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A CRUZ DO AMOR
Barbara Cartland
Título original: The cross of love
Copyright: c 1997 by Barbara Cartland
Copyright para a língua portuguesa: 1997
BARBARA CARTLAND é, sem dúvida, a mais famosa escritora romântica do mundo.
Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar algumas: é historiadora, geógrafa, poetisa e
especialista em dietas naturais.
Actuante personalidade política, sempre lutou pelos direitos dos grupos menos favorecidos
da sociedade inglesa, especialmente os ciganos, viúvas pobres e crianças abandonadas.
Supercriativa e culta, já escreveu mais de 550 livros, editados em todo mundo em dezenas
de idiomas e dialectos, tendo alcançado com essas obras a incrível marca de 600 milhões de
exemplares vendidos.
CAPÍTULO I
1964
Rena Colwell entrou na sala onde o pai costumava escrever os sermões, e foi para a
escrivaninha que, no tempo de sua mãe, estava cheia de flores. Era uma linda sala.
Agora, o local parecia abandonado, com o papel de parede rasgado em vários lugares, as
cortinas velhas e desbotadas.
Contudo, para Rena continuava sendo o lugar onde ela se sentia feliz e em segurança. Lá,
estivera sempre na companhia das pessoas que amava.
Sua mãe morrera antes. A partir do momento em que fora sepultada e que o marido dissera
as preces, ele cessara de ser o mesmo homem. Perdera toda a alegria de viver.
Prosseguira com a mesma actividade de pastor da igreja durante meses ainda, visitando os
doentes da paróquia, enterrando os mortos. E, acima de tudo, lutando para que os jovens
assistissem à cerimónia dominical. Essa sua luta tornava-se mais difícil no verão, quando
eles preferiam jogos ao ar livre ou nadar no rio.
Rena achava que a nova geração não se interessava muito pelo futuro. Os adolescentes,
pelos vistos, sentiam-se felizes com o que tinham.
E Rena não podia entender tal atitude, pois a aldeia era muito pobre, as crianças não
frequentavam boas escolas, e raramente havia actividades sociais para entretê-las.
Contentavam-se com o pouco que tinham.
Rena acreditava que, em grande parte, a razão dessa felicidade devia-se a seu pai, que
estava sempre pronto a ajudar os habitantes locais na hora da desgraça.
No entanto, depois da morte da esposa, o velho pastor pareceu perder a energia, tornando-
se menos activo em seu apostolado.
Rena detestava pensar dessa maneira, mas reconhecia ser a verdade.
Seu pai se tornara uma sombra do que havia sido no passado.
Alguns meses depois da morte da mulher, fora chamado para a casa de um agonizante,
numa noite fria de inverno, com neve abundante. Contraíra uma gripe que piorava a cada
dia.
Rena fez tudo o que podia para fazer com que o pai se sentisse melhor. Até lhe dera as
mezinhas que aprendera a fazer com a mãe. Mas ele não reagia.
Reconhecia que o pai nunca fora muito forte, e seu tipo de vida em nada contribuía para
que gozasse de melhor saúde. Era chamado continuamente em noites frias para atender
doentes e agonizantes.
Ele fora capelão durante a guerra, e isso concorrera para piorar seu estado geral. às vezes
conversava sobre suas experiências junto ao exército inglês. Embora não se queixasse,
Rena tinha certeza de que sofrera muito por estar longe da Inglaterra. Não apenas um
sofrimento físico, mas da mente e do coração.
E agora, quando inesperadamente ele começava a melhorar, ela encontrou-o morto na
cama.
De manhã fora ao quarto do pai a fim de saber por que motivo não descera para tomar café,
e notou que ele não respirava. Achou que talvez fosse imaginação sua, e que logo o pai
reviveria e riria dela, por ter se assustado tanto. Mas, ao ver que o coração não batia se deu
conta da realidade. Desesperou-se, ciente de que sua vida terminara também. Não poderia
viver sem o pai.
Os habitantes da aldeia ficaram desolados, pois perdiam o melhor amigo, um amigo que
nunca falhara nas horas difíceis. Todos choraram muito no funeral, repetindo
constantemente:
O que vamos fazer sem ele? Como poderemos continuar vivendo?
