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Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Educação
Disciplina: História Contemporânea Docente: Prof. Ana Maria Pessoa




   A Carbonária
Andreia Sofia Fernandes Martins, Licenciatura em Comunicação Social




                                2
Índice
Introdução                                                                      3

Capítulo I:
Sociedades Secretas                                                                 4

Capítulo II:
Carbonária em Portugal                                                          9

Capítulo III:
A Carbonária e a República Portuguesa                                          13

Capítulo IV:
O Destino da Carbonária                                                        18

Conclusão                                                                      21

Bibliografia                                                               23

Anexos                                                                         24
   • Pré-projecto                                                 25
   • Carta de Machado Santos publicada a 5 de Outubro              26
   • Imagens…                                                     27
         o Símbolo da Carbonária: Símbolo Solar (Estrela de 32 pontas)    28
         o “AltaVenta”                                                   29
         o Regicídio                                                     30
         o Documentos da Carbonária Portuguesa                            31
         o João Borges e José do Vale (à direita) fabricando uma bomba    33




                                          3
Introdução
        Este trabalho tratará de retratar a Carbonária, sociedade secreta, que existiu em
Portugal durante os séculos XIX e XX.
        Para muitos o conceito de sociedade secreta poderá parecer confuso, pelo que o
tentarei explicar no capítulo I deste trabalho. Os seguintes capítulos serão dedicados à história
da Carbonária, dando especial atenção à acção da Carbonária Portuguesa, que é a principal
responsável pela implantação da República a 5 de Outubro de 1910 em Portugal.
        A Carbonária está envolta em muitos mistérios e pouco se sabe sobre ela, alguma da
informação é contraditória e absurda. E até podem ter sido os carbonários a inventar a famosa
massa à Carbonara, como refere o site da Wikipédia, mas não o irei referir ao longo do meu
trabalho, embora o tenha acabado de afirmar subtilmente.
        Apesar de todos os rituais e termos confusos a Carbonária é, na verdade, muito simples
se lhe prestarmos um bocadinho de atenção…




                                               4
Capítulo I
                                    Sociedades Secretas

         As Sociedades Secretas pressupõem algo que complica assinalar a sua existência, o
secretismo, principalmente em relação aos seus membros. Porém tem-se conhecimento de
diversas sociedades secretas, como a Maçonaria, a Opus Dei, os Templários e a Carbonária,
assim como das suas actividades. Actualmente as sociedades secretas são olhadas com um
certo receio, sendo muitas vezes associadas a actividades terroristas, este não é, contudo, o
propósito de todas as sociedades.


         A noção de sociedade secreta é muito delicada, pois não são todas iguais entre si, pelo
contrário, a tendência é para se individualizarem com rituais, organização, temáticas e objectivos
diferentes. Alguns autores, como Serge Hutin, defendem a existência de dois tipos de
sociedades secretas: as sociedades secretas “políticas” e as sociedades secretas “iniciáticas”.
As sociedades secretas “iniciáticas” têm organizações mais complexas, têm muitas vezes
temáticas religiosas, «[…] procuram ser reconhecidas, ou pelo menos toleradas, pelos poderes
públicos […]»1 e têm uma duração que ultrapassa a realização dos seus objectivos. Por outro
lado, as sociedades secretas “políticas” estão marcadas por um secretismo inquebrável até à
realização dos seus objectivos, como mais tarde poderão constatar, uma vez conquistados os
objectivos e quebrado o secretismo a sociedade tende a “extinguir-se”. Geralmente, estas
sociedades surgem em oposição ao Estado, daí a necessidade de se fortalecerem
organizacionalmente, mas de forma muito discreta.
         Ainda segundo Serge Hutin, as sociedades secretas “políticas” surgem em tempos de
censura exacerbada, daí a necessidade de afirmarem os seus objectivos confidencialmente, e
também quando há descontentamento social.
         Algumas sociedades secretas mais conhecidas são:
                 •Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei, mais conhecido por Opus Dei, cujo o
                 significado é "Obra de Deus", foi criado a 2 de Outubro de 1928 pelo Beato
                 Josemaría Escrivá de Balaguer em Madrid. Pertencente à Igreja, a Opus Dei
                 tem por missão espalhar a mensagem de Deus, segundo a qual todos os
                 baptizados deverão procurar a santidade, assim a Opus Dei serviria de apoio
1
    José Brandão, Carbonária O Exército Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.120


                                                5
aos fiéis indicando-lhes uma via para a santidade nas suas vidas quotidianas.
Esta sociedade secreta surge no best-seller de Dan Brown "O Código de Da
Vinci", sendo extremamente divulgada pelos seus
rituais e pelo edifício que está a construir em Nova
Iorque. Pode-se, contudo, considerar uma publicidade
negativa que mostra uma sociedade secreta obstinada,
sem qualquer tolerância para com as outras religiões, e
que, no entanto, actualmente possui cerca de 80 000 Ilustração 1: Beato
membros.                                           Josemaría Escrivár,
                                                    fundador do Opus
•A Nova Ordem Mundial ou Illuminati é, alguns               Dei
acreditam, a responsável pela manipulação de todos
os acontecimentos mundiais durante os últimos séculos. Terá sido criada em
1776 por Adam Weisshaupt sob o nome de Illuminati Bavário. Os seus membros
seriam figuras religiosas, celebridades, líderes mundiais e do mundo dos
negócios que pretendem a formação de um só Governo a governar todo o
Mundo. A sua existência é muito contestada, pois, muitos consideram inviável
esta delegação altruísta quando todos os países têm interesses distintos.
•O Conselho de Druidas Britânico surgiu em 1989, contudo os Druidas
existem há mais de quatro mil e quinhentos anos, os seus rituais são milenares.
Esta sociedade secreta ainda não foi definida como religião ou simples
actividade cultural, mas sabe-se que, na Inglaterra, existem cerca de 10 000
Druidas.
•Os Homens de Negro é considerada uma sociedade secreta, muito embora
poucas provas existam da sua existência; para muitos não é mais que uma
alucinação ou mais uma teoria da conspiração. Os Homens de Negro seriam
indivíduos ou andróides ao serviço de um Governo cuja função seria esconder a
verdade sobre a existência de vidas noutros planetas. Estes aparecem após a
visualização de um OVNI (objecto voador não identificado). Para alguns estes
homens não trabalhariam para um Governo, mas pelo contrário seriam eles
mesmos alienígenas. Para a maioria das pessoas os Homens de Negro seriam
apenas Tommy Lee Jones e Will Smith, protagonistas do filme "Homens de
Negro".
•A Maçonaria é uma «[...] sociedade secreta cuja doutrina tem como rótulo a



                               6
fraternidade e a filantropia universais e que usa como símbolos os instrumentos
                    do pedreiro e do arquitecto (o triângulo e o compasso); franco-maçonaria»,
                    segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.


           A Carbonária está intrinsecamente relacionada com a Maçonaria, o que implica
conhecer melhor esta última para entendermos melhor a primeira.
           No século XVIII o Iluminismo influenciava profundamente a Europa com os seus ideais
de aperfeiçoamento individual e social, assim como na busca da Razão. É sob a luz deste
movimento que surge a Maçonaria, Fraternidade dos Franco-maçons, Fraternidade dos
Pedreiros Livres ou ainda Fraternidade Iniciática e Simbólica, inicialmente em Londres, mas logo
se alastrou por toda a Europa. Pressupõe-se que tenha chegado a Portugal em 1735, sendo
essa a data em que foi admitida na Grande Loja de Londres a «Loja dos Hereges Mercantes»
situada em Lisboa; inicialmente os membros destas lojas eram essencialmente estrangeiros.
            Os ideais maçónicos atraem a antipatia da Inquisição, que persegue todos os que se
relacionam com a Maçonaria. Por outro lado na Inglaterra a Maçonaria continua a ganhar
adeptos, aumentando o desdém tanto à Inquisição como às consideradas Monarquias Católicas.
Entre 1760 e 1770, com a governação do Marquês de Pombal, os franco-maçons deixam de ser
perseguidos pela Inquisição em Portugal, facilitando o seu crescimento dentro das classes
instruídas, aristocracia e exército; há várias provas de que os seus membros se deslocavam ao
estrangeiro para lá serem iniciados.
           Com a subida ao trono de D. Maria I e o exílio do Marquês de Pombal, as perseguições à
Maçonaria recomeçam, por se considerar que esta se oponha ao Governo e à Igreja. Apesar de
tudo, surge, em Julho de 1806, a primeira Constituição Maçónica Portuguesa. Durante os seus
primeiros setenta anos de existência a Maçonaria Portuguesa esteve sempre muito dependente
da Grande Loja de Inglaterra, assim como dos arrufos da Inquisição, mas a verdade é que se
manteve sempre muito fiel ao governo legítimo de Portugal, como se pôde comprovar quando
ocorreram as invasões Napoleónicas.
           Um acontecimento importante na história da Maçonaria Portuguesa foi a execução do
General Gomes Ferreira2 de Andrade sob ordens do Marechal Beresford. Gomes Freire de
Andrade, como Grão-Mestre da maçonaria, conjurava uma revolução contra o regime
administrativo do Marechal Beresford, morrendo pela causa maçónica.
           Liberdade, Igualdade e Fraternidade, os princípios da Revolução Francesa, são também
os ideais da Maçonaria, era sob estes pretextos que conjuravam. A 5 de Junho de 1823 D. João
2
    Recordar a peça de teatro, da autoria de Luís Sttau Monteiro, “Felizmente há luar”.


                                                       7
VI, que entretanto adquirira o trono, declara que perdoaria de penas rigorosas todos aqueles que
pertencessem a sociedades secretas, desde que renunciassem a elas até 23 de Junho desse
ano. A guerra contra os liberalistas estava declarada e os maçónicos tornaram-se o alvo, não só
pelo governo como pelo povo, que via a sociedade secreta elitista com desconfiança.
       A 24 de Agosto de 1833 o exército liberal toma Lisboa aclamando D. Pedro IV, que
acaba por subir ao poder. É importante saber que D. Pedro IV era o Grão-mestre da Maçonaria
Brasileira e defensor do liberalismo constitucional. A Maçonaria ganha novas liberdades em
Portugal para lutar pelos seus propósitos iluministas, desenvolvendo vários esforços pelo
progresso humano e social.
       Entretanto por toda a Europa as ideias republicanas ganham força e os ideais
republicanos atraem a Maçonaria. Assiste-se a uma aumento visível dos clubes republicanos,
sendo que em 1876, constituído por trinta e três membros, o directório do Partido Republicano
Português é eleito. É sob o propósito da República que surge a Carbonária, que segundo se
afirma é constituída unicamente por maçónicos. Com a queda da Monarquia e a instauração da
República, a Maçonaria passa a ser considerado requisito para todos os que pretendem fazer
carreira na função pública, levando à duplicação do número de maçons para quatro mil.
Presidentes da República como Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida
pertenceram à Maçonaria, assim como, até 1926, metade dos ministros governos provisórios.
       Sem grande oposição a Ditadura Militar é instaurada a 28 de Maio de 1926 pelo General
Gomes da Costa. O novo Estado só vem trazer dissabores à Maçonaria. Quando Oliveira de
Salazar se torna chefe do Governo, a maçonaria vê-se forçada a maiores cuidados dada a
perseguição constante que levou ao seu enfraquecimento. Em 1935 o deputado José Cabral
apresenta então um projecto de lei segundo o qual a agregação a sociedades secretas por
cidadãos portuguesas era punida com o desterro ou prisão. Acredita-se que muitos maçons
preferiram emigrar e continuar a exercer as suas actividades maçónicas em lojas estrangeiras.
        Apesar da oposição a Maçonaria prevaleceu sob o Fascismo e dura até hoje, tanto é
que em 2002 o Dr. António Arnault foi eleito para o Grão-mestrado do Grande Oriente Lusitano,
embora não esteja unificada.


