me faz bem e permanece. Outros algos,
hoje não me identifico. Estava em plena juventude, me perdoo,
não sabia o que hoje penso que sei. Nem não sabia que não
sabia. Misturado, compartilho.
Está sendo difícil refletir sobre o homem novo. Desconfio que atrás
desta dificuldade está o meu desejo mais profundo de transformar
a mim mesmo. As tentativas práticas de vivenciar a minha própria
vida, de buscar a cada momento a emoção naquele momento
sentida, constantemente se chocam com os incômodos que me
fazem fugir do presente, relembrando o passado ou imaginando
o futuro.
É a vida correndo solta. Juntos inseguranças, incertezas, emoções
não percebidas, impaciências, nervosismos, incapacidades. E às
vezes,juntos,lucidezes,entendimentos,levezas.Numeternotroca-
troca, mau humor-bom humor, beleza-feiúra, vida-estagnação.
Hoje, ontem, em qualquer lugar.
Urgência
Quem não beijou ontem, não beijará jamais aquele beijo, não
reviverá aqueles momentos. Outros beijos estão sendo perdidos
por cada um de nós? Hoje, muitas pessoas que detêm algum
poder estão constantemente a nos prometer beijos para amanhã.
Agora, dizem, a contenção das emoções, o sacrifício, a poupança,
o aumento de produção; no futuro, a explosão das emoções, o
paraíso, o descanso, o consumo.
Fizeram e fizemos a mesma coisa com nossos pais e avós desde
há muito tempo. O destino nosso e de nossos filhos construímos,
constroem, agora, a todo momento.
Viver o Presente
Dareflexãosobremeuprópriocomportamentoperceboquetambém
é revolucionante respirar naturalmente, deixar minhas emoções se
expressarem, não aceitar submissamente impedimentos morais.
Deixar o tesão ter voto, a ternura, o desejo ter voto. Respeitar meu
próprio corpo, minha própria mente, minha própria vida nos meus
atos cotidianos. Que também é revolucionante procurar caminhos
para não ter que trabalhar em coisas que desinformam ou que
contribuem para a manutenção dos que autoritariamente detêm o
poder. É difícil, eu sei, colocar em prática o que já sei.
E, paralelo à reflexão, quando trabalho consciente com o corpo,
no sentido da recuperação da minha mobilidade natural, encontro
emoções há muito tempo suprimidas.
Esta auto-revolução pessoal, de refletir e de trabalhar meu próprio
corpo, acredito que esteja dentro da área de atuação de outros como
eu, individualmente: tento viver o presente, procuro gratificações
aqui e agora, busco o homem novo em mim mesmo.
SEGUNDA PARTE
De volta ao Brasil, ainda em 1981, tentei prosseguir. O
resultado, aqui. Agora, quando releio, sinto que faria mais
sentido se eu tivesse escrito na primeira pessoa do singular, eu.
Soa pretensioso o nós, o vós, o ele, os eles. Tento, então, trocar
nós por eu... por que, sinto, só devo falar de mim. Como saber
do outro se não sou o outro, se somente imagino que sei dele?
Mesmo assim, volta e meia falho o ato, me confundo com o outro
que imaginava não ser eu. Entende? Nem eu.
58 Reflexões sobre o Homem Novo 59Reflexões sobre o Homem Novo
Os melhores repórteres somos nós. É só olhar em volta. Ou pra
gente mesmo. Hoje acredito que uma coisa é tomar consciência,
sentir. Outra, imediata, é o movimento, a ação. E a primeira ação
possível pode ser comigo mesmo. Perceber o moralismo, examinar
suas fontes, entendê-lo. Deixar de lado o moralismo e criar os
meus próprios valores. Seguir os meus sentimentos, respeitar
os limites das outras pessoas envolvidas. Só esta ação comigo já
sinto revolucionante.
E com certeza as minhas mudanças pessoais influem em quem
convive comigo: no trabalho, em casa, na rua. E oportunidade para
isto tenho em cada segundo de minha vida. O melhor ou o pior
lugar do mundo é aqui e agora: o momento que de fato existe é o que
vivo agora, aqui. E, mesmo sabendo que os castigos normalmente,
quando existem, são menores do que meu medo antevê, há que
tomar cuidados a toda hora para não ser atropelado por quem
odeia a vida.
A função do controle no trabalho
O controle é feito para quem não gosta do trabalho. Para controlar
é necessário um controlador. Que utiliza relógio de ponto, papéis.
E exerce um poder de determinar quem faz o que, em que prazo.
Determina o prêmio e o castigo.
O controlador controla até o momento em que perde o poder.
Em não havendo mudança de ideias, há uma substituição de um
controlador por outro. Controlador. Onde há controladores, há
controlados. Que expressam suas insatisfações no próprio ato de
trabalhar: a omissão, a apatia, a fuga dos controles que os oprime.
Quando há controle, a produção também é função da intensidade
do controle. Quanto maior é o controle, aparentemente maior a
produção. O clima é de tensão.
O melhor lugar do mundo
Incomoda-me a inflação, o trânsito, a burrice, poluição, pobreza,
tudo que interfere no nosso bem-estar. Mas muitas vezes não
consigo ver o que está atrás de tudo. E, mesmo quando tomo
consciência, o salto para a ação como que fica reprimido. Incomoda-
me a angústia provocada pela não satisfação dos meus desejos mais
profundos. Incomoda-me também as reclamações do meu corpo,
com “doenças” muitas vezes provocadas pelas alterações físicas
correspondentes às emoções suprimidas. Mas chega num ponto
em que não dá para esperar amanhã. Os desejos estão aqui, agora.
O medo, a culpa, o remorso, a timidez, a insegurança, até a falta de
condições de realizar os desejos, vêm colados à vontade de gozar o
prazer que a realização dos desejos traz.
Sinto que a diferença entre a vida e a morte em vida pode ser medida
pelas tentativas que faço, indo à luta. Se respeito minha vontade, o
que meu corpo pede, se quebro a moral que está grudada em mim,
ai, que bom, junto com o prazer o charme, o me sentir bonito,
inteligente, gostoso, vivo. Se não respeito os desejos que surgem
em mim fico triste, burro, feio, duro, não há brilho nos meus olhos.
Não tem jeito, tenho que cuidar de mim. Até para poder me juntar
a outros que sentem a vida. A esperança de que alguém vá cuidar de
mim, de que uma revolução vai acontecer lá fora e de que pegarei o
vácuo dela, sinto ser só esperança, anestesia.
O pior lugar do mundo
Tem tanto tempo que o mundo é assim, mais pro feio. Passo por
uma escola pública e, triste, vejo a educação castradora se repetir,
como foi comigo há 25 anos. Igualzinho. Talvez mais dolorido. E
o que dá pra sacar da história confirma: quando a vida emerge,
lá vem sufoco. Nem é preciso ver os grandes jornais, TVs, rádios.
60 Reflexões sobre o Homem Novo 61Reflexões sobre o Homem Novo
Mas, por mais que mudem os outros, outras angústias em mim
permanecem. A mim cabe saber o que está dentro da minha área de
atuação. E, como um compromisso com a minha própria felicidade,
a mim me cabe também tentar minha difícil mudança.
Aos muito amigos, também o não!
Estou à vontade para tudo? Isto implica que posso me dizer: não! E
que considero que um não! dirigido a mim por outra pessoa tem sua
origem na pessoa que o diz. Ela é quem tem a melhor capacidade de
saber dos motivos que a levaram a dizer não! Acredito que este não!
dito por ela possa representar algum problema dela. Tenho que me
cuidar para não imaginar, não dar asas à minha imaginação, o tipo
de problema que poderá ser.
Enfim, a origem do não! é um problema da pessoa que o disse.
Já quando o não! dirigido a mim por outra pessoa me incomoda,
surge um novo problema. Um problema meu. O que me incomoda
e o porquê deste incômodo cabe a mim sabê-lo. Está na minha
área de atuação.
Assim, um problema é o incômodo que o não! me traz. Outro
problema é o incômodo que gerou o não! na pessoa que o disse.
Talvez o caminho para a solução destes problemas seja, primeiro,
resolver ou compreender o problema meu. Depois compreender e
atuar no problema da outra pessoa.
As razões de cada um
Ver os outros com os olhos meus, é o que normalmente faço. Posso
também tentar ver com os olhos do outro. Compreendo melhor o
outro quando consigo me colocar no seu lugar, com os seus olhos.
E, quando compreendo o outro, compreendo a posição que toma,
mesmo sendo contrária à minha. Aqui o diálogo se torna mais fácil.
A tensão também é função do controle. De um lado, o trabalhador,
controlado. De outro, a direção, controladora.
Quando o trabalho é emocionante
Quem gosta do trabalho não precisa ser controlado. Quem gosta
do trabalho procura a melhor maneira de fazer o seu trabalho.
Presta atenção no que faz. Cada vez que faz é uma nova vez. No
prestar atenção, enxerga problemas. Por gostar do trabalho,
procura soluções. O trabalho compõe sua vida. Tem prazer em
chegar ao trabalho. Gosta de trabalho. As ideias na sua vida surgem
em qualquer momento. Em qualquer momento surgem ideias
sobre o trabalho. Ele as aproveita. Quem gosta do trabalho não
precisa ser controlado. Quem gosta do trabalho não faz as coisas
automaticamente. Tende a ser autônomo, saudável, vivo.
É difícil. Pensar em mim, prestar atenção no meu próprio corpo,
em meus sentimentos, sensações. Perceber o que meu próprio
corpo e mente me dizem. O que está atrás dos meus próprios
sentimentos: “quando foi que começou esta minha raiva? Por que
este remorso?”. É difícil buscar as origens dos meus sentimentos.
Rever a história da minha própria vida, do meu próprio corpo.
Relembrar, revivenciar, refletir.
“Percebo que as minhas ações são muitas vezes frutos dos meus
sentimentos. Sinto e ajo.”. É difícil tomar conhecimento do que é
interessante mudar. Mesmo na busca do prazer, é desconfortável
mudar; volta e meia afloram angústias.
É mais fácil pensar em como mudar os outros. É menos doloroso
mudar, tentar mudar os outros que a mim próprio. É mais fácil ver
a solução dos problemas nos outros.
62 Reflexões sobre o Homem Novo 63Reflexões sobre o Homem Novo
emocionável, com brilho. Tem capacidade também de vivenciar
suas dores e, com a vivência, crescer humanamente.
Emoções e transformações
Este lugar começa a existir para mim a partir do momento em que
eu passo, em busca do prazer, a mudar meu comportamento em
relação a mim próprio e em relação às pessoas com quem convivo:
em casa, no trabalho, na rua, a todo momento.
Parece ser necessário, como base para uma mudança de
comportamento,eutomarconsciênciademeusprópriossentimentos
e sensações. Também tomar consciência do que meus olhos, orelhas,
nariz, boca e pele percebem do mundo ao meu redor. Na verdade, me
permitir sentir, deixar fluírem as emoções.
Por sua vez, parece que as emoções geram transformações. Quando
me emociono, sou depois diferente do que fui.
TERCEIRA PARTE
Entrada na cabeça
Não tenho conseguido concluir o terceiro artigo de uma série que
chamei de reflexões sobre o homem novo, iniciada no Luta & Prazer
número três. Decidi então passar para o papel ideias soltas que
me afloram à cabeça. Não as ordenei nem as conclui. Expressam,
no entanto, preocupações minhas atuais. Um lado de mim as vê
ridículas, desnecessárias e repetitivas. Outro as vê humanas e
lúcidas. Arrisco.
Entendo o outro e me entendo. Tento instigá-lo a ver com os meus
olhos, me compreender.
Talvez a melhor maneira de perceber um problema seja vivê-lo.
Percebe muito mais o problema de um salário insuficiente quem
vive a insuficiência do seu salário. Se não vivi o problema do outro
no máximo me solidarizo. Tendo a preocupar-me mais com os
problemas que eu próprio estou a viver.
Em busca do prazer
Um lugar – um país, uma cidade, bairro, uma roça, uma rua, um teto
– onde as pessoas que aí vivam estejam também constantemente
atentas ao presente, ao que está acontecendo a cada momento. Um
lugar onde as pessoas ajam em função dos sentimentos e sensações
que percebem em si. Onde cada pessoa, conscientemente, consegue
perceber e respeitar também os espaços – físico, psíquico, espiritual,
integral – de outras pessoas com quem convive. Um lugar onde, em
decorrência do acima suposto e em decorrência da racionalidade
natural e da vida que aí frutificam, problemas econômicos e sociais
perderiam suas fontes.
Neste lugar cada pessoa se percebe e se respeita. Sua moral
é natural, não lhe foi ensinada como dogmas. Seu princípio
é o prazer. Em função do prazer é que define o seu trabalho. O
trabalho só tem sentido se é também fonte de seu prazer. Cada
pessoa usufrui dos frutos do seu trabalho. Não se apodera do
resultado do trabalho de outros.
Também em função do prazer é que busca novos conhecimentos.
Não aceita os conhecimentos que lhe são impostos como verdades
inquestionáveis: busca os novos conhecimentos em função das
necessidades. Neste lugar cada pessoa tem consciência da liberdade
que necessita ter e usufruir para que possa continuar vivo,
64 Reflexões sobre o Homem Novo 65Reflexões sobre o Homem Novo
origens dos medos? E, atento, discernir entre o que em cada medo
é gerado pela imaginação e o que é gerado pelas possibilidades reais
de perigo?
Manter a vida significa manter a liberdade. Liberdade é poder ser.
O poder ser de um se limita com o não poder matar no outro o
poder ser do outro.
Os projetos de cada um não estarão ligados, objetiva e
subjetivamente, à solução do que cada um vivencia como problema?
Serão recuperáveis as possibilidades de emoção não vivenciadas
hoje?
Os filhos crescem, eu cresço ou envelheço, as situações mudam,
está tudo acontecendo.
As pessoas, mesmo desinformadas, sentem. Inclusive se ressentem.
E agem em função dos seus próprios sentimentos, conscientemente
ou não. A omissão, a apatia, a iniciativa, a autonomia são reflexos
da situação interior do ser humano.
A cada fato, cada pessoa reage de acordo com o seu ser. Ao mesmo
fato correspondem tantas reações quantos são os indivíduos que
percebem este fato, naquele momento. Estas reações estão ligadas
às histórias de vida de cada um.
Como esperar compreensão de outras pessoas, se não tento
compreendê-las, procurando sentir do ponto de vista delas as
razões delas?
Cada pessoa tem seu projeto, seus sonhos, suas conceituações de
felicidade e infelicidade, em função do que apreendeu durante
sua vida.
Sonhar e praticar o sonho
Que mundo enorme, meu mundo em que meus olhos, cheiro,
gosto, tato e audição não atuam. Um mundo do tamanho da minha
autopercepção.
Ilógica lógica? Irracionalidade é a prática do irracional. Irracional
é o que falta razão. Razão é o natural. Natural é o que vem da
natureza. Natureza é o que é original. Original é o que vem da
origem. Origem é nascimento. Nascimento é ponto de partida.
Amanhã e outro lugar é completamente diferente de aqui e agora. E
estar aqui e agora não exclui sonhar e trabalhar um amanhã em outro
lugar. O futuro se faz no presente, nasce do presente. Se o presente
é amplo, aberto, o futuro está sendo aberto, está se ampliando. Se
limito o presente, não deixo o futuro se abrir. Limito o futuro.
Como entender pessoas que agem de forma contrária à da gente?
Como o que não policia poderá compreender o que policia, do
ponto de vista de quem policia?
Cada ação tem sua origem, tem suas razões.
Estar a fazer o que gosta, em função do seu próprio estar bem:
felicidade?
Quando se quer conviver com outras pessoas, socialmente, qual o
limite da busca individual de felicidade: não atrapalhar a felicidade
de cada um dos outros?
A percepção mais completa não é o sentir? A falta de percepção
não é o não sentir? Quem não sente não percebe? Como vencer
o medo? Vivendo mais profundamente situações que nos causam
medo? Tentando chegar, pela vivência mais profunda dos medos, às
66 Reflexões sobre o Homem Novo 67Reflexões sobre o Homem Novo
bem consigo mesmo, mas deseja ou detém o poder de interferir no
bem estar de outros.
Que presente é este que consigo suportar? Em que devo me
transformar e em que devo transformar meu mundo para que o
meu, o nosso bem estar aconteça?
É tanta coisa a toda hora. Uma vida para viver.
Paro para perceber e dissecar este sentimento de culpa por não
estar agora cuidando de quem eu ajudei a por no mundo? Dou uns
socos no travesseiro para gastar esta agitação interna? Vivencio,
agudizo meu estar ou me contenho?
Que estrutura é esta que se desagrega quando chegam pessoas de
fora?
Devo gastar meu tempo, energia, enfim, devo me gastar procurando
viver agora o bem estar desejado, ou devo estar constantemente
me preparando para um futuro melhor, desatento ao presente?
Cortar agora a raiva presente ou expressá-la a quem ela é dirigida,
cuidando de não ferir?
Por que não dizer da insegurança de não saber o que dizer ou fazer?
Vida e morte
Sua respiração se solta, seu coração bate mais rápido. Sôfrego, seu
corpo pede. Sua pele encosta na outra pele, arrepia ao passar de
uma força. Sua boca encontra outra boca, a outra boca suga seu
ombro, procura sua orelha, pescoço. Sua garganta solta o som do
seu prazer. Sua mente está aqui, você vive o momento presente. Mas
não! Sua respiração se prende, ao bater mais rápido do coração. Seu
Meu espaço se limita com outros espaços. Meu limite é a outra
pessoa, as outras pessoas, seus espaços.
