A literatura de ficção levada a cabo por cristãos nacionais possui excelentes cultores, mas é pouquíssimo divulgada e conhecida; notadamente, aquela produzida pelos praticantes do relato de concisão e precisão que é o conto. Assim, o surgimento de um livro como este, reunindo grande parte da produção de um autor gabaritado, é motivo de celebração.
A pena do pastor Wagner Antonio de Araújo é abençoada como a botija da viúva: de sua lucidez brotam textos em quantidade e qualidade ímpares para combustível (de almas e lâmpadas) dos leitores que têm a felicidade de travar com eles contato.
Aqui o conto, o relato real, a crônica e o texto devocional entrelaçam-se compondo um estilo rico e característico do autor. Contos com a reverberação do ensino ético, no que ecoam o melhor da contística universal; muitos deles, como referido, deambulando na sutil e criativa fronteira entre conto e crônica. Histórias reais de anos de vivência e pastoreio de diversas igrejas são aqui filtradas e remixadas para gerar uma agradável e pungente literatura.
Desassombradamente asseveramos que o leitor deste volume sairá dele (sempre) maior; maior em entendimento dos processos dos homens e das coisas de Deus. Maior em empatia com seu próximo e comunhão com Aquele de onde todo o bem emana. E isso sem descuidar do entretenimento, causa maior talvez da faina ficcional humana; pois aqueles momentos de relaxamento e alumbramento, advindos do simples prazer da leitura, estão garantidos, do primeiro ao último relato.
Sammis Reachers
3. 3
Wagner Antonio de
ARAÚJO. Estórias que não
se esquecem [livro
eletrônico]. São Paulo:
Edição do autor, 2019.
NOSSOS CANAIS:
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4. 4
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 06
PREFÁCIO ................................................................................................... 08
O TELEFONE TOCOU... .............................................................................. 09
... E JOÃO NÃO VEIO... ............................................................................... 17
A ARMA SECRETA ....................................................................................... 24
A CAMA ....................................................................................................... 29
A CASA E OS DOIS AMIGOS ......................................................................... 31
A ESTÓRIA DE GOULART ............................................................................ 34
A ESTÓRIA DE SOLANO .............................................................................. 36
A FATURA CHEGOU... ................................................................................ 39
A FROTA ..................................................................................................... 43
A LOUCA ESTÓRIA DE UMA IGREJA .......................................................... 48
A VELHA AGENDA DE TELEFONES .............................................................. 51
ATÉ EU TE DEVO... ..................................................................................... 54
CONSTRANGEDOR ..................................................................................... 58
CORRENDO ATRÁS DO VENTO OU ME INDICA, POR FAVOR? .................. 63
DO JEITO QUE TE TRATO... ........................................................................ 65
DONA GERUSA, OU CONSELHOS PARA A FELICIDADE ............................ 67
DOUTOR TRÊS HORAS ............................................................................... 72
ELA JÁ IRÁ ATENDER-LHE... ...................................................................... 77
EM NOME DE SATANÁS .............................................................................. 81
ENCONTRO SECRETO DE UM PASTOR ...................................................... 85
ERA UMA VEZ PAULO, OU QUEM QUER QUE FOSSE... ........................... 89
EU PEQUEI... .............................................................................................. 94
EU QUERIA MORRER... ............................................................................. 97
EU SÓ QUERIA SABER... ........................................................................... 101
EU SORRI EM SÃO PAULO - CONTO MISSIONÁRIO ................................. 103
FOGO NO PAIOL ........................................................................................ 107
JOSÉ E SUA BUSCA ................................................................................... 108
LANDINHO ................................................................................................ 110
MAIS ALTO! ................................................................................................ 113
MEMÓRIAS DE UM PÚLPITO .................................................................... 116
"MOÇA, POR FAVOR..." ............................................................................ 121
NEM SÓ DE PÃO ........................................................................................ 124
NENHUM PASTOR PRESTA ....................................................................... 127
NUNCA ACONTECERÁ .............................................................................. 130
O MORTO FALOU ...................................................................................... 133
O PARQUE DOS INOCENTES ..................................................................... 137
O PASTORZINHO E SEU DUELO ................................................................ 141
O PORÃO ................................................................................................... 144
O SEU DESTINO ........................................................................................ 149
O ÚLTIMO FORRÓ ..................................................................................... 152
OS AMIGOS ............................................................................................... 153
OS MEUS SONHOS SE CUMPRIRÃO ......................................................... 156
5. 5
PASTORES TAMBÉM CHORAM ................................................................ 158
PARÁBOLA DAS TRÊS ÁRVORES .............................................................. 163
PODEMOS CONVERSAR, PASTOR? .......................................................... 167
QUANDO TUDO PARECIA PERDIDO... ...................................................... 171
RARA ESTÓRIA DE UM PASTOR ............................................................... 176
SEGUNDA PISTA ....................................................................................... 180
SOLTEM MINHA FILHA! ............................................................................ 182
SUMA DAQUI! ........................................................................................... 186
TENHO VERGONHA .................................................................................. 188
TOLERÂNCIA ZERO .................................................................................. 190
TRAGÉDIA E SALVAÇÃO ........................................................................... 195
THEOBALDO PARTIU ................................................................................ 197
TRISTE SURPRESA... ................................................................................ 200
TROCA INFELIZ ......................................................................................... 203
UM PASTOR PARA VILA ALTA .................................................................. 207
UMA SURPRESA NAS PESQUISAS - CONTO MISSIONÁRIO ..................... 212
VISLUMBRE DO FUTURO .......................................................................... 215
SOBRE O AUTOR ....................................................................................... 218
6. 6
À GUISA DE APRESENTAÇÃO
Um escritor que tenha mensagem não se pauta pela quantidade de
letras, de linhas, de espaço; não se guia pelo que fará mais sucesso ou o
que receberá melhor acolhida. Isso fará se estiver escravizado por
alguma editora que lhe exija compromisso com nichos, com temas e com
tamanhos. Um escritor independente, que não vive da literatura, não.
Há textos curtos e pequenos, que se expressam com poucas palavras.
Outros, porém, são extensos, informativos, históricos, analíticos. Reduzi-
los seria torná-los aleijados e incompletos. Cada texto tem o seu
tamanho, a sua ideia e o seu público.
Há textos fictícios, baseados em fatos reais. Há outros que são ficção
pura, objetivando ensinamentos morais e espirituais. Há textos cômicos
e há textos trágicos. Eu confesso que alguns dos textos que escrevi
provocam-me lágrimas até hoje. Alguns são práticos; outros, teóricos.
Uns são otimistas, cheios de atitudes altruístas. Outros são realistas,
denunciadores, grandes lamentos diante de um mundo sem Cristo.
Já fui procurado por uns para permitir a filmagem e a apresentação de
algum texto como filme ou peça. Nunca disse "não". Já fui procurado por
outros para ceder direitos de uso. Nunca vi dificuldade. Já perdi a
paternidade virtual de textos (eles são publicados sem a devida autoria).
Já fui questionado sobre a vida de personagens que inventei, se estão
bem e onde encontrá-los.
Textos são vivos, são reais. Eu dou à luz constantemente ao que escrevo.
Às vezes levanto-me pela madrugada atônito, carente de um teclado e
de um computador, pois um texto está sendo parido naquele instante.
Enquanto não escrevê-lo não consigo sossegar. Outros, mais complexos,
ficam na estufa, aguardando o devido amadurecimento para a sua
publicação.
Em alguns eu profetizei, mesmo não sendo um profeta nos ideais do
velho testamento. Em outros eu desejei e vi o desejo tornar-se realidade.
Houve textos que me trouxeram dificuldades, pois a perseguição tornou-
se acirrada; outros, contudo, foram considerados elogiosos, e também
recebi manifestações.
Eu escrevo porque decidi que não esperaria a perfeição chegar. Ela só
virá na eternidade. Sou limitado e cheio de imperfeições; contudo, no
temor do Senhor e na responsabilidade da vocação resolvi utilizar o que
recebi para glorificar Àquele que me capacitou. Se alguma virtude houve,
7. 7
o nome dEle é que deve ser glorificado. Se defeitos surgiram (e como
surgem!), são de minha responsabilidade e por eles me escuso.
Já me disseram, algures: “Escreva pouco!” Pouco? Não. Escreverei o
suficiente. Enquanto o Senhor me permitir pensar. E sei que há leitores
que leem não pelo tamanho dos textos, mas pelo conteúdo que lhes
interessa.
Se leu esta introdução até aqui, é porque houve interesse. E eu lhe
agradeço a deferência.
Escrevi pouco ou muito?
Wagner Antonio de Araújo
8. 8
PREFÁCIO
A literatura de ficção levada a cabo por cristãos nacionais possui
excelentes cultores, mas é pouquíssimo divulgada e conhecida;
notadamente, aquela produzida pelos praticantes do relato de concisão
e precisão que é o conto. Assim, o surgimento de um livro como este,
reunindo grande parte da produção de um autor gabaritado, é motivo de
celebração.
A pena do pastor Wagner Antonio de Araújo é abençoada como a botija
da viúva: de sua lucidez brotam textos em quantidade e qualidade
ímpares para combustível (de almas e lâmpadas) dos leitores que têm a
felicidade de travar com eles contato.
Aqui o conto, o relato real, a crônica e o texto devocional entrelaçam-se
compondo um estilo rico e característico do autor. Contos com a
reverberação do ensino ético, no que ecoam o melhor da contística
universal; muitos deles, como referido, deambulando na sutil e criativa
fronteira entre conto e crônica. Histórias reais de anos de vivência e
pastoreio de diversas igrejas são aqui filtradas e remixadas para gerar
uma agradável e pungente literatura.
Desassombradamente asseveramos que o leitor deste volume sairá dele
(sempre) maior; maior em entendimento dos processos dos homens e
das coisas de Deus. Maior em empatia com seu próximo e comunhão com
Aquele de onde todo o bem emana. E isso sem descuidar do
entretenimento, causa maior talvez da faina ficcional humana; pois
aqueles momentos de relaxamento e alumbramento, advindos do
simples prazer da leitura, estão garantidos, do primeiro ao último relato.
Sammis Reachers
9. 9
O TELEFONE TOCOU...
– Alô?
– Alô. Luciano?
– Sim. Quem é?
– Não conhece mais a minha voz?
– Não estou conseguindo identificar. Quem está falando?
– Nossa, como foi fácil pra você me esquecer... Acho que não tivemos
muito significado...
– Nathasha?!
– Oi...
– Que surpresa você me ligar! Pra quem disse que queria me esquecer
para sempre ...
– Vai ofender? Eu desligo!
– Fique à vontade, querida. Quem ligou foi você mesmo...
– Não, espere, não vou desligar. Desculpe. É que estou aborrecida, só
isso.
– Tá. E o que você quer?
– Nada. Eu só queria ouvir sua voz.
– Só? Então já ouviu. Mais alguma coisa?
– Espere, pare de ser grosso. Não, desculpe, não desligue. É que eu estou
me sentindo muito sozinha.
– Foi você quem quis assim, querida. Sorva do seu próprio veneno.
– Realmente você não muda. Só sabe acusar...
– Bom, vou desligar. Tchau...
– NÃO, PELO AMOR DE DEUS, não desligue, espere, preciso te dizer
algo...
– Fala logo, Natasha, tenho que trabalhar.
– Eu estava errada. Me perdoe.
– ERRADA? Você estava errada? Tem certeza disso? Será que não é um
pouco tarde pra dizer isso?
– Mas agora eu reconheço... Por favor, amor, me perdoe!
– Agora? Depois que você acabou comigo, querida? Até hoje eu pago o
mico do papelão que você me fez passar... Convites distribuídos,
acampamento alugado, comida encomendada, viagem paga, meu
casamento com você, tudo perdido... (Luciano suspira). Sofri, sofri
mesmo. Queria matar você! Droga, por que eu tive que amar você? Mas
tudo bem. Já faz dois anos... Ah, meu Deus, dois anos...
– Luciano, pelo amor de Deus, me perdoe!
10. 10
– Pra que você quer o meu perdão? Você nem ligou pra dizer que já estava
com outro cara. Pra que perdão? Vai viajar com ele, vai viver com ele, meu
bem... Só me deixe em paz, por favor (Luciano chora baixinho).
Sem se dar conta, Luciano percebe uma pessoa na porta do escritório.
Era ela. Natasha estava olhando pra ele. Ela falava do celular. Luciano fica
perplexo, alegre e triste - ela está linda, belíssima, muito elegante. Mas
seu rosto está abatido, cansado, doente. Na mão tinha uma sacola.
Aproximou-se da mesa de Luciano, e, com olhos lacrimejantes, desligou
o celular, olhou para ele e disse:
– Oi, amor.
– Oi, Natasha. Pare de me chamar de amor. Você tá um caco, filha!
Olhos baixos, Natasha começa a tirar da sacola algumas coisas: uma caixa
do correio com um CD do Demmis Roussos, que Luciano havia enviado
de presente no aniversário, uma boneca de porcelana numa casinha de
papel, um celular pré-pago, alguns livros devocionais, uma bíblia de
Genebra e um pacote de fotografias. Luciano a observava, perplexo,
triste, e via as lágrimas de Natasha molharem a fórmica da sua
escrivaninha.
