O documento discute três pontos principais sobre Homero:
1) A longa discussão historiográfica sobre a identidade e existência do próprio Homero e a autoria dos poemas homéricos.
2) A diversidade de abordagens acadêmicas sobre os heróis descritos nos poemas ao longo do tempo, ora enfatizando seu caráter sobre-humano ora seu caráter humano.
3) Os valores éticos e os padrões de conduta que regem a sociedade representada nos poemas, conhecida como paideia
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
Por que ainda lemos Homero
1.
Professora Mestranda Renata Cardoso de Sousa
História Antiga I – Professor Fábio Lessa / Estágio Docência: Bruna Moraes e Joselita Nascimento /
Monitoria: Vitor Lobo
2. SZEGEDY-MASZAK, Andrew. Why do we still read Homer? The American
Scholar, The Phi Beta Kappa Society, n. 71, v. 1, inverno/2002, p. 95-105.
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/41213259. Acesso em: 21/04/2013.
“Eu sou professor de estudos
clássicos. Hoje, quando o próprio
nome do campo parece vir
acompanhado de uma nuvem de
poeira e um farfalhar suave de
livros velhos despencando, pode
ser difícil de recapturar o quão
importante os clássicos foram
para um ensino superior e na
cultura em geral.” (SZEGEDY-
MASZAK, 2002, p. 95).
3.
4.
5. Como Páris é visto por... acadêmicos
“Vaidoso”, “frívolo”, “cômico”, “luxuriante”, “geralmente uma figura não
heroica”: Richard B. Rutherford, classicista da Universidade de Oxford;
“afeminado”, “frouxo”: Nicole Loraux, historiadora francesa da
EHESS;
“playboy”, “patético”: Betthany Hughes, famosa historiadora britânica;
“egoísta”, “superficialmente atrativo”: Seth Schein, classicista da
Universidade da Califórinia;
“tolo”: Pierre Carlier, historiador francês da Universidade de Paris X-
Nanterre;
“não heroico”, “o mais desmerecido dos filhos de Príamo”: James
Redfield, classicista da Universidade de Chicago;
“almofadinha”: Jasper Griffin, classicista da Universidade de Oxford;
“antagonista [...] de Aquiles”: Gregory Nagy, classicista da
Universidade de Harvard;
“fujão”/“desertor” e “covarde”: Robert Aubreton, classicista francês,
organizou a cadeira de grego na USP.
6. Questão do rigor metodológico.
Questão de se fazer um trabalho que vai ser lido e
relido, não abandonado em algum lugar do tempo, como
os ternos de poliéster da década de 70 ou, segundo o
autor, como os piercings e tatuagens de hoje em dia
serão ultrapassados no futuro.
7. Questão da exaustão da documentação: Homero está
“ultrapassado” para a historiografia?
Século XIX: questão do positivismo, as descobertas de Schliemann
e as viagens de William James Stillman (1886).
A “Revolução Finleyana” (1954): O Mundo de Ulisses (uso de
métodos econômicos e antropológicos para compreender a
sociedade homérica, preterindo a questão do que é “verdade” em
Homero ou não).
Década de 60: assinala que aqui já se tem uma grande produção
sobre Homero.
Reading the Odyssey (1996): sob a coordenação de Seth Schein,
a Universidade de Princeton faz essa coletânea, cujo objetivo é
mostrar as interpretações acerca da Odisseia que dizem respeito
ao âmbito social, cultural e religioso.
Pierre Vidal-Naquet (2000): segue a linha de Finley, acrescentando
o estruturalismo ao seu método de pesquisa, “iluminando” as
questões religiosas e os significados dos mitos.Então, porque ainda se escreve sobre Homero?
Como é possível, se já temos tanta bibliografia
sobre tantos assuntos que Homero traz?
8. Questão da diversificação do método: uma nova
documentação ganha novos contornos historiográficos,
dependendo do método que se aplica a ela (e estamos em
constantes transformações metodológicas, visto que a
História tem a sua dinâmica).
“Assim com na Odisseia o sangue do touro sacrificial permite que
os fantasmas falem no Hades, nossas próprias ideias, como
acadêmicos e estudantes, fornecem „sangue para os fantasmas‟ da
antiguidade. Como Francis Cornford tão eloquentemente declarou,
novas aproximações teóricas e novos métodos analíticos oferecem
„interpretação fresca e original‟. Eles mantêm revivendo os textos
antigos, fazendo eles falarem para novas gerações” (SZEGEDY-
MASZAK, 2002, p. 105).