Em cada cabeça, muitos sonhos.
Em cada dúvida, a possibilidade de tomar consciência:
é só pensar.
Quando construo uma casa, já na profundidade da fundação,
coloco a minha própria história: se eu for inseguro, desejo uma
fundação tão profunda quanto a necessária para me fazer sentir
seguro. Se estou bem comigo, a fundação poderá ter somente
a profundidade realmente necessária. Se quero me isolar do
mundo, muitas paredes, grades, muros. Se quero me abrir, a
amplidão dos espaços.
O mundo acaba quando um morre?
Descubro a todo momento: crianças estão constantemente atentas.
Entendem e se expressam. Já os adultos normalmente nem as
entendemos nem conseguimos com elas – as crianças – manter
contato.
Economia, política, controle, ciência, impostos, construções, festa,
trabalho, tudo que os homens criam, em princípio criam para
melhorar as condições em que homens vivem. Mas quem executa,
coordena, planeja cada trabalho também é humano. E, como
humano, cada um carrega consigo as marcas que as emoções ou
a falta delas trazem. E estas marcas influem no comportamento
de cada um. Inclusive nos atos cotidianos de trabalhar, divertir,
conviver, falar, andar, mover, parar. E se quem executa, coordena,
planeja,nãoconsegueperceberosseusprópriosproblemasinternos
como pessoas humanas, que capacidade terá para tentar melhorar
as condições em que outros homens vivem? Não consegue estar
68 Reflexões sobre o Homem Novo 69Reflexões sobre o Homem Novo
próprio vivencio em mim mesmo. Fui duramente orientado para
isto. Acredito no futuro paradisíaco prometido, e não acredito no
presente infernal real.
Inferno e paraíso
Como recuperar o ser humano natural em mim mesmo? Mesmo
com dúvida, me sugiro: usar os sentidos. Não agir mecanicamente.
Atenção no presente. Ver, ouvir, provar, cheirar, tatear. Deixar meu
corpo se exprimir. Deixar meu corpo fazer o que nele é espontâneo.
Deixar o ar entrar e sair. Respirar. Perceber em mim mesmo as
sensações e sentimentos que este estar no presente proporciona.
Vivenciar o aqui e agora, prazer e desprazer.
E para compreender tudo isto, me informar. Wilhelm Reich é uma
fonte: O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes da vida.
Deviam também governá-la.
corpo se contrai, ao encostar da sua pele na outra pele. Sua boca,
seca, se fecha ao ser procurada pela outra boca. Seu ombro, orelha,
você, incomodados se remexem com as cócegas. Sua garganta se
entope, sua mente foge daqui. Você não vive o momento presente.
Só nos resta a vida
Ser humano. A história pode começar a partir da fecundação.
Cada um de nós tem uma história. A mente e o corpo de cada um
retratam hoje as experiências vividas por cada um. Somos únicos,
cada um.
No útero as condições internas sofrem influência da mulher
gestante. Seu próprio corpo exprime também as experiências que
ela própria vivencia. Se angustiante, defende-se contraindo-se. Se
repetidamente angustiante, contraindo-se cronicamente. O ser
humano, já no útero, sofre pressões do seu meio ambiente.
No parto uma forte agressão, a separação da mãe, o contato com
seres humanos des-emocionados, frios, endurecidos. Depois, no dia
a dia, o não faz isto, cala a boca, não grite, não chore, não ria alto, não
esperneie,tireamãodaí.E,acadaproibição,ocorpoeamentetendem
a se adaptar. Até nos tornarmos estes seres que somos: angustiados,
culpados, tortos, deformados. Uns mais, outros menos.
O poder de cada um
É possível o ser humano ser ele próprio o ponto de partida para a
sua transformação pessoal? A realidade ao meu redor sempre foi,
é na maioria das vezes, tão incômoda, feia, que, para não sofrer,
fujo dela. Fujo do presente para o futuro ou para o passado. Olho
e não vejo, ouço e não escuto, pego, cheiro, provo e não percebo.
Respiro mal: corto assim pela raiz a fonte de energia que não
consigo experimentar. Acredito mais no que me dizem do que eu
IV
Rodízio Criativo
73Rodízio Criativo
Cuidar de quem cuida
Imagine uma instituição de porte médio: empresa, serviço
público, ong.... Em consenso interno, trabalhadores de um setor
– considerando o cumprimento do conjunto das suas obrigações
normais – liberam um ou mais do grupo, por um ou mais dias, para
visitarem-estagiarem em outros setores da instituição.
 
Esta a ideia básica. Parece ser bom para a instituição que cada
trabalhador, além da múltipla capacitação, amplie sua visão de
mundo, adquira outros conhecimentos e construa oportunidades
pessoais e profissionais. A prática tem ensinado o melhor caminho.
Aqui sinais de sucesso.
  
Retrato 1
Muitas vezes o trabalhador não tem noção da importância do seu
trabalho em relação ao conjunto da obra e aos seus resultados.
Desconhece desde a missão da instituição até o que se passa em
outros setores. Desestimulado, retém em si mesmo iniciativas e
possibilidades de soluções sobre o que profundamente conhece.
Sente necessidade de conhecer o todo, mas muitas vezes não tem
consciência disto. Prevalece o isolamento, a contenção.
Retrato 2
Um setor – o operacional, por exemplo – é responsável por uma
série de tarefas, relativas à manutenção física da instituição. As
tarefas normalmente são distribuídas entre os trabalhadores que
compõem o setor.
  
Rodízio
É colocado para os trabalhadores do setor que poderão liberar um
ou mais deles próprios para um estágio-visita em outros setores
74 Rodízio Criativo 75Rodízio Criativo
– quando com elas identificadas – com sua própria capacidade de
apreendê-las e praticá-las.
 
Resultados
Observou-se,dosrelatosdosestagiários-visitantes,oprazeremserem
reconhecidos e em conhecerem outros mundos-caminhos. Relações
humanas e profissionais se fortaleceram. Naturalmente, acredito,
crescem o bem estar, o interesse, a produtividade, a produção, os
lucros sociais e econômicos. Criadas oportunidades, os trabalhadores
tendem a se organizar e vivenciar suas próprias experiências.
 
No conjunto, parece bom para a instituição e para o trabalhador.
Já o público usufrui dos atendimentos precisos e das qualidades
adicionadas a produtos e serviços.
da instituição, na medida em que consigam distribuir todas as
tarefas de sua responsabilidade entre os que permanecem no seu
próprio setor.
 
Os trabalhadores liberados – por um dia ou uma semana, por
exemplo – poderão, dentro da instituição a que pertencem,
escolher em que outro ou outros setores estagiarão-visitarão
naquele período.
 
Este estágio-visita, naturalmente, poderá incluir a realização
de tarefas específicas, se os estagiários-visitantes desejarem e
estiverem capacitados para tal.
 
Deverão permanecer normais as atividades do setor que o
trabalhador estagia-visita.
  
Prática
Como cooperante, já nos últimos dias da assessoria que prestei ao
Instituto Nacional de Cinema de Moçambique – primeiro semestre
de 1981 – sugeri o rodízio à direção e trabalhadores.
No correr de abril de 2003 realizamos a experiência com o setor
Operacional do Sesc Ramos, no Rio de Janeiro, onde eu exercia a
função de gerente-adjunto. Conversamos com os trabalhadores e a
ideia foi acolhida. Eles próprios se organizaram e, semanalmente,
escolheram dois dentre todos para usufruírem da oportunidade.
Nas semanas seguintes, novos dois. Conheceram praticamente
todos os outros setores: comunicação, matrícula, esportes, recepção,
contabilidade, informática, biblioteca, piscina, recreação infantil...
Muitos relataram, do próprio punho, observações sobre a
experiência, gratos e surpresos com as inFormações acessadas e
V
Visão de Mundo
79Visão de Mundo
Ideias e movimentos
Este e alguns dos próximos textos, a maioria, escrevi paralelamente
ao correr do meu trabalho no Sesc Rio, a partir do ano 2.000.
Percebi o óbvio: nos encontros comunitários, como pano de fundo,
sempre presentes questões emocionais. Muito parecido com o que
acontece em reuniões de condomínio, em reuniões familiares. Em
reuniões que envolvam gente. Amplio? Em reuniões que envolvam
seres vivos, outros animais também?
As histórias emocionais de cada um facilitam ou atrapalham as
relações de confiança necessárias à realização de objetivos de
interesse comum. Eu só me associo tranquilamente a quem eu confio.
O tal do capital social desejável nasce de relações humanas saudáveis.
Assim, hoje, valorizo os inteligentes emocionais, amorosos. Pessoas
equilibradas são naturalmente confiáveis, integradoras.
Muito do que escrevo, vivi. Sinto que estas experiências têm sido
úteis pro meu bem estar no mundo.
Por isto compartilho.
Então fica combinado
Tiramos um tempo para pensar em dúvidas, as minhas que imagino
também suas. Inicialmente um tanto confuso. Arrisco terminar
com mais dúvidas do que as que agora tenho. Pressupomos, se
concordarmos, que, em comum, buscamos resultados semelhantes
e desejamos para outros o que desejamos para nós próprios:
satisfação, emancipação.
Como quase tudo, também aqui quase tudo está fora de ordem e é
incompleto em si mesmo. Assim, este texto, pela sua natureza, é
incompleto. Como sabemos que somos únicos – com nossas histórias
pessoais, visões de mundo, jeitos de imaginar-sentir-organizar-
80 Visão de Mundo 81Visão de Mundo
A rede, como instrumento, é ignorante, pode ser burra ou
inteligente. Simplificando, pode ser utilizada para o bem e para o
mal. Cada informação disponibilizada – se absorvida pelo receptor,
conscientemente ou não – estimula ações efetivas favoráveis, ou
contrárias, às essências de seus conteúdos. Qualidades agregadas à
rede vêm dos conteúdos das informações oferecidas.
Escuto você me escuta
Muitas das metodologias de comunicações tradicionais dificultam
comunicações. Palestras, por exemplo, poucos de nós têm paciência
para só ouvir.
A inter-ação parece ser uma chave. Quando todos têm
oportunidade de se expressar individualmente – mesmo num
tempo limitado pré-combinado – cada um se sente participante.
Especialmente se o respeito pelo outro está presente.
Monólogos iniciais – de cada um, incluindo todos – facilitam
diálogos posteriores, básicos para construções de parcerias.
E quando mais de dois conversam entre si, as possibilidades
de entendimento se multiplicam. O boca a boca espontâneo
acompanha os desejos: entre os que têm desejos semelhantes, a
comunicação é passo largo para construções coletivas...
Pressupostos
Permanecem mistérios quanto às primeiras origens – se é que
existem – de tudo ou de cada objeto, ação, energia, pensamento...
Como exemplo, quando vivenciadas, ausências ou abstrações
de tempo e espaço mexem com visões de mundo e provocam
decorrências, inclusive alterações de comportamentos. Quem
vivenciou, sente, sabe.
fazer-ser-sei lá – talvez caiba você editar as informações que seguem,
respeitando as regras que cria, em função do que se propõe.
Nesta procura, nos conectamos, você e eu. Uma vez conectados,
possibilitamos comunicações entre você e – pessoas a quem me
ligo – minha rede pessoal. Vale vice versa. Ampliamos nossas redes.
Compomos assim, como instrumentos e meios, redes de redes.
Complexo e simples
Aparentemente caótica porque incontrolável e sem hierarquias,
é a rede. Conexões horizontais, transversais, multidirecionais.
Sincronicidade como possibilidade. Intuição como novo sentido.
Numa rede, ao invés de isto ou aquilo, agora isto e aquilo. Nas
redes, movimentos. Iniciativas individuais, nos tempos de cada
um. A procura, quando encontro, tende para oferta. Na aparência
da doação, a realidade constante da troca. A mão que ajuda é a do
coração que recebe. À racionalidade é acrescentado o desejo.
A rede possibilita o inimaginável. Complexa e simples, como o
Homem. Razão e desejo.
Instrumento
Cenário para comunicações, a rede é virgem. Seus conteúdos
são construídos e disponibilizados a partir da auto inserção
voluntária de cada indivíduo que a compõe.
O que mobiliza cada participante é o desejo internalizado
de compartilhar, especialmente informações. E a qualidade
das informações compartilhadas é função do conhecimento e da
atitude ética de quem gera.
82 Visão de Mundo 83Visão de Mundo
transformações individuais? O ser humano individual como base?
Aqui o foco?
Pequenos prazeres – o arrepio, o frescor, este fogo, aquele olhar,
ai-meu-deus-só-de-lembrar, a brincadeira, o insight, o descanso, o
banho, a comida, encher o peito, pele macia, o afeto, solidariedade,
o alívio. Pequenos prazeres, a gente esquece? Tão simples, tão
perto, um gesto... Tão complexo, tão longe, uma paralisia.
Aparente bagunça
Desorganizado internamente, quero tudo certinho, limpinho,
arrumadinho. Já alguma lucidez me traz compreensão. São fluxos:
o caos precede a ordem que antecede o caos. Equilíbrios diferentes.
No tantra preservo o ching – o ki? –, interrompo um fluxo e
internalizo outro. Nas redes de meus pensamentos se conectam
lembranças. Ausentes espaços – se fundem com meu pulsar. E
ausentes tempos – futuro, passado – agora se confundem: inexistem
desordem e ordem.
E de novo tudo se inverte. Existe agora, existe lugar, já sou eu
separado do mundo à procura de me re-integrar. Tudo isto, sinto-
sei, é só outro ritmo de respirar.
Mas vamos parar com isto e fazer o que de mim meu redor
espera. Se divago, sonho. Se sonho... Mas o sonhar não antecede
toda realização?
É isto?
Gasto tanto tempo tentando mudar o comportamento do outro
que me esqueço de mudar em mim este vício de querer mudar o
outro.
Sabemos, quando permitimos a consciência, que a razão muitas
vezes funciona como defesa em relação ao sentir. Inclinam,
declinam, flutuam civilizações, permanecem as questões – de
onde viemos, quem somos, para onde vamos? Donkivim, onkotô,
pronkovô? E, sempre presente, ser ou não ser? Sou eu ou sou o
outro? Em cada momento, estou ou não estou? O que você quer que
eu queira, para eu querer?
Sou um mapa da minha vida. Sinto que dentro de mim tenho
um tanto de quem senti, me identifiquei. Sou parte de meus
filhos, meus pais, irmãs, irmão. Sou parte de quem convivo
ou convivi intensamente. Socorro, Ana, Vânia, Vera, Regina.
Descubro em mim mamãe, papai, João Porphírio, Stella,
Lina, Ló... Tanta gente hoje ainda interfere em mim, pelo
que me tocou, pelo que me trouxe direta ou indiretamente.
Mesmo que eventualmente me esqueça de mim mesmo ou
de quem tive boas lembranças.
A consciência – quem vivencia, sabe – facilita mudanças.
Enquanto isto, com todas minhas limitações, percebo em mim
mesmo – quando me permito – que minhas ações são precedidas
pelos meus sentimentos.
Parece claro que a emoção precede a razão. Que meu
comportamento é influenciado por minhas emoções – atuais
e passadas. E que o conhecer e o reconhecer causas de meu
comportamento atual facilitam e estimulam minhas próprias
transformações.
Livre associação
Se não me permito, a outros inibo. Só dou o que tenho, o que
sou. Entre a intenção e o gesto, o que impede é mistério. Tantos
caminhos, tantas as pessoas. Transformações sociais, somas de
84 Visão de Mundo 85Visão de Mundo
vezes menos ou mais – a turma do não é bem maior. Eu cá tento.
Aproveito os bons momentos: serão lembranças.
Eu
Mamo. Com o olhar procuro mamãe neste momento de prazer,
mas mamãe não suporta, desvia a atenção. Olho então pro teto,
estrabizo, me míopo. Entre poucos sins, minha família, os vizinhos,
professores, patrões, meus colegas de infância-adolescência-
trabalho – em gestos, palavras – me dizem não e não. Tudo que
aprenderam a não se permitir, me ensinam. Não bote a mão aí, não
chore, não grite, este prazer não. Outros vazios.
Cultura pesada
Mandamentos, leis normatizam o que devo ser. Se transgrido, o
castigo – se não vier agora – virá depois da morte. Tento e tento
cumprir as normas. Exame de consciência, arrependimento,
confissão, penitência. Volto, em estado de graça, a ser comedido.
Associo prazer a castigo.
O prazer se torna insuportável.
A alegria se torna insuportável.
Não me permito o amor.
Consigo um pouco seguir as leis. Fraquejo, transgrido de novo
e repito o ciclo. A moral – moralismo? – toma espaço da ética
original. Internalizo a repressão. Meu corpo traduz o que estou. E,
guerrilheiro de mim mesmo, como uns docinhos aqui, um prazer
solitário ali – seriam substitutos de prazeres originais, válvulas de
escape? E construo minhas verdades.
Supro meus vazios emocionais com os objetos que agora desejo. Me
engano que gosto. Farinha pouca meu feijão primeiro. E, paralelo,
No quarto de brinquedos
Quem beijou, beijou. Quem não beijou, beijará jamais? Beija! Beija!
Beija! Beija já! Quando escolho o médico, escolho o tratamento. Se
vou ao cirurgião, ele vai fazer o que? E o homeopata, o pai-de-santo,
o psicanalista? E nós? Somos dos que cuidamos dos sintomas – e
tome aspirina? Somos dos que cuidamos das causas?
De longe se vê mais tudo. De perto se vê mais fundo. De longe,
um sistema. De perto, práticas. Vamos pela aparente ordem. Eu
sou você.