       Existiram e existem milhares de sociedades secretas espalhadas pelo Globo, referi
apenas algumas delas. Durante a minha pesquisa encontrei várias referências às polícias
políticas, agências de inteligência e contra-espionagem como sociedades secretas; se podem ou
não ser consideradas como tal, não me atrevo a afirmar, mas a verdade é que possuem algumas
características comuns. Para muitos a CIA (Agência Central de Inteligência, dos Estados Unidos


                                               8
da América), o MI-5 (Serviço de Segurança pertencente ao Reino Unido), o KGB (Comité de
Segurança do Estado, que actuou sobre a URSS até 1991), DGSE (Direcção Geral da
Segurança Exterior, da França) entre outras agências são sociedades secretas.
       No fundo a base de todas as sociedades secretas é a conspiração, essa é a actividade
que mais as caracteriza, mais do que os rituais, por mais complexos e engraçados que sejam.




                                              9
Capítulo II
                                 Carbonária em Portugal

        Tudo o que rodeia a Carbonária é misterioso e ténue; muito dificilmente poderei afirmar
com convicção que tal facto ocorreu de tal modo, em tal data e por tais pessoas, porque tudo é
vago e suspeito, por isso tentarei relatar o percurso da Carbonária com a menor margem de erro.
Vou tentar deixar de lado os “se…” e os “terá” e partir do princípio que aconteceu do modo que
estou a relatar, ou daria por mim a usar demasiadas vezes termos que só despertam
desconfiança no leitor e confeririam ao texto pouca credibilidade.
        As origens da Carbonária remontam ou ao século XI na França ou ao século XIII na
Itália, não havendo consenso neste assunto. Para uns a Carbonária surge pelas mãos dos
franceses que, seguindo S. Teobaldo, conde de Champagne, teriam iniciado a actividade
carbonária. Do século XIII ao XV a Itália esteve dividida pela luta entre os Guibelinos e os
Guelfos, muitos defendem que os Guelfos deram início à sociedade secreta reunindo-se nas
choças dos carvoeiros. Outros ainda, dizem que a Carbonária terá nascido em Hanover, na
Itália, sendo os seus membros carvoeiros e lenhadores.
        Diversas características na Carbonária remetem-nos mais para a Itália do que para a
França; senão vejamos a designação “Carbonária”, na Itália carbonaro significa carvoeiro e a
organização da sociedade recorre à designação de choça, que remete também para os
carvoeiros. Contudo esta dúvida não deixa de ter pouca importância, tendo em conta que
António Luz de Almeida se inspirou em Giuseppe Mazzini, herói da Carbonária Italiana e não da
Francesa, para fundar a Carbonária Portuguesa.
        Tem-se conhecimento de poucos “heróis da Carbonária”, a divulgação era escassa, o
que se justifica pelo pacto de secretismo inquebrável partilhado pelos membros da Carbonária,
pelo menos até serem atingidos os seus objectivos. Contudo, são muitas vezes evocados
Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi3.



3
  Giuseppe Garibaldi (na figura ao lado, Ilustração 2) nasceu em
Nice, na França, em 1807, mas travou batalhas em nome do
liberalismo na Itália, no Brasil, no Uruguai e na guerra Franco-
Prussiana, ficando celebrizado pelo nome “herói de dois mundos”.
Recentemente, a acção de Giuseppe Garibaldi na Guerra
Farroupilha foi passada para o ecrã pela TV Globo com a célebre
mini-série “A casa das sete mulheres”.

                                                10
A Carbonária em conjunto com a Maçonaria travou diversas lutas, nomeadamente,
foram responsável pela unificação da Itália em 1870; assim começou uma ligação de se torna
muitas vezes complicada de quebrar e que leva várias pessoas a acreditar que a Carbonária é
uma espécie de secção maçónica, sendo muitas vezes referida com Maçonaria Florestal. Apesar
de se terem unido para atingir objectivos comuns a Carbonária e a Maçonaria são sociedades
muito distintas. No caso de Portugal a confusão intensifica-se quando a Carbonária renasce
dentro da Maçonaria.
        A Carbonária foi trazida para Lisboa em 1822 pelo Coronel Pizza e o General Pepe, dois
italianos que vieram com esse mesmo propósito a Portugal. Trinta anos depois a Carbonária
tinha-se expandido até Coimbra, Soure, Figueira, Anadia, Cantanhede, Pombal, Ílhavo e Braga,
mantendo-se em actividade até 1864, ano a partir do qual não se tem conhecimento de qualquer
actividade.
        Até que Duarte Luz de Almeida, em 1896, na altura a frequentar o Curso Superior de
Letras de Lisboa, inspirado pelos revolucionários da Carbonária Italiana, resolve formar ele
mesmo um grupo revolucionário com os seus colegas. Luz de Almeida pertencia à Maçonaria
Académica ou Comité Revolucionário Académico, a Carbonária Portuguesa surge assim como
Venda Jovem Portugal formada por estudantes ansiosos por acção, supostamente preparados
para uma revolução armada, cujo propósito impulsionador era derrubar o regime vigente,
substituindo-o pela República.
        Um acontecimento importante que influenciou o surgimento da Carbonária Portuguesa
foi o Ultimato que a Inglaterra fez a ao Governo português que exigia que retirássemos as
nossas tropas entre Angola e Moçambique. O Governo português dada a dependência
económica, assim como receio de uma invasão, cedeu à “última ordem” da Inglaterra. Com o
orgulho ferido o descontentamento cresceu no seio da sociedade portuguesa.
        Nesta fase inicial quase tudo na Carbonária lembra a Maçonaria, a liturgia, os rituais e as
iniciações. Esta ligação intrínseca Maçonaria-Carbonária será efémera.
        A sociedade secreta tinha uma organização interna bastante simples: cinco «primos»
constituíam uma «canteiro», quatro «canteiros» uma «choça», os chefes de cada cinco
«choças» uma «barraca» e os chefes de cada cinco «barracas» uma «venda». Por fim, o órgão
“supremo” seria a Alta Venda. O Grão-mestre, Duarte Luz de Almeida, era portanto o
representante primordial da sociedade secreta. Sabe-se ainda da existência de uma fileira ultra
secreta, designada por “Coruja”, no topo da hierarquia, que organizava os acontecimentos de
maior relevo.



                                               11
Era a Alta Venda quem tomava as verdadeiras decisões dentro da Carbonária. Uma das
principais discussões a marcar a história da Carbonária Portuguesa foi a de permitir ou não a
admissão do chamado povo, classes sociais inferiores. Aprovada a proposto a recente
sociedade secreta perde grande parte dos seus membros, mas ganha um novo ânimo com a
entrada de elementos populares.
           Dentro da Carbonária acaba por se criar uma divisão entre os carbonários anarquistas
«puritanos» (que não colaboravam com o Partido Republicano Português) e os carbonários
anarquistas «intervencionistas» (que ficaram conhecidos pelos seus rituais iniciáticos
excessivamente teatrais que, por ocorrerem sempre ao ar livre, chegaram a ser realizados na
Serra de Monsanto). Associados ou não ao PRP, anarquistas ou republicanos todos os
carbonários eram liberalistas e defendiam os ideais da Revolução Francesa: Liberdade,
Igualdade e Fraternidade.
           A todos os que se queriam juntar à Carbonária eram exigidas duas coisas fundamentais:
sigilo e uma arma. Os primos não poderiam revelar a ninguém, nem mesmo à família, que
pertenciam à Carbonária e muito menos revelar a identidade dos seus primos. «Estás disposto a
pegar numa arma, carabina, revólver, punhal ou bomba, esperares onde quer que seja um tirano
do povo para executares nele justiça sumária?»4, era uma questão habitual a todos os que
pretendessem integrar a ordem.
           É neste ponto que a Carbonária mais se demarca da Maçonaria, pois, enquanto esta
agia segundo princípios de convivência e transigência, a Carbonária era apologista do uso da
força para atingir os seus propósitos e afastar todos os que se lhe opunham.
           Em 1900, e Lisboa, surge a Loja “Montanha” pelas mãos de alguns carbonários, entre
eles Luz de Almeida. Esta teve um papel fundamental na doutrinação republicana. Foi através
dela que se fizeram grande parte dos contactos entre a Carbonária e a Maçonaria.
           A Carbonária adquire nova força em 1907, por esta altura Luz de Almeida trabalha na
Biblioteca Central da Câmara Municipal de Lisboa, e volta a conspirar activamente. A afiliação de
novos membros foi levada a cabo por diversos primos, entre eles João Chagas (jornalista),
Cândido do Reis (vice-almirante reformado), António José de Almeida (deputado), o Visconde da
Ribeira Brava e Machado Santos (que trabalhava na comissão de compras da Armada).
           António Maria da Silva entretanto havia decidido criar uma ordem secreta sua e, ao
juntar filiados, vai arrancando membros à Carbnonária, levando Luz de Almeida a escrever ao
ex-colega de liceu. Este pequeno contratempo culminou na união destes dois homens. Por outro
lado, Machados Santos, homem crucial na implantação da República, como se notará
4
    José Brandão, Carbonária O Exércto Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.31


                                                    12
posteriormente, dedica-se, a contra gosto de Cândido dos Reis, a agregar membros da Marinha
à Carbonária, sem conseguir porém atrair os oficiais superiores. Foi pelo bairro de Alcântara que
Santos começou a combinar com praças e cabos a entrada na Carbonária Portuguesa. A
actividade de Machado Santos não passou despercebida a Luz de Almeida que o chamou para,
juntamente com António Maria da Silva, formar o poder executivo da Venda Jovem Portugal, a
“Alta Venda”. Forma-se o trio que representará para sempre a Carbonária Portuguesa: Luz de
Almeida, António Maria da Silva e Machado Santos (Anexos – Imagens…)
           O recrutamento intensificou-se alastrando-se das escolas, oficinas e cafés aos lugares
mais provincianos e recônditos. Mas a organização pecava pela ineficácia, acima de tudo, por
não haver união entre os chefes que, competindo entre si, acabavam por conjurar uns contra os
outros. No entanto, a Carbonária não tinha problemas em angariar afiliados, o descontentamento
acirrou-se com a Ditadura de João Franco, chefe do Governo, lá colocado por D. Carlos I. A
adicionar à intolerância de Franco, a família real vive num “ far niente” muito dispendioso que só
piora a crise económica do país. Todos se sentem ultrajados, Afonso Costa (deputado) declara,
na 34º Câmara de Deputados, entre outras coisas: «Por muito menos crimes do que os
cometidos por D. Carlos I rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI! […] E mais ordena o povo,
solenemente, que, logo que tudo esteja pago, diga o Sr. Presidente do Conselho ao Rei:
           -Retire-se, Senhor, saia do País, para não ter de entrar numa prisão, em nome da lei!
…»5.
           A 28 de Janeiro de 1908 dá-se uma revolução republicana em Lisboa, que não tem o
resultado esperado, mas vem afirmar a utilidade da Carbonária. Contudo, a 31 de Janeiro, João
Franco leva D. Carlos I a assinar um decreto que permitia ao Governo eliminar todos os que
discordassem da sua política. Consta que o rei terá murmurado, ao assinar o decreto: «Assino a
minha sentença de morte.»6. E de facto, assinou…




5
    José Brandão, Carbonária O Exército Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.42
6
    José Relvas, Memórias Políticas, 1º vol., Lisboa, 1977, p.79