Cada objeto tirado era uma facada no coração sofrido de Luciano.
Algumas coisas lhe custaram caro, ele fizera grande esforço para pagá-
las. Mas, pensava ele, se era pra ela, valeria à pena o esforço. Quando
tudo terminara, ele se arrependera de tanto gasto desperdiçado...
– Pensei que você havia jogado as coisas que lhe dei, Natasha...
– Eu nunca me esqueci de você, Luciano. Eu errei. Errei muito, me
perdoe...
Luciano, jovem advogado, lutador com as intempéries da vida, sabia que
Natasha poderia estar mentindo, como tantas outras vezes, quando
namoravam e mesmo quando eram noivos. Mas havia um quê de
diferente no olhar vermelho de Natasha.
– Por que você veio hoje aqui, Natasha? Deu alouca? O que te traz aqui?
Natasha suspirou, chorou, recompôs-se e disse:
– Estou com câncer, Luciano...
– CÂNCER? Luciano petrificou-se.
– Sim, amor, eu vim me despedir. Saí do hospital à força, pra falar com
você e pra morrer em casa...
Luciano não esperava por essa. Veio-lhe à memória uma de suas
discussões, onde Natasha, na hora do nervoso, dissera: "E daí, Luciano?
Que se dane a igreja, que se dane o pastor, que se dane você, e se Deus
achar que estou errada, que me castigue..." Nossa, era como se a cena
passasse de novo na mente de Luciano.
11. 11
– Como foi, Natasha?
– Depois que eu deixei você, amor, fui caindo no abismo, afastei-me do
Senhor, fui morar com o André, abandonei a Cristo. Eu estava cega. Mas
Deus me amava, Luciano. Se eu não fosse dEle, estaria numa boa agora,
bem com o André, bem comigo e pronta pra ir pro Inferno. Mas, por
amor, Deus veio corrigir-me. Ele repreende e castiga a quem ama. Ele me
ama, Luciano! Estou doente. Mas estou bem, porque estou podendo vir
até você pra pedir perdão! Nunca fui feliz, nunca tive paz, saí de casa com
3 meses de vida a dois. O André me batia, me traía, eu fugi.
– E ele não foi buscar você de volta?!
– O André foi assassinado, Luciano. Tráfico de drogas.
Luciano estava perplexo.
– Luciano, estou voltando pro Senhor, estou me preparando pra partir.
Mas tenho que receber o seu perdão, amor! Sei que nunca irei compensar
o que lhe fiz, mas... por favor... ME PERDOA, AMOR!
Luciano olhou para aquele resto de mulher - outrora tão orgulhosa,
ostentando tanta beleza e autossuficiência, confiando tanto em seu
corpo e em sua fulgurante beleza, e agora, bonita ainda, mas
notadamente pálida, enferma, cheia de hematomas nos braços, pescoço
e pernas, e triste, profundamente triste, a implorar-lhe perdão para
morrer em paz!
Cena patética! Ali estava quem Luciano mais amara na vida, quem mais o
fizera sofrer, a depender de uma palavra apenas, para morrer em paz!
"Hora da vingança", veio-lhe à mente. Claro, agora seria a hora da
revanche! Mas Luciano era um moço crente, de bom coração, e seria
incapaz de reter a bênção para aquela a quem tanto amara e que,
infelizmente, ainda tanto amava e tanto o fazia sofrer...
– Quer que eu perdoe você, Natasha?
– SIM, PELO AMOR DE DEUS, Luciano! Nunca mais tomei a Ceia do
Senhor, nunca mais louvei ao Senhor com alegria, nunca mais fui membro
de igreja, não aguento mais! Aceito as consequências, mas, por favor,
diga que me perdoa!
Enxugando as lágrimas, refazendo-se, Luciano olhou-a no fundo dos
olhos, tomou as suas duas mãos, que estavam frias como as de um
defunto, e lhe disse, num terno sorriso misericordioso:
– Querida: desde que você foi embora eu já havia lhe perdoado. Mas, se
você quer escutar e sentir paz, ouça-me: EU PERDÔO VOCÊ POR TUDO
QUE ME FEZ. VOCÊ ESTÁ LIVRE EM NOME DE JESUS!
Natasha tremeu. Gritou "aleluia", sorriu, chorou, e caiu desmaiada.
12. 12
Logo o assistente de Luciano veio ajudá-lo, e, colocando-a no carro,
levaram-na para o hospital. Luciano tinha o telefone de toda a família
ainda, ligou e avisou. Em uma hora todos estavam ali na recepção, tristes,
aflitos, alguns desesperados. Chegou o pastor. A família implorou-lhe que
fosse até a UTI orar com ela. O pastor, que conhecia o Luciano, olhou
bem pra ele, pensou, fechou os olhos em oração, e, a seguir, falou:
– Quem tem que entrar é o Luciano. Vá lá, Luciano. Eu conheço o diretor
da UTI, pedirei autorização.
– EU, PASTOR?
– Sim, filho. Ela é o seu amor.
– FOI, PASTOR.
– Não, filho. Deus o uniu a ela novamente, ainda que seja na despedida.
Luciano não sabia o que fazer. A família, desconsolada, chorava, mas a
mãe, certa do que tinha que ser feito, empurrou o Luciano até a porta,
dizendo: "Vai, filho, corre, antes que seja tarde!"
Ah, aquele corredor que dava para a UTI parecia não ter fim! Cada passo
dado era uma lembrança: o primeiro beijo, a primeira maçã-do-amor, o
primeiro jantar, o primeiro pôr-do-sol juntos; o dia em que viajaram num
encontro missionário, o dia em que foram juntos à praia e que ele deu de
presente a primeira rosa! O jantar de noivado, os telefonemas, tudo. Não
sobraram recordações da tragédia, da traição, do desprezo. Na verdade
quem ama guarda as más experiências numa sacola furada. E Luciano fez
assim.
Vestido com o jaleco, a máscara e o sapato de pano, Luciano entrou.
Vários boxes onde pessoas definhavam. Lá estava Natasha, no número
6. Estava no respirador artificial, cuja sanfona funciona como um pulmão
e faz um barulho horripilante. Estava linda, mas totalmente ligada a
aparelhos, notadamente cansada, em coma, morrendo. Luciano sentiu
sua dor. Chorou. Tremeu. Segurou forte a mão de sua amada. Pensou em
Cristo, que dera a vida pela noiva, pensou em Oséias, que aceitou a
esposa adúltera novamente, pensou em Deus, que tantas e tantas vezes
tratou a Jerusalém com compaixão. Quem era ele para não perdoar?
Quem era ele para não acolher?
Então orou.
"Senhor, o que posso dizer? Minha garota está morrendo! Ex-garota,
claro. Mas mesmo assim está doendo, Pai! E eu sou impotente diante de
tudo isso! Essas máquinas, esse cheiro de éter e de carnes inflamadas,
esse barulho infernal, meu Pai, o que posso dizer? Que deixe a minha
garota morrer em paz? Sim, Senhor, leve-a para a tua glória! Eu a amo!
13. 13
Mas sei que tu a amas mais do que eu! Abençoa a Natasha. Em nome de
Jes...
Subitamente Luciano pensou em completar a oração com o seguinte
pedido:
"Mas, Senhor, se ainda houver um espaço para ela viver para ti, recuperar
parte do tempo perdido, se na tua infinita misericórdia não for demais,
por favor, Senhor, cura a tua serva. Ela já sofreu bastante, ela aprendeu,
Senhor. Até eu, que fui o mais ofendido, já a perdoei! Por favor, Senhor,
se der, devolve-lhe a vida! Mesmo que não seja pra viver comigo. E agora
sim, em nome de Jesus. Amém".
– Por favor, me avisem – disse Luciano aos familiares –, me avisem
quando tudo terminar. Quero estar presente.
E foi embora. Tirou a tarde para viajar, seu hobby preferido: foi pra uma
cidadezinha próxima, ver o pôr-do-sol.
PARTE FINAL
No caminho, ao longo da rodovia, seus pensamentos corriam mais que o
vento: por que tudo isso estaria acontecendo? As coisas não poderiam
ter sido mais fáceis? E agora? Ele, no carro, ela no hospital, a lembrança
daquelas máquinas monstruosas de prolongar a vida não lhe saíam da
memória... As lágrimas corriam, misturadas à poeira do vento seco do
caminho.
Revoltado com tudo isso, parou o carro no acostamento. Encontrou uma
estradinha de terra. Devagar, como a seguir um féretro, entrou pela rota
dos sitiantes. Subiu devagar a montanha, encontrou um mirante. Parou,
abriu a porta, e, num grito de dor e lamento, chorou. Ah, como chorou!
Seu pranto escorria pela porta do carro. Os pássaros, assustados,
aquietaram-se nas árvores, contemplando aquele misto de dor e revolta.
Parecia que todo o mundo fazia silêncio em respeito a tanta dor.
– Deus, por que? Por que? Por que? Por que tive que amá-la? Por que tive
que vê-la? E agora, Senhor, o que fazer? E se tu a levares? O que será de
mim? Eu já estava quase esquecendo, Senhor! Agora tudo volta a doer!
Senhor, Senhor...
Cansado de tanto chorar, entrou no carro e deitou-se, estendendo o
banco para o fundo. Travou a porta, colocou uma fita de música clássica
e desfaleceu. Ali estava um moço de valor, que amava e que lutava entre
sua vontade e a vontade de Deus.
Sonhou durante o sono, no delírio da febre. Sonhou estar na igreja. Viu o
pastor a pregar, e, ao seu lado estava Natasha, bonita e sorridente. Lá do
14. 14
púlpito o pastor dizia: "Aquele que amar mais à sua mulher, mais do que
a mim, não é digno de mim - palavras de Jesus!" E, aos poucos, o sorriso
de Natasha foi sendo coberto por uma neblina e desaparecia. Assim
acordou.
Assustado e cônscio de que Deus falara com ele, pôs-se a orar, dizendo:
– Senhor, sei que é difícil, mas tenho que fazer isso. Confesso que estou
revoltado, ó, Pai. Quero fazer a minha vontade, não a tua. Eu não estou
conseguindo aceitar a tua vontade, caso seja a de levá-la embora! Sei que
estou errado, Senhor, e sei que é isso que quisestes me falar. Senhor, sou
teu servo e quero te obedecer. Se irás tirar a Natasha mais uma vez, tira-
a, apesar de mim. Por mais que isso doa, Senhor, prefiro assim: não quero
perder-te Senhor. Só me ajude e console o meu coração... Tu sabes o que
será melhor para ela, e também melhor para mim. Em nome de Jesus,
amém.
Voltou a dormir.
Toca o celular.
– Alô?
– Luciano?
– Sim, sou eu.
– Aqui é o pastor, filho. Como você está?
– Bem mal, pastor. Mas sobrevivendo...
– Eu orei por você, garoto. Pedi a Deus para lhe fazer suficientemente
forte para renunciar, se preciso for. Você quer conversar sobre isso?
– Pastor – disse, sorrindo o rapaz, – já o ouvi pregar agorinha mesmo no
sonho, já renunciei a Natasha. Está doendo, mas estou em paz. Obrigado.
– Ótimo. Então volte pro hospital, Luciano. A Natasha acordou e saiu do
estado crítico. Ela quer ver você...
– O QUE??? SÉRIO, PASTOR?
– Seríssimo. Vem com calma, mas acelera, filho...
Não levou hora e meia e Luciano estava entregando a chave do carro pro
manobrista do hospital.
– E a Natasha? –, perguntou à mãe dela.
– Filho, corre, ela está chamando por você! Vai, filho! Deus está agindo!
Eu já a vi, mas ela teima que quer ver-lhe!
Agora o corredor do hospital era longo demais para ele. Se pudesse, daria
três passos em um, para chegar mais rápido e contemplar o rosto de sua
amada. Seu coração estava disparado, pensava no que ouviria e no que
diria. O suor lhe escorria pela face e as vistas estavam enfumaçadas.
Correu a vestir o jaleco, o sapato de pano, as luvas e a máscara. Box 06.
15. 15
Lá estava ela, e três médicos palestrando. Ao olharem o rapaz,
perguntaram:
– Você é o Luciano?
– Sim, doutor, sou eu. Por que?
– Converse um pouco com ela. Ela gritou o seu nome por mais de meia
hora e nos deixou quase loucos! Isso é que é amor! Mas seja breve, ainda
não entendemos essa súbita melhora. Temos que medicá-la novamente.
Aproximou-se do leito. Os lábios de Natasha estavam sangrados, a boca
ferida, canos haviam saído da garganta, o pescoço estava com fios,
braços e pernas com soro, sondas, enfim, uma cena dramática, mas não
tanto quanto na última vez. Pelo menos o respirador artificial estava
desligado, e em silêncio...
– Lu..cia..no.. me.u...a..mor....
– Fala, querida, eu estou aqui!
– Je..sus....veio..a..qui! Eu..vi!
Luciano deixou as lágrimas verterem de seus olhos, lágrimas quentes e
profundas.