Close
A história pessoal a gente imagina, se não conhece: anterior à
fecundação, mistério. Já na gestação, o estado emocional da mãe
interfere no estar do filho.
Do ponto de vista do feto, um maremoto antecipa o parto: o que
me espera do outro lado deste inconsciente paraíso? Se cesária, é ferro.
Se minha mãe se entregou aos reflexos, ao invés de dor, prazer. Se
recepção afetuosa, pulo pro colo, volto ao meu mundo que conheço,
nestes primeiros momentos em espaço estranho.
Se recepção neurótica, me viram de cabeça pra baixo, batem na
minha bunda, espetam meu pé, me enrolam em panos, me isolam
no berçário, vislumbro gente do outro lado da vitrine, sinto medo e
medo e em defesa me contraio. E choro e choro e meu choro não é
compreendido. Quero mamãe. Um vazio dentro de mim.
Nós
Se você, neste momento, não sou eu, parabéns pra você. Mas se
você é comum, como eu, prepare-se. Intercalado aos prazeres – às
86 Visão de Mundo 87Visão de Mundo
o real. Se não droga, consumo. De tão conservador de tudo, incho,
engordo. Acumulo, enfezo.
Sem graça
As piadas denigrem alguém. Rio do outro, da desgraça do outro.
Pegadinhas são falsas delícias. Rio mesmo é de mim, não lembro
que o outro sou eu. Mais que tudo da programação da TV são filmes.
A maioria, violência pura. Bandido caça mocinho que caça bandido,
como se em cada um de nós não residisse um tanto de cada um.
Como no cinema, me divirto com a violência. Maniqueísmo,
coerente com visões de mundo limitadas. Venda e compra de
produtos e serviços desnecessários movimentam a economia.
Alimentam ciclos viciosos, ignorância como fonte de si própria.
Aqui procuro suprir vazios que acumulei e empanturro.
Retiro agora estes óculos escuros. Caio na rede.
Luzes ao lado
Vejo, neste enorme palco, outras cenas. Que que aquele pessoal está
fazendo ali? Oba! É a turma do sim. Sim ao que enleva, embevece,
enobrece, engraça, estimula, acalma, acalenta, amorece. Esboço
um sorriso, recebo outro de volta. Me enredo. É outro o ciclo.
Virtuoso?
Práticas
Redes se formam a partir de interesses comuns.
se eu não posso, porque eles? Meu umbigo é do meu tamanho. Nada
vejo em volta além de mim. Um tanto assim, mais ou menos, sou
um homem comum. Quadro pintado preto, a realidade me salva
com seus tons cinzas.
Abstração
Tiro então o bode da sala. Minha vida é melhor que esta paisagem.
Olho no espelho, satisfeito comigo. Minha vida, em espiral,
intercala equilíbrios nos meus movimentos. Hoje melhor que
ontem. Meu humor é minha referência, me qualifica. O sorriso que
esboço se faz espelho em quem recebe.
Escolho um tanto quem sou. Minha vida é cada canal que clico. Em
cada momento decido o que vivo. Exercito o prazer, ganho espaços,
fujo dos chatos, estimulo os frágeis. Tudo funciona como reflexo de
mim. Sou responsável pelo que sou. Só posso reclamar ao espelho.
Como gente, reflexo tem de tudo. Retrata quem está bem, mal,
mais ou menos. Reproduz em duas dimensões a realidade. Abstraio
tudo acima. Cada um tem sua história, seu retrato, seu espelho.
Abro a lente, amplio.
Olho ao redor
Montes de pessoas. Alguns passam ao meu lado. Um ou outro
se sobressai. Na maioria, sérios. Uns tensos, outros calmos. Uns
assim, outros assado. No chão, largados, cada vez mais dois vezes
dois. Acostumo, nem vejo quando não quero. E crianças com aquele
olhar e tom de voz: ei tio, me dá? Isto aqui, em toda terra.
Nas favelas uns sons de tiros, os silêncios que inocentam quem não
fala. Quem cala, não falha. Medo. Nem em mim mesmo confio. Nos
subúrbios se não igual semelhante. Legal ou ilegal, a droga muda
VI
Auto-hemoterapia
91Auto-hemoterapia
Conversei com Dr. Luiz Moura pela primeira vez em 1994,
apresentado por Ralph Viana. Gravamos, editamos e oferecemos
ao público o vídeo Energia da Vida, onde ele, Moura – além de Neuci
da Cunha Gonçalves e Alex Leão Flores Xavier, médicos também
– fala de manutenção da saúde e alternativas para tratamentos de
doenças do nosso tempo.
Em 2004, Ana Maria Martinez, satisfeita com os resultados em
si mesma, sugere que façamos um vídeo específico sobre auto-
hemoterapia, método utilizado há mais de 100 anos e que, na
década de 40 do século passado, quase desapareceu com a chegada
de antibióticos.
Juntos realizamos e distribuímos algumas cópias. Alguém, por sua
própria iniciativa, insere na internet o Auto-Hemoterapia – Conversa
com Dr. Luiz Moura. Em pouco tempo passamos a receber retornos
espontâneos de usuários, com relatos de resultados benéficos em
relação aos mais variados distúrbios. O vídeo ganhou espectadores.
Consultados por um ou outro, facilitamos, autorizamos a
reprodução quando para fins humanitários, não comerciais.
Nestes anos, usuários se comunicam, trocam informações. Redes
naturais se formam. Cada um que deseja participa com o que
está ao seu alcance. Um movimento popular se cria e se espalha.
Surgem versões subtituladas em espanhol e inglês. Mais textos
informativosecientíficossãodisponibilizadosnainternet–milhões
de pessoas se interessam, especialmente no Brasil, mas também
na Argentina, Uruguai, Japão, Estados Unidos, Espanha, Itália...
Criam-se sites, blogs, salas virtuais de debates. Outros vídeos
relativos à auto-hemoterapia são disponibilizados virtualmente.
Um livreto – transcrição integral do vídeo-depoimento – é dedicado
especialmente aos que não têm acesso à internet. Em 2012, Ida
Zaslavsky relata, em livro, resultados observados em vinte anos
como aplicadora.
92 Auto-hemoterapia 93Auto-hemoterapia
O vídeo Auto-Hemoterapia, conversa com Dr. Luiz Moura – e
a transcrição das falas do Dr. Luiz Moura, além de alguns
textos e outros vídeos – está disponível:
www.luizsarmento.blogspot.com.br
e no www.videolog.tv/LuizFernandoSarmento
Tenho me surpreendido a cada vez que incluo a palavra auto-
hemoterapia na pesquisa do Google. São dezenas, talvez já centenas
de sites e inúmeros depoimentos e trocas de informações. E muitos
vídeos. Redes em plena vida.
Tudo isto, além de real, é significativo e simbólico. Há uma intensa
procura por soluções saudáveis. A realidade se transforma. Mais
uma oportunidade para que pessoas que compõem serviços
públicos se informem – a Organização Mundial de Saúde, o
Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais e Municipais de
Saúde... E pesquisem – sobre a auto-hemoterapia. Por exemplo: há
uma quantidade enorme de trabalhos acadêmicos, depoimentos,
testemunhos. E atuem em favor do bem comum.
Imagino histórias semelhantes para as medicinas tradicionais e
contemporâneas chinesa e ayurvédica, as sabedorias populares,
africanas, latino-americanas, indígenas, caboclas... E relativas à
homeopatia, à acupuntura, às medicinas complementares, aos
florais... Parece que o conjunto de conhecimentos da humanidade,
hoje, é mais que suficiente para que todos estejamos cuidados. E
alimentados, física e emocionalmente.
Se também considerarmos outros campos de conhecimento,
sabemos que hoje toda a humanidade tem oportunidades de se
tornar saudável. E esta melhoria acontece a cada vez que cada um
– com o que está ao seu alcance – compartilha conhecimentos,
inventa fusões de prazer no trabalho, na vida cotidiana.
Eu já desconfiava. O espalhamento da auto-hemoterapia me
confirma: redes e movimentos se formam assim, a partir da
iniciativa de cada um. Sem hierarquias, cada um contribui com o
que está ao seu alcance...
VII
Terapia Comunitária
97Terapia Comunitária
Lembro: esta história, como outras, conto com o que penso que
sei. Sempre o risco de ser diferente do que, pra outro, é.
Uma família pobre,
dez filhos, naturais e adotados. Interior do Ceará, o pai trabalha
num lugar após outro, na equipe que cava poços em busca d’água, a
família acompanha. Cristãos. Adalberto quer ser padre. Conseguem
bolsa num seminário. As informações que os padres-professores
lhe passam não correspondem às suas crenças. Incomodado,
prossegue os estudos, se forma em medicina. Faz teologia no
Vaticano, filosofia na Itália, doutoramentos em psiquiatria e
antropologia na França. Volta às suas origens, interior do Ceará,
junta conhecimentos acadêmicos a sabedorias populares. Cria um
jeito simples de conversar, que estimula solidariedades imediatas.
A metodologia
Em roda, um espaço para cada um falar de problemas do cotidiano,
de questões que afligem, trazem insônia, incomodam. O pai que
bate na mãe, o filho que se droga, eu mesmo que não consigo
trabalho. Ou que estou deprimido, sem saída.
Logo no início, já em busca de clima propício, o terapeuta ou
um seu auxiliar propõe compartilhamentos de alegrias recentes.
Intercalados com palmas, um e outro diz da satisfação do
nascimento de um filho, da recuperação de uma vó, do sucesso nos
estudos de um amigo, do prazer de uma viagem, do aniversário que
chega e por aí vai.
Agora combinam-se umas regras. Aqui não vale julgar nem dar
conselhos. Quando dou um conselho, é como se eu soubesse mais do
outro que ele próprio. Todos terão oportunidade de falar. Não é
um espaço para segredos: o que pode lhe fazer mal se alguém lá
fora souber, sugere-se, não compartilhe aqui, proteja-se. Só se
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  • 1. O Q U E E S T Á A O M E U A L C A N C E ? LUIZ FERNANDO SARMENTO IDEIAS E METODOLOGIAS PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS O Q U E E S T Á A O M E U A L C A N C E ? LUIZ FERNANDO SARMENTO IDEIAS E METODOLOGIAS PARA MOVIMENTOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de trinta anos. Reflexões, descobertas – minhas, de outros – e práticas que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que movimentos sociais são compostos por movimentos individuais. Conhecimentos misturados, este livro cuida da formação de redes presenciais, da terapia da palavra, da utilização do próprio sangue, da comunicação do que dá certo, do trabalho como sinônimo de prazer.
  • 2. para quem deseje CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S255q Sarmento, Luiz Fernando, 1946- O que está ao meu alcance? ideias e metodologias para movimentos sociais e individuais / Luiz Fernando Sarmento. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Viajante do Tempo, 2014. 196 p. ; 20 cm. ISBN 978-85-63382-32-0 1. Sociologia. 2. Sociologia - Metodologia. 3. Capitalismo. 4. Mudança social. I. Título. 14-14967 CDD: 301 CDU: 316 2014 Impresso no Brasil - Rio de Janeiro Todos os direitos desta edição reservados à Editora Viajante do Tempo LTDA www.editoraviajantedotempo.com editora@viajantedotempo.com Ilustrações e Diagramação: Pedro Sarmento
  • 3. Índice Introdução 10 I. Agências de inFormações Independentes 15 II. Rede de Comunicação Popular 23 III. Reflexões sobre o Homem Novo 43 IV. Rodízio Criativo 71 V. Visão de Mundo 77 VI. Auto-hemoterapia 89 VII. Terapia Comunitária 95 VIII. BRincadeiras 103 IX. Movimentos Relacionados 111 X. Redes Humanitárias Comunitárias 135 XI. Sonho e Realidade 153 XII. Redes na Prática 177
  • 4. Se o leitor é um editor – e acredito que cada um é – merece ter ao lado um caderno em branco, onde anote o que intui e faça o bem que lhe aprouver. Lembrete Tão bom não ter que fazer prova. Leio o que me atrai, salteio, paro, regresso, esqueço. Às vezes algo fica. Aí me reconheço. E cresço. O que desejo pra mim, desejo para quem deseje.
  • 5. Jovem, não acreditava em mim. Meu corpo esquelético, sem óculos ceguim, insuficiente nas brincadeiras, nunca escolhido nas peladas, frangueiro. Inseguro de tudo, sensação de excluído. Isto de um lado. De outro, na família, tratado como igual. Sorte minha ter nascido ali, naquele espaço e tempo, do jeito que foi. A insegurança estimula minha curiosidade. Tantos mistérios no mundo fora de mim, no mundo dentro de mim. A cada descoberta, um porto. No mundo e em mim, qualidades que desconhecia. Noutros lugares, noutras épocas, com outras pessoas, passo a passo, aprendi um tanto do que é e do que parece ser. Certezas mesmo, só de dúvidas: quase tudo permanece e muda a cada instante. Assim, aqui, o que foi talvez não seja. Introdução Doze textos, independentes entre si, ou não, nascidos no correr de trinta anos. Reflexões, descobertas – minhas, de outros – e práticas que contribuem para o que hoje sou. Algumas metodologias já sucessos, outras por vivenciar, remexer, desenvolver, adaptar por cada um que mergulhe no que está ao seu alcance. Acredito que movimentos sociais são compostos por movimentos individuais. Conhecimentos misturados, o O que está ao meu alcance? cuida da formação de redes presenciais, da terapia da palavra, da utilização do próprio sangue, da comunicação do que dá certo, do trabalho como sinônimo de prazer.
  • 6. Intenção e gesto Os mesmos fatos, visões diferentes. É assim em relação à própria criação do universo, da terra, do homem. Ser ou não ser, estar ou não estar, passam os séculos, ao fundo permanecem estas e outras questões. Cada homem, do seu jeito, cultiva – ou não – sua própria evolução, em tentativas de viver melhor. A soma destas revoluções individuais se traduz na evolução da humanidade como um todo. A memória nos lembra de nossa história recente: vida rural, industrial, pós-industrial. Agora globalização, fase de stresses, tendências desumanizadoras. Indivíduos, bairros, cidades, países fortes e fracos – é só olhar ao longe e ao redor – destinam recursos para armas. Volta e meia, implosões de insatisfações que – juntas – se transformam em conflitos e confrontos coletivos. A vida, breve: tempo curto para lutar contra. O buraco – quase sempre – mais embaixo. O inconsciente individual e coletivo – parece – induz nossas ações. Por outro lado, olhando bem, sinais de vida no planeta Terra. A favor do homem. Também aqui, cada ato traz resultados. No que pode neste barco, cabe a cada um de nós – que deseje – dar-se conta, sentir, refletir, nortear, realizar seus gestos.
  • 8. 17Agências de inFormações Independentes Síntese Informações de qualidade podem chegar a muita gente, através de veículos de comunicação já existentes. A ideia básica: qualquer pessoa ou instituição pode montar sua própria agência de inFormações independente. Esta agência oferecerá inFormações a veículos de comunicação. Para a realização desta agência – além de informações benéficas de interesse público – é necessária uma pessoa, um computador com acesso à internet e endereços virtuais de veículos de comunicação. Simples assim. Consciência É mais fácil compreender processos de transformações, individuais e coletivas, quando reconheço a existência do meu inconsciente e considero o que vai pelo meu e pelo do outro. Freud, Jung, Reich me ensinam que cada um de nós, no correr da vida, adquire e internaliza defesas. Elas têm a função de impedir sentimentos que nos incomodam. Por outro lado, a construção de relações de confiança me facilita comunicaçõesmaisprofundas.Assim,antesdeentrarpropriamente nos conteúdos, é necessário cuidar de mim e do outro, estabelecer aproximações. Como no namoro: há o olhar, a empatia, a delicadeza na aproximação, as identificações comuns, os sinais, o pegar na mão, a construção da relação. As inFormações profundas somente chegam ao seu destino quanto o destinatário está receptivo. Comunicar é uma arte.