                                                     13
Capítulo III
                          A Carbonária e a República Portuguesa
           Dia 1 de Fevereiro de 1908, um sábado, a caminho do Terreiro do Paço, D. Carlos I, o
Príncipe Luís Filipe (seu sucessor) e o Infante Manuel atravessam Lisboa no seu landau. Com o
pressuposto inicial de assassinar João Franco, Manuel Buiça e Alfredo Costa, carbonários,
disparam, respectivamente, sobre el-rei e o Príncipe, matando-os. «A vossa obra, Senhor
Presidente»7, dirá D. Maria Pia, a rainha-mãe e figura mais querida da família Real, a João
Franco, apontando para os corpos do filho e neto. João Franco é trocado por Ferreira do Amaral
e D. Manuel II substitui o pai.
           Embora tenha sido a “Coruja” a responsável pelo planeamento do regicídio; Luz de
Almeida só sabe da morte do rei quando é libertado da esquadra das Mónicas a 6 de Fevereiro.
A 5 de Junho Machado Santos, que conjuntamente com António Maria da Silva ridicularizava os
rituais iniciáticos, é iniciado na Loja “Montanha”. O terreno para a República é delineado do Norte
ao Sul do país. No Norte, António Granjo e Adelino Samardã transformam Vila Real, Viana do
Castelo e Braga em importantes núcleos carbonários, assim como o tenente da Marinha Fiel
Stockler e o Dr. Celorico Gil fazem o mesmo no Algarve.
           A Carbonária foi, desde sempre, anticlerical, portanto, não foi nenhuma surpresa quando
o Papa Pio VII a condenou. Esta decisão só veio enaltecer uma raiva já existente pelas
instituições religiosas, que estavam longe de viver na miséria que afectava metade da população
portuguesa. Mesmo os portugueses sendo maioritariamente católicos estes desmandos do Papa
só trazem mais adeptos à Carbonária.
           Apesar de querer controlar a Carbonária Portuguesa a Polícia viu-se sem opção ao
deparar-se com milhares de militantes, dando assim a investigação por encerrada. A acção
policial não deixa de ser cómica, os erros sucedem-se de tal modo que, com o intuito de
vasculharem a casa de Machado Santos, enganam-se no andar e arrombam a porta do seu
vizinho.
           A 10 de Outubro de 1909 surge, no fundo da Falésia da Boca do Inferno, o corpo
mutilado de Nunes Pedro, carbonário, que roubava cartuchos, no seu emprego na Alfândega,
para vender à causa da revolução. Contudo, Nunes Pedro foi descoberto e refugiou-se em
Badajoz, ameaçando falar sobre a Carbonária, quebrando o juramento e pondo em causa a
Ordem, pagou caro pela traição. António Maria da Silva assegura que nem a Carbonária, nem

7
    José Brandão, Carbonária O Exército Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.57


                                                     14
Luz de Almeida têm algo a ver com o chamado «crime de Cascais», porém Luz de Almeida vê-
se forçado a abandonar o país rumo à França.
       A Carbonária vê-se então sem Grão-mestre e aqui as versões variam: José Brandão diz
que Luz de Almeida nomeou António Maria da Silva para Grão-mestre, porém Eurico Lage
Cardoso refere que Machado Santos passa a ser a figura mais relevante dentro da Ordem. Facto
é que Machado Santos passa a dirigir a Loja “Montanha”.
       Mesmo sem o seu fundador e principal propulsor a revolução republicana tinha que
continuar, mas as perspectivas não eram as melhores. Apesar de se exigir aos filiados o porte de
arma e respectivas munições, a verdade que poucos tinham uma arma ou sabiam sequer utilizar
uma. Por outro lado, também não havia dinheiro para as comprar e sem dinheiro seria difícil
levar adiante a revolução. Conscientes destes factos os dirigentes tentaram arrecadar fundos,
sem muito sucesso; em última instância decidem que todos os “Bons Primos” deveriam tomar
por amigo um militar conquistando-o para a causa carbonária. E assim a Carbonária foi
ganhando força no seio das forças militares. Não foi, contudo, dentro do Exército que a
Carbonária adquiriu mais apaixonados, mas sim na Marinha, em que conseguiram filiar
indivíduos de alta patente. Longe de ter as condições materiais ideais a Carbonária formava
assim um autêntico Exército Republicano desejoso de derrubar a Monarquia.
       Com o crescimento exponencial da Carbonária, tanto esta como o Partido Republicano
Português, viram-se forçados a unir esforços. Dois deputados mantêm um diálogo sólido com a
Carbonária, assegurando a sua ligação ao PRP, António José de Almeida e João Chagas. O
primeiro mostrava-se profundamente entusiasmado, o segundo céptico para com o que
designava por “ridículo «baile de máscaras»”. No obstante, com o avanço revolucionário o
Directório do PRP conseguia armas que se recusava a entregar ao braço armado da revolução,
a Carbonária, gerando na “Alta Venda” o desejo de afastar o PRP do Movimento.
       As batalhas eram constantes, nunca houve uma frente única, pois todos queriam fazer à
sua maneira e defendendo os seus interesses. Surgem assim novas sociedades secretas,
nomeadamente uma nova Carbonária, liderada por José Cordeiro Júnior e com sede na Loja
maçónica “Acácia”. Esta “nova” Carbonária vem em oposição à “Alta Venda”.
       Tem-se conhecimento de duas sociedades carbonárias durante este período: a
Carbonária Portuguesa, de Luz de Almeida, e a Carbonária Anárquica ou Lusitana, que não será
a mesma de José Cordeiro Júnior, o que gera alguma confusão. Mas, a verdade é que, a
Carbonária que mais lutou pela República foi a Carbonária Portuguesa.
       A revolução aproxima-se, precipitada por Machado Santos e Cândido dos Reis que a
queriam fazer a 16 de Julho de 1910, mas acabam por ser forçados a adiar. A propósito do clima


                                               15
que se vivia Cândido dos Reis terá dito a Machado Santos: «Homem! republicanos há muitos,
revolucionário há poucos; não tenha ilusões. Pode-se ser bom republicano e mau revolucionário;
com poucos ou com muitos devemos ir para a frente, para tentarmos salvar este desgraçado
país. Mas, não se iluda: se formos vencidos, os que se dizem republicanos, para que não se
suspeitem, comandarão, como os outros, os pelotões de fogo que nos hão-de fuzilar.»8.
           Estabelecer uma data revelou-se tortuoso, por fim, os revolucionários chegam a
consenso: sairiam para a rua à uma da manhã do dia 4 de Outubro, do presente ano de 1910.


           Ficara ainda estabelecido nessa reunião que o vice-almirante Cândido dos Reis seria o
chefe militar da revolução e o Dr. Miguel Bombarda o chefe civil. Porém, dia 3 de Outubro pela
manhã, o Dr. Miguel Bombarda é assassinado no seu gabinete por um antigo paciente, o tenente
Aparício Rebelo. O Dr. Bombarda, que havia feito um percurso glorificante dentro do Movimento,
estava responsável pela partição das armas pelos civis. Imparável, Machado Santos continua a
tomar as suas previdências, nomeadamente com Carlos da Maia para envolver a Marinha na
Revolução. As atitudes de Machado Santos são tudo menos cordiais, por exemplo, no dia 3 de
Outubro pelas 20 horas todos os chefes militares e republicanos reúnem-se num andar na rua da
Esperança, Machado Santos não aparece. Pelo contrário, invade por volta dessa hora o Quartel
de Infantaria 16 e mais tarde a Artilharia 1.
           Tudo na revolução acontece por desorganização, tanto de um lado como do outro. Às
duas da madrugada o segundo-tenente Aragão e Melo diz a Cândido dos Reis que a revolução
fracassara, este, francamente desiludido, comete suicídio sendo o seu corpo encontrado por
volta das sete da manhã. E assim o Movimento perde os seus chefes civil e militar.
           No entanto a revolução prossegue na Rotunda… Muitos eram os que abandonavam o
Movimento, achando a causa perdida, Machado Santos, António Maria da Silva e Malva do Vale
não arredaram pé. Os populares, muitos deles pertencentes à Carbonária, compensavam a falta
de jeito para as armas com apoio aos militares que não abandonavam a causa. “Era preciso
fuzilar esses cobardes!… Fugiram…»9, gritavam. Os oficiais, que não concordavam com a
metodologia de Machado Santos e Cândido dos Reis, abandonaram, antes de mais, o
comissário naval que, de resto, por incompatibilizar com maior parte dos oficiais mal lhes falou.
           A fileira fiel ao Governo atacou os revoltosos
da Rotunda sob o comando de Paiva Couceiro,
Couceiro estava em desvantagem em soldados e

8
    José Brandão, ob. cit. (introdução) p.7
9
     J. Veríssimo Serrão, ob. cit., p.57


                                                16
                                                            Ilustração 3: Revoltosos da Rotunda
artilharia. Machado Santos possuía duzentos militares e a Carbonária, que se revelou se pouco
uso. Os populares não estavam armados e pouco percebiam, «[…] entretiveram-se a construir o
que Machado Santos chamou de teóricas barricadas»10, que provocaram mais estorvo que
protecção.
          A Infantaria 2 abandonou Couceiro e vários militares escapuliram-se pelo túnel do
Rossio, juntando-se aos revoltosos. A coluna do Governo estava ainda infiltrada por maçons e
carbonários que boicotavam a resposta aos revoltosos. Mais tarde a Armada, tomada de assalto
por Carlos da Maia, desloca-se para o Rossio atacando as forças resistentes do Governo.
Algures entre toda a confusão, às oito horas do dia 5 de Outubro, uma bandeira branca é içada
no Quartel-General do Rossio. Essa bandeira simbolizava apenas um armistício de uma hora,
reivindicado pelo Barão Bodmann, Encarregado de Negócios da Alemanha, para que os
estrangeiros pudessem abandonar Lisboa.
          Enquanto o diplomata alemão negociava com António Maria da Silva, Machado Santos
monta o seu cavalo (um sonho tornado realidade), dirige-se ao Quartel-General do Rossio e
afirma perante o general Rafael Gorjão: «Perdão! Assinei um armistício de uma hora para
principiar às 8¾. Falta ainda um minuto para ele começar, mas a República está proclamada e
peço a V. Ex.ª que a reconheça»11.




                          Ilustração 4: Comissário Naval Machado Santos


10
     Machado Santos, ob. cit., p.40
11
     Eurico Carlos Esteves Lage Cardoso, Machado Santos “O Fundador da República”, ob. cit., p.43


                                                   17
O Rossio fica em festa, apesar da afirmação ainda não ser totalmente verídica, as tropas
e o povo comemoraram. E assim foi instaurada a República Portuguesa, com Teófilo Braga na
Presidência.