– Você estava sonhando, querida.
– Nã..ão, meu ..a..mor, Je..sus veio...me di..zer.. uma..coi..sa!
Um tanto alegre, mas também incrédulo, Luciano pergunta:
– E o que Jesus lhe disse, amor?
– Dis.se...que.. vo..cê..me ama..va e..que..es.ta...va... (cof! cof!) es..ta..va.
orando lá..num sí..tio.. por..mim...e ..lu..tan..do ...para me renun..ciar..
Luciano gelou. Natasha completou:
– E..le.. me..dis..se..que..a.ceitou..a.sua..or.a..ção!
Agora ele estava arrepiado. Não só isso, ele estava com as pernas
totalmente moles e adormecidas, num misto de medo e perplexidade.
– E sobre você, amor, ele disse alguma coisa?
– Dis.se..pa..ra....que..eu não ...pe..casse.. de nno..vo... - Natasha
adormeceu.
– Natasha!!! Natasha!! Não morra!!!
– Calma, garoto – disse o médico – ela só adormeceu. Fique tranquilo,
mas saia agora, temos que seguir os procedimentos necessários.
E assim foi.
Natasha saiu do hospital em 20 dias. Sem explicação convincente, os
médicos quiseram impetrar a si mesmos um erro de avaliação e
diagnóstico, dizendo que pensaram que havia câncer onde nada existia,
mas não sabiam explicar as dúzias de exames, de biópsias, de
ressonâncias e de quimioterapias feitas. Claro, grande parte da medicina
desconhece o poder de Deus, a misericórdia do Altíssimo. E um câncer
16. 16
desaparecido tem que parecer um mero "erro médico". Mas o milagre
acontecera de fato...
Outra tarde, fim de expediente no escritório de Luciano, Natasha de pé
em frente à escrivaninha de trabalho dele.
– Luciano, de agora em diante eu viverei cada dia como um milagre do
Senhor, e viverei apenas e tão-somente para a glória dele.
– Que bom, Natasha! Espero que você seja feliz! Orarei sempre por você!
– Luciano...
– Fale, querida.
– Quero pedir só mais uma coisa.
– Se eu puder atender...
– Eu quero me casar com você e ser a sua mulher, a sua companheira, e
servir ao Senhor ao seu lado. Eu te amo! Me perdoe por tudo que fiz!
Era tudo o que o rapaz queria ouvir. Sorridente, abriu a gaveta da
escrivaninha e tirou uma linda boneca de porcelana, numa casinha de
papelão, idêntica à primeira, presenteada quando começaram a
namorar. Levantou-se, entregou-lhe a boneca, abraçou sua amada pela
cintura, trazendo-a para junto de seu rosto, e lhe disse, com um brilho
jamais visto em seu olhar:
– Eu perdoo você e quero recebê-la como minha esposa, amor. Eu te
amo!
– Também te amo, querido!
Não se podia descrever o que era mais bonito e brilhante; se o brilho do
sol da tarde, clareando toda a sala pelas vidraças, ou se o brilho do beijo
de Natasha e Luciano, ao som da mais linda música que o mundo pode
ouvir: o palpitar de dois corações apaixonados. Aliás, apaixonados por
Deus primeiramente, e, por causa do Senhor, apaixonados um pelo
outro...
17. 17
... E JOÃO NÃO VEIO ...
- Alô? João?
- Maria? Olá, Maria! Tudo bem?
- Tudo, João. E aí, como está o coração???
- Ah, Maria, não começa de novo, por favor...
- Tá legal, João. Não liguei pra isso não. Quero te fazer um convite. Posso?
- Manda bala.
- É que o Sammy Tippit vai pregar no ginásio da prefeitura, e vai sair uma
kombi de cada igreja aqui da baixada, eu queria te convidar pra ir comigo.
É grátis, vai ser no domingo à tarde, e vamos ter boa música e uma boa
pregação. Topa?
- Topo.
- Como?!? Você topa?
- Topo, poxa! Era pra não topar?
- Não, claro que era pra topar! É que eu fiquei superfeliz!
- Tá. Que horas tenho que chegar? "Tô à fim" de ir à noite, no culto,
também.
- Nossa, cara, que legal! Olha, chega às 13:30, a perua vai estacionar às 14.
Assim a gente não perde a condução, e ainda conversa um pouquinho.
Nossa, estou superfeliz, João!
- Tá legal. Vou no culto da noite também. Só que agora tenho que
desligar, que o chefe tá chegando. Beijinho. Tchau.
Maria amava João. Eles namoraram por alguns meses, dois anos antes.
Mas João voltara para a velha namorada (foi um fogo de palha, que
durou um mês) e Maria ficara magoada, triste, mas não desesperançada.
Sempre que podia, enviava tele mensagens, e-mails, cartas, recadinhos.
João nunca respondia. Ou, quando o fazia, inventava as desculpas mais
esfarrapadas. Mas Maria era persistente, e continuava cheia de
esperanças. João era membro de outra igreja. Mas, atualmente, não ia
em lugar algum. Ele se achava um cristão autossuficiente.
A felicidade de Maria justificava-se: afastado que estava, João prometera
ir à cruzada! Sammy Tippit envolvera todas as igrejas da região nesse
evento evangelístico. Cada congregação ganhara uma perua para buscar
os visitantes e membros. O ginásio comportava umas duas mil pessoas;
assim, conseguir-se-ia encher todas as arquibancadas.
Ainda era quinta-feira. Maria não se aguentava de tanta felicidade! Até o
domingo ela fez de tudo, para demonstrar a sua gratidão ao Senhor, e
implorar-lhe a bênção: jejuou, orou por horas, leu muitos capítulos da
18. 18
bíblia, evangelizou, enfim, fez muito mais do que estava acostumada. No
seu "diário", decorou cada um desses dias com um arabesco diferente,
colorido e trabalhado. Ela estava tão ansiosa, que perdera até a fome.
Estava tão feliz, que cumprimentava a tudo pelo caminho: "Bom dia,
poste!", "Bom dia, gato!", "Bom dia, hidrante!". Ah, como é linda a
paixão!
Já era sábado. Gastou um bom dinheiro no cabeleireiro, produzindo-se
de forma brilhante. Pedira à mãe para apertar o vestido que comprara
para o casamento da prima, e emprestara os sapatos de veludo colorido
de Soraia, colega de escola. Ela teria, enfim, um encontro! Sim, João iria
à cruzada!
Chega o domingo. O relógio marcava 13 horas, e Maria já se encontrava
na porta da igreja. O sol brilhava forte, Maria estava debaixo da
sombrinha, sem incomodar-se. O zelador ainda não abrira o templo.
13:30: Começaram a chegar as meninas da sua turma de mocidade.
Também os adolescentes, seus alunos, que iriam cantar no "grande coral
da baixada". Ela estava orgulhosa por ver os meninos integrados em
atividades musicais de louvor, tão clássicas e solenes.
Faltavam 10 minutos para as 2 da tarde, e a perua chegara. Maria agora
suava frio. João não aparecia na rua, nem de um lado, nem do outro.
"Será que ele esqueceu? Oh, meu Deus, estou tão ansiosa!" Às duas em
ponto todos estavam presentes, menos o João. Maria inventou, então
uma desculpa, dizendo ter esquecido um prendedor de cabelos no
banheiro feminino, e pediu para entrar. Pois sim. Ela queria ganhar
tempo, para que o seu amor chegasse.
Mas às duas e dez o motorista da perua ameaçou deixá-la, caso não
entrasse. Com um grande bico, carrancuda, entrou no veículo, rumo ao
ginásio. E João não veio.
Chegaram no ginásio. Gente de toda a parte, de todos os lados, pessoas
felizes, com faixas das igrejas, com camisetas coloridas, fitas nos cabelos,
bandeirolas na mão, cada um fazendo a sua própria campanha. Maria
conduziu o seu grupo para as escadas que davam de frente ao palco,
onde o coral e o Sammy estariam. Sentaram-se e conversavam muito.
Mas Maria observava os portões. "Será que o meu amor perdeu-se, será
que ele vem de ônibus? Será que ele vai me surpreender? Oh, Deus, por
favor, não me deixe sozinha..."
Estava ventando muito nas escadas onde estavam. Marcos e as garotas
pediram a ela se poderiam sentar-se lá do outro lado, pois não estavam
se agradando do vento. Maria disse que sim. Perguntaram-lhe se não iria
com eles, e ela disse que já estava bem acomodada ali. E eles foram
19. 19
embora, deixando-a sozinha. "Poxa, que amigos da onça eu tenho!
Ninguém quis ficar comigo".
Começou o culto. O coral cantava maravilhosamente. Alguns solos,
avisos, e Sammy Tippit pregou a Palavra de Deus. Depois do apelo
evangelístico, dezenas e dezenas de pessoas desceram das escadas, em
lágrimas, entregando-se a Jesus.
Maria ficara feliz, com certeza. Mas o seu coração estava arrasado. O
João não viera. E ela queria que essa tarde fosse uma tarde completa: ela
e o João. Ela queria estar ao lado de quem amava. Seu coração pulsava
forte por João, mesmo que dois anos os separassem.
Assim que Sammy orou pelos decididos, o povo foi se levantando para ir
embora, pegar a condução. Mas o coral ainda cantava. Maria ficou até o
fim. Maria ouviu parte por parte. Seus garotos estavam cantando, ela fez
questão de prestigiá-los. Quando terminaram, ela levantou-se e aplaudiu
efusivamente a apresentação, e desatou a chorar. E chorava
copiosamente. Seu coração doía. Ela já não sabia se chorava de alegria
pelas conversões, ou pelo gozo de ver seus meninos cantando
uniformizados, ou se lamentava a ausência de João, que a fizera passar
vergonha, com uma roupa de festa num lugar onde todos estavam de
camisetas. Olhou à sua volta. Não sobrara ninguém! Ela estava
absolutamente sozinha. A única que ficara sentada na arquibancada!
Sentiu-se só. Sentiu-se melancólica, ao ver-se no final do grande evento.
Maria chorou, e ninguém a consolou.
- "Senhor, por que comigo? O que foi que eu te fiz? A Gláucia, a Cíntia, a
Beth, a Zenaide, todas são felizes, estão namorando, e não sofreram
assim! Elas me pressionam, Senhor, dizem que não sou normal! Onde
está o João, Senhor? Onde estão os meus amigos? Aonde está a minha
felicidade?"
Ah, sim. A dor que Maria sentia era muito grande. Não era manha não.
Nos seus 21 anos, Maria era virgem. Guardara-se para agradar ao seu
Criador, honrando ao Senhor Jesus. Maria era trabalhadora, desde os 14
anos nunca deixara de exercer alguma função, e agora era secretária
numa boa empresa. Era a primogênita da família, uma filha excelente.
Seu quarto era um brinco, seus pais muito a amavam. E, na igreja, um
exemplo: recepcionista de visitantes, professora dos adolescentes,
cantava solos, dava cursos de artesanato e participava da sociedade de
moças. Sua beleza era inconfundível: uma pinta bem debaixo da orelha
direita exercia um charme especial. Quando sorria, lindas covinhas se
abriam, e os seus loiros cabelos brilhavam mais ainda, combinando com
aqueles olhos de um azul claríssimo! Linda, trabalhadora, inteligente,
20. 20
amada, Maria não queria outro homem, só o João, seu primeiro e grande
amor. Maria sentia-se só.
Quantos de nós não somos como Maria, detentores de um vazio enorme
dentro do coração, frustrados com as coisas que não acontecem, ou
fartos de outras que teimam em acontecer! Quantos de nós ficamos
sentados, sem um amigo verdadeiro do nosso lado! Ninguém conhece as
profundezas de nossos corações!
Ainda nas escadas do ginásio, Maria orou com a bíblia no colo:
"Senhor, fala comigo! Eu não aguento mais! Senhor, eu preciso ouvir a
tua voz!"
Então ela fez algo incomum em sua formação bíblica. Resolveu abrir a sua
bíblia aleatoriamente. Sua bíblia estava toda marcada, grifada,
sublinhada, com canetas de todas as cores. Então, ao abri-la, deparou-se
com um versículo saltando da página, como se dissesse "me leia, por
favor!". Ei-lo:
"Pois eu bem sei os planos que estou projetando para vós, diz o Senhor;
planos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança.
O texto era Jeremias 29.11. Maria leu, releu, leu novamente, e orou:
"Senhor, se és tu quem falas comigo, então mostra-me que planos são
estes! Que futuro é este! Que esperança é esta! Sinto-me sozinha, sinto-
me abandonada, indesejada! Senhor, eu preciso saber quais são os teus
planos para mim! "
Maria foi embora na perua. Chegando na igreja, foi ao banheiro, lavou
seu rosto, arrumou-se um pouco e foi ao seu lugar especial, no quarto
banco à esquerda, próximo do ventilador.
Com o coração pesado, Maria sentia vontade de estar invisível, de não
ser notada, de ser só ela e Deus, naquele momento. O pastor solicitava
os cânticos, Maria só ouvia as canções, acompanhava com o
pensamento. Mas, por fora, apenas lágrimas quentes rolavam de suas
faces. João não viera ao culto também. Não, ela nem olhava para a porta
do templo. De que adiantaria?