  • 9. 18 Agências de inFormações Independentes 19Agências de inFormações Independentes vinculados. Há instituições especializadas que oferecem comercialmente estas informações. Talvez, por exemplo, a Meio & Mensagem, http://www.meioemensagem.com.br. Ou a Comunique-se, http://www.comunique-se.com.br. Merecem ser também ser relacionados – além dos mais conhecidos – os profissionais e veículos menos conhecidos. E jornais, revistas, rádios, TVs... produzidos e voltados para suas comunidades. No campo virtual, outro mundo de comunicações. Aqui, quando a inFormação disponibilizada toca quem a recebe, são incontáveis as possibilidades de reprodução e espalhamento. Dependem basicamente da iniciativa de cada um. Assim mais facilmente se formam redes e movimentos. •Uma relação de fontes possíveisde inFormações.Valepesquisa. Há as pessoas e instituições que já dão certo, já fazem trabalhos reconhecidamente em favor do desenvolvimento integral da pessoa e da coletividade. Há os desconhecidos do público, atuantes ou na semeadura. O boca-a-boca constrói redes. Um leva a outros que leva a muitos. Estas fontes podem estar relacionadas ao foco da agência. Imagino uma diversidade grande, de acordo com o interesse de quem envolvido. Agências voltadas para o bem estar das crianças, mães, pais, adolescentes. Ou para áreas de conhecimento específicas: agronomia, psicologia, engenharia, medicina, alimentação, esportes, lazer, voluntariado, magistério... Aqui vale um livre pensar,alémdeaproximaçõesdosprópriosdesejosdequem–pessoa ou instituição – intenciona atuar como agente de inFormações. Da compreensão... Conteúdos diferenciados – que intencionam contribuir para qualidade na vida de cada um e de todos – podem ser oferecidos a veículos de comunicação de todo o país, em todo o mundo. Existem fontes – individuais, coletivas, comunitárias, ONGs, Oscips... Existem veículos potencialmente interessados – jornais, revistas, rádios, TVs. E os virtuais, inventados ou por inventar – sites, blogs, orkuts, twitters, faces... As fontes não têm normalmente conexão com os veículos. Agências de inFormações podem ter esta função: colher conteúdos de qualidade e disponibilizá-los para veículos e seus públicos. O terceiro setor – organizações de interesse público sem fins lucrativos, formais ou informais – e um quarto setor – indivíduos, pessoas físicas – podem assim compartilhar suas visões de mundo. ... Ao gesto A realização de uma Agência de inFormações independente é trabalhosa, mas simples. O básico: • Uma pessoa interessada, com senso ético internalizado e capacidade de aprender o fazimento e articular a integração de recursos: colher informações e fomentar sua veiculação. Se necessário, editá-las, formatá-las. • Um espaço, uma mesa, cadeira, um computador, um telefone com fax, um scanner. • Uma relação atualizável de profissionais de comunicação atuantes no país – e suas funções nos veículos a que estejam
  • 10. 20 Agências de inFormações Independentes 21Agências de inFormações Independentes Todo o mundo quer Aqui, ali, acolá, conteúdos de qualidade, quando emocionalmente entendidos, tendem a encontrar pessoas e instituições pró-ativas que utilizam e reproduzem os conhecimentos adquiridos. Assim, em leve prazo, se sucesso aqui, também sucesso entre outras pessoas, outros povos de outros países com outras línguas, que tenham em comum a mesma humanidade. Conteúdos Todo este trabalho só faz sentido se os conteúdos das inFormações a serem oferecidas contribuírem para o bem estar individual e coletivo. Para não ter dúvidas, me pergunto: é o que desejo oferecer aos meus filhos, aos meus pais, aos amigos, aos que não conheço? Poderá fazer bem, estimular reflexões? InFormações atemporais tendem a permanecer. Foram úteis ontem, podem ser úteis hoje e amanhã. A construção de um mundo melhor comporta variedade de temas e públicos: ética, comportamento, brincadeiras passo a passo, notícias que geram esboços de sorrisos, agradáveis de saber... Escritas para todos nós ou especificamente destinadas a pais, crianças, babás, professores, empresários, médicos, políticos, funcionários públicos... InFormações que tragam, mais que informações, conhecimentos. Que estimulem a consciência, possibilitem insights... Formas Lembranças difusas. No início da segunda metade do século vinte, um jornal de circulação nacional oferecia a jornais do interior matérias atemporais em cadernos-tipo-cultura, com espaços para inserções publicitárias locais. Informações de qualidade, para públicos virgens, ampliaram visões de mundo. Hoje abrem-se novas fronteiras para a imaginação. Textos, fotos, vídeos, áudios... Em releases, artigos, cromos, fitas, DVDs, CDs – virtuais ou físicos... Escolhas de produção e oferta em função dos veículos, físicos e virtuais, escritos e audiovisuais.
  • 12. 25Rede de Comunicação Popular Conteúdos para transformações Retrato rápido Os jornais pendurados nas bancas exibem quase sempre as mesmas notícias, escritas de forma um pouco diferentes. As fontes de informações, parece, são as mesmas. Umas poucas agências de notícias. No Brasil, Agências O Globo, Folha de São Paulo e quais mais? Uma jovem conhecida, no início do século, registrou que manchetes de grandes jornais de cidades europeias exibiam, no mesmo dia, fotos semelhantes sobre o mesmo assunto. Também lá as mesmas poucas agências como fontes principais. Reuters, UPI, France Presse... Eventualmente só uma fonte, o Pentágono? Bom problema Como podemos contribuir para chegar à população informações diversificadas e com qualidade de conteúdo? O que sabemos Há conteúdos de qualidade ainda invisíveis para a maioria da população. Há pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas informações. Há veículos potencialmente interessados em difundir estas informações. Há públicos potencialmente interessados nestes conteúdos.
  • 13. 26 Rede de Comunicação Popular 27Rede de Comunicação Popular Sabemos do corre-corre geral que toma conta de muitos de nós, inclusive do pessoal da imprensa. É curto o tempo para ir fundo nas matérias. Talvez a preferência habitual seja pelas informações que chegam tão completas que delas é quase só selecionar o texto que será prensado. Daí a importância das fontes e das qualidades dos conteúdos. As fontes possíveis são inumeráveis. Se os conteúdos são atemporais, ampliamos as possibilidades de produzir e difundir textos estimuladores de reflexões, facilitadores de insights, escritos por livres-pensadores contemporâneos e anteriores, aqui incluídos filósofos, o pessoal da literatura, o pessoal psi, o pessoal da educação, das artes e da cultura... Além de informações sobre tecnologias e metodologias voltadas para o bem estar individual e coletivo... Se os conteúdos são temporais, notícias originadas de territórios ou de temas – se possível focadas mais nas competências que nas faltas. E notícias de interesse público geradas por instituições, tanto as de Estado quanto as não governamentais ou as privadas eventualmente sem fins lucrativos.Umadesvantagemdeconteúdos temporais é que se desatualizam com o passar dos tempos. Pressões por tempos e datas estimulam ansiedade. Uma vantagem de conteúdos atemporais está exatamente na sua atemporalidade. Podem ter sido lidos ontem, podem ser lidos hoje ou amanhã. Mais que informações, trazem conhecimentos, estimulam reflexões. Possibilidades Num dia qualquer de um maio de um outro ano, em busca de referências de tamanho de colunas, contei 3.564 dígitos no texto de Chico Alencar, 2.448 no de Nelson Motta e 3.120 no de Luiz Garcia. Média de 3.061. Há instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras de agências de informações de interesse das populações. A ideia é simples Oferta de informações atemporais para veiculação na mídia existente. Para isto, criação de agências de informação independentes.Paracomporestaagência:umapessoa,computador, telefone, scanner, fax, internet, softwares que facilitem acesso a veículos de comunicação. E um espaço, que pode ser residência. Esta pessoa: Contata e articula produtores de informações atemporais. Constrói um baú virtual com estes textos disponibilizáveis. Contata e articula editores e colunistas de veículos de comunicação em todo o país. Oferece os textos do baú. Esta pessoa: Ao aprender, fazendo, testa e reinventa uma metodologia singelaquepossasercompartilhadacominstituiçõesepessoas ativas, interessadas em montar suas próprias agências para fomentar a difusão – através de veículos de comunicação já existentes – de informações específicas atemporais. Na prática, estas informações são contribuições para os conteúdos de veículos de comunicação. Para quaisquer veículos, físicos ou virtuais. Tanto jornais, revistas quanto rádios, TVs, alto-falantes... Diversidade de fontes Com as agências, uma diferença: são as informações que buscam os veículos. As agências contribuem para as pautas dos veículos.
  • 14. 28 Rede de Comunicação Popular 29Rede de Comunicação Popular oportunidade de falar o que oferece e o que procura, em relação a um tema ou a um território. E quando cada sabe do outro, as aproximações possibilitam formações de vínculos, de parcerias, de projetos comuns, de capital social. Existem tanto a metodologia quanto os movimentos e somas que ela fomenta. Como a Rede Brasileira de Artistas de Rua, com participantes de quase todas unidades da Federação. Articulados, profissionais ampliam suas possibilidades, oportunidades, conhecimentos. Ou a Terapia Comunitária, metodologia que estimula solidariedade quando disponibiliza espaços de escutas – para se falar do que aflige, incomoda, deixa um sem dormir. Para falar do que gera dores de cabeça, gastrites, distúrbios funcionais cotidianos. A Terapia Comunitária se tornou política pública nacional e é também utilizada em países do primeiro mundo – a materialidade que aqui faz falta talvez lá corresponda à ausência de afetividade. Há núcleos de formação e terapeutas comunitários já formados e sendo formados em diversos estados do Brasil. Movimentos de interesse social Lembro que movimentos surgem, desaparecem, renascem em outros tempos e espaços. Os exemplos que abaixo relato existiram em lugares e tempos específicos. Um exemplo: A Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Entre os seus objetivos encontram-se o fomento da mobilização de todos os segmentos da sociedade brasileira na busca de soluções para as questões da fome e da miséria, visando realizar o sonho de um país sem fome, alimentado, onde todos tenham direitos de cidadania, onde a justiça seja mais do que uma palavra e que a integração social seja mais fato do que discurso. Hoje talvez, como outros movimentos, já tenha se adaptado a novas realidades. E os focos poderão ser outros, como educação e arte. Imagino vale tentar oferecer uma série de textos, formatáveis como colunas. 26 textos corresponderiam a 26 semanas ou um semestre. Movimentos, redes surgem, atuam e desaparecem, de acordo com os desejos e ações que os originam. Deixam sementes que, como fênix, renascem, reciclam. O que escrevo aqui no presente pode ser, passado um tempo, passado para quem lê. Os exemplos são como oportunidades de desenvolvimento humano que não chegam aos ouvidos e corações de muitos que delas poderiam usufruir. Agências específicas e independentes de inFormações facilitarão desenvolvimentos individuais e coletivos, ao oferecer conteúdos saudáveis aos públicos, através de veículos de comunicação hoje existentes. A interatividade com leitores será uma decorrência natural. Não é assim que caminha a humanidade? Exemplos práticos A Rede de Tecnologias Sociais, por volta de 2010, congregava centenas de pessoas e instituições. A RTS contém informações de interesse de toda a população – podem facilitar a vida de muita gente que ainda não tem estes conhecimentos. Na maioria são soluções simples, custos diferenciados, para as questões mais diversas. É a cisterna, inventada pelo pedreiro nordestino, que acumula água durante as chuvas e a conserva para o período das secas. Resolveu o problema de sua família. A nova tecnologia se tornou política pública. Hoje são milhões de cisternas assim no Brasil. É o tijolo construído a partir do entulho. É o aquecedor solar que pode ser feito em casa, com insumos simples oferecidos por lojas de materiais de construção. Ou a metodologia focada nas competências e não na falta. Nas Redes Comunitárias há reuniões presenciais onde cada um tem
  • 15. 30 Rede de Comunicação Popular 31Rede de Comunicação Popular grande imprensa. Desconfio aqui da interferência de interesses financeiros: saúde dá lucro pra quem tem. Doenças dão lucros pra quem vive delas. Paralelamente, o vídeo Auto-hemoterapia – Conversa com Dr. Luiz Moura, a partir de iniciativas individuais, circula na internet e há indicações que tenha sido acessado milhões de vezes. Foi transcrito para o papel, publicado física e virtualmente e já existem versões em inglês, espanhol. Ampliando, há interesse potencial de populações pelas sabedorias e práticas milenares das medicinas chinesa e hindu. E pelas sabedorias populares – indígenas, negras, brancas, de todas as cores e credos, miscigenadas – adquiridas pelas práticas de todo dia: com as folhas, os chás, os toques, os sons, as espiritualidades. E mais, é só lembrar: homeopatia, acupuntura... Além do entendimento de si mesmo, que muda tudo. Comunidades populares: pessoas ativas, reaplicando, reinventando a metodologias – inclusive a das agências independentes de inFormações – poderão, com simples e justos custos, gerar conteúdos para a imprensa escrita. Desde textos atemporais, reflexivos, de construção intelectual local até informações temporais, notícias mesmo. Exemplo: algumas pessoas ativas em Vila Aliança, bairro do Bangu, no Rio, se dedicaram a formar um centro cultural local. Inicialmente sem espaço, trocavam ideias nas esquinas. Ocuparam uma escola desativada pela prefeitura, articularam uma formalização desta ocupação ao mesmo tempo que produziram oficinas e cursos para o público local, com os recursos humanos locais, solidariamente. Estimulam a inclusão de instituições e pessoas que desejem participar. Têm, entre outras soluções, utilizado metodologias que possibilitam a expressão de cada um e de todos. A partir do O movimento atua através de comitês locais: cidadãos solidários que se mobilizam por toda a nação. Em todos os estados brasileiros, comitês regionais da Ação da Cidadania promovem ações conjuntas integradas pela coordenação nacional, com sede no Rio de Janeiro. Os comitês locais atuam junto a famílias, promovem ações assistenciais e de mobilização de comunidades na luta pela conquista dos direitos sociais. Formados por voluntários, os comitês promovem, individualmente e por iniciativas próprias, projetos nas mais diversas áreas, como a doação de alimentos, a geração de emprego e renda, educação, creches, esporte e lazer, arte e cultura, saúde, assistência à população de rua... Outro exemplo: comunidades populares dos centros urbanos. O UNICEF quer contribuir com a redução das iniquidades que separam, em mundos completamente diferentes, crianças e adolescentes que vivem em comunidades populares daqueles que estão em outras regiões dos centros urbanos. Para isso, foi desenvolvida a Plataforma dos centros urbanos, umainiciativaquevisaamobilizaracidadeparaquetodos–governo, sociedade civil, empresas e cada cidadão – trabalhem juntos pela garantia dos direitos de cada menino e menina. Em meados de 2012 centenas de pessoas, satisfeitas de si, se encontraram no Armazém da Utopia, no Rio de Janeiro, para comemorar alegremente os 3 anos do projeto-movimento. 43 GALs – Grupos de Articulação Local – compunham a Plataforma. E outro: durante uma semana, em outro maio, ocorreu audiência pública no STF, focada na Saúde. As intenções, por exemplo, incluíam a liberação da auto-hemoterapia, técnica centenária de baixo custo utilizada por milhares de brasileiros – na prática comprovadamente eficaz e, que eu tenha conhecimento, sem relato algum de contraindicação. Mesmo sendo realizada a partir de um movimento popular espontâneo, a audiência não foi noticiada pela
  • 16. 32 Rede de Comunicação Popular 33Rede de Comunicação Popular De modo semelhante, uma agência voltada para o áudio cuidaria de, além de congregar conteúdos já existentes, gerar novos conteúdos para as rádios. Difícil, hoje, além das rádios AM e FM tradicionais, dizer onde e quantas são as rádios comunitárias em funcionamento no Brasil. São milhares. Há geradores de conteúdos em plena atividade – independentes, em comunidades populares, em escolas de comunicação, instituições e pessoas físicas. O Rio – como outros lugares? – , desconhece o que tem. Talvez um ou outro saiba do movimento de Comunicação Crítica que inclui a Maré. Ou dos produtores audiovisuais de Manguinhos, Vidigal, Japeri. Há também os estudantes de comunicação das universidades – UFRJ, UFF, PUC, FACHA, Gama, Estácio... Quando há possibilidades reais de veiculação, cresce o interesse pela produção e oferta. Convivemos há tempos com a não-veiculação de produções culturais populares. O Cinema Novo e produções comunitárias recentes, quase ou totalmente invisíveis, são exemplos de filmes e vídeos que permanecem nas prateleiras. Talvez as informações temporais que aqui descrevo já sejam diferentes no presente. Anotações não editadas Movimento interativo, colaborativo: as Agências oferecem e prospectam conteúdos para e de veículos e leitores. O que chamo de inFormações são conteúdos geradores de conhecimento. Mais que informação, aprendizagem. que cada um oferece e do que cada um procura em relação àquele território, montam seus projetos e programações. Querem ser referência para o mundo. Para informar ao mundo e interagir com ele, estão interessados em articular uma Agência de inFormações de Vila Aliança. Assim... Estas e outras informações, na medida em que interessados a elas tenham acesso, podem gerar tanto as chamadas soluções práticas quanto estimular as evoluções subjetivas – estas que interferem nos desejos, no bem estar de cada um, independente de raça, credo, classe social. Mais possibilidades Num segundo momento, esta nascente metodologia de difusão de textos atemporais, adaptável a cada realidade, poderá ser uma referência para a criação de metodologias de difusão áudio e audiovisual. Uma Agência de inFormações Audiovisuais cuidaria de gerar ou congregar conteúdos, editados ou brutos, e disponibilizá-los – considerando as experiências de assessorias de imprensa – para TVs abertas, fechadas, comunitárias. Além da internet. Há Assessorias de Imprensa que disponibilizam conteúdos organizados – em books, releases, conjuntos de cromos, fitas... – para veículos os mais variados. A foto e a informação que vão para a Folha de São Paulo são um tanto diferentes da foto e da informação que vão para O Globo. As fitas de vídeo, EPKs – contêm trailers, cenas de making-off não editadas, entrevistas brutas com atores, atrizes, diretores... – são destinadas a responsáveis pelas pautas de programas específicos de TV.