                          Ilustração 5: A República, 5 de Outubro




                                             18
Capítulo IV
                                         O Destino da Carbonária
           Com a República implantada, a Carbonária via o seu objectivo conquistado.
                                                O Rei D. Manuel II havia-se refugiado em Mafra
                                                desde o dia 4 de Outubro. Um Governo
                                                Provisório foi constituído. Contudo, Machado
                                                Santos subira a Avenida a 4 de Outubro e lá
                                                continuava, de lá mandou publicar um texto
                                                (Anexo 1 – p.24) em que declara «A luta
                                                terminou!»12 e promoveu 102 praças pela sua

     Ilustração 6: Rossio a 5 de Outubro        coragem revolucionária. Foi na mesma Avenida
               de 1910, Lisboa                  que o Governo Provisório o foi encontrar a 9 de
                                                Outubro. A ideia de Machado Santos era criar
uma espécie de Exército da República com todos aqueles que permaneceram a seu lado, mas, o
Governo Provisório, um pouco avesso à Carbonária, ofereceu aos mesmos soldados regalias,
que eles preferiram à defesa da República. Resignado, Machado Santos retira-se.
           Com a vitória nas mãos da Carbonária os carbonários não resistem a quebrar o sigilo e
desfrutar da glória da conquista. Ser-se carbonário era uma honra, um privilégio, pelo menos
assim lhes parecia. Desde aqueles que abandonaram a Rotunda na hora da verdade, até a
alguns dos monárquicos mais ferrenhos, todos se gloriavam da República.
           Até ao final de 1910 Afonso Costa, Ministro da Justiça, toma medidas que começaram
por agradar a alguns, mas que para outros foram meras ofensas. Estava claro desde o início que
com a queda da Monarquia surgiria um Estado laico, mas o que se verificou foi uma perseguição
à Igreja. Por um lado as leis e por outro a vontade de muitos em agradar à “República”, isto
traduziu-se em descontentamento nos meios religiosos e em agitação social, dado que Portugal
sempre estivera ligado intimamente à Igreja. A Lei da Separação da Igreja e do Estado,
decretada em Abril de 1911, deixa os católicos ultrajados. Outra das leis reconhecida por Afonso
Costa foi o direito à greve, que levou à paralisação do país e à necessidade de intervir até
militarmente para as combater.
           Apesar de todos os problemas, o Governo não esqueceu o perigo da Carbonária.
Tentaram “comprar” os principais dirigentes da Ordem, como Machado Santos, «Porém, nem ele

12
     Machado Santos, Ordem nº. 1, 1910


                                                19
nem a maioria dos chefes da Carbonária mostraram particular propensão para o suicídio político
e foi preciso descobrir métodos mais eficazes para os liquidar.»13.
           Machado Santos desenvolve um ódio cego contra Afonso Costa e Bernardino Machado,
fazendo de tudo para atacar o primeiro. Machado Santos esforça-se para ser ouvido pelo
Governo e tomar parte na República que implantou, mas é quase sempre ignorado. Entretanto, a
Luz de Almeida, que regressou de Paris assim que a República foi instaurada, não lhe agrada
que Machado Santos se auto-intitule de chefe da Carbonária.
           A 24 de Agosto de 1911 é eleito o Dr. Manuel de Arriaga como primeiro Presidente da
República. Em Outubro, o capitão Paiva Couceiro tenta ressuscitar a Monarquia, sendo o
movimento chamado de “Monarquia do Norte”, por se desenrolar no Norte do país. O que se
seguiram foram uma série de ministérios efémeros que não ajudavam em nada a regularizar a
situação do país.
           Será que a Carbonária, dados todos os problemas que a cercam, prevaleceu após a
implantação da República?
           Sim. Por muita má vontade que o Governo tivesse a verdade é que seria difícil apagar o
espírito revolucionário que a Carbonária plantou nos seus milhares membros, que se supõe que
chegou a ter na época da Revolução republicana. E, é sabido que o objectivo fundamental
estava cumprido, mas a “Monarquia do Norte”, assim como a instabilidade política mantiveram a
Carbonária activa durante algum tempo. Machado Santos, alguns meses após a implantação da
República, defendia já uma nova revolução. E em 1913 há realmente uma manifestação
organizada pela Carbonária e pelos Voluntários da República contra o Governo. Note-se que, os
monárquicos investiram sempre contra a República, conseguindo implantar em 1919 a
“Monarquia do Norte”, que os carbonários decidiram combater. Pode-se afirmar até que assim
que se desistiu da Monarquia a Carbonária foi-se desvanecendo.
           Machado Santos foi uma das vítimas do “Dente de Oiro” na malfadada Noite Sangrenta,
a 19 de Outubro de 1921, juntamente com outros carbonários Carlos da Maia e António Granjo.
António Maria da Silva, pelo contrário construiu uma carreira política consistente, chegando a
chefe de Governo em 1922 e em 1925.
           Luz de Almeida morre durante o Estado Novo de Salazar, em 1939, esquecido.
           Em 1926, é instaurada a Ditadura Militar graças à revolta militar de Braga liderada por
Gomes da Costa, e atribui-se o fim da Carbonária a essa data. Aí sim, «A luta terminou!»14.



13
     Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo, p.156
14
     Machado Santos, Ordem nº. 1, 1910


                                                     20
Conclusão
           A Carbonária é uma ordem armada, sigilosa, de organização hierárquica, apologista do
uso da força, anti-clerical, anti-religiosa, liberalista, defensora dos ideais da Revolução Francesa
(Liberdade, Igualdade e Fraternidade), com ritos próprios e cumprimentos que protegem a
identidade dos seus membros.
           A Carbonária Portuguesa, tendo em conta o seu percurso histórico, é facilmente
classificada como sociedade secreta “política”. Assim podemos declarar que a Carbonária se
comportou como tal, durante a sua existência serviu de oposição ao Estado, foi extremamente
sigilosa e, quando o seu objectivo foi atingido, extinguiu-se tão brevemente como surgiu.
           O principal responsável pela ascensão da Carbonária em Portugal foi Duarte Luz de
Almeida, que criou a Carbonária Portuguesa em 1896. Juntamente com Machado Santos e
António Maria da Silva formaram a “Alta Venda”, órgão máximo da Carbonária. Apesar de ser
muitas vezes associada à Maçonaria, a Carbonária afasta-se significativamente desta sociedade
secreta pelo seu carácter militante, que os leva a usar a força na busca pelos seus objectivos.
Por outro lado, a Maçonaria é uma sociedade claramente elitista, não é «para todos os bolsos» 15,
ao contrário da Carbonária que permitia afiliar pessoas de qualquer escalão social. Esta opção
da Carbonária valeu-lhe a saída de diversos militantes em 1986 que não concordavam com a
afiliação do povo à ordem.
           Não se julgue, porém, que por isto a Carbonária Portuguesa fosse uma ordem
democrática, pois não o era. Primeiro, porque a “Alta Venda” não era eleita pelos membros da
ordem, o que por si só é arrancar à Carbonária qualquer teor democrático que tivesse. E,
segundo, os «primos» não podiam contactar nem os chefes, nem a organização do Partido
Republicano. Para uns a Carbonária foi uma sociedade heróica pelo seu carácter popular e
podemos olhá-la como tal, pois apesar de nunca ter demonstrado especial respeito pelos
afiliados das classes sociais inferiores, fosse porque interesse maléfico fosse, pelo menos
permitiu-lhes afiliarem-se.
           Na História de Portugal podemos encontrar uma intervenção enérgica da Carbonária nos
seguintes acontecimentos: tentativa revolucionária de 28 de Janeiro, regicídio, Revolução de 5
de Outubro e consequente queda da Monarquia e na luta contra a chamada “Monarquia do
Norte”.
           O comportamento dos seus mais altos dirigentes nem sempre foi o mais ético e altruísta.
Na História de Portugal de José Mattoso, a “Alta Venda” é referida como símbolo de despotismo
15
     José Brandão, ob. cit. (introdução) p.6


                                                  21
dos três burgueses que a constituíam e que faziam de tudo para “aparecer”.
       Exprimindo a minha opinião pessoal e depois do bilião de textos sobre a Carbonária,
inclusive um insuportavelmente maçador (burrice minha, confesso) sobre répteis, acho que
posso exprimi-la sem medo de dizer uma grande asneira: é verdade que a Carbonária se
mostrou de grande eficácia, mas o que mais houve foi sorte, não fosse um ou outro
acontecimento ter ocorrido e talvez tivéssemos o Duque de Bragança como Rei de Portugal. Mas
na história tudo funciona assim, são os pequenos factos que a mudam, e, talvez a acção da “Alta
Venda” e de todos os outros, tenha sido por mero narcisismo, mas é graças a esse narcisismo
que hoje vivemos numa República. Se o país ganhou ou perdeu com isso, nunca iremos saber,
mas não devemos menosprezar os feitos dos outros.




                                              22
Bibliografia
     •   BRANDÃO, José de, Carbonária Exército Secreto da República, Lisboa,
         1990.
     •   CARDOSO, Eurico Carlos Esteves Lage de, Machado Santos “O Fundador
         da República”, Lisboa, 2005.
     •   VENTURA, António de, FACTOS DESCONHECIDOS DA HISTÓRIA DE
         PORTUGAL (Selecções do Reader’s Digest), Lisboa, 2004, pp.168-187.
     •   MATTOSO, José de, História de Portugal – Sexto Volume, autor Dr. Rui
         Ramos Editorial Estampa, Lisboa, 1992, pp. 365-373



Sites:
     • http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm
     • http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html
     • http://beatojosemaria.no.sapo.pt/opusdei.htm
     • http://pt.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Garibaldi
     • http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/j_g_ferreira/carbonar.html
     •   http://www.discoverybrasil.com/guia_conspiracao/organizacoes/index.shtml




Imagens retiradas de:

      o Ilustração 1: http://beatojosemaria.no.sapo.pt/opusdei.htm
      o Ilustração 2: "http://pt.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Garibaldi”
      o Ilustração 3: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm



                                    23
o Ilustração 4: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm
o Ilustração 5: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm
o Ilustração 6: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm




                            24
Anexos




  25
Pré-Projecto
                                      Plano Prévio:
Capítulo 1: Sociedades Secretas

Capítulo 2: Carbonária em Portugal

Capítulo 3: A Carbonária e a República Portuguesa

Capítulo 4: O destino da Carbonária




                                         Introdução:

Com este trabalho pretendo estudar uma sociedade secreta que surgiu no século dezanove e
teve um papel muito importante na história do nosso país: a Carbonária. Após ponderar
seriamente sobre o assunto e muitos rascunhos adoptei a seguinte divisão em capítulos, que
agora passo a justificar:
     Capítulo 1: Sociedades Secretas
Neste capítulo pretendo esclarecer o conceito de sociedade secreta que considero fundamental,
uma vez que a Carbonária foi também uma sociedade secreta. Apresentarei ainda alguns
exemplos de sociedades secretas, abordando resumidamente em que consiste cada uma delas,
como a Maçonaria, a Opus Dei, os Templários, os Druidas e outras que se supõem apenas
mitos, sendo a Maçonaria, pela sua relação profunda com a Carbonária, a mais importante.
     Capítulo 2: Carbonária em Portugal
Como? Onde? Porquê? São algumas das questões que tenciono responder neste capítulo,
contextualizando a história da Carbonária na história de Portugal.
     Capítulo 3: A Carbonária e a República Portuguesa
Sabe-se que a Carbonária teve um papel vital na queda da Monarquia, assim como na
implantação da República, dediquei este capítulo a todo o percurso que culminou na mudança
de regime político em Portugal.
     Capítulo 4: O destino da Carbonária
Após a implantação da República, principal propósito desta sociedade secreta, o que sucedeu
com a Carbonária e, consequentemente, com os Carbonários que interviram na luta pelas
crenças da organização? Ainda existe a Carbonária em Portugal? Embora esta pergunta me
pareça difícil de responder, pelo menos a nível nacional, uma vez que se tem conhecimento de
actividades carbonárias em outros pontos do globo; como no Brasil em que a Carbonária não só
se mantém activa como já veio a público exigir a renúncia do Presidente da República Luiz
Inácio da Silva, mais conhecido por Lula.


NOTA: Não vi necessidade de fazer uma capa para o Pré-projecto, uma vez que a utilidade
deste era organizar o trabalho e as metodologias a utilizar; deixei por isso a capa apenas para o
projecto final.