Era de se esperar que se preocupassem. E Rena era a mais preocupada de todos, pela
simples razão de que não tinha para onde ir e nem dinheiro.
A aldeia ficava numa parte esquecida do mundo, raramente era visitada por pessoas de
outras regiões do condado. E isso porque a Casa-Grande, que fora habitada por dez ou mais
gerações de condes, estava agora abandonada e negligenciada.
O último proprietário não tivera interesse nas pessoas que lá moravam; tinha poucos
empregados, pois não tinha dinheiro. Herdara apenas a Casa-Grande de um antecessor, mas
não meios para mantê-la.
Rena jamais se preocupara com o conde, pois na verdade não o conhecia. O homem vivia
confinado na casa e nunca ninguém o vira cavalgando nos prados ou indo à aldeia. O
homem morrera durante a noite, e só dias mais tarde os habitantes locais souberam de sua
morte. Nem o pastor fora chamado.
Rena só esperava que, após a morte dele, viesse outro proprietário que se interessasse mais
pela aldeia.
Porém, o que a preocupava acima de tudo, agora após a morte de seu pai, era a vinda do
novo pastor, nomeado pelo bispo. Precisava desocupar a Casa Paroquial, e não tinha para
onde ir.
O pai deixara a conta bancária quase vazia. O salário dele era muito reduzido, e mal dava
para viver. E mesmo esse pequeno salário cessaria de ser enviado pelo bispo.
- O que poderei fazer? O que poderei fazer? - ela sussurrava.
Mas não obteve resposta.
Após a morte da mãe, cuidara do pai achando que ele seria eterno. Nunca pensara no facto
de que chegaria o momento em que, sem dinheiro, seria forçada a ganhar a vida num
mundo desconhecido.
Mas, como poderia pagar um lugar para dormir, caso tivesse de sair da aldeia?
Seu nervosismo aumentou ao receber a carta do bispo dizendo que lamentaria muito a
morte do pastor, e que mandaria um substituto o mais depressa possível. Isso significava,
embora o bispo não houvesse dito, que ela teria de desocupar a Casa Paroquial.
Sua pergunta era: para onde ir?
Londres ficava bastante longe, e raramente ela fora lá. Não podia se imaginar trabalhando
numa loja da aldeia vizinha, lugar bastante pequeno e de pouco movimento. Tampouco
ensinando crianças que em geral iam a escolas públicas.
"O que posso fazer? O que posso fazer?"
Seu pai sempre lhe dissera que, se rezasse, Deus atendia as suas preces. Mas agora parecia
que Deus não a ouvia, ou suas preces não eram fervorosas.
"O que posso fazer? Leio muito mas não tenho diploma de professora. Adoro cavalgar mas
não há cavalos nesta vizinhança."
O cavalo que possuíra morrera, havia três anos já. Agora, seria uma questão de tempo
desocupar a Casa Paroquial quando o novo pastor aparecesse.
Tinha de começar a preparar as malas. Havia pouca coisa a levar. Alguns vestidos seus e de
sua mãe. Estava consciente de que precisava andar bem vestida para arranjar um bom
emprego.
Rena era uma moça bonita. Seus cabelos louros tinham um toque de dourado. Os olhos
azuis da cor do céu eram enormes, talvez grandes demais para um rosto tão pequeno.
Como os pais não dessem festas em casa, poucas pessoas haviam percebido que a pequena
Rena se transformara numa linda mulher. E, se andasse bem vestida, seria a moça mais
atraente de qualquer reunião social.
"O que posso fazer?"
"Talvez trabalhar como empregada doméstica?" Mas a ideia de morar em casa estranha a
apavorava. Sabia que a mãe ficaria chocada se viesse a saber que essa ideia lhe passara pela
cabeça.
A sra. Colwell nascera numa família de certa projecção social. E os pais dela não ficaram
nada felizes ao saber que a filha se apaixonara por um pastor da igreja, assistente do Vigário
da paróquia que eles frequentavam aos domingos.