  • 17. 34 Rede de Comunicação Popular 35Rede de Comunicação Popular Cada Agência de inFormações teria esta função de integração dos stakeholders – produtores de conteúdo, veiculadores, público, financiadores, apoiadores, agentes – assim fomentando aplicações destes capitais disponíveis para transformações sociais. Conteúdos atemporais porque: informações colhidas hoje e ontem, servirão para amanhã e depois. A atemporalidade poderá evitar a ansiedade provocada pelos prazos, além da corrida em concorrência com agências de notícias temporais tradicionais. Conteúdos de qualidade, evolucionários, atemporais, motivadores de reflexões, poderão se tornar temas específicos de agências de inFormações. Fontes fortes poderão ser tanto clássicos – Platão, Freud, Reich, Jung... – quanto livres pensadores contemporâneos: Boff, Beto, Veríssimo, De Masi, Morin, Calligaris, Millôr, Barreto, Freire... Além dos ainda desconhecidos, do interior e das capitais. Veículos potencialmente interessados Por confirmar: softwares como o do Meio & Mensagem e o do Comunique-se disponibilizam informações – inclusive contatos e endereços – sobre a maior parte da mídia brasileira. Utilizando estes serviços é possível entrar corresponder com quase todos veículos de comunicação do país – jornais, revistas, rádios, TVs, internet... Outros softwares devem facilitar acesso a veículos de países de língua portuguesa, da América Latina, de todo o mundo. Públicos potencialmente interessados O que os olhos não veem, o coração não sente. Do que não sei, não usufruo. As Agências de inFormações intencionam, interativamente, pesquisar e disponibilizar – para e junto a populações – conteúdos que facilitem o bem estar e possibilitem transformações individuais e coletivas. Num primeiro momento, informações atemporais em texto, que estimulem reflexões e ampliações de visão de mundo. E informações objetivas – sobre tecnologias sociais, por exemplo – que possibilitem soluções acessíveis a cada um e todos. Estes textos serão oferecidos a veículos de comunicação impressos. Do Brasil, de países de língua portuguesa, de países de língua espanhola, do mundo. Num segundo momento, informações de áudio e audiovisuais. Quandoumainformaçãoéinternalizada–quandocaiaficha–muda a visão de mundo, muda um tanto de tudo, mudam os desejos de quem compreendeu, mudam suas necessidades de consumo, muda a economia. Transformações individuais e coletivas se realizam. A credibilidade de pessoas e instituições-fontes facilitará o acolhimento de conteúdos delas originados e sua reprodução por veículos de comunicações. Uma vez criadas e testadas metodologias voltadas para a difusão de informações que beneficiem populações, são muitos e diversos os potencialmente reaplicadores – pessoas e instituições voltadas para o interesse público, comunidades ativas, movimentos sociais... Numa primeira fase, as inFormações – os conteúdos iniciais oferecidos aos meios de comunicação – poderão ser basicamente atemporais, estimuladores de reflexões, de insights, de ampliações de visões de mundo.
  • 18. 36 Rede de Comunicação Popular 37Rede de Comunicação Popular Instituições potencialmente apoiadoras e/ou financiadoras: Há recursos potencialmente disponíveis. Materiais,humanos,financeiros...NoBrasil,aFINEP–Financiadora de Estudos e Projetos, a Caixa Econômica Federal, a Fundação Banco do Brasil, a Petrobrás, além de organismos regionais, estaduais, municipais... Há voluntários à procura de oportunidades de prestar serviços pelo bem comum. Há equipamentos ociosos aqui e ali. Há tecnologias e metodologias desenvolvidas e disponíveis. Estes recursos, parece, podem ser integrados em agências. Metodologia, reaplicação A metodologia inicial poderá ser apenas uma referência, pois sua reaplicação naturalmente possibilitará criação de metodologias adaptadas a cada realidade. É estimulante a diversidade de visões de mundo que poderão se expressar através de agências específicas. Além das transformações individuais e coletivas que a difusão de conhecimentos poderá facilitar. Espectadores Salvo engano, oficiosamente, em 2010, talvez existissem no Rio 8 gatos-net para cada net oficial. Se assim, quem mais vê a net são os mais pobres. Que não se veem, não são representados na TV. Realidade virtual Parece, grosso modo, acredita-se mais na TV que na realidade. Ver- se na TV estimula gostar de si mesmo. Há gente com sede... E há possibilidades de água ao seu lado. Há gente doente... E há possibilidades de saúde ao seu alcance. Há gente com culpa... E há possibilidades de desculpabilizar-se. Há gente com soluções... E há gente que delas precisam e não sabem. Pessoas e instituições interessadas em fazer circular estas informações: Difícil hoje encontrar profissionais de comunicação com tempo e disponibilidade para pesquisar conteúdos, aprofundar conhecimentos e difundi-los. Mas se lhes chegam às mãos conteúdos que lhes toquem e que possam contribuir pruma vida melhor tanto pra si quanto pra sua família e leitores... Uma assessoria de imprensa focada em cinema, por exemplo, constrói um kit – com informações em book e em release, fotos em cromos, material audiovisual não totalmente editado numa fita (entrevistas com atores, diretores, cenas do filme e de making-off, trailer...) – e oferece, com critérios, parte ou todo deste material a diversos veículos de comunicação. Funciona. Nos veículos, este material é editado e veiculado. Além da mídia, há pessoas e instituições também interessadas em veicular informações de qualidade. É só lembrar.
  • 19. 38 Rede de Comunicação Popular 39Rede de Comunicação Popular Ludemir, Jorge Russo Dumas, Jorge Rodrigues, Jeferson Cora, Itamar Silva, Isabel Miranda, Gustavo Barreto, Glória Rodrigues, George de Araújo, George Cleber da Silva, Fernando Lannes, Félix Ferreira, Felipe Sarmento, Evandro Ouriques, Elizeu Ewald, Eliberto Martins, Eliany Fully, Edu Pereira, Cunca Bocayuva, Clemente Viscaíno, Christiane Agnese, Charles Feitosa, Cássio Martinho, Carolina Pellegrino, Caio Silveira, Ana Martinez, Alita Margutti, Alex Vargas, Alcir Raymundo, Alberto Mejia. Encontros de comunicadores Em 2010 convidamos para rodas de conversas pessoas e instituições interessadas em comunicação popular interativa. Gente de rádios, TVs, jornais comunitários. Gente que utiliza internet, alto-falantes, filipetas e outros meios de comunicação que levam informações até moradores de comunidades populares. Chamamos estes encontros de Comunicação Comunitária Interativa, CCI na intimidade. George de Araújo, logo de início, deu força, convidou mais gente, tornou-se parceiro e coprodutor. Foram, na prática, encontros singelos voltados para trocas de experiências relativas a comunicações de interesse comunitário. Sem excluir outras possibilidades, uma intenção inicial era facilitar movimentos de comunicação comunitária interativa e construções de parcerias. Umametodologiautilizadanosencontroséaquelaemquetodostêm tido oportunidade de se expressar, saber do que cada participante oferece e interagir com aqueles com quem se identifica. Os encontros fizeram parte de um processo de desenvolvimento de metodologias de comunicação interativa popular, compartilháveis e reaplicáveis, de acordo com cada realidade. Autonomia Autonomia é característica de redes. Cada Agência, também, tem sua autonomia. Inclusive na definição de seu foco, do seu campo de atuação, de seu nome, de suas características. Como exemplos sonhados, Agências Independentes de inFormações sobre Ética, Cuidados com os Bebês, Brincadeiras, Insights, Economia, Filosofia, Terapias, Saúde, Redes, Alimentação, Agricultura, Educação, Tecnologias Sociais, sobre... E outras e outras com inFormações para desenvolvimento integral do ser humano, motivadoras, reflexivas, metodológicas – a diversidade prevalece. Redes de Agências A partir de sua própria iniciativa – na medida em que tenha os contatos de outras – uma Agência poderá trocar inFormações com outra e outras. A tendência será formação de redes de Agências interativas, colaborativas e autônomas. Influências Este texto tem se modificado, na medida em que conversei com Viviane Oliveira, Michel Robin, Jean Engel, Gilberto Fugimoto, Egeu Laus, Bianca Beser. E, ai minha memória, Vinicius Carvalho, Vânia Faria, Tito César, Thiago Catarino, Theresa Williamson, Tainá Diniz, Silvana Gontijo, Samuca, Rudá Almeida, Rosita Chaves, Roseli Franco, Rosa Zambrano, Roberto Pontes, Richard Riguetti, Regina Rodrigues Chaves, Phillip Johnston, Pedro Sarmento, Paulo Magalhães, Oscar Pereira, Michelle Lopes, Mário Pereira, Mário Margutti, Mário Chaves, Mariana Dias, Marco Pantoja, Marcos Alvito, Márcia dos Anjos, Luiz Soares, Luiz Pina, Luciana Phebo, Lília Coelho, Larissa Barros, Katty Cuel, Jun Kawaguchi, Júlio
  • 20. 40 Rede de Comunicação Popular Havia intenção de construirmos condições para – além de mapear meios de comunicação contemporâneos – desenvolver, testar e promover a reaplicação de metodologias de comunicação que possibilitem compartilharmos interativamente conteúdos de qualidade com quem deseja e necessita: trocas de informações e conhecimentos que facilitem melhor viver, em benefício de todos. Neste tipo de encontros – onde a diversidade se identifica – comunicações se movimentam, movimentos se espraiam, interações e parcerias se constroem. Em cada novo movimento, como caderno novo, há páginas em branco em busca de atores.
  • 22. 45Reflexões sobre o Homem Novo PRIMEIRA PARTE Este texto escrevi em Moçambique. Estive lá como cooperante em 1981, colaborei para a reorganização do Instituto Nacional de Cinema. A necessidade de trabalho aliada à leitura de poemas de Samora Machel me despertou o desejo de ir. Alberto Graça me apresentou a Rui Guerra, que articulou minha ida. Soldados e populares de mãos dadas, conversando naturalmente me surpreenderam. Revolução, independência recente, o país alerta em estado de guerra, faltava de um tudo, mas havia uma distribuição bem mais justa da que eu vivia já no Brasil de então. Mesmo assim, a tristeza nos olhares me incomodava. Porque esta tristeza? À procura de respostas, escrevi. Comportamento Ao escrever aqui, pensei em mim, lembrei de nós, no que nos imagino semelhantes. Quando semelhantes, talvez caiba escrever nós. Se diferentes, talvez permaneça o eu. Está sempre presente na minha cabeça a esperança de um futuro mais humano e mais gostoso. Volta e meia me pego na expectativa de acontecimentos externos a mim – uma revolução social, um cristo, uma nova fórmula – que alterem o sistema atual e outros seres humanos. Mas esqueço que meu caráter está fundamentalmente impregnado de informações que, no correr da vida, recebi tanto da escola, igreja, família quanto dos meios de comunicações e do meu alredor. E que eu mesmo colaboro para a manutenção da moral atual, quando nos atos e encontros de toda hora transmito preconceitos a meus filhos, amigos, vizinhos, colegas de trabalho.
  • 23. 46 Reflexões sobre o Homem Novo 47Reflexões sobre o Homem Novo Enfim: o homem amanhã deverá ser fruto do que hoje aprende e sente. Quem hoje vê na TV a violência como ato rotineiro, talvez rotineiramente conviverá com a violência. E naturalmente outros exemplos de todos os momentos contribuem também para a deformação de homens de amanhã. Ontem mesmo não nos disseram que éramos a esperança do futuro? Nós não somos marcados pelos modelos que nos foram apresentados? O futuro de ontem não é agora? Sinto-me impotente diante de tantas mudanças necessárias: o meu poder de influência sobre o atual estado das coisas é mínimo. O que fazer? De tudo isto e de não sei o que mais, veio a necessidade de refletir sobre um homem novo. Falo por mim, cheio de dúvidas. Sem a certeza absoluta nas reflexões e nos resultados. A certeza de agora, o que acredito agora, tento traduzir. Proibição de Emoções Acredito no ser humano recém embrionado como totalmente original, sem nenhum comportamento de origem moral. As regras que vai absorvendo têm suas fontes em seus modelos, que são as pessoas ao seu redor, a vida ao seu redor. Acredito ainda que a cada regra pode corresponder uma limitação de atuação do novo ser. E esta atuação deformada, pressionada de fora – ou esta atuação suprimida – gera sentimentos, emoções. Que podem ser de medo, raiva... Estas emoções, por sua vez, necessitam ser expressas. Assim, muitas vezes, quando são expressas estas emoções e sentimentos – percebidos socialmente como algo ruim – acontece de serem proibidas por outros seres humanos com quem convive Quase nunca me lembro de transformações que estão dentro do meu poder de atuação. E sinto que as sonhadas transformações sociais interdependem, complementam transformações pessoais. Das observações destes fatos veio a vontade de saber o que é necessário para o ser humano individual – eu mesmo – tomar consciência da irracionalidade de falsas verdades atuais, e alterar o seu – o meu próprio – comportamento. Na busca de um ser humano emocionável, lúcido, saudável, autônomo, vivo. É sobre este homem novo que procuro refletir. Veneno para Crianças Num mundo tão maluco como é o que vivo, a todo momento me pego querendo que outras pessoas se modifiquem, para que este mundo se transforme no mundo que desejo. Mesmo desejando que, consciente do que é, caiba a cada um cuidar de se desenvolver integralmente. Assim – adeus onipotência? – a alteração de comportamento de outras pessoas está fora do meu limite de poder. Gostaria que pessoas que detêm o poder público fossem racionais e humanas, sábias, atuantes, ternas e de bom humor. Mas não tem jeito, não conseguem enxergar muitas soluções que parecem óbvias a pessoas que permanecem vivas. Um exemplo próximo a todos nós é a televisão, com programas influindo diretamente no comportamento de quem os assiste: o moralismo, o preconceito, a violência, a fofoca quase sempre presentes. E se são crianças os espectadores, a tristeza se multiplica: quase 24 horas por dia a televisão está deformando adultos do futuro. O homem aprende do que vê, ouve, tateia, cheira, bota na boca e sente. Desde criança transforma-se um tanto no que lhe é apresentado como modelo.
  • 24. 48 Reflexões sobre o Homem Novo 49Reflexões sobre o Homem Novo Agir, alterar comportamentos já rotineiros, recuperar as próprias emoções, acredito ser a base para a tentativa de trabalhar pela autonomia de outros seres humanos, emocionáveis como eu. Certeza absoluta, nenhuma: o que aqui tento relatar tem a intenção de compartilhar informações com pessoas que usam o seu poder de refletir. São anotações pessoais, frutos da observação constante: acredito que possam representar o que percebo como verdades. Formação do Caráter Quando nasce, às vezes sofre já no parto. É separado da mãe, único ponto de referência até então. Aplicam-lhe substâncias químicas: líquidos nos olhos, pomadas na pele, vitaminas artificiais pela boca. “Remédios”. Deixam-no sem mamar na mãe. Às vezes a incubadeira, cesariana, fórceps. Reclama como sabe: chora. Seu choro não é entendido, e seu choro é sua maneira de se expressar. Tem medo. Como defesa, naturalmente se contrai. O ato de contrair se dá com o enrijecimento de musculaturas. Se uma contração muscular é repetida diversas vezes, a tendência é se formar uma contração muscular crônica. Ou seja, um endurecimento constante (fixo) da musculatura. Que corresponde a uma alteração do comportamento original. Enfim,fisicamente,intelectualmente,emocionalmenteoserhumano jáéinduzidoaendurecer-sedesdequandonasce.Esteendurecimento funciona como uma defesa contra as tantas agressões inesperadas e repetidasquesofre.Emresumo:aumasituaçãodeperigocorresponde uma reação muscular de contração. À repetição de situações de perigo semelhantes, correspondem contrações musculares semelhantes. A repetição de uma contração muscular torna o músculo cronicamente rígido. Ou seja: um enrijecimento muscular (físico) corresponde a uma fixação de uma repressão emocional, intelectual. este novo ser. E, em função destas proibições, o novo ser tende a se sentir incomodado, ridículo, inseguro. A partir de então, para evitar estes desagradáveis sentimentos reativos, o novo ser aprende a evitar as emoções originais, geradoras de atuações de repressões externas. O novo ser evita as emoções originais, internaliza a repressão. Como evita as emoções? Engolindo, se contendo. Alterando a respiração natural, enrijecendo a parte do corpo que for necessária enrijecer para que a emoção seja suprimida. Até que a repetição constante deste enrijecimento torne a parte do corpo cronicamente enrijecida – quando da sensualidade do requebro, por exemplo, parando de requebrar, endurecendo a musculatura pélvica. Para sossego dos pais (viado meu filho não vai ser!), da igreja (alma em estado de graça, assexuado, sem pecados, passivo e submisso...), do quartel (homem tem que ser duro!), dos que exploram operários como escravos. Recuperar o jogo dos quadris, outras sensações, sentimentos e emoções, implica numa recuperação da mobilidade da parte do corpo enrijecida. Trabalhar o corpo, a cabeça, recuperar a flexibilidade perdida tem sido difícil, às vezes quase impossível. Acredito - pelas vivências sinto - que recuperar emoções, sentir de novo emoções pode ser inicialmente doloroso. Em seguida – fluem energias contidas – atraente, gostoso, gratificante. Equandoasemoçõesgostosaspintam,asaçõessãomaisprodutivas. Soluções mais claras, humor mais leve, comportamentos mais racionais. E quando do avesso, da contenção de emoções, restam mesquinharia, burrice, mau humor invadindo a vida.