                                               26
Carta de Machado Santos publicada a 5 de Outubro
(ORDEM DO DIA N.º1)
       Cidadãos! Um facto notável se acaba de dar, que ficará gravado em letras de oiro na
história da nossa querida Pátria. A República, devido ao esforço dos bravos que acamparam na
Rotunda, dos valentes marinheiros e da nobre e valorosa população civil da cidade de Lisboa,
hoje foi proclamada! A dinastia de Bragança, que há 270 anos vem pesando sobre o País o
levou à ruína, à miséria e ao desprezo das nações estrangeiras, vai a caminho do exílio e nunca
mais os seus representantes ousarão macular o solo sagrado da Pátria! Cidadãos! O vosso
gesto altivo levou ao conhecimento do Mundo inteiro que neste canto da Europa existe um povo
que deseja, em liberdade, trilhar o caminho do progresso. Nunca mais os estranhos deixarão de
olhar com respeito os filhos de Portugal! A luta terminou! Já não há inimigos! Hoje todos
portugueses, trocando abraços fraternais, vão colaborar na obra de regeneração da Pátria! Já
não há inimigos! Há só irmãos!
       Em nome do Governo da república, louvo todos aqueles que tive a honra de comandar e
que, numa luta homérica de um contra dez, tão bem souberam defender os seus ideais: Pátria e
Liberdade! Viva à República!
       Quartel-General da Rotunda, 5 de Outubro de 1910.
       (1.ª da República)

                                                                           (a) Machado Santos
                                                                                  Comandante




                                              27
Imagens…


Retiradas de: VENTURA, António de, FACTOS DESCONHECIDOS DA HISTÓRIA DE
PORTUGAL (Selecções do Reader’s Digest), Lisboa, 2004