- Seu pai foi um dos homens mais lindos que conheci - ela dissera a Rena. - Ele disse que se
apaixonou por mim no primeiro dia em que me viu entrando na igreja, na companhia de
meus pais, seus avós.
- E vocês se amaram logo? - perguntara Rena.
- Acho que foi o que aconteceu. Mas não tive chance de falar com seu pai durante várias
semanas. Porém um dia nos encontramos, e ele quase não disse uma palavra, tão nervoso
estava. Apenas confessou que se impressionara com meu aspecto à primeira vista.
Rena rira muito enquanto a mão continuava:
- Pude entender perfeitamente, porque senti o mesmo. Queria falar mas não sabia o que
dizer. No primeiro dia em que ele foi a nossa casa com o vigário, para tomar chá, nenhum
de nós disse uma única palavra.
- Mas você ficou emocionada com a visita, mamãe?
- Tão emocionada que sonhei com ele todas as noites até nosso próximo encontro.
E levou muito tempo para que o jovem ministro da igreja tivesse coragem de se aproximar
da filha do abastado proprietário de terras, para conversar com ela a sós.
Enfim um dia, quando houve uma grande festa na casa, a menina apaixonada encontrou um
pretexto, não se lembrava bem qual fora, de mostrar ao jovem pastor o canteiro de
morangos. E andaram sozinhos pelo enorme jardim que rodeava a mansão.
- Quanto tempo depois disso papai levou, mamãe, para dizer que a amava?
- Para mim pareceram milhares de anos. Confesso que eu amava seu pai, mas não tinha
muita certeza se ele me amava.
- Finalmente um dia ele disse que a amava?
- Disse, e eu me senti arrebatada aos céus junto com ele. Espero, querida, que um dia isso
aconteça com você - a sra. Colwell dissera à filha.
Seus pais eram as duas pessoas mais felizes que Rena conhecera. às vezes tinha a impressão
de que se esqueciam da existência dela e de tudo o mais que havia no mundo, exceptuando-
se o facto de que estavam juntos.
Pensando no passado, Rena imaginava que essa era a razão de os pais nunca darem festas.
Eles se bastavam. As reuniões sociais, raras, só aconteciam em função do trabalho da igreja.
Quando as visitas iam embora, eles sentiam alívio porque ficavam sozinhos, não queriam
mais ninguém além dos dois.
Porém isso não queria dizer que ela crescera sem receber amor. Mas, de que adiantava esse
amor agora?
Quase instintivamente sentou-se à escrivaninha do pai. Sentia-se com se ele estivesse
presente, e lhe fez a pergunta que a atormentava.
"O que posso fazer, papai? Aonde devo ir e a quem devo pedir ajuda? Assim que o novo
pastor chegar, terei que desocupar a Casa Paroquial. No momento, não tenho dinheiro nem
para ir a aldeia mais próxima. Isso sem falar em Londres, onde talvez possa arranjar algum
emprego bom."
Ela suspirou e esperou ouvir o pai lhe falar o que deveria fazer.
Então, como se o conselho lhe tivesse sido enunciado em voz alta, Rena começou a pensar
na cruz que fora encontrada na floresta, atrás da Granja, como era chamada a Casa-Grande.
Lembrava-se de que fora assunto das conversas na aldeia, quando trabalhadores da floresta
a encontraram e pediram ao pastor que fosse vê-la.
- Parece-me bem estranho o aparecimento dessa cruz - a mãe de Rena dissera ao marido. -
Mas os homens acham que tem algo a ver com religião. Você precisa ir lá para dizer se é
alguma coisa sagrada ou não.
Rena tinha doze anos na ocasião. E recordava-se de ter ouvido o pai dizer que não tinha
tempo, pois precisava preparar o sermão de domingo.
- Você precisa ir - a mulher insistira. - Afinal, é assunto relacionado à igreja.
E ele cedera, suspirando. Pegou o chapéu, beijou a mulher e embrenhou-se pela floresta.
O que os homens acharam era uma enorme cruz, rústica, mas sem a parte superior. Estava
suja de lama. Porém, depois que eles a limparam, descobriram uma inscrição que tiveram
dificuldade em decifrar.