Questão dos ensinamentos éticos das obras de Homero:
atualidade de suas questões, que são questões humanas.
9. “É possível que o período descrito na obra [de Homero]
abarque um milênio completo, do ano 1600 ao 600 a.C.”
(COLOMBANI, 2005, p. 8).
Denominação Duração
Neolítico 5000 – 2500 a.C.
Período Palaciano XVII – XII (± 1100 a.C.)
Desintegração dos Palácios XII – IX a.C.
Pólis Arcaica VIII – VI a.C.
Pólis Clássica V- IV a.C.
Cosmopólis IV – II a.C.
10. “É possível que o período descrito na obra [de Homero]
abarque um milênio completo, do ano 1600 ao 600 a.C.”
(COLOMBANI, 2005, p. 8).
Denominação Duração
Neolítico 5000 – 2500 a.C.
Período Palaciano XVII – XII (± 1100 a.C.)
Desintegração dos Palácios XII – IX a.C.
Pólis Arcaica VIII – VI a.C.
Pólis Clássica V- IV a.C.
Cosmopólis IV – II a.C.
Homero
Guerra
de Troia
11.
12.
13. Deuses
Espíritos da natureza
Fogo sagrado do
lar
Pólis, lugar da lei
(nómos)
Monstros
Mundo dos mortos
(Hades)
Mundo
selvagem,
natureza
(phýsis)
Oîkos (casa)
TÁRTARO,
lugar dos Titãs
14. Homero foi um aedo, ou seja, uma espécie
de cantor-poeta, que compõe para uma
elite seleta, os kaloì kaì agathoí, que, nos
banquetes, deleitam-se com as suas
aventuras. Ele era cego, mas mesmo
assim conseguia compor seus poemas,
visto que as Musas o inspiravam, sendo
seus “olhos”, que os levavam ao passado,
à época dos grandes heróis, e elas lhe
contavam tudo, tal como aconteceu, para
que ele reproduzisse.
Só que não.
15. Não se tem provas de que Homero existiu. Pelo
contrário, os especialistas em literatura clássica, ao
analisar as interpolações clássicas/ alexandrinas/
medievais/ modernas nas obras de Homero, bem como
o desenrolar da composição do poema, acreditam que a
Ilíada e a Odisseia tenham sido compostas por mais de
uma pessoa.
Questiona-se a unidade dos poemas: há especialistas
que afirmam ser a Odisseia uma obra pertencente a um
autor diferente do autor da Ilíada. Até pouco tempo,
dizia-se que a Odisseia havia sido escrita por uma
mulher.
16. Os poemas homéricos foram congelados na escrita cerca de
200 anos depois de terem sido compostos por Homero. F. A.
Wolf (1795) afirma que Pisístrato, tirano ateniense do século
VI a.C., mandou que se escrevesse os poemas, que, até
então, eram passados de geração para geração através da
oralidade e da memória.
Além disso, a divisão em cantos foi feita pelos filólogos da
Biblioteca de Alexandria, cerca de mil anos depois da
composição de Homero.
Ainda além disso, os copistas, durante a Idade Média,
também fizeram suas interpolações na hora de reproduzir os
seus manuscritos.
E ainda além disso, as obras de Homero, no século XVI,
foram editadas para serem publicadas, pela primeira vez,
impressas.
17. Sim, pois toca na questão da própria natureza da fonte que
estamos estudando. Não podemos estudar Homero sem
esbarrar com a Questão Homérica. Seria ignorar séculos de
estudo filológico acerca da nossa documentação.
Contudo, esse problema não deslegitima o estudo das obras
homéricas (como se elas fossem “menos importantes” ou
“menos verídicas”, portanto mais indignas de atenção do
historiador), tampouco atrapalha o desenvolvimento deles: é
fato que os poemas homéricos existem, na forma em que
estão.
É consensual que a ética homérica é única: tanto a Ilíada
quanto a Odisseia tratam de uma mesma sociedade, de um
mesmo grupo social e do mesmo código de conduta deste. A
unidade dos poemas, assim, residem na ética social, não na
composição.
18.