                                          28

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CarbonáRia

  • 1. Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Educação Disciplina: História Contemporânea Docente: Prof. Ana Maria Pessoa A Carbonária
  • 2. Andreia Sofia Fernandes Martins, Licenciatura em Comunicação Social 2
  • 3. Índice Introdução 3 Capítulo I: Sociedades Secretas 4 Capítulo II: Carbonária em Portugal 9 Capítulo III: A Carbonária e a República Portuguesa 13 Capítulo IV: O Destino da Carbonária 18 Conclusão 21 Bibliografia 23 Anexos 24 • Pré-projecto 25 • Carta de Machado Santos publicada a 5 de Outubro 26 • Imagens… 27 o Símbolo da Carbonária: Símbolo Solar (Estrela de 32 pontas) 28 o “AltaVenta” 29 o Regicídio 30 o Documentos da Carbonária Portuguesa 31 o João Borges e José do Vale (à direita) fabricando uma bomba 33 3
  • 4. Introdução Este trabalho tratará de retratar a Carbonária, sociedade secreta, que existiu em Portugal durante os séculos XIX e XX. Para muitos o conceito de sociedade secreta poderá parecer confuso, pelo que o tentarei explicar no capítulo I deste trabalho. Os seguintes capítulos serão dedicados à história da Carbonária, dando especial atenção à acção da Carbonária Portuguesa, que é a principal responsável pela implantação da República a 5 de Outubro de 1910 em Portugal. A Carbonária está envolta em muitos mistérios e pouco se sabe sobre ela, alguma da informação é contraditória e absurda. E até podem ter sido os carbonários a inventar a famosa massa à Carbonara, como refere o site da Wikipédia, mas não o irei referir ao longo do meu trabalho, embora o tenha acabado de afirmar subtilmente. Apesar de todos os rituais e termos confusos a Carbonária é, na verdade, muito simples se lhe prestarmos um bocadinho de atenção… 4
  • 5. Capítulo I Sociedades Secretas As Sociedades Secretas pressupõem algo que complica assinalar a sua existência, o secretismo, principalmente em relação aos seus membros. Porém tem-se conhecimento de diversas sociedades secretas, como a Maçonaria, a Opus Dei, os Templários e a Carbonária, assim como das suas actividades. Actualmente as sociedades secretas são olhadas com um certo receio, sendo muitas vezes associadas a actividades terroristas, este não é, contudo, o propósito de todas as sociedades. A noção de sociedade secreta é muito delicada, pois não são todas iguais entre si, pelo contrário, a tendência é para se individualizarem com rituais, organização, temáticas e objectivos diferentes. Alguns autores, como Serge Hutin, defendem a existência de dois tipos de sociedades secretas: as sociedades secretas “políticas” e as sociedades secretas “iniciáticas”. As sociedades secretas “iniciáticas” têm organizações mais complexas, têm muitas vezes temáticas religiosas, «[…] procuram ser reconhecidas, ou pelo menos toleradas, pelos poderes públicos […]»1 e têm uma duração que ultrapassa a realização dos seus objectivos. Por outro lado, as sociedades secretas “políticas” estão marcadas por um secretismo inquebrável até à realização dos seus objectivos, como mais tarde poderão constatar, uma vez conquistados os objectivos e quebrado o secretismo a sociedade tende a “extinguir-se”. Geralmente, estas sociedades surgem em oposição ao Estado, daí a necessidade de se fortalecerem organizacionalmente, mas de forma muito discreta. Ainda segundo Serge Hutin, as sociedades secretas “políticas” surgem em tempos de censura exacerbada, daí a necessidade de afirmarem os seus objectivos confidencialmente, e também quando há descontentamento social. Algumas sociedades secretas mais conhecidas são: •Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei, mais conhecido por Opus Dei, cujo o significado é "Obra de Deus", foi criado a 2 de Outubro de 1928 pelo Beato Josemaría Escrivá de Balaguer em Madrid. Pertencente à Igreja, a Opus Dei tem por missão espalhar a mensagem de Deus, segundo a qual todos os baptizados deverão procurar a santidade, assim a Opus Dei serviria de apoio 1 José Brandão, Carbonária O Exército Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.120 5
  • 6. aos fiéis indicando-lhes uma via para a santidade nas suas vidas quotidianas. Esta sociedade secreta surge no best-seller de Dan Brown "O Código de Da Vinci", sendo extremamente divulgada pelos seus rituais e pelo edifício que está a construir em Nova Iorque. Pode-se, contudo, considerar uma publicidade negativa que mostra uma sociedade secreta obstinada, sem qualquer tolerância para com as outras religiões, e que, no entanto, actualmente possui cerca de 80 000 Ilustração 1: Beato membros. Josemaría Escrivár, fundador do Opus •A Nova Ordem Mundial ou Illuminati é, alguns Dei acreditam, a responsável pela manipulação de todos os acontecimentos mundiais durante os últimos séculos. Terá sido criada em 1776 por Adam Weisshaupt sob o nome de Illuminati Bavário. Os seus membros seriam figuras religiosas, celebridades, líderes mundiais e do mundo dos negócios que pretendem a formação de um só Governo a governar todo o Mundo. A sua existência é muito contestada, pois, muitos consideram inviável esta delegação altruísta quando todos os países têm interesses distintos. •O Conselho de Druidas Britânico surgiu em 1989, contudo os Druidas existem há mais de quatro mil e quinhentos anos, os seus rituais são milenares. Esta sociedade secreta ainda não foi definida como religião ou simples actividade cultural, mas sabe-se que, na Inglaterra, existem cerca de 10 000 Druidas. •Os Homens de Negro é considerada uma sociedade secreta, muito embora poucas provas existam da sua existência; para muitos não é mais que uma alucinação ou mais uma teoria da conspiração. Os Homens de Negro seriam indivíduos ou andróides ao serviço de um Governo cuja função seria esconder a verdade sobre a existência de vidas noutros planetas. Estes aparecem após a visualização de um OVNI (objecto voador não identificado). Para alguns estes homens não trabalhariam para um Governo, mas pelo contrário seriam eles mesmos alienígenas. Para a maioria das pessoas os Homens de Negro seriam apenas Tommy Lee Jones e Will Smith, protagonistas do filme "Homens de Negro". •A Maçonaria é uma «[...] sociedade secreta cuja doutrina tem como rótulo a 6
  • 7. fraternidade e a filantropia universais e que usa como símbolos os instrumentos do pedreiro e do arquitecto (o triângulo e o compasso); franco-maçonaria», segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. A Carbonária está intrinsecamente relacionada com a Maçonaria, o que implica conhecer melhor esta última para entendermos melhor a primeira. No século XVIII o Iluminismo influenciava profundamente a Europa com os seus ideais de aperfeiçoamento individual e social, assim como na busca da Razão. É sob a luz deste movimento que surge a Maçonaria, Fraternidade dos Franco-maçons, Fraternidade dos Pedreiros Livres ou ainda Fraternidade Iniciática e Simbólica, inicialmente em Londres, mas logo se alastrou por toda a Europa. Pressupõe-se que tenha chegado a Portugal em 1735, sendo essa a data em que foi admitida na Grande Loja de Londres a «Loja dos Hereges Mercantes» situada em Lisboa; inicialmente os membros destas lojas eram essencialmente estrangeiros. Os ideais maçónicos atraem a antipatia da Inquisição, que persegue todos os que se relacionam com a Maçonaria. Por outro lado na Inglaterra a Maçonaria continua a ganhar adeptos, aumentando o desdém tanto à Inquisição como às consideradas Monarquias Católicas. Entre 1760 e 1770, com a governação do Marquês de Pombal, os franco-maçons deixam de ser perseguidos pela Inquisição em Portugal, facilitando o seu crescimento dentro das classes instruídas, aristocracia e exército; há várias provas de que os seus membros se deslocavam ao estrangeiro para lá serem iniciados. Com a subida ao trono de D. Maria I e o exílio do Marquês de Pombal, as perseguições à Maçonaria recomeçam, por se considerar que esta se oponha ao Governo e à Igreja. Apesar de tudo, surge, em Julho de 1806, a primeira Constituição Maçónica Portuguesa. Durante os seus primeiros setenta anos de existência a Maçonaria Portuguesa esteve sempre muito dependente da Grande Loja de Inglaterra, assim como dos arrufos da Inquisição, mas a verdade é que se manteve sempre muito fiel ao governo legítimo de Portugal, como se pôde comprovar quando ocorreram as invasões Napoleónicas. Um acontecimento importante na história da Maçonaria Portuguesa foi a execução do General Gomes Ferreira2 de Andrade sob ordens do Marechal Beresford. Gomes Freire de Andrade, como Grão-Mestre da maçonaria, conjurava uma revolução contra o regime administrativo do Marechal Beresford, morrendo pela causa maçónica. Liberdade, Igualdade e Fraternidade, os princípios da Revolução Francesa, são também os ideais da Maçonaria, era sob estes pretextos que conjuravam. A 5 de Junho de 1823 D. João 2 Recordar a peça de teatro, da autoria de Luís Sttau Monteiro, “Felizmente há luar”. 7
  • 8. VI, que entretanto adquirira o trono, declara que perdoaria de penas rigorosas todos aqueles que pertencessem a sociedades secretas, desde que renunciassem a elas até 23 de Junho desse ano. A guerra contra os liberalistas estava declarada e os maçónicos tornaram-se o alvo, não só pelo governo como pelo povo, que via a sociedade secreta elitista com desconfiança. A 24 de Agosto de 1833 o exército liberal toma Lisboa aclamando D. Pedro IV, que acaba por subir ao poder. É importante saber que D. Pedro IV era o Grão-mestre da Maçonaria Brasileira e defensor do liberalismo constitucional. A Maçonaria ganha novas liberdades em Portugal para lutar pelos seus propósitos iluministas, desenvolvendo vários esforços pelo progresso humano e social. Entretanto por toda a Europa as ideias republicanas ganham força e os ideais republicanos atraem a Maçonaria. Assiste-se a uma aumento visível dos clubes republicanos, sendo que em 1876, constituído por trinta e três membros, o directório do Partido Republicano Português é eleito. É sob o propósito da República que surge a Carbonária, que segundo se afirma é constituída unicamente por maçónicos. Com a queda da Monarquia e a instauração da República, a Maçonaria passa a ser considerado requisito para todos os que pretendem fazer carreira na função pública, levando à duplicação do número de maçons para quatro mil. Presidentes da República como Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida pertenceram à Maçonaria, assim como, até 1926, metade dos ministros governos provisórios. Sem grande oposição a Ditadura Militar é instaurada a 28 de Maio de 1926 pelo General Gomes da Costa. O novo Estado só vem trazer dissabores à Maçonaria. Quando Oliveira de Salazar se torna chefe do Governo, a maçonaria vê-se forçada a maiores cuidados dada a perseguição constante que levou ao seu enfraquecimento. Em 1935 o deputado José Cabral apresenta então um projecto de lei segundo o qual a agregação a sociedades secretas por cidadãos portuguesas era punida com o desterro ou prisão. Acredita-se que muitos maçons preferiram emigrar e continuar a exercer as suas actividades maçónicas em lojas estrangeiras. Apesar da oposição a Maçonaria prevaleceu sob o Fascismo e dura até hoje, tanto é que em 2002 o Dr. António Arnault foi eleito para o Grão-mestrado do Grande Oriente Lusitano, embora não esteja unificada. Existiram e existem milhares de sociedades secretas espalhadas pelo Globo, referi apenas algumas delas. Durante a minha pesquisa encontrei várias referências às polícias políticas, agências de inteligência e contra-espionagem como sociedades secretas; se podem ou não ser consideradas como tal, não me atrevo a afirmar, mas a verdade é que possuem algumas características comuns. Para muitos a CIA (Agência Central de Inteligência, dos Estados Unidos 8
  • 9. da América), o MI-5 (Serviço de Segurança pertencente ao Reino Unido), o KGB (Comité de Segurança do Estado, que actuou sobre a URSS até 1991), DGSE (Direcção Geral da Segurança Exterior, da França) entre outras agências são sociedades secretas. No fundo a base de todas as sociedades secretas é a conspiração, essa é a actividade que mais as caracteriza, mais do que os rituais, por mais complexos e engraçados que sejam. 9
  • 10. Capítulo II Carbonária em Portugal Tudo o que rodeia a Carbonária é misterioso e ténue; muito dificilmente poderei afirmar com convicção que tal facto ocorreu de tal modo, em tal data e por tais pessoas, porque tudo é vago e suspeito, por isso tentarei relatar o percurso da Carbonária com a menor margem de erro. Vou tentar deixar de lado os “se…” e os “terá” e partir do princípio que aconteceu do modo que estou a relatar, ou daria por mim a usar demasiadas vezes termos que só despertam desconfiança no leitor e confeririam ao texto pouca credibilidade. As origens da Carbonária remontam ou ao século XI na França ou ao século XIII na Itália, não havendo consenso neste assunto. Para uns a Carbonária surge pelas mãos dos franceses que, seguindo S. Teobaldo, conde de Champagne, teriam iniciado a actividade carbonária. Do século XIII ao XV a Itália esteve dividida pela luta entre os Guibelinos e os Guelfos, muitos defendem que os Guelfos deram início à sociedade secreta reunindo-se nas choças dos carvoeiros. Outros ainda, dizem que a Carbonária terá nascido em Hanover, na Itália, sendo os seus membros carvoeiros e lenhadores. Diversas características na Carbonária remetem-nos mais para a Itália do que para a França; senão vejamos a designação “Carbonária”, na Itália carbonaro significa carvoeiro e a organização da sociedade recorre à designação de choça, que remete também para os carvoeiros. Contudo esta dúvida não deixa de ter pouca importância, tendo em conta que António Luz de Almeida se inspirou em Giuseppe Mazzini, herói da Carbonária Italiana e não da Francesa, para fundar a Carbonária Portuguesa. Tem-se conhecimento de poucos “heróis da Carbonária”, a divulgação era escassa, o que se justifica pelo pacto de secretismo inquebrável partilhado pelos membros da Carbonária, pelo menos até serem atingidos os seus objectivos. Contudo, são muitas vezes evocados Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi3. 3 Giuseppe Garibaldi (na figura ao lado, Ilustração 2) nasceu em Nice, na França, em 1807, mas travou batalhas em nome do liberalismo na Itália, no Brasil, no Uruguai e na guerra Franco- Prussiana, ficando celebrizado pelo nome “herói de dois mundos”. Recentemente, a acção de Giuseppe Garibaldi na Guerra Farroupilha foi passada para o ecrã pela TV Globo com a célebre mini-série “A casa das sete mulheres”. 10