Rena e a mãe foram ver a cruz alguns dias mais tarde. Estava circundada de árvores. Era
primavera, e havia flores por toda a parte.
Como o local ficasse na outra extremidade da floresta, fazia-se necessário atravessar os
jardins da Granja para chegar lá. Rena lembrava-se de que ficara encantada ao ver a Granja
de perto, pela primeira vez. E se perguntara se algum dia teria chance de nadar no riacho
que atravessava a propriedade dos condes.
Extasiara-se ao ver a cruz, e entendera por que o pai se interessara tanto pelo achado. A
madeira era diferente de qualquer outra que conheciam. Rena viu a inscrição que
convencera seu pai de que se tratava de uma verdadeira cruz.
Com paciência, o pastor conseguira decifrar palavra por palavra.
Todos vocês que precisarem de auxílio, o encontrarão quando orarem para mim.
- Isso foi o que me convenceu de que é na verdade uma cruz, apesar da falta da parte
superior - o pastor dissera. - Acho que foi colocada lá há centenas de anos, quando a casa
foi construída. Ou talvez até antes disso.
E ele dera instruções para que a cruz nunca fosse tirada do lugar, excepto se houvesse uma
ordem especial do dono das terras.
E lá continuara a cruz, até o presente.
"Eu havia me esquecido dessa estranha cruz", Rena disse a si mesma. "Talvez se rezasse
naquele lugar, encontraria auxílio, como outras pessoas o encontraram. Meu pedido será
muito difícil de ser satisfeito, mas preciso fazer de tudo para ganhar algum dinheiro que
faça com que eu não morra de fome."
Era primavera. Rena não levou casaco nem chapéu para atravessar a floresta. Quando
avistou ao longe os portões da Granja, notou que estavam abertos. Haveria visitantes no
local?, pensou. Não, era pouco provável.
Ela quase não se lembrava de como era a Granja. Passara por lá algumas vezes, e
rapidamente.
Sabia que havia salas grandes e sumptuosas. Mas, para Rena, sala grande era qualquer
recinto um pouco maior do que as pequenas salas de sua casa.
Ela notou que o jardim estava abandonado. Sendo primavera, os pássaros cantavam, de vez
em quando, um coelho ou um esquilo cruzava os gramados.
Rena estava com pressa, o que não a impediu, contudo, de apreciar o frescor da relva
enquanto o sol aquecia sua pele.
"Adoro o campo", dizia a si mesma. "Se tiver de morar em Londres a fim de trabalhar, terei
saudades deste lugar e passarei meus dias ansiosa para voltar."
Deu um profundo suspiro, sabendo que voltar era mais ou menos um sonho, pois não
haveria possibilidade de ela ganhar a vida na aldeia.
Continuou caminhando devagar, apreciando a vegetação e as flores. Logo deparou com o
riacho. Foi quando viu a cruz na qual seu pai estivera tão interessado. Linda, com os
ranúnculos desabrochando a seus pés.
O dourado do sol penetrando por entre a folhagem das árvores realçava a madeira escura da
cruz, que parecia ainda maior do que na realidade era.
Todo o cenário tinha aspecto impressionante. E Rena achou que o pai tivera razão ao
insistir que aquele seria o lugar perfeito para as pessoas levarem suas dificuldades e orar,
pedindo auxílio.
- Como pode essa cruz me ajudar? - ela disse em voz alta.
Depois lembrou-se de que não era à cruz que pedia ajuda, e sim a Deus.
Teve certeza de que o pai tivera razão ao dizer:
- Qualquer que seja a prece, se vier do coração, será ouvida por Deus.
Rena ajoelhou-se na grama molhada, e rezou.
Achou que se Deus a ouvisse, com certeza a ajudaria.
De repente, ao lado dos ranúnculos, enxergou um espinheiro.
E pensou logo que, se a planta crescesse muito, cobriria a cruz.
Tirou então uma luva de jardinagem do bolso do paletó, calçou-a e decidiu arrancar a
horrível planta pela raiz. Mas isso sem estragar as flores.