Maria chorava. Enquanto o pastor pregava, Maria estava à quilômetros
de distância, sentindo o rosto a queimar, o peito a doer, o corpo a moer.
Duas senhoras, sentadas próximas, lhe perguntaram: "Maria, o que há?
Você está bem? Está sentindo dores? Quer que tragamos água, ou a
acompanhemos até o banheiro?" Gentilmente Maria desculpou-se,
dizendo: "Não, irmãs. Eu estou em comunhão com Deus". As irmãs,
imediatamente, recuaram. É como se estivessem tocando em solo
21. 21
sagrado. As lágrimas derramadas na presença de Deus, não devem ser
represadas.
Ah, quando o peso é grande demais, quando a dor é forte demais,
quando o abandono é longo demais, quando a frustração é profunda
demais, sentimo-nos como Maria! O rosto nos queima, as canções soam
longe, a pregação nos escapa, o mundo muda de ritmo, parece que tudo
custa a passar! Estar com o Senhor é o melhor lugar, em tempos de
perturbação!
Maria dizia em seu íntimo:
"Senhor, que planos tens para mim? Que esperança me dás, se as coisas
que mais quero não consigo ter? Aonde está o meu João? Aonde está o
respeito das minhas amigas? Eu sou diferente, Senhor! Todas têm
namorados, todas estão quase se casando, e eu estou aqui, sozinha,
chorando por um homem que não me ama! Fala comigo, Senhor!"
O culto terminara. O pastor dera a bênção apostólica e fora à porta,
despedir os membros. Maria, que era uma das primeiras a confraternizar-
se, ficou sentada. Suas pernas pesavam, ela estava fraca, sentia-se mal,
queria morrer. "Fala-me, Senhor!"
Depois do tumulto do instante inicial, o corredor foi se tornando mais
livre, e as crianças corriam de um lado para o outro. Julinho, um garotinho
espoleta, correndo por todos os lados, tropeçou numa bíblia, pegou-a
correndo, deu-a aberta à Maria, e disse: "Tó, tia, tô indo. Tchau".
Maria tomou a bíblia e, antes de fechá-la e colocá-la no encosto do banco,
viu acesos alguns versículos grifados, e decidiu lê-los antes. Ei-los:
Não digo isto por causa de necessidade, porque já aprendi a contentar-
me com as circunstâncias em que me encontre.
Sei passar falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em
todas as coisas estou experimentado, tanto em ter fartura, como em
passar fome; tanto em ter abundância, como em padecer necessidade.
Posso todas as coisas naquele que me fortalece.
Então ela pensou:
"Meu Deus! Paulo dava graças mesmo padecendo necessidades? Paulo
passava fome também! Era isso que ele queria dizer, quando falava
POSSO TODAS AS COISAS NAQUELE QUE ME FORTALECE!"
Foi como o sol a nascer no horizonte da vida de Maria. O Espírito Santo
mostrara-lhe algo que lhe era encoberto: "ANTES DE PENSAR NAQUILO
QUE NÃO SE TEM, AGRADEÇA PELAS COISAS QUE TEM; E ENTREGUE O
FUTURO AO SENHOR, QUE TEM PLANOS DE PAZ PARA VOCÊ ". Sim, era
disso que ela precisava! Mas, como tirar a dor do coração? Como
esquecer do João, ou do opróbrio, de ser tratada como "a diferente"?
22. 22
Maria ajoelhou-se, tomou as mãos e fez um gesto, como a colocar sobre
o banco um pacote. E disse:
"Senhor, eu não sou capaz de agradecer pela necessidade. Eu não sou
capaz de gostar do teu plano para com a minha vida. Mas EM CRISTO,
que me fortalece, eu serei capaz. Capacita-me, ó, Pai! Agora, Senhor! Eu
te dou o meu coração, e todas as minhas frustrações. Dá-me um coração
igual ao teu, meu Mestre!"
Sammy Tippit afirmou, em uma palestra aos pastores, que o verdadeiro
avivamento só virá, quando houver arrependimento para os
arrependidos. E isso só pode acontecer quando nos rendemos
inteiramente ao querer do Senhor. Ainda que não o entendamos, ainda
que não enxerguemos que futuro isso terá; Deus tem o melhor para
aquele que deposita nEle a sua confiança.
A dor não saiu rapidamente, mas Maria levantou-se dali decidida.
Ela decidiu não ligar mais para o João. Se alguém estava perdendo, nessa
história, esse alguém era ele, e não ela. Portanto, se ele não dava valor,
então era porque o Senhor não o havia designado como companheiro
para ela. Maria decidiu virar a página e não esperar mais por ele. E foi o
melhor que fez.
Disse ela: "Se eu pensar no quanto sou infeliz sozinha, os meus
problemas não desaparecerão. Pelo contrário, só tornarão a minha vida
mais amarga. E se eu pensar nas coisas que tenho, e no quanto o Senhor
me ama, a paz do céu encherá o meu coração. E eu serei feliz. Então
entrego a minha solidão ao Senhor".
Ela decidiu também ignorar o opróbrio das amigas. Ela lhes explicou que,
se elas estavam namorando e iam se casar em breve, que agradecessem
ao Senhor por isso, mas que não quisessem obrigá-la a ter a mesma coisa,
pois, em sua vida, os planos de Deus eram outros, e isto tinha que ser
respeitado. Suas amigas entenderam, e não a forçaram mais a correr
atrás de alguém.
Sua fisionomia já não estava abatida. Pelo contrário, Maria agora estava
mais simpática que nunca! Lecionava com mais amor e vigor, aos seus
adolescentes; cantava com gratidão ao Senhor; recebia os visitantes com
grande simpatia; enfim, tudo ficou melhor. Ela dizia: "EM TUDO DOU
GRAÇAS, MESMO PELAS COISAS QUE NÃO GOSTO. DEUS TEM PLANOS
PARA MIM, PLANOS DE PAZ, PLANOS DE VIDA, PLANOS DE ESPERANÇA.
VOU CONFIAR!"
E Maria tornou-se feliz.
23. 23
Dias atrás, soube que casou-se! Sim, um jovem garboso e elegante
(garboso? essa palavra é arcaica; hoje se diz "saradão"...), muito crente,
gentil e responsável, atravessou o seu caminho quando ela menos
esperava. Os dois se gostaram tanto, se entenderam tão bem, se
atraíram tanto, que casaram-se, numa festa de fazer cair o queixo! O
primeiro filho chama-se JEREMIAS (mas o sobrenome não é 29.11...), e o
PAULO está prestes a nascer. Que coisa!
Deus é assim! Converte o nosso pranto em folguedo, converte o nosso
opróbrio em vitória. Deus ergue o caído, fortalece o fraco e torna um
plebeu em príncipe.
Mas tudo começa com QUEBRANTAMENTO...
---
O que? Como vive a Maria e seu esposo? Querem saber se o Jeremias é
espoleta? Bom, minha gente querida, quem sabe, um dia desses, eu lhes
conte um pouco.
24. 24
A ARMA SECRETA
Escrevi este texto em 1990. De lá para cá muitas águas rolaram. Mas é
impressionante como, de fato, alguma coisa dessa ficção aconteceu e ainda
acontece...
Enormes limusines escoltadas pela guarda nacional chegam à frente do
edifício OIKOUMÉNES, trazendo homens da máxima importância no
cenário político-cultural do universo. Pessoas extremamente
importantes e populares, que apressadamente se valem dos elevadores
expressos, para alcançarem o 66o. andar. Na sala de reuniões, uma mesa
enorme, com 66 lugares, é pouco a pouco tomada pelos executivos.
Microfones, caixas, câmeras, fotógrafos, todos aguardam o início da
reunião mais importante do século.
12 horas. Todos assentados. Num dos lados da mesa, um dos senhores
presentes, gordo e elegante, pede a palavra:
- “Senhores, bom dia. Nosso presidente, Sr. Apoliom, intimou-nos a
tomar certas medidas urgentes, tendo em vista sua próxima
manifestação decisiva ao mundo. Os senhores não podem imaginar sua
ira e enfurecimento! Avisou-nos que, se não conseguirmos resultados
satisfatórios, irá depor todo o ministério...
Um lamento geral se ouviu de todos os 65 presentes. Sim, faltava um
componente, justamente o Sr. Apoliom. Seu primeiro ministro, na outra
ponta, é quem havia transmitido o duro recado.
- “Ouviremos agora o supremo comando militar em seu
pronunciamento.”
Levantou-se um militar, condecorado até aos dentes, suando frio, e com
o rosto em fogo.
- “Senhores, nós, da brigada dos principados e potestades, não temos
obtido sucesso no combate a Jesus Cristo e sua igreja. Não aguentamos
mais bramar, bramar, colocar tropeços, cavar buracos, armar ciladas. Os
resultados são sempre os mesmos: os crentes caem na primeira
investida, mas o Espírito Santo os conduz ao arrependimento, e daí
nossas armas não funcionam mais. Já perdemos inúmeros enredados.
Satanás está uma fera...
Percebia-se na face de todos um suor frio e preocupante. Estava em jogo
a manutenção do poder, e parecia que estava demonstrando naquela
altura pouca eficiência.
- “Ouviremos agora o comandante da esquadrilha das regiões celestes”.
25. 25
Outro general se levantou. Tomando vários papéis às mãos, passou a
falar:
- “Senhores, temos sentido as mesmas dificuldades. Nas regiões celestes
as coisas já não são as mesmas. Antes conseguíamos dominar a brigada
de Miguel, e seus anjos eram facilmente vencidos. Conseguíamos investir
contra os crentes, prejudicando suas orações, quebrando suas
consagrações, desvirtuando seus jejuns, operando com eficácia contra
seus objetivos. Entretanto, desde que o Espírito Santo começou a
reavivar a sua igreja, enchendo-a de Sua presença, os crentes passaram a
vencer-nos e, com isto, nossos soldados se enfraqueceram ante a
presença de Miguel. Perdemos várias esquadrilhas, danificaram nossas
armas, confundiram nossos propósitos, e vemos a glória de Deus
tomando nosso espaço...
Começou a chorar desesperadamente. Dois soldados conduziram-no até
o pátio, para que tomasse um ar e renovasse as forças. Os outros
tremiam com as canetas à mão, como quem não via saída para a crise.
Parecia que seus dias no governo estavam contados.
- “Senhores, eu também desejo dizer algo - afirmou o ministro das águas
mundiais, colocando-se de pé - Como todos sabem, nos mares tínhamos
verdadeiras colônias de soldados, principalmente nas águas de Salvador,
no Brasil, nos países africanos e na Índia. Mas, devido ao crescimento da
atuação do Espírito Santo - e fez um gesto de desespero, como que
sentindo forte dor no coração, - várias colônias foram desmanteladas e
transmudadas para o abismo. A máscara feminina que usávamos no
Brasil, tem cada vez menos adeptos, pois, quando nossos escravos
começam o sacrifício, os crentes ficam orando, distribuindo literatura de
ofensiva e pregações-relâmpago, desvirtuando e enfraquecendo nossas
águas. Não sei o que fazer. Não sei mesmo...
Forte alvoroço na mesa. Em desespero, cada um acusava o ministério do
outro. Uns acusavam o Sr. Adultérius, por fomentar o fim do casamento
e tornar inexistente a infidelidade, já que todos eram infiéis. Outros
gritavam ao Sr. Engodo, que permitia que a verdade fosse tão divulgada,
e de forma tão livre. Outros ainda berravam contra o Dr. Médiuniun, por
não inovar suas manifestações espíritas sobre os terreiros, centros e
mesas. Enfim, era um pandemônio que se via.
De repente, ouviram uma forte batida na porta. Nem haviam se
apercebido que dois homens adentraram à sala, escoltados pela guarda
abadônica, exclusiva do Sr. Apolion. Estavam fortemente armados, e
com sarcasmo no rosto. Tratava-se do chefe da espionagem secreta e
assessor de manobras estratégicas.
26. 26
- “Silêncio! Ouçamos o que os enviados têm a dizer. Podem falar. - Foi a
declaração do primeiro ministro. Tomando o microfone, o Chefe da
Polícia Secreta deu um interessante relatório:
- “Estive, sob ordem do Sr. Apolion, investigando pelo mundo a atuação
dos crentes, para encontrar algum ponto fraco, alguma área
desprotegida, alguma junta não protegida pela armadura de Deus.
Infelizmente pouco descobri. Conforme pesquisa anterior,
principalmente depois que os avivamentos estouraram no universo. Sim,
ganhamos algum terreno, quando alguns se enveredaram para o nosso
lado, falando nossas línguas, tendo nossas manifestações, fazendo nossa
vontade. Ainda há alguns remanescentes disto, na pessoa de grandes
líderes gananciosos por fama e poder. Mas decrescem a cada minuto.