  • 11. A Carbonária em conjunto com a Maçonaria travou diversas lutas, nomeadamente, foram responsável pela unificação da Itália em 1870; assim começou uma ligação de se torna muitas vezes complicada de quebrar e que leva várias pessoas a acreditar que a Carbonária é uma espécie de secção maçónica, sendo muitas vezes referida com Maçonaria Florestal. Apesar de se terem unido para atingir objectivos comuns a Carbonária e a Maçonaria são sociedades muito distintas. No caso de Portugal a confusão intensifica-se quando a Carbonária renasce dentro da Maçonaria. A Carbonária foi trazida para Lisboa em 1822 pelo Coronel Pizza e o General Pepe, dois italianos que vieram com esse mesmo propósito a Portugal. Trinta anos depois a Carbonária tinha-se expandido até Coimbra, Soure, Figueira, Anadia, Cantanhede, Pombal, Ílhavo e Braga, mantendo-se em actividade até 1864, ano a partir do qual não se tem conhecimento de qualquer actividade. Até que Duarte Luz de Almeida, em 1896, na altura a frequentar o Curso Superior de Letras de Lisboa, inspirado pelos revolucionários da Carbonária Italiana, resolve formar ele mesmo um grupo revolucionário com os seus colegas. Luz de Almeida pertencia à Maçonaria Académica ou Comité Revolucionário Académico, a Carbonária Portuguesa surge assim como Venda Jovem Portugal formada por estudantes ansiosos por acção, supostamente preparados para uma revolução armada, cujo propósito impulsionador era derrubar o regime vigente, substituindo-o pela República. Um acontecimento importante que influenciou o surgimento da Carbonária Portuguesa foi o Ultimato que a Inglaterra fez a ao Governo português que exigia que retirássemos as nossas tropas entre Angola e Moçambique. O Governo português dada a dependência económica, assim como receio de uma invasão, cedeu à “última ordem” da Inglaterra. Com o orgulho ferido o descontentamento cresceu no seio da sociedade portuguesa. Nesta fase inicial quase tudo na Carbonária lembra a Maçonaria, a liturgia, os rituais e as iniciações. Esta ligação intrínseca Maçonaria-Carbonária será efémera. A sociedade secreta tinha uma organização interna bastante simples: cinco «primos» constituíam uma «canteiro», quatro «canteiros» uma «choça», os chefes de cada cinco «choças» uma «barraca» e os chefes de cada cinco «barracas» uma «venda». Por fim, o órgão “supremo” seria a Alta Venda. O Grão-mestre, Duarte Luz de Almeida, era portanto o representante primordial da sociedade secreta. Sabe-se ainda da existência de uma fileira ultra secreta, designada por “Coruja”, no topo da hierarquia, que organizava os acontecimentos de maior relevo. 11
  • 12. Era a Alta Venda quem tomava as verdadeiras decisões dentro da Carbonária. Uma das principais discussões a marcar a história da Carbonária Portuguesa foi a de permitir ou não a admissão do chamado povo, classes sociais inferiores. Aprovada a proposto a recente sociedade secreta perde grande parte dos seus membros, mas ganha um novo ânimo com a entrada de elementos populares. Dentro da Carbonária acaba por se criar uma divisão entre os carbonários anarquistas «puritanos» (que não colaboravam com o Partido Republicano Português) e os carbonários anarquistas «intervencionistas» (que ficaram conhecidos pelos seus rituais iniciáticos excessivamente teatrais que, por ocorrerem sempre ao ar livre, chegaram a ser realizados na Serra de Monsanto). Associados ou não ao PRP, anarquistas ou republicanos todos os carbonários eram liberalistas e defendiam os ideais da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A todos os que se queriam juntar à Carbonária eram exigidas duas coisas fundamentais: sigilo e uma arma. Os primos não poderiam revelar a ninguém, nem mesmo à família, que pertenciam à Carbonária e muito menos revelar a identidade dos seus primos. «Estás disposto a pegar numa arma, carabina, revólver, punhal ou bomba, esperares onde quer que seja um tirano do povo para executares nele justiça sumária?»4, era uma questão habitual a todos os que pretendessem integrar a ordem. É neste ponto que a Carbonária mais se demarca da Maçonaria, pois, enquanto esta agia segundo princípios de convivência e transigência, a Carbonária era apologista do uso da força para atingir os seus propósitos e afastar todos os que se lhe opunham. Em 1900, e Lisboa, surge a Loja “Montanha” pelas mãos de alguns carbonários, entre eles Luz de Almeida. Esta teve um papel fundamental na doutrinação republicana. Foi através dela que se fizeram grande parte dos contactos entre a Carbonária e a Maçonaria. A Carbonária adquire nova força em 1907, por esta altura Luz de Almeida trabalha na Biblioteca Central da Câmara Municipal de Lisboa, e volta a conspirar activamente. A afiliação de novos membros foi levada a cabo por diversos primos, entre eles João Chagas (jornalista), Cândido do Reis (vice-almirante reformado), António José de Almeida (deputado), o Visconde da Ribeira Brava e Machado Santos (que trabalhava na comissão de compras da Armada). António Maria da Silva entretanto havia decidido criar uma ordem secreta sua e, ao juntar filiados, vai arrancando membros à Carbnonária, levando Luz de Almeida a escrever ao ex-colega de liceu. Este pequeno contratempo culminou na união destes dois homens. Por outro lado, Machados Santos, homem crucial na implantação da República, como se notará 4 José Brandão, Carbonária O Exércto Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.31 12
  • 13. posteriormente, dedica-se, a contra gosto de Cândido dos Reis, a agregar membros da Marinha à Carbonária, sem conseguir porém atrair os oficiais superiores. Foi pelo bairro de Alcântara que Santos começou a combinar com praças e cabos a entrada na Carbonária Portuguesa. A actividade de Machado Santos não passou despercebida a Luz de Almeida que o chamou para, juntamente com António Maria da Silva, formar o poder executivo da Venda Jovem Portugal, a “Alta Venda”. Forma-se o trio que representará para sempre a Carbonária Portuguesa: Luz de Almeida, António Maria da Silva e Machado Santos (Anexos – Imagens…) O recrutamento intensificou-se alastrando-se das escolas, oficinas e cafés aos lugares mais provincianos e recônditos. Mas a organização pecava pela ineficácia, acima de tudo, por não haver união entre os chefes que, competindo entre si, acabavam por conjurar uns contra os outros. No entanto, a Carbonária não tinha problemas em angariar afiliados, o descontentamento acirrou-se com a Ditadura de João Franco, chefe do Governo, lá colocado por D. Carlos I. A adicionar à intolerância de Franco, a família real vive num “ far niente” muito dispendioso que só piora a crise económica do país. Todos se sentem ultrajados, Afonso Costa (deputado) declara, na 34º Câmara de Deputados, entre outras coisas: «Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI! […] E mais ordena o povo, solenemente, que, logo que tudo esteja pago, diga o Sr. Presidente do Conselho ao Rei: -Retire-se, Senhor, saia do País, para não ter de entrar numa prisão, em nome da lei! …»5. A 28 de Janeiro de 1908 dá-se uma revolução republicana em Lisboa, que não tem o resultado esperado, mas vem afirmar a utilidade da Carbonária. Contudo, a 31 de Janeiro, João Franco leva D. Carlos I a assinar um decreto que permitia ao Governo eliminar todos os que discordassem da sua política. Consta que o rei terá murmurado, ao assinar o decreto: «Assino a minha sentença de morte.»6. E de facto, assinou… 5 José Brandão, Carbonária O Exército Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.42 6 José Relvas, Memórias Políticas, 1º vol., Lisboa, 1977, p.79 13
  • 14. Capítulo III A Carbonária e a República Portuguesa Dia 1 de Fevereiro de 1908, um sábado, a caminho do Terreiro do Paço, D. Carlos I, o Príncipe Luís Filipe (seu sucessor) e o Infante Manuel atravessam Lisboa no seu landau. Com o pressuposto inicial de assassinar João Franco, Manuel Buiça e Alfredo Costa, carbonários, disparam, respectivamente, sobre el-rei e o Príncipe, matando-os. «A vossa obra, Senhor Presidente»7, dirá D. Maria Pia, a rainha-mãe e figura mais querida da família Real, a João Franco, apontando para os corpos do filho e neto. João Franco é trocado por Ferreira do Amaral e D. Manuel II substitui o pai. Embora tenha sido a “Coruja” a responsável pelo planeamento do regicídio; Luz de Almeida só sabe da morte do rei quando é libertado da esquadra das Mónicas a 6 de Fevereiro. A 5 de Junho Machado Santos, que conjuntamente com António Maria da Silva ridicularizava os rituais iniciáticos, é iniciado na Loja “Montanha”. O terreno para a República é delineado do Norte ao Sul do país. No Norte, António Granjo e Adelino Samardã transformam Vila Real, Viana do Castelo e Braga em importantes núcleos carbonários, assim como o tenente da Marinha Fiel Stockler e o Dr. Celorico Gil fazem o mesmo no Algarve. A Carbonária foi, desde sempre, anticlerical, portanto, não foi nenhuma surpresa quando o Papa Pio VII a condenou. Esta decisão só veio enaltecer uma raiva já existente pelas instituições religiosas, que estavam longe de viver na miséria que afectava metade da população portuguesa. Mesmo os portugueses sendo maioritariamente católicos estes desmandos do Papa só trazem mais adeptos à Carbonária. Apesar de querer controlar a Carbonária Portuguesa a Polícia viu-se sem opção ao deparar-se com milhares de militantes, dando assim a investigação por encerrada. A acção policial não deixa de ser cómica, os erros sucedem-se de tal modo que, com o intuito de vasculharem a casa de Machado Santos, enganam-se no andar e arrombam a porta do seu vizinho. A 10 de Outubro de 1909 surge, no fundo da Falésia da Boca do Inferno, o corpo mutilado de Nunes Pedro, carbonário, que roubava cartuchos, no seu emprego na Alfândega, para vender à causa da revolução. Contudo, Nunes Pedro foi descoberto e refugiou-se em Badajoz, ameaçando falar sobre a Carbonária, quebrando o juramento e pondo em causa a Ordem, pagou caro pela traição. António Maria da Silva assegura que nem a Carbonária, nem 7 José Brandão, Carbonária O Exército Secreto da República, Lisboa, ob. cit., p.57 14
  • 15. Luz de Almeida têm algo a ver com o chamado «crime de Cascais», porém Luz de Almeida vê- se forçado a abandonar o país rumo à França. A Carbonária vê-se então sem Grão-mestre e aqui as versões variam: José Brandão diz que Luz de Almeida nomeou António Maria da Silva para Grão-mestre, porém Eurico Lage Cardoso refere que Machado Santos passa a ser a figura mais relevante dentro da Ordem. Facto é que Machado Santos passa a dirigir a Loja “Montanha”. Mesmo sem o seu fundador e principal propulsor a revolução republicana tinha que continuar, mas as perspectivas não eram as melhores. Apesar de se exigir aos filiados o porte de arma e respectivas munições, a verdade que poucos tinham uma arma ou sabiam sequer utilizar uma. Por outro lado, também não havia dinheiro para as comprar e sem dinheiro seria difícil levar adiante a revolução. Conscientes destes factos os dirigentes tentaram arrecadar fundos, sem muito sucesso; em última instância decidem que todos os “Bons Primos” deveriam tomar por amigo um militar conquistando-o para a causa carbonária. E assim a Carbonária foi ganhando força no seio das forças militares. Não foi, contudo, dentro do Exército que a Carbonária adquiriu mais apaixonados, mas sim na Marinha, em que conseguiram filiar indivíduos de alta patente. Longe de ter as condições materiais ideais a Carbonária formava assim um autêntico Exército Republicano desejoso de derrubar a Monarquia. Com o crescimento exponencial da Carbonária, tanto esta como o Partido Republicano Português, viram-se forçados a unir esforços. Dois deputados mantêm um diálogo sólido com a Carbonária, assegurando a sua ligação ao PRP, António José de Almeida e João Chagas. O primeiro mostrava-se profundamente entusiasmado, o segundo céptico para com o que designava por “ridículo «baile de máscaras»”. No obstante, com o avanço revolucionário o Directório do PRP conseguia armas que se recusava a entregar ao braço armado da revolução, a Carbonária, gerando na “Alta Venda” o desejo de afastar o PRP do Movimento. As batalhas eram constantes, nunca houve uma frente única, pois todos queriam fazer à sua maneira e defendendo os seus interesses. Surgem assim novas sociedades secretas, nomeadamente uma nova Carbonária, liderada por José Cordeiro Júnior e com sede na Loja maçónica “Acácia”. Esta “nova” Carbonária vem em oposição à “Alta Venda”. Tem-se conhecimento de duas sociedades carbonárias durante este período: a Carbonária Portuguesa, de Luz de Almeida, e a Carbonária Anárquica ou Lusitana, que não será a mesma de José Cordeiro Júnior, o que gera alguma confusão. Mas, a verdade é que, a Carbonária que mais lutou pela República foi a Carbonária Portuguesa. A revolução aproxima-se, precipitada por Machado Santos e Cândido dos Reis que a queriam fazer a 16 de Julho de 1910, mas acabam por ser forçados a adiar. A propósito do clima 15
  • 16. que se vivia Cândido dos Reis terá dito a Machado Santos: «Homem! republicanos há muitos, revolucionário há poucos; não tenha ilusões. Pode-se ser bom republicano e mau revolucionário; com poucos ou com muitos devemos ir para a frente, para tentarmos salvar este desgraçado país. Mas, não se iluda: se formos vencidos, os que se dizem republicanos, para que não se suspeitem, comandarão, como os outros, os pelotões de fogo que nos hão-de fuzilar.»8. Estabelecer uma data revelou-se tortuoso, por fim, os revolucionários chegam a consenso: sairiam para a rua à uma da manhã do dia 4 de Outubro, do presente ano de 1910. Ficara ainda estabelecido nessa reunião que o vice-almirante Cândido dos Reis seria o chefe militar da revolução e o Dr. Miguel Bombarda o chefe civil. Porém, dia 3 de Outubro pela manhã, o Dr. Miguel Bombarda é assassinado no seu gabinete por um antigo paciente, o tenente Aparício Rebelo. O Dr. Bombarda, que havia feito um percurso glorificante dentro do Movimento, estava responsável pela partição das armas pelos civis. Imparável, Machado Santos continua a tomar as suas previdências, nomeadamente com Carlos da Maia para envolver a Marinha na Revolução. As atitudes de Machado Santos são tudo menos cordiais, por exemplo, no dia 3 de Outubro pelas 20 horas todos os chefes militares e republicanos reúnem-se num andar na rua da Esperança, Machado Santos não aparece. Pelo contrário, invade por volta dessa hora o Quartel de Infantaria 16 e mais tarde a Artilharia 1. Tudo na revolução acontece por desorganização, tanto de um lado como do outro. Às duas da madrugada o segundo-tenente Aragão e Melo diz a Cândido dos Reis que a revolução fracassara, este, francamente desiludido, comete suicídio sendo o seu corpo encontrado por volta das sete da manhã. E assim o Movimento perde os seus chefes civil e militar. No entanto a revolução prossegue na Rotunda… Muitos eram os que abandonavam o Movimento, achando a causa perdida, Machado Santos, António Maria da Silva e Malva do Vale não arredaram pé. Os populares, muitos deles pertencentes à Carbonária, compensavam a falta de jeito para as armas com apoio aos militares que não abandonavam a causa. “Era preciso fuzilar esses cobardes!… Fugiram…»9, gritavam. Os oficiais, que não concordavam com a metodologia de Machado Santos e Cândido dos Reis, abandonaram, antes de mais, o comissário naval que, de resto, por incompatibilizar com maior parte dos oficiais mal lhes falou. A fileira fiel ao Governo atacou os revoltosos da Rotunda sob o comando de Paiva Couceiro, Couceiro estava em desvantagem em soldados e 8 José Brandão, ob. cit. (introdução) p.7 9 J. Veríssimo Serrão, ob. cit., p.57 16 Ilustração 3: Revoltosos da Rotunda