Ao fazê-lo notou, com espanto, que havia moedas junto à raiz.
Apanhou-as, limpou-as, e constatou que eram de ouro. Achou que sonhava. Em seguida
olhou para a cavidade e viu mais moedas.
"Não deve ser verdade", dizia a si mesma. "Como puderam essas moedas vir parar aqui?
Como é possível que a cruz seja sustentada por moedas?"
Eram moedas antigas e nada parecidas com as actuais.
Rena inclinou-se para pegar mais algumas.
Mas instintivamente, como se tivesse sido aconselhada pela própria cruz, concluiu que o
tesouro que achara pertencia ao dono da Granja.
"Não posso roubar isso", pensou. "Seria um acto mau, pecaminoso, em especial porque
tirado de lugar tão sagrado como o da cruz."
Ela limpou mais algumas moedas. Tinha certeza de que eram de ouro, do tempo da
Regência, ou talvez do tempo da rainha Anna.
Seu pai era um conhecedor de moedas, um numismático na realidade, e se interessava pela
transformação do dinheiro através dos tempos. Muitas vezes conversara sobre o assunto
com ela.
E agora, Rena achava que aquelas moedas datavam, no mínimo, de cem anos atrás. E isso,
com certeza, as tornava muito valiosas.
Foi então que se lembrou de algo. Alguém lhe dissera que um candidato à compra da
Granja chegara dias atrás. Resolveu entregar-lhe o tesouro que encontrara.
Não que acreditasse na realização da compra. Muitas pessoas interessadas tinham vindo e
saído, sem completar o negócio. Nenhuma delas fizera uma oferta para aquisição da velha
casa.
"Só espero", Rena pensava, "que alguém decente a compre. E que gaste dinheiro
reformando a igreja e, naturalmente, as casas da aldeia."
Ela soubera, pelo pai, que muitas pessoas interessadas haviam aparecido no decorrer dos
anos, mas todas partiam sem mostrar o maior entusiasmo pela velha casa que permanecia
até o presente fechada.
"Se houver mesmo um novo proprietário na Granja, talvez essa minha descoberta o animará
a tornar o local habitável de novo. E ele ajudará os moradores da aldeia que
desesperadamente precisam de emprego para sobreviver."
Com receio de que alguém mais visse o que ela acabara de achar, Rena recolocou o
espinheiro no lugar. Não sem antes pegar em todas as moedas à vista.
Pelo facto de não querer pisar nos ranúnculos, o espinheiro não ficou bem enterrado como
antes, o que ela achou muito bom, pois não cresceria tanto a ponto de cobrir a cruz.
Assim que terminou sua tarefa, ficou olhando para o lugar sagrado.
"Talvez minhas preces tenham sido atendidas", disse a si própria.
Depois riu de seu optimismo.
"Mas meu achado não deixa de ser animador. Se o novo proprietário for um homem
generoso, quem sabe me dê ao menos uma dessas moedas que desenterrei do solo."
Logo Rena se deu conta de que, se houvesse mais, e tinha certeza de que havia, vendendo-
as teria ao menos um pouco de dinheiro para ir a algum lugar procurar emprego.
Como se o pai a estivesse ouvindo, ela teve a impressão de escutar-lhe a voz dizendo que
aquilo seria roubo, um acto que Deus condenava.
Roubo era algo que ele não toleraria, em particular vindo da própria filha.
"Tenho de ser honesta. E, embora seja um pouco cedo para tirar uma conclusão, o facto de
eu ter achado o tesouro me faz acreditar que obtive resposta a minhas preces."
Porém logo pensou novamente que estava sendo optimista demais.
Ela atravessou a mata cerrada da floresta, e depois os jardins, tomando a direcção da Casa-
Grande.
CAPÍTULO II
Como fazia muito tempo que Rena não via a Granja, esquecera-se do quanto era atraente,
apesar de seu mau estado de conservação. Sem dúvida precisava de uma boa reforma.
As vidraças das janelas estavam quebradas e necessitavam de limpeza.
Tanto as janelas como os tijolos à vista eram muito velhos e muito lindos.