Certas igrejas estão surgindo, como as Comunidades, a Comunhão, as
Missões independentes que nos estão destruindo. As igrejas tradicionais,
a batista, a presbiteriana e a menonita, investem cada dia mais em
missões para o mundo, e seus membros estão se santificando
profundamente, o que nos tirou de cena de muitos lugares. Não está
mais havendo briga como antes, disputas denominacionais, cisões,
brigas por poder, divergências doutrinárias. Há um forte desejo de buscar
a Deus, ouvir Sua palavra, atender ao seu Espírito, e isto em todo canto.
Certos movimentos estão surgindo, agregando jovens em todos os
lugares, concentrando tamanho poder, que nossos soldados saem aos
gritos, não resistindo à abertura dada a Deus. Parece que os cristãos
verdadeiros não estão mais querendo misturar-se com a idolatria, a
necromancia, o carismatismo, o ecumenismo, e isto é mau. Mau
mesmo...
- “Mas eu tenho a solução!” - Exclamou o Assessor de Manobras
Estratégicas. Entretanto, sem erguer as frontes dos céticos e derrotados
ministros.
- “Descobri a única arma contra os crentes, capaz de DETONAR suas
próprias igrejas, e ainda torná-las nossas agências de apoio, e isto em
poucos meses!
- “Esse cara é louco!” - Exclamou o Sr. Venenus.
- “Vai dormir, seu escarnecedor! “- gritou o Sr. Feitiçus. - Não será você
que irá nos ensinar o que fazer o que não conseguimos em séculos de
disputas. Estamos é realmente perdidos...”
- “Isto é o que V. Excelência pensa, Sr. Feitiçus. Antes de vir para cá, tratei
de testar a teoria, e consegui, no prazo de 6 meses, mais de quatro mil
adeptos numa só cidade!”
Êxtase total. Todos olharam para ele, ansiosos para saber como e aonde.
27. 27
- “O Espírito Santo está unindo o Seu povo. Muito bem. Estão falando
uma linguagem semelhante, cantando cânticos iguais, saudando-se de
formas semelhantes, orando praticamente num consenso. Então eu
pensei comigo: ora, se isto está acontecendo, por que não tirar
vantagem? Lá no Brasil, por exemplo, o Life do Sul está estendendo um
lençol de louvores pelo Brasil, cativando crentes de todas as igrejas; as
Comunidades crescem numa proporção monstruosa; as missões de
louvor e adoração também. Nas igrejas tradicionais há um espírito de
unidade e espiritualidade. Ora, por que não pedir ao Dr. Mentirus, que
use toda a sua perspicácia e engano, para envolvê-los no maior embuste
deste século? Isto fiz. E eis o resultado.
Foi ligado o videocassete embutido, abrindo enorme tela na parede com
visão tridimensional. Todos aguardavam o programa. O que seria? Falar
em línguas satânicas, para provocar confusões? Não, já havia sido
tentado e atualmente não estava dando muito resultado. Ecumenismo?
Também era coisa do passado, só alcançando metodistas, anglicanos,
luteranos e alguns poucos em todas as denominações evangélicas. Então
o que seria?
Começa a fita. Um grande salão, repleto de jovens. Uns 5 mil, mais ou
menos. Gente de toda espécie. No palco, uma parafernália gigantesca de
som e luz. As pessoas se espremem no espaço disponível. De repente,
todos gritam. Começa a programação. O líder diz:
- “Aí, moçada, um som muito louco vai rolar. Vamos entregar o programa
ao dono de tudo isto: Jesus...
- “Um momento - diz o primeiro ministro - Isto é uma abominação!”
- “Espere um pouco, Sr. Ministro. Só um pouco.”
A fita continua. Na oração, o líder diz:
- “Derrama tua energia viva, para que te sintam!”
Em seguida, entra o grupo Céu 6, num som bárbaro e eletrizante. A
câmara mostra a moçada... delirando! Meninos agarrados
maliciosamente aos pares, dançando soul, funk, Rap, rock, lambada, afro,
samba, e muito mais.
- “Sr. Assessor, o senhor mudou a fita? Isto é programa nosso!”
- “Ai está a jogada, Sr. Ministro; são eles mesmos que estão fazendo isto!”
Em seguida, ouviram muitos améns, glória a Jesus, gritos de rock, danças
e carnalidades à vontade. Então o líder pediu para que todos se
assentassem para ouvir um rapaz testemunhar. Segundo ele, Deus é uma
energia, muito louco e sensacional. Em sua prédica, ele diz que a igreja é
caretice, coisa quadrada, “morocoxó”. Isto seguido de améns de todos
os lados. Feito um apelo, as pessoas se submetem à energia.
28. 28
- “Mas este é o Deus HÁ, Sr. Assessor!”
- “Ai está a nossa estratégia, senhores. Ai estão batistas, pentecostais,
comunidades, presbiterianos, luteranos, e toda sorte de missões
independentes. Eles não sabem, mas aprendemos sua língua, seus
chavões, seus efeitos emocionais, suas palavras de ordem, seus apelos e
estamos usando de tal forma que, quando perceberem, estarão crendo
em nós, pensando num Jesus Força, eletricidade, doidão, loucão, sem
igreja, sem vida, um idiota perfeito, uma droga espiritual, um grande
barato!”
Todos, unanimemente, levantaram-se, aplaudindo e dando gritos de urra
ao Assessor. Agora estavam salvos, pois que, contra esta arma, os
ingênuos cristãos não estavam imunes. Cairiam como patos na
armadilha. Seria só uma questão de tempo. Ademais, as experiências
estavam dando certo.
Lá fora os fotógrafos aguardavam a saída. Os elevadores estavam
descendo. As portas do edifício se abriram e, para surpresa de todos, em
lugar de descerem executivos, saíram 65 missionários, de bíblia em mãos,
com glórias nos lábios, como os olhos cheios de entusiasmo, dizendo que
precisariam cumprir a vontade de Deus, libertar o louvor, unir os cristãos,
converter os jovens, etc. Lá estavam 65 novos movimentos que, dentro
de meses, estariam em evidência no mundo inteiro...
Esta é uma ficção, escrita em 1990. Apenas e tão somente uma ficção.
- ?...
29. 29
A CAMA
Fui deitar-me.
Puxei os cobertores e enfiei-me no meio dos lençóis.
Tentei arranjar-me durante uns dez minutos, mexendo-me em todos os
sentidos, até que, triunfantemente, acomodei-me, tendo encontrado a
posição ideal!
Então veio a triste lembrança: esquecera-me de ir ao banheiro!
Novamente levantei, colocando a perder todo o esforço que fizera para
arrumar-me no leito.
Após a realização da minha atividade típica de W.C.s pré-sonos, voltei e
deitei-me de novo.
Pensei com os meus botões, digo, com o único botão do meu pijama:
"Será que tomei o remédio?"
Um tanto alterado no humor, levantei-me, para tomar a droga de
comprimido. Voltei para a cama, na esperança de, enfim, encontrar
alento à minha luta titânica em prol do descanso.
Agora o sono me fugia. "Contar carneirinhos". Mas, carneirinhos são
chatos. Decidi contar CDs, muito mais interessantes. Então comecei: "1,
2, 3, 4, MIAU..." - "MIAU?" Que número era esse?
"MIAU", escutei novamente. Era um casal de gatos namorando em cima
do muro da frente de minha casa. Os empestiados estavam namorando
sem respeitar aos pobres humanos que tentavam dormir. Gritei com eles:
"Fora, chô, desapareçam!" Mas, quê, quem os tirava do "meu bem, meu
amor?" Apelei para a violência: peguei uma velha régua escolar e
arremessei-a com força: arrebentei a régua e eles não foram atingidos...
Por fim, foram-se. Voltei ao leito de dor...
Lembre-me que havia deixado a torneira do banheiro pingando. Ah, fui
até lá para conferir. Voltei para a cama. Deitado, pensei: "Onde será que
deixei a minha carteira?" Larguei os cobertores já enfezado e coloquei-
me a procurar a dita cuja. Abri gavetas, mexi nos armários, revirei a
biblioteca, desarrumei papéis e, por fim, fui encontrá-la no bolso da calça,
onde tradicionalmente a coloco. Que raiva!!
Deitei de novo. Estava apertado. Precisava ir novamente ao banheiro. Fui
e voltei. Quando estava adormecendo, um bendito pernilongo
(muriçoca) começou a zunir na minha orelha. "Aja paciência!", eu já
estava desesperado. Dei 5 tapas no rosto, com força, e não matei o
infeliz! Fiquei com a cara vermelha. Levantei três vezes, perseguindo-o
até a sala. Na terceira consegui vencê-lo.
30. 30
Pensei então que agora tomaria os louros da vitória: finalmente iria
dormir!
Foi quando ouvi, feito uma bomba atômica, o despertador tocar. Era hora
de levantar.
Droga!!!
(Baseada em texto que escrevi em 1985, num concurso literário do colégio
onde estudei.).
31. 31
A CASA E OS DOIS AMIGOS
Pedro e João eram grandes amigos. Amigos mesmo, desde a infância.
Nadavam juntos no riozinho da vila, jogavam bola nas tardes após as
aulas, iam às quermesses de junho, estouravam latas de querosene com
bombinhas, enfim, foram crianças e adolescentes numa época mais
humana. Estudaram juntos, mas não se deram bem na escola. Acabavam
indo às farras de final de semana, com moças e colegas. Não tiveram uma
juventude correta.
Por fim, cada um encontrou um par e casaram-se. As responsabilidades
do lar fizeram-nos trabalhar muito, pois não haviam estudado o
suficiente para uma boa profissão. Aliás, não tinham experiência de nada.
Faziam bicos, eram ajudantes, quebravam o galho em serviços
temporários. Mas Pedro seguiu a profissão de pedreiro e acabou por
tornar-se um excelente profissional. João seguiu o comércio e tornou-se
vendedor de materiais de construção. Saiu-se muito bem também. Não
ficaram ricos, nem se podia dizer que de classe média; mas o pão não
faltava à mesa de nenhum dos dois.
Um dia Pedro conheceu o evangelho de Jesus. Trouxeram-lhe um folheto
em sua casa e no verso havia o telefone da igreja. Ele interessou-se pelo
assunto, chamou um irmão, que o visitou sem demora. Apresentando-lhe
o plano da salvação, Pedro converteu-se. Foi à igreja, ergueu a sua mão,
firmou-se em Cristo, preparou-se na classe de doutrinas e foi batizado.
Sua vida foi transformada. Uma das grandes mudanças foi o seu
domingo. Antes, por causa da profissão, não tinha domingo ou feriado;
trabalhava sem parar. Construía casas, sobrados, galpões, fazia
pequenas reformas, dava tudo de si. Agora, conhecedor da Palavra de
Deus, decidiu guardar o domingo para ir à igreja, congregar com o povo,
comungar com os irmãos, falar de Jesus aos amigos e descansar. Há
muito tempo ele não tinha essa alegria, um dia de adoração e descanso
em 7!
Sua alegria por ter achado a Jesus foi tamanha, que buscou João, seu
grande e fiel companheiro de infância, com quem há muito não
conversava. Achou-o em casa numa noite. Foi contar a experiência que
teve com Deus. E falar da bênção de estar na igreja aos domingos. João,
dono de si próprio, afirmou categoricamente:
- Se eu não trabalhar a família não come. Pago aluguel e não quero isso
para nós por muito tempo. Estou juntando dinheiro e vou comprar um
terreninho, farei uma "meia-água" e me mudarei com a patroa e os
32. 32
barrigudinhos. Não tenho tempo pra igreja". Pedro explicou para ele que
também não tinha casa, que pagava aluguel, mas que Deus o sustentava
e que não seria a troco do dia do Senhor que ele compraria a casa; disse
da importância do Reino de Deus e de um dia de descanso com a família,
de serviço ao Senhor e de comunhão com o próximo. Tudo em vão.
Pedro não comprou nenhuma casa, mas João comprou um terreno de 10
x 25 metros quadrados. Foi à casa de Pedro e, querendo agredi-lo por não
ter comprado uma casa em 10 anos (passaram-se dez anos desde a
conversão de Pedro), falou assim:
- "Pedro, aqui está o meu dia do Senhor: belo terreno, bela casa e sossego
para a minha família. E você? De que valeu ir à igreja, servir ao Senhor e
descansar? Eu sou a formiga, que atentei para o inverno, você é a cigarra,
viveu cantando na igreja, louvando com instrumentos, descansando no
seu domingo. E agora, Pedro?"
Pedro, com calma, com muita paciência e também com muita convicção
falou:
- "João, eu não tenho uma casa aqui porque não tive recursos para
comprá-la. Mas não me faltou responsabilidade e muito trabalho. Porém
não trocaria o amor que tenho pelo meu Deus e pelos seus mandamentos
por um terreno ou uma casa aqui neste mundo. Os meus filhos podem
não herdar uma casa ou um terreno aqui, mas receberão de seu pai a
melhor herança, o temor de Deus e uma boa educação. João, um dia nós
vamos morrer e vamos deixar tudo aqui. Não valorize tanto os bens
materiais, olhe para o Céu, onde Jesus foi preparar uma morada!
Entregue seu coração para Deus, João!
- "Ah, vá, seu crente bitolado! Impossível chamar você ao bom senso! Vá
congregar com seus irmãos, rapaz, e depois atole-se sem ter eira nem
beira! Adeus!"