  • 25. 50 Reflexões sobre o Homem Novo 51Reflexões sobre o Homem Novo crescer o homem “civilizado”. O processo se inicia com as crianças, cresce com os adolescentes e se solidifica com os adultos. Situações repressivas continuam a acontecer no dia a dia, com adultos trabalhadores, quando o poder é utilizado para fazer prevalecer uma ideia ou uma ação. A todo momento poderosos de diversos níveis dão ordens que têm a função de – aparentemente – fazer produzir mais. Os oprimidos (*), na maioria das vezes sem condições de agredir diretamente quem os oprime, inconscientemente ou conscientemente, se “vingam” de maneiras as mais inesperadas. Mão de obra mecânica, omissão, trabalho malfeito. São resultados de desprazer no trabalho e na vida. A emoção, a mente contra o ato do corpo. Resultado: a burocracia, o mal-estar, a dissociação trabalho-prazer. O Trabalho como Prisão Para tentar mudar a situação, o poder reage com o controle e o castigo. A imagem antiga é a do feitor com o chicote. A imagem atual é a do relógio de ponto, do corte do salário, da suspensão, do controle de papel. Tanto controle se torna necessário, que uma grande quantidade de mão-de-obra é destinada a esta tarefa. O volume do trabalho de controlar pede utilização de tecnologia avançada. Entram os computadores. São formados especialistas em controles. Faz-se a ciência do controle. Isto já são fatos no Brasil, em boa parte do mundo. (*) Oprimidos também se tornam opressores. Acredito que o opressor de hoje tem origem em opressões sofridas anteriormente. Quem deseja ardentemente o poder não estaria procurando inconscientemente suprir um vazio antigo – por exemplo, o peito que precocemente lhe retiraram? O exercer o poder de mando não representaria o cobrar do mundo o que se percebe como devido pelo mundo? Cobro o que me devem. Estes e ou quais seriam os motivos que fazem tantos oprimirem e tantos se submeterem a opressões? Na verdade, no corpo de cada homem está escrita sua história. No corpo de cada homem, individualmente. Vejamos: quando começa a se expressar, a criança já é alvo de repressões por parte de pessoas que a rodeiam. Um exemplo: uma criança de dois, três anos. O brincar com o seu próprio corpo lhe dá sensações. Em princípio, de prazer. Ao brincar com os seus órgãos genitais, uma pessoa lhe diz: “para com isto menino. Que feio.”. Se a criança continua, é alvo de uma sanção – um tapa, um falar enérgico. “Tira a mão daí!”. Ao lhe ser proibido o prazer, a criança reage. Primeiro, com raiva. Vê-se impotente diante do mais forte. Então chora. Mas toda vez que chora, lhe é dito: “ih, bobo. Homem não chora.”. E, toda vez que ouve isto, sente-se ridículo. Para evitar a sensação desagradável do ridículo, corta o choro. A maneira de cortar o choro é engoli-lo. Para engolir, tem que contrair musculaturas da garganta. Situações que provocam choro são repetidas constantemente. Situações de corte de choro são também repetidas constantemente: ou seja, situações de contração de uma mesma musculatura são muitas vezes repetidas. Contrações musculares repetidas geram contrações musculares crônicas. No exemplo do choro, quando o choro é engolido repetidamente, a musculatura correspondente se endurece. Aí então já não é necessário se esforçar para cortar o choro. Ele já está definitivamente cortado. A criança virou “homem”. Só que o endurecimento muscular - efetuado para se dar o corte do choro – impede também o se expressar plenamente: o cantar a todo vapor, o falar, o gritar. Impede muito mais que só o choro. Inúmeras outras situações repetidas a todo momento, no dia a dia de cada um de nós, “assassinam” o ser humano natural e fazem
  • 26. 52 Reflexões sobre o Homem Novo 53Reflexões sobre o Homem Novo Pra me sentir bem, acredito ser mais do que necessário ter consciência um tanto de mim mesmo. Desde tentar perceber meu próprio corpo, minhas emoções, minha mente... a tornar-me autônomo na realização do que desejo. Amplio minha consciência, amplio meu mundo. Transformações Pessoais A revolução social não exclui a revolução individual: na verdade se complementam. Acredito que transformações pessoais sejam mais fáceis num lugar onde os problemas econômicos sejam resolvidos em função do bem-estar dos seres humanos. Em termos práticos, num lugar onde o que é produzido é distribuído em consenso entre os que nele vivem. Em síntese, onde – como em mim? – a ética prevaleça. Mesmo não sendo estas as condições em que vivo, sinto posso transformar-me. Um ponto de partida, acredito, é a tomada de consciência de origens de fatos incômodos atuais. Do que tenho aprendido, algo como uma compreensão emocional, um insight. Aquele Ah! Entendi! Tanto esta compreensão quanto a vivência de uma forte emoção podemserpontosdepartidaparaalteraçõesdehábitos,aprendizado de novos comportamentos. Sinto que eu – como cada um dos meus semelhantes? – tenho meus próprios recursos para inventar meus caminhos. A recuperação da capacidade de sentir emoções tem me pedido alguma atenção e o cultivo de respeito por mim mesmo. Em resumo, reflexões e compreensões – além de emoções – têm estimulado mudanças em minha vida. A Busca das Origens dos Incômodos Tateio. Rever as verdades talvez seja um caminho. Sinto que o que é tido como verdade talvez permaneça – ou não? – verdade. Como resolver então o problema do aumento de produção, dito tão necessário? Em última instância um dos fatores decisivos para o aumento de produção é a mão-de-obra. Em mão-de-obra leia-se homem. A mão-de-obra deverá ter a sua produtividade aumentada. Poderá também ter o volume de tempo de trabalho aumentado. Sigamos pelo aumento de produtividade: isto com certeza aumentará a produção. Como fazer com que isto aconteça? Tentando fazer com que a mão-de-obra participe por iniciativa própria? Tentando controlar o seu trabalho? Enfim: mão-de-obra autônoma ou mão-de-obra mecânica? Para a formação de autômatos, reforçar o controle e o castigo é um caminho. Para a formação de autônomos, temos que refletir. Anotações sobre a Autonomia Há anos me interesso pelas relações corpo-mente, no ser humano. Acredito, como outros observadores, que, via de regra, o corpo é um espelho da história de cada um. A barriga, o olhar, o andar, o falar, são sinais da história de cada um. A nuca que dói pode ser sintoma do músculo que endureceu de tanta tensão provocada, por exemplo, pelo medo. A boca rigidamente fechada pode refletir a raiva tão longamente contida. Acredito também, pela observação e alteração de mim mesmo, que a situação pode ser mudada. Um lado gratificante é a ampliação da percepção, o acesso a novos olhares. Uma boa e honesta conversa, também comigo mesmo. Parece, porém, ser indispensável tentar entender profundamente o ser humano, eu próprio, meu próximo, para apoiar-me no meu novo parto. Para ajudar-me a aprender a andar, pensar, agir, emocionar-me, ser autônomo.
  • 27. 54 Reflexões sobre o Homem Novo 55Reflexões sobre o Homem Novo preconceitos e os compreendo – meus sentimentos de medo e culpa se dissolvem um tanto, perdem suas fontes. Vivo mais levemente, retorna minha alegria da inocência. Procuro e pratico os conceitos radicalmente humanos, ou adapto- me aos preconceitos existentes? Dura luta. E esta luta tem uma importância maior do que a que antes eu lhe dava. Atrás do preconceituoso, do moralista, está o eu mecânico. Estou em aprendizado. Um caminho tem sido repensar as verdades estabelecidas – o repensar como ato cotidiano, o refletir em cada ação de que me dou conta – e isto tem criado possibilidades de alterar meu mundo, ampliá-lo. Dá trabalho, canso, descanso, cresço. E, mais do que digo e escrevo, meu comportamento tem sido minha mensagem para os meus filhos, companheiros de trabalho, vizinhos, amigos, os que passam e estão em minha vida. Como eu, sinto, acreditam mais no que sou do que no que digo que sou. Inda bem. Estou aprendendo a me aceitar como originalmente sou. Assim fica mais fácil aceitar o outro como é, outros como são. 31 anos depois, 2012 Fico mais tranquilo - e estou gostando - quando me limito ao que está ao meu alcance. Não sei nem dizer direito, não sei se a memória alimenta desejos... e se desejos diminuem com ausências de memória. Esqueço e me tranquilizo. O que não quero esquecer, anoto. Inclusive compromissos. Tateio neste novo mundo – pra mim – onde me aceitar me facilita a compreensão do outro... Sem complicações, o indicador tem sido meu humor. Meu bom humor indica que estou bem... Tento, tropeço, engatinho... Estou gostando. Intuo que verdades atuais necessitam ser sentidas, analisadas, repensadas. Para ser verdade somente o verdadeiro, enquanto verdadeiro. Para deixar de ser verdade o preconceito, o moralismo, o basicamente falso. Fui marcado em minha inocência. Por muito tempo permaneceram dúvidas. Tudo que a igreja católica (**) me ensinou não foi verdade durante tanto tempo? O prazer a gerar o pecado? O pecado a gerar o castigo? A possibilidade de castigo a gerar o medo, a culpa? A culpa, o medo a gerar submissão? Sentir prazer? É pecado! Namoro, sonho, raiva, beijos? Pecados! Veniais ou mortais, do tamanho da culpa. Sentimentos e sensações suprimidos pelo medo, durante toda minha vida. E cada vez mais insensível, mais homem, mais burro. O correto, me diziam, era a submissão. Submissão hoje, paraíso amanhã. Nada de aqui e agora. O passado com a “cultura”, o futuro com o “juízo final”. Com tanta pressão só me restava, no presente, o medo. E quantas ditas verdades tão duramente implantadas em mim, na minha infância e no correr da minha vida, ainda permanecem no meu inconsciente como marcas e verdades? Mas quando repenso o que me foi ensinado – volto às origens, tomo consciência de (**) Hinduísmo, budismo, islamismo, judaísmo, cristianismo. Católicos, protestantes, kardecistas, umbandistas, candomblecistas. Batistas, metodistas, pentecostais, quacres. xintoístas, taoístas, confucionistas. Não tenho experiências com outras culturas religiosas. Sei que minha vivência pessoal na cultura católica mais contribuiu para minhas limitações de que para meu desenvolvimento integral – seja emocional, intelectual ou espiritual. Isto naturalmente não exclui o bem estar que cada uma das religiões possa ter propiciado a outros. A fé vem da experiência. Não devo criticar quem, por ter vivido o que não conheço, tem fé. Ninguém melhor que cada um para melhor se conhecer, saber de si.
  • 28. 56 Reflexões sobre o Homem Novo 57Reflexões sobre o Homem Novo Algo que escrevi, sinto, me faz bem e permanece. Outros algos, hoje não me identifico. Estava em plena juventude, me perdoo, não sabia o que hoje penso que sei. Nem não sabia que não sabia. Misturado, compartilho. Está sendo difícil refletir sobre o homem novo. Desconfio que atrás desta dificuldade está o meu desejo mais profundo de transformar a mim mesmo. As tentativas práticas de vivenciar a minha própria vida, de buscar a cada momento a emoção naquele momento sentida, constantemente se chocam com os incômodos que me fazem fugir do presente, relembrando o passado ou imaginando o futuro. É a vida correndo solta. Juntos inseguranças, incertezas, emoções não percebidas, impaciências, nervosismos, incapacidades. E às vezes,juntos,lucidezes,entendimentos,levezas.Numeternotroca- troca, mau humor-bom humor, beleza-feiúra, vida-estagnação. Hoje, ontem, em qualquer lugar. Urgência Quem não beijou ontem, não beijará jamais aquele beijo, não reviverá aqueles momentos. Outros beijos estão sendo perdidos por cada um de nós? Hoje, muitas pessoas que detêm algum poder estão constantemente a nos prometer beijos para amanhã. Agora, dizem, a contenção das emoções, o sacrifício, a poupança, o aumento de produção; no futuro, a explosão das emoções, o paraíso, o descanso, o consumo. Fizeram e fizemos a mesma coisa com nossos pais e avós desde há muito tempo. O destino nosso e de nossos filhos construímos, constroem, agora, a todo momento. Viver o Presente Dareflexãosobremeuprópriocomportamentoperceboquetambém é revolucionante respirar naturalmente, deixar minhas emoções se expressarem, não aceitar submissamente impedimentos morais. Deixar o tesão ter voto, a ternura, o desejo ter voto. Respeitar meu próprio corpo, minha própria mente, minha própria vida nos meus atos cotidianos. Que também é revolucionante procurar caminhos para não ter que trabalhar em coisas que desinformam ou que contribuem para a manutenção dos que autoritariamente detêm o poder. É difícil, eu sei, colocar em prática o que já sei. E, paralelo à reflexão, quando trabalho consciente com o corpo, no sentido da recuperação da minha mobilidade natural, encontro emoções há muito tempo suprimidas. Esta auto-revolução pessoal, de refletir e de trabalhar meu próprio corpo, acredito que esteja dentro da área de atuação de outros como eu, individualmente: tento viver o presente, procuro gratificações aqui e agora, busco o homem novo em mim mesmo. SEGUNDA PARTE De volta ao Brasil, ainda em 1981, tentei prosseguir. O resultado, aqui. Agora, quando releio, sinto que faria mais sentido se eu tivesse escrito na primeira pessoa do singular, eu. Soa pretensioso o nós, o vós, o ele, os eles. Tento, então, trocar nós por eu... por que, sinto, só devo falar de mim. Como saber do outro se não sou o outro, se somente imagino que sei dele? Mesmo assim, volta e meia falho o ato, me confundo com o outro que imaginava não ser eu. Entende? Nem eu.
  • 29. 58 Reflexões sobre o Homem Novo 59Reflexões sobre o Homem Novo Os melhores repórteres somos nós. É só olhar em volta. Ou pra gente mesmo. Hoje acredito que uma coisa é tomar consciência, sentir. Outra, imediata, é o movimento, a ação. E a primeira ação possível pode ser comigo mesmo. Perceber o moralismo, examinar suas fontes, entendê-lo. Deixar de lado o moralismo e criar os meus próprios valores. Seguir os meus sentimentos, respeitar os limites das outras pessoas envolvidas. Só esta ação comigo já sinto revolucionante. E com certeza as minhas mudanças pessoais influem em quem convive comigo: no trabalho, em casa, na rua. E oportunidade para isto tenho em cada segundo de minha vida. O melhor ou o pior lugar do mundo é aqui e agora: o momento que de fato existe é o que vivo agora, aqui. E, mesmo sabendo que os castigos normalmente, quando existem, são menores do que meu medo antevê, há que tomar cuidados a toda hora para não ser atropelado por quem odeia a vida. A função do controle no trabalho O controle é feito para quem não gosta do trabalho. Para controlar é necessário um controlador. Que utiliza relógio de ponto, papéis. E exerce um poder de determinar quem faz o que, em que prazo. Determina o prêmio e o castigo. O controlador controla até o momento em que perde o poder. Em não havendo mudança de ideias, há uma substituição de um controlador por outro. Controlador. Onde há controladores, há controlados. Que expressam suas insatisfações no próprio ato de trabalhar: a omissão, a apatia, a fuga dos controles que os oprime. Quando há controle, a produção também é função da intensidade do controle. Quanto maior é o controle, aparentemente maior a produção. O clima é de tensão. O melhor lugar do mundo Incomoda-me a inflação, o trânsito, a burrice, poluição, pobreza, tudo que interfere no nosso bem-estar. Mas muitas vezes não consigo ver o que está atrás de tudo. E, mesmo quando tomo consciência, o salto para a ação como que fica reprimido. Incomoda- me a angústia provocada pela não satisfação dos meus desejos mais profundos. Incomoda-me também as reclamações do meu corpo, com “doenças” muitas vezes provocadas pelas alterações físicas correspondentes às emoções suprimidas. Mas chega num ponto em que não dá para esperar amanhã. Os desejos estão aqui, agora. O medo, a culpa, o remorso, a timidez, a insegurança, até a falta de condições de realizar os desejos, vêm colados à vontade de gozar o prazer que a realização dos desejos traz. Sinto que a diferença entre a vida e a morte em vida pode ser medida pelas tentativas que faço, indo à luta. Se respeito minha vontade, o que meu corpo pede, se quebro a moral que está grudada em mim, ai, que bom, junto com o prazer o charme, o me sentir bonito, inteligente, gostoso, vivo. Se não respeito os desejos que surgem em mim fico triste, burro, feio, duro, não há brilho nos meus olhos. Não tem jeito, tenho que cuidar de mim. Até para poder me juntar a outros que sentem a vida. A esperança de que alguém vá cuidar de mim, de que uma revolução vai acontecer lá fora e de que pegarei o vácuo dela, sinto ser só esperança, anestesia. O pior lugar do mundo Tem tanto tempo que o mundo é assim, mais pro feio. Passo por uma escola pública e, triste, vejo a educação castradora se repetir, como foi comigo há 25 anos. Igualzinho. Talvez mais dolorido. E o que dá pra sacar da história confirma: quando a vida emerge, lá vem sufoco. Nem é preciso ver os grandes jornais, TVs, rádios.