Ao olhar para a casa, Rena se perguntou por que motivo ela ficara tanto tempo sem ir até lá,
para apreciá-la. Apesar da falta de jardineiros, os canteiros tinham um colorido
impressionante devido à grande quantidade de flores das mais variadas tonalidades. A
própria praga que crescia no meio dos gramados fazia parte do quadro:; não o prejudicava.
"Que casa linda", pensou. "Se não tivesse sido negligenciada por tantos anos, seria uma das
mais lindas casas de toda a Inglaterra."
Havia uma boa distância a ser percorrida da velha ponte à entrada principal da casa. Um
pouco além corria um riacho pelo jardim, que terminava num grande lago.
Várias vezes Rena pensara em nadar naquele lago. Mas como existia outro lago bem mais
perto de sua casa, ela sempre evitara andar até lá.
Entre o lago e os jardins da Granja havia uma pequena floresta onde a mãe a levara muitas
vezes quando ela era bem pequena. E lhe dissera que as fadas dançavam ali.
Após a morte da mãe, Rena não mais voltara ao local, achando que sofreria ao passear por
lá sozinha. E também não desejava encontrar pessoas da aldeia num lugar que sempre
considerava só seu e da mãe.
Não que fosse difícil evitar esses encontros. Poderia ter ido no fim da tarde, quando todos já
tivessem voltado do trabalho e estivessem recolhidos em seus chalés.
Além do mais, os aldeões não pareciam interessados na Granja, pela simples razão de que
não havia trabalho para ninguém lá, um trabalho que lhes garantisse meios de
sobrevivência.
Por ser primavera, havia flores por toda a parte, sendo a maior parte delas margaridas e
ranúnculos. Mas o ar estava perfumado com o aroma de lilases e madressilvas.
Desde menina sempre lhe havia dito que a Granja era mal-assombrada. Os mais velhos da
aldeia insistiam que ouviam vozes estranhas quando visitavam o lugar. Quem sabe essa fora
a razão que conservara tanto os adultos quanto as crianças afastadas do local.
E Rena lamentava agora ter sido tão idiota a ponto de não haver usufruído a beleza do que
via agora.
"Talvez o novo dono faça com que a Granja volte à magnificência do passado", ela pensou.
Não seria muito difícil. Era só observar a casa para ver como fora negligenciada, e se
convencer de como poderia facilmente voltar a ser linda de novo.
"Talvez um dia ruirá por terra, e tudo ficará perdido se não houver interesse de alguém para
restaurá-la".
Mas seria um crime se isso acontecesse, porque casas como aquelas faziam parte da história
da Inglaterra.
Rena notou que a porta da frente estava aberta. Tinha certeza de que não havia empregados
na casa, de contrário teria ouvido alguma coisa.
Espiou o interior. Não tocou a campainha; não havia empregados lá, quem atenderia à
porta?
Corriam boatos na aldeia de que alguém tinha chegado para ver a Granja, mas não se sabia
se esse visitante viera sozinho ou com a família. Porém de uma coisa Rena estava segura;
se o homem tivesse contratado empregados, ela saberia.
Por não ouvir ruído algum, entrou. Como o exterior da casa, o interior também precisava de
mais cuidados. Uma espessa camada de poeira cobria as escadas e o assoalho de madeira
das salas. Os tapetes estavam cinzentos de tanto pó, como também os móveis.
Rena pensou logo na mãe que gostava tanto de móveis antigos. Ela ficaria horrorizada ao
ver o estado em que se encontravam móveis tão preciosos. Pareciam ser peças francesas.
O silêncio era absoluto. Com certeza o novo candidato à compra, do qual se falava na
aldeia, havia desistido do negócio, horrorizado com a má conservação do lugar.
Por outro lado, se ele ainda continuasse lá, estaria na cozinha preparando o café da manhã,
pois sem dúvida passara a noite na casa, ou viajando.
No instante em que chegou a essa conclusão, Rena ouviu um ruído na sala de jantar. Teve
um segundo de hesitação. Mas sua curiosidade venceu. Em vez de sair e tocar a campainha
da porta da frente, foi até a sala de jantar.