Não passou um mês e uma desapropriação foi decretada pelo prefeito,
justamente na propriedade onde João construiu. Como a prefeitura
estava sem recursos, prometeu pagar os proprietários em no máximo 3
anos. Pedro entrou em choque. Depois de pagar pelo terreno, de
construir uma bela casa e de mangar com seu amigo Pedro, agora
atravessava esse vexame! Seu coração não suportou. Teve um infarto.
Levado ao hospital, foi medicado, mas não resistiu e acabou falecendo.
Pedro lamentou profundamente a morte e o coração duro do seu velho
amigo. Sua família veio para a igreja (João é quem não deixava) e
também converteu-se. Encontraram uma casinha e alugaram.
Dias depois a prefeitura abriu um loteamento num bairro novo e
ofereceu terrenos com benfeitorias por um preço tão pequeno que
33. 33
facilitou a vida de muita gente que pagava aluguel. Pedro entrou no
programa. A família de João, agora convertida, também. O que pagariam
pela prestação do terreno era metade do que pagavam de aluguel, e a
outra metade poderiam usar na construção duma casinha. Em um ano e
meio Pedro estava em sua própria casa, pagando pouquinho e
acolhendo, feliz, toda a sua família. A única tristeza foi a de saber que seu
querido amigo João estava morto, sem casa e sem salvação.
Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem,
e onde os ladrões minam e roubam; (Mt 6:19)
Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua
alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma? (Mt 16:26)
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o
primeiro mandamento. (Mc 12:30)
Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se
desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna,
nos céus. (2Co 5:1)
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas
vos serão acrescentadas. (Mt 6:33)
34. 34
A ESTÓRIA DE GOULART
Goulart era um líder em sua igreja. Bom pregador, bom professor, estava
em todas as diretorias de todos os anos. Exercia o papel de diretor. Se a
igreja precisava de pintura, era Goulart que propunha. Se precisava de
verba para um passeio, Goulart centralizava a realização. Quando um
desafio surgia, todos diziam: "Vamos falar com o Goulart". E assim as
coisas aconteciam.
Ele também era responsável por dirigir a igreja quando esta ficava sem
pastor. Era o vice-presidente. Também ocupava a direção da comissão de
finanças. Ia atrás de obreiros e conseguia trazer dois ou três do agrado
da igreja. Após a assembleia, sempre emplacava aquele que era de sua
preferência. A igreja festejava. E ele figurava como o melhor amigo do
pastor.
Mas era ele também que cuidava de tirá-lo quando não o agradava.
Geralmente com seis meses ou um ano o Goulart iniciava o seu embate
com o novo obreiro. Nas assembleias fazia questão de dar o seu voto
contrário ou contrapor-se às iniciativas do pastor. Como detinha a
comissão de finanças, impedia aumentos salariais ou propunha
diminuição nas prebendas. Ele conseguia deixar o obreiro em situação
pública desconfortável. Após as manhãs dominicais de assembleia,
chegava em casa com esposa e três filhos, festejando os embaraços.
- É isso aí, pastor aqui tem que comer na minha mão!
Nessas ocasiões a mesa do almoço era palco dos mais grotescos
comentários sobre a igreja e sobre o obreiro. Geralmente convidava
famílias proeminentes para almoçar. Os casais à mesa, junto com os
filhos, ouviam as conversas:
- Essa igreja não é nada sem a minha ajuda! Quem esse pastor pensa que
é? Vamos tirá-lo. Podem ficar sossegados! Mais duas escorregadas dele e
conseguiremos propor a sua saída.
Os filhos a tudo assistiam. O pai, sempre ativo e elegante na igreja, não
era assim dentro de casa. Xingava a esposa e assistia ao futebol com latas
de cerveja e língua chula nos comentários. Os filhos vibravam.
Construíam o seu conceito de fé e de igreja do jeito que o pai ditava: uma
farsa, uma fachada, uma aparência.
A esposa não era santa. Ainda que humilhada pelo marido, também tinha
uma língua ferina e cuidava para que as mulheres estivessem coesas nas
brigas eclesiásticas. Quando o pastor renunciava era ela quem
35. 35
coordenava a churrascada da vitória, sempre cheia de jocosos
comentários contra os obreiros.
O tempo passou e os meninos cresceram. Goulart, detentor de um bom
emprego na área contábil da empresa, foi demitido por justa causa nas
suspeitas comprovadas de desvio de recursos. O assunto nunca foi
abordado na igreja, pois como exercia a vice-presidência e as notícias
eram abafadas em casa, quase ninguém soube do motivo. Os resultados
da demissão chegaram. Os 4 imóveis que possuíam deram lugar a um só.
Goulart resolveu investir em vendas; acabou sucumbindo. Por fim
tornou-se vendedor de queijos de Minas Gerais, que conseguia lá no
mercado municipal.
E os meninos? Eles cresceram. O mais velho tornou-se satanista. Com
tatuagens até nas pálpebras e piercings em toda parte, criou um site onde
zombava da fé cristã e da hipocrisia dos homens. Casou-se com uma
lésbica e tem dois filhos drogados. Ultimamente tem se mostrado
depressivo e tentou o suicídio.
O segundo filho tornou-se homossexual. Foi viver na Alemanha, onde
morreu de AIDS.
O terceiro cuida do Goulart e da esposa. Sim, porque o casal, antes tão
cheio de autoritarismo e de poder financeiro, envelheceu. Goulart ganha
uma mísera aposentadoria e a esposa gasta tudo com remédios. Então o
caçula, casado recentemente, cuida deles. Goulart só vai à igreja quando
o filho resolve levar. Aliás, o rapaz nem quer ouvir falar em cristianismo.
Ele diz que foi a desgraça de sua casa. Goulart chora. Sente saudades do
tempo em que cantava os hinos e que ouvia os sermões. Hoje vive a
trocar bobagens no whatsapp e a lamentar o péssimo cristão que foi.
Trágico fim de um crente que construiu a sua casa sobre a sua própria
arrogância.
Obs: esta ESTÓRIA é baseada em fatos muito reais.
36. 36
A ESTÓRIA DE SOLANO
Solano entrou na igreja como quem não queria nada. Chegou, sentou-se
e ouviu os hinos. Gostou. Depois ouviu a pregação. No momento do
apelo, entregou-se a Cristo.
Sua conversão foi genuína e rápida. Ele foi transformado pelo poder de
Deus e em três meses foi batizado. Tornou-se membro da igreja. Trouxe
a sua família para assistir. Eles gostaram, ficaram, converteram-se e
também foram batizados. Uma família de seis, papai, mamãe e quatro
filhos.
Mas Solano estava desempregado. Não tivera grande chance para
estudar; suas qualificações profissionais eram muito limitadas. Os amigos
diziam que ele não iria conseguir nada. Mas ele confiou no Senhor.
Fez fichas em todos os lugares disponíveis. Às vezes um ou outro irmão,
ao cumprimentá-lo, deixava dez ou cinquenta reais em sua mão. Ele,
constrangido, não queria aceitar. Mas a insistência era grande e ele
pegava. Sua esposa fazia artesanato para vender entre as vizinhas. As
irmãs da igreja souberam e pediram para que trouxesse ali também, para
que, após o culto, pudessem comprar. E assim garantia o leite e o pão das
crianças.
Enfim, Solano encontrou uma vaga para trabalhar numa empresa de
ônibus urbanos. Não era grande coisa. Seria faxineiro da garagem,
lavando os ônibus que estacionavam após o expediente. Os colegas eram
sisudos e reclamavam das condições e do salário. Solano, no entanto, ao
chegar, trouxe uma luz para aquela empresa. Seu período da madrugada
tornou-se muito agradável. Os colegas gostavam de ouvi-lo cantarolar os
hinos que cantava. Ele o fazia baixinho, mas eles pediam que cantasse
mais alto. E assim ia esparramando a mensagem de Cristo. Os ônibus
passaram a ser lavados com mais cuidado, pois a paz que ele trouxera fez
bem até para a produção. Em quatro meses chamaram-no no escritório.
Ofereceram-lhe o serviço de cobrador (trocador).
Ele alegrou-se. Aceitou. E tornou-se um cobrador muito querido. Como a
sua linha era fixa, conhecia as pessoas que utilizavam-se daquele ônibus.
Os idosos, os trabalhadores, as mocinhas chegavam sorrindo, pois ele as
recebia com carinho. E sabia o nome de muitas delas! No dia de Natal
muitos passageiros trouxeram cartões e presentes para ele e para o
motorista. Também pudera: ele pedia ao condutor para esperar a Dona
Maria subir, dava um jeitinho para que alguém não ficasse sem a
condução por faltar todo o recurso e, assim, conquistou o carinho da
37. 37
comunidade. Foram onze meses. Chamaram-no de novo. Promoveram-
no a motorista! Sim, ele fez curso, habilitou-se e tornou-se motorista do
próprio ônibus onde cobrava!
Dias inesquecíveis. Quando o fechavam no trânsito, ele não xingava. Pelo
contrário, acenava e dizia: "Deus lhe abençoe, vá com Deus". Acabava
por trazer paz nas ruas e avenidas onde estava. À noite, quando passava
na porta da escola, via que muitos adolescentes corriam para pegar o
ônibus. Então ele ia bem devagarinho, até que o grupo todo chegasse. A
moçada amava o Solano! Ele não era só um motorista, era um amigo.
E na empresa ele não gerava ciúmes; pelo contrário, os colegas gostavam
dele, porque "quebrava o galho" de muitos, cobrindo folgas, ajudando
com horas extras, sendo camarada de todos.
Foram três anos. Promoveram-no a fiscal. Agora ele era o encarregado
de uma grande turma. Foi o melhor período daquelas linhas. Os
motoristas e os cobradores trabalhavam felizes, porque o Solano era
humano, era gentil, respeitava a todo mundo. E, enquanto trabalhava,
semeava a mensagem que o transformara: Cristo, o Senhor, o Salvador,
o Rei dos reis. Solano nem sempre podia estar no domingo na sua igreja,
mas, se não estava no domingo, estava na quarta-feira. Ele sempre amara
o Dia do Senhor. Como era obrigado a trabalhar em alguns domingos,
fazia do dia de sua folga o dia dedicado a Deus. Evangelizava, distribuía
folhetos, cantava na igreja e dava conselhos à mocidade.
Muitos dos colegas de Solano tornaram-se crentes no Senhor Jesus. Ele
comprava bíblias e folhetos e presenteava aos colegas, fora do horário
de trabalho. Visitava alguns nas enfermidades, ajudava-os nas
necessidades. Mais de quinze colegas tornaram-se crentes.
Solano aposentou-se. Seus quatro filhos o homenagearam quando
completou oitenta anos. Todos casaram-se e se tornaram pais de família,
amorosos e honrados. A esposa ficou doente, mas contou com os
cuidados amorosos do esposo Solano com ela.
Faz pouco tempo o Senhor o chamou. Ele partiu para o Céu. No seu
sepultamento estava quase toda a companhia de ônibus. Também os
passageiros que por anos utilizaram-se dos ônibus que ele conduzia.
Igualmente muitos motoristas que aprenderam a ter educação no
trânsito com ele. Além destes estava a igreja onde congregava, os amigos
dos filhos, a família, enfim, centenas de pessoas. E no seu epitáfio cravou-
se em concreto a seguinte frase: AQUI AGUARDA A RESSURREIÇÃO O
IRMÃO SOLANO, HOMEM QUE VIVEU A FÉ COMO NINGUÉM.
38. 38
Que outros Solanos possam surgir no coração deste Brasil! Que a fé cristã
seja vivida e encarnada com tamanha beleza como o foi no peito deste
homem!
39. 39
A FATURA CHEGOU...
Era um filho de estrangeiros asiáticos. Gostava de manter algumas
tradições, mas convertera-se ao evangelho. Batizado com a família,
serviu em uma determinada igreja. Um dia o pastor soube que ele levava
vida dupla. Enganava a esposa, surrava os filhos, vivia no lazer. Na frente
da igreja fazia-se de santo, mas era pura hipocrisia.
Um dia comprou um sitio e deixou de vir à igreja aos domingos pela
manhã, quando a escola bíblica dominical acontecia. Posteriormente aos
cultos de quarta-feira, porque tinha que levar os filhos à natação. Deixou
de entregar os dízimos (comprometera-se quando aceitou ser batizado e
membro da igreja) e tornou-se um turista. Como amava mexer com
madeira, considerava-se dono dos bancos e dos móveis. Mas com o
tempo nem deles zelava e nem deixava que deles alguém cuidasse.
Um centro de demônios instalara-se à frente de sua casa e ele queixou-
se de que havia demônios em seu lar. O pastor correu para lá e orou com
a família. Mas alertou-o: "O irmão tem sido um crente displicente. Deus
está lhe dando um livramento. O que fará?" "Ah, pastor, comprometo-
me a mudar! Serei fiel. Neste ano tudo vai mudar!". O pastor então falou:
"irmão, lembre-se diante de quem está dizendo isso. Não apenas de mim,
mas do Senhor". Passaram-se dois meses e aquele irmão voltou ao estilo
turístico de vida cristã.