  • 30. 60 Reflexões sobre o Homem Novo 61Reflexões sobre o Homem Novo Mas, por mais que mudem os outros, outras angústias em mim permanecem. A mim cabe saber o que está dentro da minha área de atuação. E, como um compromisso com a minha própria felicidade, a mim me cabe também tentar minha difícil mudança. Aos muito amigos, também o não! Estou à vontade para tudo? Isto implica que posso me dizer: não! E que considero que um não! dirigido a mim por outra pessoa tem sua origem na pessoa que o diz. Ela é quem tem a melhor capacidade de saber dos motivos que a levaram a dizer não! Acredito que este não! dito por ela possa representar algum problema dela. Tenho que me cuidar para não imaginar, não dar asas à minha imaginação, o tipo de problema que poderá ser. Enfim, a origem do não! é um problema da pessoa que o disse. Já quando o não! dirigido a mim por outra pessoa me incomoda, surge um novo problema. Um problema meu. O que me incomoda e o porquê deste incômodo cabe a mim sabê-lo. Está na minha área de atuação. Assim, um problema é o incômodo que o não! me traz. Outro problema é o incômodo que gerou o não! na pessoa que o disse. Talvez o caminho para a solução destes problemas seja, primeiro, resolver ou compreender o problema meu. Depois compreender e atuar no problema da outra pessoa. As razões de cada um Ver os outros com os olhos meus, é o que normalmente faço. Posso também tentar ver com os olhos do outro. Compreendo melhor o outro quando consigo me colocar no seu lugar, com os seus olhos. E, quando compreendo o outro, compreendo a posição que toma, mesmo sendo contrária à minha. Aqui o diálogo se torna mais fácil. A tensão também é função do controle. De um lado, o trabalhador, controlado. De outro, a direção, controladora. Quando o trabalho é emocionante Quem gosta do trabalho não precisa ser controlado. Quem gosta do trabalho procura a melhor maneira de fazer o seu trabalho. Presta atenção no que faz. Cada vez que faz é uma nova vez. No prestar atenção, enxerga problemas. Por gostar do trabalho, procura soluções. O trabalho compõe sua vida. Tem prazer em chegar ao trabalho. Gosta de trabalho. As ideias na sua vida surgem em qualquer momento. Em qualquer momento surgem ideias sobre o trabalho. Ele as aproveita. Quem gosta do trabalho não precisa ser controlado. Quem gosta do trabalho não faz as coisas automaticamente. Tende a ser autônomo, saudável, vivo. É difícil. Pensar em mim, prestar atenção no meu próprio corpo, em meus sentimentos, sensações. Perceber o que meu próprio corpo e mente me dizem. O que está atrás dos meus próprios sentimentos: “quando foi que começou esta minha raiva? Por que este remorso?”. É difícil buscar as origens dos meus sentimentos. Rever a história da minha própria vida, do meu próprio corpo. Relembrar, revivenciar, refletir. “Percebo que as minhas ações são muitas vezes frutos dos meus sentimentos. Sinto e ajo.”. É difícil tomar conhecimento do que é interessante mudar. Mesmo na busca do prazer, é desconfortável mudar; volta e meia afloram angústias. É mais fácil pensar em como mudar os outros. É menos doloroso mudar, tentar mudar os outros que a mim próprio. É mais fácil ver a solução dos problemas nos outros.
  • 31. 62 Reflexões sobre o Homem Novo 63Reflexões sobre o Homem Novo emocionável, com brilho. Tem capacidade também de vivenciar suas dores e, com a vivência, crescer humanamente. Emoções e transformações Este lugar começa a existir para mim a partir do momento em que eu passo, em busca do prazer, a mudar meu comportamento em relação a mim próprio e em relação às pessoas com quem convivo: em casa, no trabalho, na rua, a todo momento. Parece ser necessário, como base para uma mudança de comportamento,eutomarconsciênciademeusprópriossentimentos e sensações. Também tomar consciência do que meus olhos, orelhas, nariz, boca e pele percebem do mundo ao meu redor. Na verdade, me permitir sentir, deixar fluírem as emoções. Por sua vez, parece que as emoções geram transformações. Quando me emociono, sou depois diferente do que fui. TERCEIRA PARTE Entrada na cabeça Não tenho conseguido concluir o terceiro artigo de uma série que chamei de reflexões sobre o homem novo, iniciada no Luta & Prazer número três. Decidi então passar para o papel ideias soltas que me afloram à cabeça. Não as ordenei nem as conclui. Expressam, no entanto, preocupações minhas atuais. Um lado de mim as vê ridículas, desnecessárias e repetitivas. Outro as vê humanas e lúcidas. Arrisco. Entendo o outro e me entendo. Tento instigá-lo a ver com os meus olhos, me compreender. Talvez a melhor maneira de perceber um problema seja vivê-lo. Percebe muito mais o problema de um salário insuficiente quem vive a insuficiência do seu salário. Se não vivi o problema do outro no máximo me solidarizo. Tendo a preocupar-me mais com os problemas que eu próprio estou a viver. Em busca do prazer Um lugar – um país, uma cidade, bairro, uma roça, uma rua, um teto – onde as pessoas que aí vivam estejam também constantemente atentas ao presente, ao que está acontecendo a cada momento. Um lugar onde as pessoas ajam em função dos sentimentos e sensações que percebem em si. Onde cada pessoa, conscientemente, consegue perceber e respeitar também os espaços – físico, psíquico, espiritual, integral – de outras pessoas com quem convive. Um lugar onde, em decorrência do acima suposto e em decorrência da racionalidade natural e da vida que aí frutificam, problemas econômicos e sociais perderiam suas fontes. Neste lugar cada pessoa se percebe e se respeita. Sua moral é natural, não lhe foi ensinada como dogmas. Seu princípio é o prazer. Em função do prazer é que define o seu trabalho. O trabalho só tem sentido se é também fonte de seu prazer. Cada pessoa usufrui dos frutos do seu trabalho. Não se apodera do resultado do trabalho de outros. Também em função do prazer é que busca novos conhecimentos. Não aceita os conhecimentos que lhe são impostos como verdades inquestionáveis: busca os novos conhecimentos em função das necessidades. Neste lugar cada pessoa tem consciência da liberdade que necessita ter e usufruir para que possa continuar vivo,
  • 32. 64 Reflexões sobre o Homem Novo 65Reflexões sobre o Homem Novo origens dos medos? E, atento, discernir entre o que em cada medo é gerado pela imaginação e o que é gerado pelas possibilidades reais de perigo? Manter a vida significa manter a liberdade. Liberdade é poder ser. O poder ser de um se limita com o não poder matar no outro o poder ser do outro. Os projetos de cada um não estarão ligados, objetiva e subjetivamente, à solução do que cada um vivencia como problema? Serão recuperáveis as possibilidades de emoção não vivenciadas hoje? Os filhos crescem, eu cresço ou envelheço, as situações mudam, está tudo acontecendo. As pessoas, mesmo desinformadas, sentem. Inclusive se ressentem. E agem em função dos seus próprios sentimentos, conscientemente ou não. A omissão, a apatia, a iniciativa, a autonomia são reflexos da situação interior do ser humano. A cada fato, cada pessoa reage de acordo com o seu ser. Ao mesmo fato correspondem tantas reações quantos são os indivíduos que percebem este fato, naquele momento. Estas reações estão ligadas às histórias de vida de cada um. Como esperar compreensão de outras pessoas, se não tento compreendê-las, procurando sentir do ponto de vista delas as razões delas? Cada pessoa tem seu projeto, seus sonhos, suas conceituações de felicidade e infelicidade, em função do que apreendeu durante sua vida. Sonhar e praticar o sonho Que mundo enorme, meu mundo em que meus olhos, cheiro, gosto, tato e audição não atuam. Um mundo do tamanho da minha autopercepção. Ilógica lógica? Irracionalidade é a prática do irracional. Irracional é o que falta razão. Razão é o natural. Natural é o que vem da natureza. Natureza é o que é original. Original é o que vem da origem. Origem é nascimento. Nascimento é ponto de partida. Amanhã e outro lugar é completamente diferente de aqui e agora. E estar aqui e agora não exclui sonhar e trabalhar um amanhã em outro lugar. O futuro se faz no presente, nasce do presente. Se o presente é amplo, aberto, o futuro está sendo aberto, está se ampliando. Se limito o presente, não deixo o futuro se abrir. Limito o futuro. Como entender pessoas que agem de forma contrária à da gente? Como o que não policia poderá compreender o que policia, do ponto de vista de quem policia? Cada ação tem sua origem, tem suas razões. Estar a fazer o que gosta, em função do seu próprio estar bem: felicidade? Quando se quer conviver com outras pessoas, socialmente, qual o limite da busca individual de felicidade: não atrapalhar a felicidade de cada um dos outros? A percepção mais completa não é o sentir? A falta de percepção não é o não sentir? Quem não sente não percebe? Como vencer o medo? Vivendo mais profundamente situações que nos causam medo? Tentando chegar, pela vivência mais profunda dos medos, às
  • 33. 66 Reflexões sobre o Homem Novo 67Reflexões sobre o Homem Novo bem consigo mesmo, mas deseja ou detém o poder de interferir no bem estar de outros. Que presente é este que consigo suportar? Em que devo me transformar e em que devo transformar meu mundo para que o meu, o nosso bem estar aconteça? É tanta coisa a toda hora. Uma vida para viver. Paro para perceber e dissecar este sentimento de culpa por não estar agora cuidando de quem eu ajudei a por no mundo? Dou uns socos no travesseiro para gastar esta agitação interna? Vivencio, agudizo meu estar ou me contenho? Que estrutura é esta que se desagrega quando chegam pessoas de fora? Devo gastar meu tempo, energia, enfim, devo me gastar procurando viver agora o bem estar desejado, ou devo estar constantemente me preparando para um futuro melhor, desatento ao presente? Cortar agora a raiva presente ou expressá-la a quem ela é dirigida, cuidando de não ferir? Por que não dizer da insegurança de não saber o que dizer ou fazer? Vida e morte Sua respiração se solta, seu coração bate mais rápido. Sôfrego, seu corpo pede. Sua pele encosta na outra pele, arrepia ao passar de uma força. Sua boca encontra outra boca, a outra boca suga seu ombro, procura sua orelha, pescoço. Sua garganta solta o som do seu prazer. Sua mente está aqui, você vive o momento presente. Mas não! Sua respiração se prende, ao bater mais rápido do coração. Seu Meu espaço se limita com outros espaços. Meu limite é a outra pessoa, as outras pessoas, seus espaços. Em cada cabeça, muitos sonhos. Em cada dúvida, a possibilidade de tomar consciência: é só pensar. Quando construo uma casa, já na profundidade da fundação, coloco a minha própria história: se eu for inseguro, desejo uma fundação tão profunda quanto a necessária para me fazer sentir seguro. Se estou bem comigo, a fundação poderá ter somente a profundidade realmente necessária. Se quero me isolar do mundo, muitas paredes, grades, muros. Se quero me abrir, a amplidão dos espaços. O mundo acaba quando um morre? Descubro a todo momento: crianças estão constantemente atentas. Entendem e se expressam. Já os adultos normalmente nem as entendemos nem conseguimos com elas – as crianças – manter contato. Economia, política, controle, ciência, impostos, construções, festa, trabalho, tudo que os homens criam, em princípio criam para melhorar as condições em que homens vivem. Mas quem executa, coordena, planeja cada trabalho também é humano. E, como humano, cada um carrega consigo as marcas que as emoções ou a falta delas trazem. E estas marcas influem no comportamento de cada um. Inclusive nos atos cotidianos de trabalhar, divertir, conviver, falar, andar, mover, parar. E se quem executa, coordena, planeja,nãoconsegueperceberosseusprópriosproblemasinternos como pessoas humanas, que capacidade terá para tentar melhorar as condições em que outros homens vivem? Não consegue estar
  • 34. 68 Reflexões sobre o Homem Novo 69Reflexões sobre o Homem Novo próprio vivencio em mim mesmo. Fui duramente orientado para isto. Acredito no futuro paradisíaco prometido, e não acredito no presente infernal real. Inferno e paraíso Como recuperar o ser humano natural em mim mesmo? Mesmo com dúvida, me sugiro: usar os sentidos. Não agir mecanicamente. Atenção no presente. Ver, ouvir, provar, cheirar, tatear. Deixar meu corpo se exprimir. Deixar meu corpo fazer o que nele é espontâneo. Deixar o ar entrar e sair. Respirar. Perceber em mim mesmo as sensações e sentimentos que este estar no presente proporciona. Vivenciar o aqui e agora, prazer e desprazer. E para compreender tudo isto, me informar. Wilhelm Reich é uma fonte: O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes da vida. Deviam também governá-la. corpo se contrai, ao encostar da sua pele na outra pele. Sua boca, seca, se fecha ao ser procurada pela outra boca. Seu ombro, orelha, você, incomodados se remexem com as cócegas. Sua garganta se entope, sua mente foge daqui. Você não vive o momento presente. Só nos resta a vida Ser humano. A história pode começar a partir da fecundação. Cada um de nós tem uma história. A mente e o corpo de cada um retratam hoje as experiências vividas por cada um. Somos únicos, cada um. No útero as condições internas sofrem influência da mulher gestante. Seu próprio corpo exprime também as experiências que ela própria vivencia. Se angustiante, defende-se contraindo-se. Se repetidamente angustiante, contraindo-se cronicamente. O ser humano, já no útero, sofre pressões do seu meio ambiente. No parto uma forte agressão, a separação da mãe, o contato com seres humanos des-emocionados, frios, endurecidos. Depois, no dia a dia, o não faz isto, cala a boca, não grite, não chore, não ria alto, não esperneie,tireamãodaí.E,acadaproibição,ocorpoeamentetendem a se adaptar. Até nos tornarmos estes seres que somos: angustiados, culpados, tortos, deformados. Uns mais, outros menos. O poder de cada um É possível o ser humano ser ele próprio o ponto de partida para a sua transformação pessoal? A realidade ao meu redor sempre foi, é na maioria das vezes, tão incômoda, feia, que, para não sofrer, fujo dela. Fujo do presente para o futuro ou para o passado. Olho e não vejo, ouço e não escuto, pego, cheiro, provo e não percebo. Respiro mal: corto assim pela raiz a fonte de energia que não consigo experimentar. Acredito mais no que me dizem do que eu
  • 36. 73Rodízio Criativo Cuidar de quem cuida Imagine uma instituição de porte médio: empresa, serviço público, ong.... Em consenso interno, trabalhadores de um setor – considerando o cumprimento do conjunto das suas obrigações normais – liberam um ou mais do grupo, por um ou mais dias, para visitarem-estagiarem em outros setores da instituição.   Esta a ideia básica. Parece ser bom para a instituição que cada trabalhador, além da múltipla capacitação, amplie sua visão de mundo, adquira outros conhecimentos e construa oportunidades pessoais e profissionais. A prática tem ensinado o melhor caminho. Aqui sinais de sucesso.    Retrato 1 Muitas vezes o trabalhador não tem noção da importância do seu trabalho em relação ao conjunto da obra e aos seus resultados. Desconhece desde a missão da instituição até o que se passa em outros setores. Desestimulado, retém em si mesmo iniciativas e possibilidades de soluções sobre o que profundamente conhece. Sente necessidade de conhecer o todo, mas muitas vezes não tem consciência disto. Prevalece o isolamento, a contenção. Retrato 2 Um setor – o operacional, por exemplo – é responsável por uma série de tarefas, relativas à manutenção física da instituição. As tarefas normalmente são distribuídas entre os trabalhadores que compõem o setor.    Rodízio É colocado para os trabalhadores do setor que poderão liberar um ou mais deles próprios para um estágio-visita em outros setores
  • 37. 74 Rodízio Criativo 75Rodízio Criativo – quando com elas identificadas – com sua própria capacidade de apreendê-las e praticá-las.   Resultados Observou-se,dosrelatosdosestagiários-visitantes,oprazeremserem reconhecidos e em conhecerem outros mundos-caminhos. Relações humanas e profissionais se fortaleceram. Naturalmente, acredito, crescem o bem estar, o interesse, a produtividade, a produção, os lucros sociais e econômicos. Criadas oportunidades, os trabalhadores tendem a se organizar e vivenciar suas próprias experiências.   No conjunto, parece bom para a instituição e para o trabalhador. Já o público usufrui dos atendimentos precisos e das qualidades adicionadas a produtos e serviços. da instituição, na medida em que consigam distribuir todas as tarefas de sua responsabilidade entre os que permanecem no seu próprio setor.   Os trabalhadores liberados – por um dia ou uma semana, por exemplo – poderão, dentro da instituição a que pertencem, escolher em que outro ou outros setores estagiarão-visitarão naquele período.   Este estágio-visita, naturalmente, poderá incluir a realização de tarefas específicas, se os estagiários-visitantes desejarem e estiverem capacitados para tal.   Deverão permanecer normais as atividades do setor que o trabalhador estagia-visita.    Prática Como cooperante, já nos últimos dias da assessoria que prestei ao Instituto Nacional de Cinema de Moçambique – primeiro semestre de 1981 – sugeri o rodízio à direção e trabalhadores. No correr de abril de 2003 realizamos a experiência com o setor Operacional do Sesc Ramos, no Rio de Janeiro, onde eu exercia a função de gerente-adjunto. Conversamos com os trabalhadores e a ideia foi acolhida. Eles próprios se organizaram e, semanalmente, escolheram dois dentre todos para usufruírem da oportunidade. Nas semanas seguintes, novos dois. Conheceram praticamente todos os outros setores: comunicação, matrícula, esportes, recepção, contabilidade, informática, biblioteca, piscina, recreação infantil... Muitos relataram, do próprio punho, observações sobre a experiência, gratos e surpresos com as inFormações acessadas e
  • 39. 79Visão de Mundo Ideias e movimentos Este e alguns dos próximos textos, a maioria, escrevi paralelamente ao correr do meu trabalho no Sesc Rio, a partir do ano 2.000. Percebi o óbvio: nos encontros comunitários, como pano de fundo, sempre presentes questões emocionais. Muito parecido com o que acontece em reuniões de condomínio, em reuniões familiares. Em reuniões que envolvam gente. Amplio? Em reuniões que envolvam seres vivos, outros animais também? As histórias emocionais de cada um facilitam ou atrapalham as relações de confiança necessárias à realização de objetivos de interesse comum. Eu só me associo tranquilamente a quem eu confio. O tal do capital social desejável nasce de relações humanas saudáveis. Assim, hoje, valorizo os inteligentes emocionais, amorosos. Pessoas equilibradas são naturalmente confiáveis, integradoras. Muito do que escrevo, vivi. Sinto que estas experiências têm sido úteis pro meu bem estar no mundo. Por isto compartilho. Então fica combinado Tiramos um tempo para pensar em dúvidas, as minhas que imagino também suas. Inicialmente um tanto confuso. Arrisco terminar com mais dúvidas do que as que agora tenho. Pressupomos, se concordarmos, que, em comum, buscamos resultados semelhantes e desejamos para outros o que desejamos para nós próprios: satisfação, emancipação. Como quase tudo, também aqui quase tudo está fora de ordem e é incompleto em si mesmo. Assim, este texto, pela sua natureza, é incompleto. Como sabemos que somos únicos – com nossas histórias pessoais, visões de mundo, jeitos de imaginar-sentir-organizar-
  • 40. 80 Visão de Mundo 81Visão de Mundo A rede, como instrumento, é ignorante, pode ser burra ou inteligente. Simplificando, pode ser utilizada para o bem e para o mal. Cada informação disponibilizada – se absorvida pelo receptor, conscientemente ou não – estimula ações efetivas favoráveis, ou contrárias, às essências de seus conteúdos. Qualidades agregadas à rede vêm dos conteúdos das informações oferecidas. Escuto você me escuta Muitas das metodologias de comunicações tradicionais dificultam comunicações. Palestras, por exemplo, poucos de nós têm paciência para só ouvir. A inter-ação parece ser uma chave. Quando todos têm oportunidade de se expressar individualmente – mesmo num tempo limitado pré-combinado – cada um se sente participante. Especialmente se o respeito pelo outro está presente. Monólogos iniciais – de cada um, incluindo todos – facilitam diálogos posteriores, básicos para construções de parcerias. E quando mais de dois conversam entre si, as possibilidades de entendimento se multiplicam. O boca a boca espontâneo acompanha os desejos: entre os que têm desejos semelhantes, a comunicação é passo largo para construções coletivas... Pressupostos Permanecem mistérios quanto às primeiras origens – se é que existem – de tudo ou de cada objeto, ação, energia, pensamento... Como exemplo, quando vivenciadas, ausências ou abstrações de tempo e espaço mexem com visões de mundo e provocam decorrências, inclusive alterações de comportamentos. Quem vivenciou, sente, sabe. fazer-ser-sei lá – talvez caiba você editar as informações que seguem, respeitando as regras que cria, em função do que se propõe. Nesta procura, nos conectamos, você e eu. Uma vez conectados, possibilitamos comunicações entre você e – pessoas a quem me ligo – minha rede pessoal. Vale vice versa. Ampliamos nossas redes. Compomos assim, como instrumentos e meios, redes de redes. Complexo e simples Aparentemente caótica porque incontrolável e sem hierarquias, é a rede. Conexões horizontais, transversais, multidirecionais. Sincronicidade como possibilidade. Intuição como novo sentido. Numa rede, ao invés de isto ou aquilo, agora isto e aquilo. Nas redes, movimentos. Iniciativas individuais, nos tempos de cada um. A procura, quando encontro, tende para oferta. Na aparência da doação, a realidade constante da troca. A mão que ajuda é a do coração que recebe. À racionalidade é acrescentado o desejo. A rede possibilita o inimaginável. Complexa e simples, como o Homem. Razão e desejo. Instrumento Cenário para comunicações, a rede é virgem. Seus conteúdos são construídos e disponibilizados a partir da auto inserção voluntária de cada indivíduo que a compõe. O que mobiliza cada participante é o desejo internalizado de compartilhar, especialmente informações. E a qualidade das informações compartilhadas é função do conhecimento e da atitude ética de quem gera.