Era exactamente como seu pai descrevera. Ele estivera lá havia oito anos, acompanhando
uma pessoa que chegara de Londres para inspeccionar a Granja. E seu pai soubera mais
tarde que a idéia era reformar a casa e transformá-la numa espécie de hotel de fim de
semana, para hóspedes que desejassem escapar das cidades grandes.
Seria um lugar de repouso também, onde viajantes poderiam passar uns dias e gastar algum
dinheiro antes de voltar a suas casas.
Mas nada fora feito porque a pessoa encarregada de inspeccionar o local chegara à
conclusão de que seria impossível transformá-lo numa estância para férias. Ele declarara
não haver nada na aldeia que prendesse a atenção das pessoas residentes em outras partes
do país. Ou, pior ainda, de pessoas provenientes do exterior, que considerariam o lugar um
dos menos atraentes da Inglaterra.
Rena lembrava-se agora de que o pai não discutira com o homem, apenas o ouvira. E dera
graças ao bom Deus pelo facto de não se fazer da Granja um hotel de divertimentos, o que
acabaria com a paz da aldeia.
Agora, já na sala de jantar, recordava-se do que o pai dissera a ela assim que se despedira
do inspector:
- Talvez eu esteja errado, mas fico contente por não se transformar isto num lugar de
divertimento para os que têm medo da quietude e da paz do campo. É um local valioso para
nós, e esperamos que pessoas daquela espécie não nos incomodem.
O pastor falara mais consigo mesmo do que com a filha. E agora Rena lembrava-se de que
ele ficara radiante ao saber que a Granja continuaria exactamente como sempre fora, e que
ninguém aviltaria a casa e as redondezas.
- A Granja pode estar cheia de pó, pode necessitar de reparos - ele dissera à filha -, mas é
parte de nossa aldeia, e não a dividiremos com ninguém mais. E, sem dúvida, não com um
idiota como o homem que veio de Londres.
E naquele instante o escárnio da voz dele pareceu soar de novo aos ouvidos de Rena.
"Meu pai gostava das coisas como estavam", ela reflectiu.
Contudo, não podia deixar de admitir que agora pareciam bem piores. A mesa precisava de
polimento e o consolo da lareira tinha uma camada grossa de pó.
Rena ouviu um ruído de novo. Imaginou que talvez fosse o tal comprador.
Curiosa, foi à cozinha. Para sua enorme surpresa, viu um homem lidando para acender o
fogo a lenha.
Consciente da presença dela, o homem disse:
- Talvez você possa fazer com que este maldito fogão acenda! Estou ansioso para tomar o
café da manhã, e a lenha teima em não pegar fogo.
- Deixe-me tentar - Rena insistiu, sorrindo. - Esses fogões velhos são problemáticos, às
vezes.
Quando o homem virou-se, Rena viu que era jovem e muito atraente.
- Se você conseguir acender esse fogo, poderei tomar meu café da manhã. Estou morrendo
de fome. Já comi quase tudo o que trouxe comigo. Acho que esta horrível cozinha é tão sem
recursos como o resto da casa.
- Se for o novo dono, sinto muito que tenha essa opinião. - Rena sorriu. - Mas um dia foi
uma das mais lindas casas da Inglaterra.
- Acho que precisamos nos apresentar. Mas, antes disso, eu ficaria muito grato por qualquer
auxílio que você pudesse me proporcionar.
- Preciso agora de um pedaço de papel. Pode encontrar em uma das gavetas da mesa.
Depois, com gravetos e fósforos, acenderei o fogo.
- Suponho que eu deveria saber fazer isso - o rapaz falou. - Mas, francamente, não estou
acostumado a cozinhar para mim.
- Então vá arranjar o que lhe pedi. E prometo que não ficará faminto por muito tempo
ainda.
Em minutos, Rena acendeu o fogo. Pôs água para ferver numa velha panela e colocou dois
ovos que o rapaz trouxera consigo.
Enquanto esperava, ele sentou-se na beirada da enorme mesa que enchia quase toda a área
da cozinha.
Rena não prestava muita atenção nele, mas concentrava-se na refeição que preparava.