A igreja ouvia alguns comentários de que ele estava acendendo incenso
a ancestrais, como a família asiática havia ensinado. O pastor chegou a
falar com ele, mas negou veementemente.
Um dia ele informou que estava enfermo. Era leucemia. Falou com
orgulho, dizendo-se forte e resistente. Mas a resistência foi rompida em
três meses. Outros erros foram descobertos: traição no casamento,
negócios escusos, vida dupla. Enfim, muita hipocrisia. O pastor foi visitá-
lo, mas ele não o recebeu. Estava para morrer. Xingava a tudo e a todos.
Então, num ímpeto de Ezequiel ou de Jeremias, o pastor escreveu-lhe um
texto duro, tão duro quanto uma pederneira. Pediu para uma enfermeira
entregar (pois que a própria família impedia o acesso do pastor ao
moribundo). Assim estava escrito:
Você, que por tantos anos prometeu mudar,
Por tantas vezes fingiu piedade e um gran lutar,
Você, que ano após ano ludibriou a igreja,
Com uma mão segurou a bíblia e com a outra uma cerveja,
40. 40
Era severo em público no trato dos negócios,
Dizia que suava muito, que dependia dos próprios esforços;
Matava o domingo para cuidar do patrimônio,
Enquanto a casa era invadida pelo demônio.
Ah, caro enganador, até acreditei em você!
A cada pedido de perdão eu tentava esquecer
As múltiplas promessas, os supostos arrependimentos,
Os compromissos de ano novo para um novo engajamento.
Vida nova! Ano novo! Cultos, serviços, escolas bíblicas!
E ano após ano as suas desculpas eram as mais cínicas.
Sem pejo e sem nunca desculpar-se pelos erros
Continuou a enganar, a ludibriar e ficou enfermo.
Acontece com qualquer um - dizia, cheio de vaidade,
Por fora aparente força, por dentro terrível enfermidade.
Primeiro a força faltou-lhe e o fôlego acabou-se.
Depois foi o sangue, contaminado ficou-lhe.
O tempo que do Senhor tirou agora empregou no hospital,
Repleto de dores, com angústia fatal.
De que valeu, pobre enganador do evangelho,
Fingir-se de santo, mas sendo um escaravelho?
Onde está a sua arrogância, o seu grosso falar,
A sua maneira duríssima de a todos julgar?
Ficou no ano passado, naquele onde prometeu
Servir melhor ao Senhor, mas o ano faleceu.
Quantos anos! Quantas promessas! Quantas mentiras!
Quantas orações públicas de compromissos quebrados!
Hoje a fatura chegou e a conta será cobrada.
Você, moribundo na cama, já não pode fazer nada!
Há tantos assim que pensam enganar ao Senhor,
Pregando a fé em Cristo e vivendo longe do Salvador!
Com a boca o glorificam no domingo enquanto "louvam"
Mas jamais O enganaram, pois a Deus nunca enganam.
41. 41
O seu tempo acabou, caro mentiroso.
Não há mais pescarias, nem "halloween", nem festinhas.
Não há mais cervejas pretas, maltadas ou batidas.
Seu encontro está chegando e a vida acabará.
Põe em ordem a sua alma, pois a Cristo encontrará.
E diante de Seu trono o juízo enfrentará.
E a fatura da mentira que pensou não existir
O levará ao horrendo Inferno, pelo resto do porvir.
De fato ele morreu. A família deixou a igreja e nunca mais apareceu. O
pastor, triste e pesaroso, pensava e refletia nessa vida tão perdida.
Mas Deus, que sempre revela a verdade aos Seus servos, não privou o
pastor desta informação. De uma forma mui estranha ele soube da
verdade. Uma enfermeira do hospital, crente em Jesus Cristo, assistiu
aquele asiático nos seus instantes de morte. Um belo dia, sem saber, ela
visitou a igreja onde o falecido fora membro. Em conversa com o pastor,
disse que conheceu aquele homem. E agora, dois anos depois, achou a
resposta. Contou a seguinte história:
- Pastor, ele sofreu muito. Parecia que a sua dor era na alma, não tanto
no corpo, porque não havia motivo para tantos gritos. Ele tinha na mão
um papel todo amassado e pedia uma caneta. No início não quis dar, mas,
pra quê privar um moribundo de seu desejo final? Dei-lhe. Ele, sem olhar,
escreveu um garrancho e logo sorriu muito. E morreu quieto. Eu não
entendi nada daquilo. Decidi nunca ver esse papel e nem tentar ler o que
estava escrito sem que soubesse a sua história. E hoje vejo a resposta.
Então ele foi membro daqui? O papel está na bolsa. Vamos vê-lo?
Ela tirou-o. Estava todo dobrado, com manchas e rasuras. Era a carta do
pastor, mas rabiscada. Abriram-na, procuraram entender o rabisco. E foi
isso o que acharam: "DIGA AO PASTOR QUE ME ARREPENDI. PERDÃO!"
O pastor chorou. Pediu à enfermeira para ajoelhar-se com ele. E assim
orou:
- Senhor, graças te dou pela preciosa graça de Jesus! Graças te dou pelo
evangelho ter penetrado aquele ímpio coração. E graças te dou por não
ter me amedrontado de dizer a verdade. Bendito seja o Teu Santo e
bendito nome!
A enfermeira, emocionada, levantou-se, cumprimentou o obreiro e lhe
disse:
42. 42
- Continue assim, pastor. Diga sempre a verdade de Deus, doa a quem
doer. Porque a verdade liberta e a graça resgata. Deus lhe abençoe!
------------------
Se eu disser ao ímpio: Ó ímpio, certamente morrerás; e tu não falares,
para dissuadir ao ímpio do seu caminho, morrerá esse ímpio na sua
iniquidade, porém o seu sangue eu o requererei da tua mão. (Ez 33:8)
E disse o Senhor em visão a Paulo: Não temas, mas fala, e não te cales;
(At 18:9)
E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (Jo 8:32)
Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio
ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. (1Tm
1:15)
43. 43
A FROTA
- "Cuidado com os postes, Seu Geraldo! Não são de borracha não!"
- "Vê se vai pela sombra, Seu Geraldo! Cuidado com as costelas-de-vaca!"
- "Só passeando, né, Seu Geraldo?"
Era assim todo dia. O Seu Geraldo era o taxista do bairro, conhecidíssimo,
muito estimado. Também pudera: 12 anos no volante, já tinha levado
muita mulher grávida pro hospital e trazido mãe e filho pra casa. O povo
era muito agradecido. Às vezes um fiado, outras um chequinho pré-
datado, mas sempre tranquilo. Ele dizia:
- "Deus ajuda a quem cedo madruga. E quem ajuda a quem cedo madruga
também recebe ajuda do Senhor". E lá ia o Seu Geraldo pro batente,
alegre, sorridente e confiante.
Ele era crente. Ele e toda a família. Não era rico, nem classe média. Era
um lutador, tentava manter as contas em ordem, o leitinho da molecada
e o cabeleireiro da mulher. Devagarinho as coisas andavam. Fiéis na
igreja, o dízimo era sagrado. Todo dia 10 lá estava o Seu Geraldo todo
faceiro, levando o envelopinho da família:
- " 100 meus, 50 da patroa e 25 de cada guri. Marca certinho, Irmão
Astolfo ", as costumeiras orientações que passava pro tesoureiro. Nunca
falhava. Nos meses de poucas corridas caia um pouquinho, mas na alta
temporada o dízimo acabava compensando o tempo dificil.
Não perdia um culto de oração. Geralmente ele mais agradecia. Mas, às
vezes, dizia ter um sonho: queria ter uma frota!
- "Ah, pastor, já pensou? "GERALDO TAXI EXPRESS', que maravilha! Eu ia
levar toda a igreja de taxi pro culto! Não, não todo dia, senão eu iria à
falência. Mas no domingo os meus carros ficariam de prontidão: "perdeu
o ônibus? Chame o Geraldão!" E assim o Seu Geraldo ia levando,
sonhando, trabalhando.
Num belo dia chegou um telegrama: era para ele apresentar-se no
Fórum. O que seria? Ficou preocupado, nem dormiu à noite. Mas, para
sua surpresa, era coisa boa: um parente distante deixara uma quantia em
dinheiro para os parentes, e ele fora contemplado com uns bons
trocados.
- "Olha aí, meu velho! Venho orando por você por muito tempo! Já dá pra
comprar mais um carro, uma frotinha!"
Frota não era, porque em sua cidade, grande e populosa, uma frota era
composta de 50 unidades. Mas deu para comprar 6 automóveis 0
quilômetro, registrar e colocar na praça.
44. 44
Que alegria! Com direito a culto de ação de graças e tudo! Contratou
motoristas, colocou um para dirigir o seu velho chevrolet e passou a
administrar.
Todos estavam muito felizes. Todos, exceto a esposa. Ela notara algo
diferente no marido: parecia que o esposo perdera um pouco o brilho e
a espontaneidade.
Não só a esposa notara; o pastor também. Seu Geraldo começou a faltar
nos cultos de oração, os seus prediletos. Seu lugar já era marcado no
banco número 5 do lado direito; mas, agora, estava vazio, aliás, sempre
vazio. Ele comprara um sítio muito bonito, próximo da cidade, e, quando
não estava com os amigos, estava cuidando da chácara.
- "E então, irmão Geraldo, estou sentindo sua falta! " Dizia o pastor, no
domingo.
- "Pois é, pastor, está muito corrido pra mim agora, mas logo as coisas
engrenam. É como sinal de trânsito: quando parece que não abre nunca,
o verdão aparece! Já, já eu volto!" O já-já não chegava nunca.
Posteriormente, quando o pastor lhe perguntava isso, a resposta era
grosseira:
- "Pastor, vê se faz o seu trabalho. Tem gente de sobra pra ouvir o senhor
por lá. Eu já sei tudo o que o senhor prega". O pastor sofria.
O Seu Geraldo prosperou. Em dois anos ele transformou os 7 taxis numa
frota de 50. Como? "Bênção de Deus", dizia ele. Contratara muitos
motoristas, colocara o nome de sua empresa bem bonito e graúdo nos
seus automóveis: "GERALDO TAXI EXPRESS". Na inauguração fez um
"coquetel", mas não chamou a igreja. Nem o pastor.
Um dia a igreja precisava ir a um velório. Povo muito humilde, não havia
condução pra todo mundo. Dona Zulmira, sua esposa, falou com ele:
- "Geraldo, pede pros carros ajudarem a transportar o pessoal pro velório
e cemitério. Lembra que você brincava que queria ajudar?"
- "Ah, mulher, larga mão de ser mané! Sou eu burro de carga de alguém?
Esse povo que se vire! Não vou carregar o pessoal de graça de jeito
nenhum. Que se danem!"
- " Mas, bem, você dizia que ..."
- "Ora, mulher, quando se é pobre se fala muita besteira. Larga a mão de
conversa e vai pro seu velório, que eu tenho encontro marcado com o
pessoal lá do bar. Vai logo, não me enche!"
- "Mas, bem, ..."
- "Cala a boca, beata! Parece besta! Ah, e quer saber mais? Tô cheio desse
negócio de igreja. Só sabem cobrar, viver de pindura em quem tem mais
o que fazer! Vai, dá logo o fora se não quiser levar um tapão na orelha"
45. 45
Zulmira estava desconsolada. E não era para menos. Seu marido dera
para jogar truco com os amigos, beber "socialmente", ir pro clube no final
de semana. Às vezes a obrigava a acompanhá-lo. Tirou os meninos da
Escola Bíblica Dominical e matriculou-os em grupos de excursões -
algumas vezes iam para as montanhas, outras para a praia, e, ainda
outras, para o exterior. "Coisas de classe", dizia ele.
Zulmira chorava. O tesoureiro, antes tão acostumado com os 200 reais
do Seu Geraldo, agora recebia 50 da mulher, que ela separava
"escondido" do marido. De vez em quando o Seu Geraldo vinha ao culto,
terno "Hugo Boss", cheirando a "Chanel número 5", sapatos importados,
BMW na porta. Chegava atrasado, ouvia o sermão e saia sem
cumprimentar ninguém. "Tenho compromissos", dizia ele: ia para o
encontro dos "prósperos", os ricaços do clube.
Zulmira orava. Os meninos, cuja base cristã era firme (a mãe orava e lia a
bíblia todos os dias com eles), também oravam. A igreja orava.
Certo dia um dos taxis acidentara-se. Sem perceber, Geraldo não
atualizara o seguro daquele carro. Assim, para indenizar a família (houve
vítimas fatais nos dois automóveis), precisou vender outro carro. Ao
mesmo tempo 4 ex-motoristas o processaram, pois atrasara os seus
proventos e tirara direitos que eles tinham a receber. Com os juros e
multas, acabou por vender outro carro. Mais dois motoristas demitidos,
indenizações a pagar, e outro carro seguia para a revenda.
Passaram-se 5 meses. A família mudara-se dali. Não frequentaram mais
aquela igreja. Não que Zulmira não protestasse; mas o marido estava
transtornado. O pastor nem sequer soube para onde foram. Sumiram. A
igreja tinha um prazo de 8 meses para desligar membros ausentes. A
igreja orava.