  • 41. 82 Visão de Mundo 83Visão de Mundo transformações individuais? O ser humano individual como base? Aqui o foco? Pequenos prazeres – o arrepio, o frescor, este fogo, aquele olhar, ai-meu-deus-só-de-lembrar, a brincadeira, o insight, o descanso, o banho, a comida, encher o peito, pele macia, o afeto, solidariedade, o alívio. Pequenos prazeres, a gente esquece? Tão simples, tão perto, um gesto... Tão complexo, tão longe, uma paralisia. Aparente bagunça Desorganizado internamente, quero tudo certinho, limpinho, arrumadinho. Já alguma lucidez me traz compreensão. São fluxos: o caos precede a ordem que antecede o caos. Equilíbrios diferentes. No tantra preservo o ching – o ki? –, interrompo um fluxo e internalizo outro. Nas redes de meus pensamentos se conectam lembranças. Ausentes espaços – se fundem com meu pulsar. E ausentes tempos – futuro, passado – agora se confundem: inexistem desordem e ordem. E de novo tudo se inverte. Existe agora, existe lugar, já sou eu separado do mundo à procura de me re-integrar. Tudo isto, sinto- sei, é só outro ritmo de respirar. Mas vamos parar com isto e fazer o que de mim meu redor espera. Se divago, sonho. Se sonho... Mas o sonhar não antecede toda realização? É isto? Gasto tanto tempo tentando mudar o comportamento do outro que me esqueço de mudar em mim este vício de querer mudar o outro. Sabemos, quando permitimos a consciência, que a razão muitas vezes funciona como defesa em relação ao sentir. Inclinam, declinam, flutuam civilizações, permanecem as questões – de onde viemos, quem somos, para onde vamos? Donkivim, onkotô, pronkovô? E, sempre presente, ser ou não ser? Sou eu ou sou o outro? Em cada momento, estou ou não estou? O que você quer que eu queira, para eu querer? Sou um mapa da minha vida. Sinto que dentro de mim tenho um tanto de quem senti, me identifiquei. Sou parte de meus filhos, meus pais, irmãs, irmão. Sou parte de quem convivo ou convivi intensamente. Socorro, Ana, Vânia, Vera, Regina. Descubro em mim mamãe, papai, João Porphírio, Stella, Lina, Ló... Tanta gente hoje ainda interfere em mim, pelo que me tocou, pelo que me trouxe direta ou indiretamente. Mesmo que eventualmente me esqueça de mim mesmo ou de quem tive boas lembranças. A consciência – quem vivencia, sabe – facilita mudanças. Enquanto isto, com todas minhas limitações, percebo em mim mesmo – quando me permito – que minhas ações são precedidas pelos meus sentimentos. Parece claro que a emoção precede a razão. Que meu comportamento é influenciado por minhas emoções – atuais e passadas. E que o conhecer e o reconhecer causas de meu comportamento atual facilitam e estimulam minhas próprias transformações. Livre associação Se não me permito, a outros inibo. Só dou o que tenho, o que sou. Entre a intenção e o gesto, o que impede é mistério. Tantos caminhos, tantas as pessoas. Transformações sociais, somas de
  • 42. 84 Visão de Mundo 85Visão de Mundo vezes menos ou mais – a turma do não é bem maior. Eu cá tento. Aproveito os bons momentos: serão lembranças. Eu Mamo. Com o olhar procuro mamãe neste momento de prazer, mas mamãe não suporta, desvia a atenção. Olho então pro teto, estrabizo, me míopo. Entre poucos sins, minha família, os vizinhos, professores, patrões, meus colegas de infância-adolescência- trabalho – em gestos, palavras – me dizem não e não. Tudo que aprenderam a não se permitir, me ensinam. Não bote a mão aí, não chore, não grite, este prazer não. Outros vazios. Cultura pesada Mandamentos, leis normatizam o que devo ser. Se transgrido, o castigo – se não vier agora – virá depois da morte. Tento e tento cumprir as normas. Exame de consciência, arrependimento, confissão, penitência. Volto, em estado de graça, a ser comedido. Associo prazer a castigo. O prazer se torna insuportável. A alegria se torna insuportável. Não me permito o amor. Consigo um pouco seguir as leis. Fraquejo, transgrido de novo e repito o ciclo. A moral – moralismo? – toma espaço da ética original. Internalizo a repressão. Meu corpo traduz o que estou. E, guerrilheiro de mim mesmo, como uns docinhos aqui, um prazer solitário ali – seriam substitutos de prazeres originais, válvulas de escape? E construo minhas verdades. Supro meus vazios emocionais com os objetos que agora desejo. Me engano que gosto. Farinha pouca meu feijão primeiro. E, paralelo, No quarto de brinquedos Quem beijou, beijou. Quem não beijou, beijará jamais? Beija! Beija! Beija! Beija já! Quando escolho o médico, escolho o tratamento. Se vou ao cirurgião, ele vai fazer o que? E o homeopata, o pai-de-santo, o psicanalista? E nós? Somos dos que cuidamos dos sintomas – e tome aspirina? Somos dos que cuidamos das causas? De longe se vê mais tudo. De perto se vê mais fundo. De longe, um sistema. De perto, práticas. Vamos pela aparente ordem. Eu sou você. Close A história pessoal a gente imagina, se não conhece: anterior à fecundação, mistério. Já na gestação, o estado emocional da mãe interfere no estar do filho. Do ponto de vista do feto, um maremoto antecipa o parto: o que me espera do outro lado deste inconsciente paraíso? Se cesária, é ferro. Se minha mãe se entregou aos reflexos, ao invés de dor, prazer. Se recepção afetuosa, pulo pro colo, volto ao meu mundo que conheço, nestes primeiros momentos em espaço estranho. Se recepção neurótica, me viram de cabeça pra baixo, batem na minha bunda, espetam meu pé, me enrolam em panos, me isolam no berçário, vislumbro gente do outro lado da vitrine, sinto medo e medo e em defesa me contraio. E choro e choro e meu choro não é compreendido. Quero mamãe. Um vazio dentro de mim. Nós Se você, neste momento, não sou eu, parabéns pra você. Mas se você é comum, como eu, prepare-se. Intercalado aos prazeres – às
  • 43. 86 Visão de Mundo 87Visão de Mundo o real. Se não droga, consumo. De tão conservador de tudo, incho, engordo. Acumulo, enfezo. Sem graça As piadas denigrem alguém. Rio do outro, da desgraça do outro. Pegadinhas são falsas delícias. Rio mesmo é de mim, não lembro que o outro sou eu. Mais que tudo da programação da TV são filmes. A maioria, violência pura. Bandido caça mocinho que caça bandido, como se em cada um de nós não residisse um tanto de cada um. Como no cinema, me divirto com a violência. Maniqueísmo, coerente com visões de mundo limitadas. Venda e compra de produtos e serviços desnecessários movimentam a economia. Alimentam ciclos viciosos, ignorância como fonte de si própria. Aqui procuro suprir vazios que acumulei e empanturro. Retiro agora estes óculos escuros. Caio na rede. Luzes ao lado Vejo, neste enorme palco, outras cenas. Que que aquele pessoal está fazendo ali? Oba! É a turma do sim. Sim ao que enleva, embevece, enobrece, engraça, estimula, acalma, acalenta, amorece. Esboço um sorriso, recebo outro de volta. Me enredo. É outro o ciclo. Virtuoso? Práticas Redes se formam a partir de interesses comuns. se eu não posso, porque eles? Meu umbigo é do meu tamanho. Nada vejo em volta além de mim. Um tanto assim, mais ou menos, sou um homem comum. Quadro pintado preto, a realidade me salva com seus tons cinzas. Abstração Tiro então o bode da sala. Minha vida é melhor que esta paisagem. Olho no espelho, satisfeito comigo. Minha vida, em espiral, intercala equilíbrios nos meus movimentos. Hoje melhor que ontem. Meu humor é minha referência, me qualifica. O sorriso que esboço se faz espelho em quem recebe. Escolho um tanto quem sou. Minha vida é cada canal que clico. Em cada momento decido o que vivo. Exercito o prazer, ganho espaços, fujo dos chatos, estimulo os frágeis. Tudo funciona como reflexo de mim. Sou responsável pelo que sou. Só posso reclamar ao espelho. Como gente, reflexo tem de tudo. Retrata quem está bem, mal, mais ou menos. Reproduz em duas dimensões a realidade. Abstraio tudo acima. Cada um tem sua história, seu retrato, seu espelho. Abro a lente, amplio. Olho ao redor Montes de pessoas. Alguns passam ao meu lado. Um ou outro se sobressai. Na maioria, sérios. Uns tensos, outros calmos. Uns assim, outros assado. No chão, largados, cada vez mais dois vezes dois. Acostumo, nem vejo quando não quero. E crianças com aquele olhar e tom de voz: ei tio, me dá? Isto aqui, em toda terra. Nas favelas uns sons de tiros, os silêncios que inocentam quem não fala. Quem cala, não falha. Medo. Nem em mim mesmo confio. Nos subúrbios se não igual semelhante. Legal ou ilegal, a droga muda
  • 45. 91Auto-hemoterapia Conversei com Dr. Luiz Moura pela primeira vez em 1994, apresentado por Ralph Viana. Gravamos, editamos e oferecemos ao público o vídeo Energia da Vida, onde ele, Moura – além de Neuci da Cunha Gonçalves e Alex Leão Flores Xavier, médicos também – fala de manutenção da saúde e alternativas para tratamentos de doenças do nosso tempo. Em 2004, Ana Maria Martinez, satisfeita com os resultados em si mesma, sugere que façamos um vídeo específico sobre auto- hemoterapia, método utilizado há mais de 100 anos e que, na década de 40 do século passado, quase desapareceu com a chegada de antibióticos. Juntos realizamos e distribuímos algumas cópias. Alguém, por sua própria iniciativa, insere na internet o Auto-Hemoterapia – Conversa com Dr. Luiz Moura. Em pouco tempo passamos a receber retornos espontâneos de usuários, com relatos de resultados benéficos em relação aos mais variados distúrbios. O vídeo ganhou espectadores. Consultados por um ou outro, facilitamos, autorizamos a reprodução quando para fins humanitários, não comerciais. Nestes anos, usuários se comunicam, trocam informações. Redes naturais se formam. Cada um que deseja participa com o que está ao seu alcance. Um movimento popular se cria e se espalha. Surgem versões subtituladas em espanhol e inglês. Mais textos informativosecientíficossãodisponibilizadosnainternet–milhões de pessoas se interessam, especialmente no Brasil, mas também na Argentina, Uruguai, Japão, Estados Unidos, Espanha, Itália... Criam-se sites, blogs, salas virtuais de debates. Outros vídeos relativos à auto-hemoterapia são disponibilizados virtualmente. Um livreto – transcrição integral do vídeo-depoimento – é dedicado especialmente aos que não têm acesso à internet. Em 2012, Ida Zaslavsky relata, em livro, resultados observados em vinte anos como aplicadora.
  • 46. 92 Auto-hemoterapia 93Auto-hemoterapia O vídeo Auto-Hemoterapia, conversa com Dr. Luiz Moura – e a transcrição das falas do Dr. Luiz Moura, além de alguns textos e outros vídeos – está disponível: www.luizsarmento.blogspot.com.br e no www.videolog.tv/LuizFernandoSarmento Tenho me surpreendido a cada vez que incluo a palavra auto- hemoterapia na pesquisa do Google. São dezenas, talvez já centenas de sites e inúmeros depoimentos e trocas de informações. E muitos vídeos. Redes em plena vida. Tudo isto, além de real, é significativo e simbólico. Há uma intensa procura por soluções saudáveis. A realidade se transforma. Mais uma oportunidade para que pessoas que compõem serviços públicos se informem – a Organização Mundial de Saúde, o Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde... E pesquisem – sobre a auto-hemoterapia. Por exemplo: há uma quantidade enorme de trabalhos acadêmicos, depoimentos, testemunhos. E atuem em favor do bem comum. Imagino histórias semelhantes para as medicinas tradicionais e contemporâneas chinesa e ayurvédica, as sabedorias populares, africanas, latino-americanas, indígenas, caboclas... E relativas à homeopatia, à acupuntura, às medicinas complementares, aos florais... Parece que o conjunto de conhecimentos da humanidade, hoje, é mais que suficiente para que todos estejamos cuidados. E alimentados, física e emocionalmente. Se também considerarmos outros campos de conhecimento, sabemos que hoje toda a humanidade tem oportunidades de se tornar saudável. E esta melhoria acontece a cada vez que cada um – com o que está ao seu alcance – compartilha conhecimentos, inventa fusões de prazer no trabalho, na vida cotidiana. Eu já desconfiava. O espalhamento da auto-hemoterapia me confirma: redes e movimentos se formam assim, a partir da iniciativa de cada um. Sem hierarquias, cada um contribui com o que está ao seu alcance...
  • 48. 97Terapia Comunitária Lembro: esta história, como outras, conto com o que penso que sei. Sempre o risco de ser diferente do que, pra outro, é. Uma família pobre, dez filhos, naturais e adotados. Interior do Ceará, o pai trabalha num lugar após outro, na equipe que cava poços em busca d’água, a família acompanha. Cristãos. Adalberto quer ser padre. Conseguem bolsa num seminário. As informações que os padres-professores lhe passam não correspondem às suas crenças. Incomodado, prossegue os estudos, se forma em medicina. Faz teologia no Vaticano, filosofia na Itália, doutoramentos em psiquiatria e antropologia na França. Volta às suas origens, interior do Ceará, junta conhecimentos acadêmicos a sabedorias populares. Cria um jeito simples de conversar, que estimula solidariedades imediatas. A metodologia Em roda, um espaço para cada um falar de problemas do cotidiano, de questões que afligem, trazem insônia, incomodam. O pai que bate na mãe, o filho que se droga, eu mesmo que não consigo trabalho. Ou que estou deprimido, sem saída. Logo no início, já em busca de clima propício, o terapeuta ou um seu auxiliar propõe compartilhamentos de alegrias recentes. Intercalados com palmas, um e outro diz da satisfação do nascimento de um filho, da recuperação de uma vó, do sucesso nos estudos de um amigo, do prazer de uma viagem, do aniversário que chega e por aí vai. Agora combinam-se umas regras. Aqui não vale julgar nem dar conselhos. Quando dou um conselho, é como se eu soubesse mais do outro que ele próprio. Todos terão oportunidade de falar. Não é um espaço para segredos: o que pode lhe fazer mal se alguém lá fora souber, sugere-se, não compartilhe aqui, proteja-se. Só se