O documento discute um projeto de pesquisa que está desenvolvendo uma aplicação móvel para ajudar crianças a se sentirem mais seguras e autônomas ao se locomoverem pela cidade. A aplicação usaria mapas digitais interativos para fornecer informações sobre transporte público e locais seguros. Os pesquisadores entrevistaram crianças para entender como elas já usam tecnologia para navegar e o que gostariam de ver na aplicação. A aplicação pretende promover formas sustentáveis de locomoção como caminhar
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Mapas digitais podem ajudar crianças a se sentirem mais seguras nas cidades
1. 16 • Público • Domingo, 1 de Setembro de 2019
LOCAL
Podeatecnologiaajudar-nos
atermaiscriançasnarua?
Investigadores
estão a estudar
como pode uma
aplicação de mapas
digitais ajudar as
crianças (e os pais)
a sentirem-se mais
seguras quando se
deslocam na cidade
e gerar-lhes mais
autonomia
Inovação
CristianaFariaMoreira
Uma cidade amiga das crianças
garante-lhes serviços básicos de saú-
de e educação e protege-as da violên-
cia, da discriminação consoante o
sexo, a etnia, a religião ou o poder
económico. É assim que a Unicef des-
creve “uma cidade amiga das crian-
ças” — tendo até uma iniciativa com
o mesmo nome que desde 1996 tem
como grande objectivo melhorar a
qualidade de vida dos mais jovens.
Mas além de reconhecer e respeitar
os seus direitos, deve também asse-
gurar que as suas ruas têm espaços
verdes para brincarem e encontra-
rem os amigos — em segurança.
Aqui, as cidades ainda têm de
ultrapassar alguns desa os que dia-
riamente se colocam às crianças, tais
como o excesso de carros, crimina-
lidade ou falta de acessibilidade.
Para ajudá-las a ntar algumas di
culdades, um grupo de investigado-
res está a estudar a criação de uma
aplicação móvel que possa contri-
buir para a autonomia das crianças
nas suas cidades. Para que, por um
lado, se sintam mais seguras a andar
sozinhas na rua, e, por outro, os pais
se sintam também mais con antes a
deixá-los sozinhos.
“Muitasvezesascriançassãoolha-
das como seres passivos e isentos de
qualquer direito. As pessoas esque-
cem-se de que as crianças são cida-
dãosactivoseagentescomcapacida-
de de mudança social”, diz Cláudia
Silva, coordenadora de um projecto
de investigação que quer abordar e
tratar as crianças como co-cientistas
ou co-designers de uma aplicação de
navegaçãoconcebida“paraelasepor
elas”. “Queremos tirar partido das
tecnologias de comunicação para
ajudarem os pais e os lhos a senti-
rem-se mais seguros”, nota a investi-
gadora que é também colaboradora
do PÚBLICO.
Osinvestigadoresquiseramsairda
sua“torredemar m”paraveracida-
depelosolhosdascrianças,tentando
encontrar respostas para algumas
perguntas:como,éque,nosdiasque
correm, descobrem elas o caminho
para a escola? Que uso fazem do
smartphone? Usam o Google Maps?
Comoéqueseapercebemdoespaço
urbano que as rodeia?
Para isso, entraram num colégio
privado de Lisboa e o que ouviram
surpreendeu-os, reconhece Cláudia
Silva: com nove anos, algumas crian-
çasjáutilizamaplicaçõescom“mapas
digitais” como o Google Maps ou o
Waze — apesar de não existir nenhu-
ma para crianças, nota — para ajuda-
remospaisaseguiremopercursode
uma viagem.
Os investigadores do Instituto de
TecnologiasInteractivas/Laboratório
deRobóticaeSistemasdeEngenharia
(Larsys) e do Instituto Superior Téc-
O
s artigos científicos
desenvolvidos por Cláudia
Silva, Catia Prandi, Marta
Ferreira, Valentina Nisi e
Nuno Jardim Nunes foram
distinguidos no passado mês
de Junho na categoria de
“pictorial” (pictural) numa
conferência internacional de
criatividade e cognição em San
Diego, na Califórnia, por terem
como base de trabalho os
mapas cognitivos desenhados
pelas crianças.
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2. Público • Domingo, 1 de Setembro de 2019 • 17
Não faz
sentido
“demonizar”
as tecnologias
CláudiaSilva
Investigadora
cristiana.moreira@publico.pt
nico,quiseramentãopôr-seaestudar
acriaçãodeumaaplicaçãosimilarao
Google Maps, dedicada às crianças,
para ajudá-las a usar o transporte
públicoouacaminharatéàescolade
forma segura. Surpreendeu-a “mui-
to”, conta Cláudia, que as crianças
dissessemquenãoseimportavamde
ser monitorizadas pelos pais, “desde
quetenhamumníveldeautonomia”.
“Uma das crianças disse ‘family
tracking’.Assim,eminglês”,recorda,
aindacomsurpresa,ainvestigadora.
“Criançasde11,12anosjáqueremter
alguma autonomia. Querem ir jogar
àbolasozinhasou carmaisumtem-
pinhodepoisdasaulasafalarcomos
amigos.Disseramqueadorariamessa
aplicação porque lhes permitia ter
um nível de autonomia e eles não se
importariam que os pais soubessem
onde eles estão”, nota.