  • 17. artilharia. Machado Santos possuía duzentos militares e a Carbonária, que se revelou se pouco uso. Os populares não estavam armados e pouco percebiam, «[…] entretiveram-se a construir o que Machado Santos chamou de teóricas barricadas»10, que provocaram mais estorvo que protecção. A Infantaria 2 abandonou Couceiro e vários militares escapuliram-se pelo túnel do Rossio, juntando-se aos revoltosos. A coluna do Governo estava ainda infiltrada por maçons e carbonários que boicotavam a resposta aos revoltosos. Mais tarde a Armada, tomada de assalto por Carlos da Maia, desloca-se para o Rossio atacando as forças resistentes do Governo. Algures entre toda a confusão, às oito horas do dia 5 de Outubro, uma bandeira branca é içada no Quartel-General do Rossio. Essa bandeira simbolizava apenas um armistício de uma hora, reivindicado pelo Barão Bodmann, Encarregado de Negócios da Alemanha, para que os estrangeiros pudessem abandonar Lisboa. Enquanto o diplomata alemão negociava com António Maria da Silva, Machado Santos monta o seu cavalo (um sonho tornado realidade), dirige-se ao Quartel-General do Rossio e afirma perante o general Rafael Gorjão: «Perdão! Assinei um armistício de uma hora para principiar às 8¾. Falta ainda um minuto para ele começar, mas a República está proclamada e peço a V. Ex.ª que a reconheça»11. Ilustração 4: Comissário Naval Machado Santos 10 Machado Santos, ob. cit., p.40 11 Eurico Carlos Esteves Lage Cardoso, Machado Santos “O Fundador da República”, ob. cit., p.43 17
  • 18. O Rossio fica em festa, apesar da afirmação ainda não ser totalmente verídica, as tropas e o povo comemoraram. E assim foi instaurada a República Portuguesa, com Teófilo Braga na Presidência. Ilustração 5: A República, 5 de Outubro 18
  • 19. Capítulo IV O Destino da Carbonária Com a República implantada, a Carbonária via o seu objectivo conquistado. O Rei D. Manuel II havia-se refugiado em Mafra desde o dia 4 de Outubro. Um Governo Provisório foi constituído. Contudo, Machado Santos subira a Avenida a 4 de Outubro e lá continuava, de lá mandou publicar um texto (Anexo 1 – p.24) em que declara «A luta terminou!»12 e promoveu 102 praças pela sua Ilustração 6: Rossio a 5 de Outubro coragem revolucionária. Foi na mesma Avenida de 1910, Lisboa que o Governo Provisório o foi encontrar a 9 de Outubro. A ideia de Machado Santos era criar uma espécie de Exército da República com todos aqueles que permaneceram a seu lado, mas, o Governo Provisório, um pouco avesso à Carbonária, ofereceu aos mesmos soldados regalias, que eles preferiram à defesa da República. Resignado, Machado Santos retira-se. Com a vitória nas mãos da Carbonária os carbonários não resistem a quebrar o sigilo e desfrutar da glória da conquista. Ser-se carbonário era uma honra, um privilégio, pelo menos assim lhes parecia. Desde aqueles que abandonaram a Rotunda na hora da verdade, até a alguns dos monárquicos mais ferrenhos, todos se gloriavam da República. Até ao final de 1910 Afonso Costa, Ministro da Justiça, toma medidas que começaram por agradar a alguns, mas que para outros foram meras ofensas. Estava claro desde o início que com a queda da Monarquia surgiria um Estado laico, mas o que se verificou foi uma perseguição à Igreja. Por um lado as leis e por outro a vontade de muitos em agradar à “República”, isto traduziu-se em descontentamento nos meios religiosos e em agitação social, dado que Portugal sempre estivera ligado intimamente à Igreja. A Lei da Separação da Igreja e do Estado, decretada em Abril de 1911, deixa os católicos ultrajados. Outra das leis reconhecida por Afonso Costa foi o direito à greve, que levou à paralisação do país e à necessidade de intervir até militarmente para as combater. Apesar de todos os problemas, o Governo não esqueceu o perigo da Carbonária. Tentaram “comprar” os principais dirigentes da Ordem, como Machado Santos, «Porém, nem ele 12 Machado Santos, Ordem nº. 1, 1910 19
  • 20. nem a maioria dos chefes da Carbonária mostraram particular propensão para o suicídio político e foi preciso descobrir métodos mais eficazes para os liquidar.»13. Machado Santos desenvolve um ódio cego contra Afonso Costa e Bernardino Machado, fazendo de tudo para atacar o primeiro. Machado Santos esforça-se para ser ouvido pelo Governo e tomar parte na República que implantou, mas é quase sempre ignorado. Entretanto, a Luz de Almeida, que regressou de Paris assim que a República foi instaurada, não lhe agrada que Machado Santos se auto-intitule de chefe da Carbonária. A 24 de Agosto de 1911 é eleito o Dr. Manuel de Arriaga como primeiro Presidente da República. Em Outubro, o capitão Paiva Couceiro tenta ressuscitar a Monarquia, sendo o movimento chamado de “Monarquia do Norte”, por se desenrolar no Norte do país. O que se seguiram foram uma série de ministérios efémeros que não ajudavam em nada a regularizar a situação do país. Será que a Carbonária, dados todos os problemas que a cercam, prevaleceu após a implantação da República? Sim. Por muita má vontade que o Governo tivesse a verdade é que seria difícil apagar o espírito revolucionário que a Carbonária plantou nos seus milhares membros, que se supõe que chegou a ter na época da Revolução republicana. E, é sabido que o objectivo fundamental estava cumprido, mas a “Monarquia do Norte”, assim como a instabilidade política mantiveram a Carbonária activa durante algum tempo. Machado Santos, alguns meses após a implantação da República, defendia já uma nova revolução. E em 1913 há realmente uma manifestação organizada pela Carbonária e pelos Voluntários da República contra o Governo. Note-se que, os monárquicos investiram sempre contra a República, conseguindo implantar em 1919 a “Monarquia do Norte”, que os carbonários decidiram combater. Pode-se afirmar até que assim que se desistiu da Monarquia a Carbonária foi-se desvanecendo. Machado Santos foi uma das vítimas do “Dente de Oiro” na malfadada Noite Sangrenta, a 19 de Outubro de 1921, juntamente com outros carbonários Carlos da Maia e António Granjo. António Maria da Silva, pelo contrário construiu uma carreira política consistente, chegando a chefe de Governo em 1922 e em 1925. Luz de Almeida morre durante o Estado Novo de Salazar, em 1939, esquecido. Em 1926, é instaurada a Ditadura Militar graças à revolta militar de Braga liderada por Gomes da Costa, e atribui-se o fim da Carbonária a essa data. Aí sim, «A luta terminou!»14. 13 Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo, p.156 14 Machado Santos, Ordem nº. 1, 1910 20
  • 21. Conclusão A Carbonária é uma ordem armada, sigilosa, de organização hierárquica, apologista do uso da força, anti-clerical, anti-religiosa, liberalista, defensora dos ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), com ritos próprios e cumprimentos que protegem a identidade dos seus membros. A Carbonária Portuguesa, tendo em conta o seu percurso histórico, é facilmente classificada como sociedade secreta “política”. Assim podemos declarar que a Carbonária se comportou como tal, durante a sua existência serviu de oposição ao Estado, foi extremamente sigilosa e, quando o seu objectivo foi atingido, extinguiu-se tão brevemente como surgiu. O principal responsável pela ascensão da Carbonária em Portugal foi Duarte Luz de Almeida, que criou a Carbonária Portuguesa em 1896. Juntamente com Machado Santos e António Maria da Silva formaram a “Alta Venda”, órgão máximo da Carbonária. Apesar de ser muitas vezes associada à Maçonaria, a Carbonária afasta-se significativamente desta sociedade secreta pelo seu carácter militante, que os leva a usar a força na busca pelos seus objectivos. Por outro lado, a Maçonaria é uma sociedade claramente elitista, não é «para todos os bolsos» 15, ao contrário da Carbonária que permitia afiliar pessoas de qualquer escalão social. Esta opção da Carbonária valeu-lhe a saída de diversos militantes em 1986 que não concordavam com a afiliação do povo à ordem. Não se julgue, porém, que por isto a Carbonária Portuguesa fosse uma ordem democrática, pois não o era. Primeiro, porque a “Alta Venda” não era eleita pelos membros da ordem, o que por si só é arrancar à Carbonária qualquer teor democrático que tivesse. E, segundo, os «primos» não podiam contactar nem os chefes, nem a organização do Partido Republicano. Para uns a Carbonária foi uma sociedade heróica pelo seu carácter popular e podemos olhá-la como tal, pois apesar de nunca ter demonstrado especial respeito pelos afiliados das classes sociais inferiores, fosse porque interesse maléfico fosse, pelo menos permitiu-lhes afiliarem-se. Na História de Portugal podemos encontrar uma intervenção enérgica da Carbonária nos seguintes acontecimentos: tentativa revolucionária de 28 de Janeiro, regicídio, Revolução de 5 de Outubro e consequente queda da Monarquia e na luta contra a chamada “Monarquia do Norte”. O comportamento dos seus mais altos dirigentes nem sempre foi o mais ético e altruísta. Na História de Portugal de José Mattoso, a “Alta Venda” é referida como símbolo de despotismo 15 José Brandão, ob. cit. (introdução) p.6 21
  • 22. dos três burgueses que a constituíam e que faziam de tudo para “aparecer”. Exprimindo a minha opinião pessoal e depois do bilião de textos sobre a Carbonária, inclusive um insuportavelmente maçador (burrice minha, confesso) sobre répteis, acho que posso exprimi-la sem medo de dizer uma grande asneira: é verdade que a Carbonária se mostrou de grande eficácia, mas o que mais houve foi sorte, não fosse um ou outro acontecimento ter ocorrido e talvez tivéssemos o Duque de Bragança como Rei de Portugal. Mas na história tudo funciona assim, são os pequenos factos que a mudam, e, talvez a acção da “Alta Venda” e de todos os outros, tenha sido por mero narcisismo, mas é graças a esse narcisismo que hoje vivemos numa República. Se o país ganhou ou perdeu com isso, nunca iremos saber, mas não devemos menosprezar os feitos dos outros. 22
  • 23. Bibliografia • BRANDÃO, José de, Carbonária Exército Secreto da República, Lisboa, 1990. • CARDOSO, Eurico Carlos Esteves Lage de, Machado Santos “O Fundador da República”, Lisboa, 2005. • VENTURA, António de, FACTOS DESCONHECIDOS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL (Selecções do Reader’s Digest), Lisboa, 2004, pp.168-187. • MATTOSO, José de, História de Portugal – Sexto Volume, autor Dr. Rui Ramos Editorial Estampa, Lisboa, 1992, pp. 365-373 Sites: • http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm • http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html • http://beatojosemaria.no.sapo.pt/opusdei.htm • http://pt.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Garibaldi • http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/j_g_ferreira/carbonar.html • http://www.discoverybrasil.com/guia_conspiracao/organizacoes/index.shtml Imagens retiradas de: o Ilustração 1: http://beatojosemaria.no.sapo.pt/opusdei.htm o Ilustração 2: "http://pt.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Garibaldi” o Ilustração 3: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm 23
  • 24. o Ilustração 4: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm o Ilustração 5: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm o Ilustração 6: http://www.vidaslusofonas.pt/machado_santos.htm 24
  • 26. Pré-Projecto Plano Prévio: Capítulo 1: Sociedades Secretas Capítulo 2: Carbonária em Portugal Capítulo 3: A Carbonária e a República Portuguesa Capítulo 4: O destino da Carbonária Introdução: Com este trabalho pretendo estudar uma sociedade secreta que surgiu no século dezanove e teve um papel muito importante na história do nosso país: a Carbonária. Após ponderar seriamente sobre o assunto e muitos rascunhos adoptei a seguinte divisão em capítulos, que agora passo a justificar: Capítulo 1: Sociedades Secretas Neste capítulo pretendo esclarecer o conceito de sociedade secreta que considero fundamental, uma vez que a Carbonária foi também uma sociedade secreta. Apresentarei ainda alguns exemplos de sociedades secretas, abordando resumidamente em que consiste cada uma delas, como a Maçonaria, a Opus Dei, os Templários, os Druidas e outras que se supõem apenas mitos, sendo a Maçonaria, pela sua relação profunda com a Carbonária, a mais importante. Capítulo 2: Carbonária em Portugal Como? Onde? Porquê? São algumas das questões que tenciono responder neste capítulo, contextualizando a história da Carbonária na história de Portugal. Capítulo 3: A Carbonária e a República Portuguesa Sabe-se que a Carbonária teve um papel vital na queda da Monarquia, assim como na implantação da República, dediquei este capítulo a todo o percurso que culminou na mudança de regime político em Portugal. Capítulo 4: O destino da Carbonária Após a implantação da República, principal propósito desta sociedade secreta, o que sucedeu com a Carbonária e, consequentemente, com os Carbonários que interviram na luta pelas crenças da organização? Ainda existe a Carbonária em Portugal? Embora esta pergunta me pareça difícil de responder, pelo menos a nível nacional, uma vez que se tem conhecimento de actividades carbonárias em outros pontos do globo; como no Brasil em que a Carbonária não só se mantém activa como já veio a público exigir a renúncia do Presidente da República Luiz Inácio da Silva, mais conhecido por Lula. NOTA: Não vi necessidade de fazer uma capa para o Pré-projecto, uma vez que a utilidade deste era organizar o trabalho e as metodologias a utilizar; deixei por isso a capa apenas para o projecto final. 26
  • 27. Carta de Machado Santos publicada a 5 de Outubro (ORDEM DO DIA N.º1) Cidadãos! Um facto notável se acaba de dar, que ficará gravado em letras de oiro na história da nossa querida Pátria. A República, devido ao esforço dos bravos que acamparam na Rotunda, dos valentes marinheiros e da nobre e valorosa população civil da cidade de Lisboa, hoje foi proclamada! A dinastia de Bragança, que há 270 anos vem pesando sobre o País o levou à ruína, à miséria e ao desprezo das nações estrangeiras, vai a caminho do exílio e nunca mais os seus representantes ousarão macular o solo sagrado da Pátria! Cidadãos! O vosso gesto altivo levou ao conhecimento do Mundo inteiro que neste canto da Europa existe um povo que deseja, em liberdade, trilhar o caminho do progresso. Nunca mais os estranhos deixarão de olhar com respeito os filhos de Portugal! A luta terminou! Já não há inimigos! Hoje todos portugueses, trocando abraços fraternais, vão colaborar na obra de regeneração da Pátria! Já não há inimigos! Há só irmãos! Em nome do Governo da república, louvo todos aqueles que tive a honra de comandar e que, numa luta homérica de um contra dez, tão bem souberam defender os seus ideais: Pátria e Liberdade! Viva à República! Quartel-General da Rotunda, 5 de Outubro de 1910. (1.ª da República) (a) Machado Santos Comandante 27
  • 28. Imagens… Retiradas de: VENTURA, António de, FACTOS DESCONHECIDOS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL (Selecções do Reader’s Digest), Lisboa, 2004 28