Numa quarta-feira, no culto de oração, enquanto o pastor lia o texto
responsivo com a congregação, eis que entram na igreja o Seu Geraldo e
a família. Foram direto para o empoeirado banco número 5, do lado
direito. O pastor sorriu, mas continuou o culto.
Parecia que a família estava feliz. A igreja estava perplexa. Mas continuou
a celebração. Cantaram os hinos do Cantor Cristão (hinário da igreja),
oraram, ouviram uma breve meditação e escutaram uns dois ou três
solos.
Antes de terminar, o pastor franqueou a palavra a quem quisesse contar
uma bênção ou pedir uma oração. O Seu Geraldo emocionou-se no
banco, mas sua esposa o abraçou afetuosamente. O pastor pensou que
alguém tivesse adoecido. Zulmira pediu a palavra para o Geraldo. O
pastor assustou-se, mas, em respeito a Zulmira, concedeu.
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Lá foram os 4 para a frente: Geraldo, Zulmira, Bruno e Aloísio. Seu
Geraldo pediu a palavra. Abriu a bíblia em Mateus 16.26, onde se lê: "De
que aproveita ao homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida?
ou que dará o homem em troca da sua vida?" A seguir, falou:
"Fui membro desta igreja por longos anos e taxista antigo no bairro.
Amava a Jesus e também a igreja. Um dia, há cerca de dois anos e meio
atrás, ouvi um pastor dizer que, como crente, eu tinha obrigação de ser
rico, de usar as credenciais de Filho do Rei. Não foi daqui não, foi um
pastor da televisão. Eu fiz um voto e ganhei o que pedi. Ganhei herança,
prosperei nos taxis e criei uma frota. Irmãos, (e agora Geraldo chorava),
antes eu nunca tivesse pedido isso pra Deus! Se ganhei dinheiro com a
frota, perdi a minha fé, perdi a minha família, a minha saúde, os meus
amigos e até a minha dignidade. Fumei, bebi, adulterei, pintei o caneco e
dancei o samba de uma nota só. De 51 carros, contando com o meu, perdi
tudo, exceto o meu velho taxi. Tirei a família da igreja e ganhei a
desgraça. De que vale querer ser rico, quando não se sabe ser fiel? Por
isso pedi pra Zulmira, essa heroína (agora era ela quem chorava), que
pedisse pro Senhor me ajudar, porque eu já não aguentava mais ter que
vender carros pra pagar processos na justiça, ex-funcionários,
tratamento de bebida, pagar propinas, etc. Eu deixei de dizimar, deixei
de vir aos cultos, deixei de ser fiel. Vim aqui pedir ao meu Deus e à minha
igreja: P E R D Ã O !!! PERDÃO, SENHOR! PERDÃO, PASTOR! (todos
choravam copiosamente). Eu perdi tudo, mas não perdi o meu Salvador!
Ele me deu mais do que eu merecia: me deu a salvação, me deu esposa,
filhos, um bom pastor e uma boa igreja! Obrigado, meu Deus! Antes com
Cristo sem riquezas materiais do que, tendo tudo, não ter nada! "
Foi uma choradeira geral. O pastor abraçou o irmão, osculou a esposa e
os meninos, e disse ao povo:
"Aprendamos, irmãos, que o verdadeiro Evangelho não é comida nem
bebida; Cristo não dá ouro ou bens para gastarmos segundo os nossos
prazeres. Ele até permite, quando insistimos demais, mas por nossa
própria conta e risco. Está aí o resultado das riquezas temporais: quando
postas em primeiro lugar, levam o homem à falência. Lembremo-nos do
que nos ensina o Senhor: "Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e
a ferrugem consomem, e os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai
tesouros no céu, onde nem a traça e a ferrugem consomem, nem os
ladrões minam e roubam. Porque, onde estiver o vosso tesouro, alí estará
também o vosso coração". Mt 6.19-21. E diz mais: "Buscai primeiro o
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Reino de Deus e a Sua justiça, e as demais coisas vos serão
acrescentadas". (Mt 6.33)
Seu Geraldo trouxe, do carro, um panelão de salsichas em molho,
preparado com amor por Dona Zulmira, e dois sacos de pão francês, que
pegara na padaria da esquina. Fizeram uma confraternização, um culto
de ação de graças. Foi lindo!
Dia seguinte. 5 da manhã. Lá vai o Seu Geraldo pela Avenida Brasil,
descendo com o seu velho chevrolet, passando em frente à casa dos
vizinhos. As frases soavam como música aos seus ouvidos:
- "Cuidado com os postes, Seu Geraldo! Não são de borracha não!"
- "Vê se vai pela sombra, Seu Geraldo! Cuidado com as costelas-de-vaca!"
- "Só passeando, né, Seu Geraldo?"
E ele, feliz da vida, foi fazer as corridas do dia, sem esquecer-se de que
também estava correndo uma outra corrida, a da consagração rumo à
vida eterna com Cristo. Agora sabia que era o homem mais rico do
mundo, pois tinha algo que o dinheiro não deu nem nunca dará:
felicidade.
- "Vai com Deus", dizemos nós também ao Seu Geraldo.
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A LOUCA ESTÓRIA DE UMA IGREJA
Era uma vez uma bela igreja. Seu povo era feliz e possuíam uma estrutura
bem harmoniosa. Tinham bons cultos, uma escola bíblica bem
frequentada, um pastor amoroso e música de qualidade. Mas um dia o
pastor deixou-a e ela montou uma comissão de sucessão pastoral.
Preparam um perfil, encontraram candidatos e escolheram um bem
capacitado. Tratava-se de um pastor de boa formação, com bacharelado,
mestrado e doutorado em teologia. Marcaram a posse, convidaram toda
a coletividade cristã e celebraram o início de seu ministério à frente da
igreja.
No primeiro mês ele ocupou-se em pregar dominicalmente sobre a
importância da democracia na vida da instituição cristã. Falou sobre a
relevância do poder do povo, pelo povo e para o povo e que uma igreja
democrática dava voz e vez a todos, independentemente de estar ou não
fundamentados na Bíblia ou nas doutrinas denominacionais, pois o que
caracterizava o povo de Deus era a mais pura e irrestrita liberdade para
tomar as suas próprias decisões. À porta da igreja um irmão bem
experimentado perguntou ao obreiro:
Pastor, onde fica a Palavra de Deus nesse sistema absoluto que o irmão
está propondo? Ela não é a nossa regra de fé e prática?
Irmão – disse o sábio pastor -, a Bíblia é a maior fonte de heresias na
história da igreja. Qualquer um pode defender qualquer coisa através de
uma leitura equivocada das Escrituras Sagradas. Além disso não temos
dúvidas de que certos textos estão comprometidos com a cultura da
época. Portanto, maior e mais importante do que a Bíblia e a voz da igreja
nas decisões que tomar.
Marcaram-se, então, reuniões para “repensar a vida da igreja”. O pastor
chamou toda a liderança para discutir o futuro da instituição e incentivou
as pessoas a proporem as suas questões de forma clara e defendê-las
com inteligência nas assembleias que se seguiriam. No começo todos
estavam acanhados. Mas quando os primeiros fizeram propostas os
demais perderam a timidez e colocaram livremente as suas opiniões. Ei-
las:
- Eu acho que os cultos deveriam ter espaços para informações sobre
profissões. Se a igreja não servir para orientações vocacionais não servirá
de nada.
- Eu gostaria que pudéssemos explorar livros espíritas na escola
dominical.
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- Eu gostaria de trazer os meus animais de estimação para assistir ao
culto; afinal, eles são criaturas de Deus.
- Eu proponho que a Ceia do Senhor seja realizada com garapa e
mandioca, uma vez que são elementos muito relevantes na cultura
brasileira. E que a música a ser cantada seja a MPB, pois tem algumas com
letras maravilhosas, como “Como é Grande o Meu Amor por Você”.
Aquele irmão que interpelara o pastor no início de suas pregações, sobre
o lugar da Bíblia nisso tudo, estava presente. E então pediu a palavra.
- Irmãos, o que é isso? Vocês estão malucos? Nós temos uma bíblia que
julgamos Palavra de Deus! Suas propostas não têm respaldo nas
Escrituras!
O pastor, com ares de deboche, interrompeu-o:
- Pois é, irmão, por causa de pessoas como você é que perdemos tanta
gente para o mundo. Transformamos a igreja num gueto de santos e
impedimos os pecadores de encontrar um lugar de acolhimento e de
linguagem inteligível. Faça suas propostas também, mas cuide de
defendê-las e encontrar apoio, senão, procure outra igreja tacanha como
suas ideias.
O povo riu, festejou a firmeza do ministro e continuou a propor.
Chegou o dia da assembleia. Eram tantos os assuntos que dividiram a
reunião em 3 sessões.
Ao final, aprovaram as seguintes questões:
- Que a Bíblia desse lugar ao Pequeno Príncipe, que era um livro muito
mais profundo que as Escrituras.
- Que em lugar do culto tivessem um show de talentos e que dessem por
prêmio os instrumentos musicais da banda da igreja.
- Que convidassem médiuns para fazer sessões de terapia espiritual para
as famílias;
- Que celebrassem casamentos homossexuais, que investissem no
aborto voluntário das adolescentes e na cirurgia de mudança de sexo;
- Que montassem uma ala para acolher seus animais na hora dos cultos e
que se celebrasse o culto fúnebre deles, enterrando-os no terreno da
igreja com cruz e placas com versículos;
- Que ordenassem 15 ministros, usando todos os títulos disponíveis:
pastor, apóstolo, pagé, guru, elder, padre etc.;
- Que abolissem o dízimo e fizessem a rifa dos carros da igreja e
montassem barracas de beijos para angariar fundos;
- Que demitissem o pastor e encerrassem a igreja por falta de relevância
na sociedade contemporânea.
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Com dificuldade conseguiram um advogado que desse sentido àquelas
propostas todas. Harmonizado o texto, registraram em cartório.
O resultado foi estonteante. O pastor foi demitido, os bancos foram
doados para salões de beleza e a igreja declarou falência, doando sua
propriedade para a sociedade brasileira de ateus cristãos.
Por fim, aquele irmão tão retrógrado escreveu numa cartolina pequena
um versículo, colocando-o ao lado da placa de “vende-se”, expressando
o seu lamento:
À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é
porque não há luz neles. (Is 8:20)
Obs.: qualquer semelhança com fatos reais NÃO É merca coincidência...
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A VELHA AGENDA DE TELEFONES
Paulo arrumava a garagem. Ele guardava tudo o que era usado e
supérfluo ali. Um autêntico depósito de tralhas, móveis velhos, papéis
amarelados, fotos antigas, máquinas quebradas. Era preciso arrumar
aquilo tudo.
Ao remexer numa velha caixa de bombons, cheia de papéis, encontrou
uma agenda velha. Ali estavam nomes e telefones de pessoas queridas,
velhos amigos, colegas de trabalho e de escola.
Paulo sentou-se e manuseou o velho caderno. Quanta recordação!
"Ah, o Sérgio. Grande colega! Trabalhávamos juntos na preparação de
dados dos documentos do banco. Como era cômico! Enquanto somava,
contava piadas. Eram tão ridículas e sem graça, que ficávamos perplexos
ao ouvi-lo. Só que ele mesmo ria e com tanto gosto, que não
aguentávamos e ríamos também! Ah, Sérgio! Por onde anda?"
"A Ritinha! Que menina! Cada dia uma história de atraso. Um dia era o
ônibus; no outro o trem; e no outro um velório. Não sei nem quantas
vezes ela foi ao velório da tia. A chefe sabia que era mentira, mas
relevava, pois era boa funcionária. Mas era fofoqueira. Nossa, como
gostava de contar sobre a vida alheia! Saiu da firma pra casar. Soube que
teve um filho. Como será que está?"
"Seu Pacheco! Como me esquecer? Já tinha seus setenta anos, vinha à pé
para a firma. Tomava conta do quadro de chaves do prédio. Tinha uma
barriga! Lembro-me quando entalou na catraca de entrada. Que sufoco
para sair! E como ele ficou bravo com a risada da gente! Depois o
aposentaram de vez, porque ele já não conseguia andar. Ora, ora, já deve
ter morrido. "
"Carlinhos! Éramos colegas de turma de office boys! Que turminha! Pela
manhã tomávamos café todos juntos, uns quarenta! A firma dava pão,
frios e refrigerante de máquina à vontade. Carlinhos comia seis pães
repletos! Ninguém ganhava dele. E não engordava. Será que hoje ele é
gordo?"
"Quanta saudade! Nunca me importei em saber como estão. Que vida
têm hoje? Quanto tempo faz? Deixe-me ver: 1979, 1982, 1985... Meu Deus!
Eu não acredito! Tudo isso? Será que estes telefones funcionam ainda?"
Paulo vê que os números são curtos demais. As linhas têm sete números.
Então resolve procurar na lista telefônica da internet. Ele os procura pelo
nome, pois os conhecia decór, pois auxiliava na distribuição das
correspondências internas da empresa.