Outrassugeriramterumavatarem
vezdabolinhaazulqueassinalaanos-
sa localização no Google Maps ou
então um sistema em que podiam
ganharmoedasconsoanteadistância
que caminhassem. Houve uma que
sugeriuternaappumbotãoparacha-
marospais,semterdefalarcomeles
por chamada ou mensagem. “É tudo
repertóriomediáticoqueelasjátêm”,
nota a investigadora.
Apesar das previsíveis vantagens,
nãoserãoestasrespostasexemplodo
quãoagarradasaumecrãestão?Criar
mais uma aplicação não seria expô-
lasamaistecnologia?Ainvestigadora
refuta a ideia porque, “em primeiro
lugar, o usufruto do espaço urbano é
um direito da criança” e porque elas
“jásãoutilizadoresdesmartphones”.
Ainda assim, diz que o projecto está
longe de ter uma vertente apenas
focada na tecnologia.
Crianças sentadas
Numa das etapas do estudo, os inves-
tigadores entraram numa aula de
Educação Visual e Tecnológica e
pediram às crianças que desenhas-
sem os “mapas cognitivos” do per-
curso que habitualmente fazem para
a escola. Dois terços (18 em 27) dese-
nharam carros, duas crianças dese-
nharam autocarros, uma bicicleta, e
outra o metro. Quando lhes pergun-
taram que percepção tinham dos
transportespúblicos,muitascrianças
revelaram ter uma imagem negativa
dos mesmos, apontando longos tem-
pos de espera, atrasos e o facto de
circularem cheios.
As respostas revelaram ainda que
tirar as crianças do carro deve ser
uma prioridade — o estudo mostra
que apenas sete em 24 crianças têm
passe de transporte público.
Em 2015, um estudo internacional
comparou a mobilidade infantil em
16países—Austrália,Brasil,Dinamar-
ca, Inglaterra, Finlândia, França,
Alemanha, Irlanda, Israel, Itália,
Japão, Noruega, Portugal, África do
Sul, Sri Lanka e Suécia — e colocou
Portugalnacaudadalista,ladoalado
com a Itália e exactamente antes da
África do Sul. Na altura, Carlos Neto,
professordaFaculdadedeMotricida-
deHumana,emLisboa,comentavaà
Lusaqueascidadesnãoestavampre-
paradas para as crianças. “Não há
qualquer convite à actividade física.
[…]Temosascriançasmuitosentadas
e pouco activas. Precisamos de uma
verdadeirarevoluçãonaformacomo
podemostornarascriançasmaisacti-
vas e com mais saúde, física e men-
tal”, notou o professor, que também
participou no estudo. É neste ponto
que Cláudia Silva diz que o projecto
nãopassa,“nempodepassar”,sópor
questões tecnológicas. “O nosso
objectivoéincutirnascriançasnoções
de mobilidade sustentável, de como
éimportantepensarnousodotrans-
porte público, numa viagem susten-
tável, seja a pé, seja de bicicleta”.
Há crianças que revelaram ainda
interesse em ter, por exemplo, infor-
mação sobre uma estátua por onde
passem. “Não é só criar um mapa
digital para ajudar a criança a ir de
casaparaescolaouirdecasaparaum
jogo de futebol. É também ajudar a
criança a criar o espaço, a desenvol-
ver sentimentos de pertença, sobre-
tudo se pensarmos nas crianças imi-
grantes, que não têm tanta memória
espacial passada pelos pais”, explica
a investigadora.
E a responsabilidade?
Uma criança sugeriu que a aplicação
poderia ter uma funcionalidade que
permitissepagarobilhetedeautocar-
ro ou de metro porque assim não
correria o risco de perder o cartão.
Aocolocarmostudonumaaplicação,
estaremos a desresponsabilizar as
crianças e, em vez de lhes dar auto-
nomia, promover a dependência
daquela tecnologia?
Cláudia Silva diz que foi uma ques-
tão já levantada por pais à qual não
tem resposta para já. “Acham que
aplicação é relevante, mas, em ter-
mosdedesign,éprecisopensarcomo
essa aplicação pode eventualmente
terumobjectivocontrárioàquiloque
se propõe, que é gerar autonomia”,
reconhece.Aindaassim,diz,“nãofaz
sentido ‘demonizar’ as tecnologias”.
O projecto iniciou-se na Madeira.
Depois,houve umafasedesenvolvida
noColégioPedroArrupe,emLisboa,
que, nota a investigadora, “não é
representativo da sociedade portu-
guesa”. Os resultados apresentados
são apenas de estudos-piloto, ainda
Mouraria com um grupo de crianças
e jovens dos sete aos 17 anos — e com
osseuspais—,queécompostomaio-
ritariamente por nepaleses, quase
todos residentes em Lisboa. “São
resultados completamente diferen-
tes. Aqui quase 100% das crianças
têmo[passe]LisboaViva.Nocolégio,
só sete em 24 têm passe”, conclui,
para já, Cláudia Silva.
Esteseráumprojectoaváriosanos,
assimhajafundosquepermitam,eos
investigadores querem estendê-lo a
todo o país. “Eu diria que o grande
benefício deste projecto passa por
estas parcerias com associações e
escolaspúblicas.Háaquium objecti-
vo a longo prazo”.
pouco representativos. Para já, o
objectivo do projecto passa por
mapear o contexto geral da capital,
incluindo não só cidadãos portugue-
ses, mas também imigrantes. Para
isso, os investigadores querem fazer
uma parceria com a Carris para per-
ceber em que partes de Lisboa as
crianças usam mais o transporte
público.
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