19. Daskalopétra, a “Pedra do Mestre (Homero)”. Chios, Grécia. Fotografia de
Alexandre Santos de Moraes em 10/08/2012.
20. “TAVÉRNA ÓMIROS”, restaurante na região de Daskalopetra, em Chios.
Fotografia de Alexandre Santos de Moraes em 10/08/2012.
21. Lira esculpida em mármore branco na praça
central de Chios com a inscrição ΟΜΗΕΡΟΣ em
sua lateral esquerda. Chios, Grécia. Fotografia
de Alexandre Santos de Moraes em 12/08/2012.
Κέντρο Ομήρειο, o “Centro Cultural Homérico”, espaço mantido
pelo governo de Chios com vistas a incentivar atividades
artísticas e científicas, incluindo a recitação dos épicos
tradicionais. Fotografia de Alexandre Santos de Moraes em
12/08/2012.
22. “E, de repente, entre Chios e Homero há um amálgama,
uma simbiose que, apesar de fundada quase que
exclusivamente nos discursos, possui uma materialidade
absolutamente inquestionável. Chios identifica Homero e
Homero, por sua vez, identifica Chios. Essa situação,
tão complexa quanto instigante, exige que os
homerólogos façam a opção entre duas formas de
história que parecem contraditórias, mas que são,
talvez, anverso e reverso da mesma moeda. Chios nos
lembra que uma existência possível de Homero é tão
histórica quanto sua impossibilidade de existência, (...)
(MORAES, 2012, p. 10).”
23. Há uma longa discussão historiográfica sobre os heróis
em Homero:
Joseph Campbell (déc. 1940): o herói é um homem que
morreu como um “homem moderno”, mas que, como um
“homem eterno”, ou seja, “aperfeiçoado, não específico
e universal”, renasce para “retornar ao nosso meio
transfigurado, e ensinar a lição de vida renovada que
aprendeu” (CAMPBELL, 2007, p. 28).
Robert Aubreton (déc. 1950): questão da “psicologia
homérica”; “acabamos por considerá-lo não mais como
herói sobre-humano, mas como homem igual a nós que,
por sua virtude e piedade, chega a se superar”
(AUBRETON, 1968, p. 188).
24. Cedric Whitman (déc. 1960): Ele tenta compreender a
Ilíada à luz das noções que regem aquela sociedade
representada por Homero (e a relação existente entre os
heróis e essa sociedade). Para esse autor, a Ilíada já
apresenta um discurso bem próximo do trágico, no qual
a humanidade dos heróis é representada de modo mais
acentuado e a demonstração de sentimentos (como
raiva, amor, compadecimento) é comum.
Karl Kerényi (1958): os heróis se mostram “entrelaçados
com a história, com os acontecimentos, não de um
tempo primevo, que está fora do tempo, mas do tempo
histórico [...]. Eles surgem diante de nós como se
tivessem, de fato, existido” (KERÉNYI, 1998, p. 17).
25. Gregory Nagy (1979): nas epopeias, no entanto, não há a
menção ao culto dos heróis pelo fato de já existir uma
conotação pan-helênica nelas: esse culto é estritamente
local.
David J. Lunt (2010): mostra como o herói homérico serviu de
exemplo para os homens da pólis, sobretudo para os atletas.
Para isso, ele delineia com mais precisão o que seria um
herói para os gregos e os modos pelos quais eles foram
rememorados.
Christopher Jones (2010): mostra como o termo hḗrōs (herói)
foi utilizado ao longo do tempo para denominar não mais
aqueles grandes heróis do passado, mas também pessoas
comuns que se destacavam de algum modo na sociedade,
ressaltando como a difusão dessas histórias míticas foram
imprescindíveis para que essa definição penetrasse nos
interstícios das sociedades do período clássico. Assim, sua
análise perpassa desde o herói homérico (mítico) até o herói
27. Casar-se
Respeitar os
anciãos, sobretudo
os pais, cuidando
dos seus funerais
Ter filhos (do
sexo
Prestar homenagens
aos deuses
(sacrificar a eles,
manter o fogo
sagrado)
Comer o
pão e beber do
vinho (misturado
à água)
Força física
Força intelectual
Beleza
Ser corajoso, lutar na
primeira fila de
combate
Saber música
Falar o grego e
participar dos debates
Obedecer às leis