O homem trouxera numa cesta meio filão de pão e um bom pedaço de manteiga. Prontos os
ovos, Rena colocou tudo em pratos que encontrou num armário.
Mandou que ele os levasse à sala de jantar enquanto tentaria encontrar café ou chá em
qualquer lugar da cozinha.
- O que você prefere? - ela perguntou.
- Ficarei grato por qualquer coisa que me der - o homem respondeu. - Eu deveria convidá-la
para comer comigo. Mas estou com tanta fome que minha vontade é devorar tudo o que
está sobre a mesa.
- Não estou com fome - Rena explicou. - Comi antes de sair de casa.
Isso não era verdade, pois comera apenas pedaços de presunto que sobraram do jantar da
noite anterior; e foi comendo enquanto atravessava a floresta.
Agora ali, ao lado do desconhecido, achava estranho ele não ter curiosidade em saber a
razão de sua presença na casa.
Ela enfim encontrou o café que procurava, em um dos armários; mas só esperava que não
tivesse gosto de mofo. Pelos vistos, pareceu que não, pois o homem tomou-o com evidente
prazer, e disse:
- Acho que você não é real e sim uma fada que apareceu aqui para me salvar. Eu estava
morrendo de fome.
- Apenas sinto que a maioria da louça boa tenha sido roubada. Sempre achei um erro deixar
esta linda casa desabitada. Apesar de bem fechada, há pessoas que sempre arranjam um
meio de entrar para roubar.
- Acho que devo ser muito grato por não terem levado os quadros e peças do mobiliário - o
homem declarou.
- Então é o novo dono! - exclamou Rena. - Achei, mas me ensinaram que era rude fazer
perguntas desse tipo.
O homem riu muito.
- à fada que me alimentou e me deu de beber, coisa que eu não conseguiria Ter sem o
auxílio dela, posso apenas dizer que me considero muito feliz por a ter encontrado.
Rena sorriu e disse:
- Foi puro acaso. Passei perto algumas vezes mas não cheguei até aqui por saber que a casa
estava vazia. Agora, espero que o novo proprietário se anime ao ver tudo o que pode ser
feito.
- É o que espera que eu faça?
- É o novo proprietário? - Rena indagou, surpresa. - Sussurrava-se na aldeia que você... que
o senhor havia chegado, mas eu não tinha muita certeza. Trouxe algo para lhe mostrar. Uma
agradável surpresa, penso, depois das dificuldades que o senhor teve com a cozinha.
- Acertou - o homem concordou. - Sou o novo proprietário e confesso que, mesmo antes de
ter chegado aqui, sabia que minha herança não haveria de ser alguma coisa para se receber
de braços abertos. Trata-se de uma casa grande demais e dispendiosa, para se usar como
moradia.
- Mesmo? - Rena suspirou. - Muitas vezes pensei que seria interessante ver esta casa criar
vida de novo e não mais deixada como está agora, gradualmente caindo em ruínas até que
não sobre nada dela, e nem dos lindos jardins.
- Acho que o que você diz é verdade, mas há um grande empecilho intransponível.
- E qual é esse empecilho, posso saber?
- Vou resumir em uma palavra apenas. Dinheiro! Dinheiro para tornar a casa habitável.
Dinheiro para contratar jardineiros, fazendeiros, arrendatários, empregados e, naturalmente,
dinheiro para comprar cavalos que encham minhas estrebarias.
- Isso seria maravilhoso! - Rena gritou. - Sempre quis cavalgar pelos campos, mas como
meu pai recebia muito pouco da igreja, nunca tivemos condições de comprar um cavalo.
O jovem homem riu e fitou-a atentamente.
- Está por acaso me dizendo que seu pai era o antigo pastor?
- Era. Meu pai, o reverendo Colwell, morreu há um mês mais ou menos. E meu nome é
Rena Colwell. Ele trabalhou como pastor da aldeia e conhecia esta casa havia mais de vinte
anos. Agora, quando o bispo mandar para cá outro ministro da igreja, eu terei de ir embora.
- Se eu tivesse condições financeiras, convidaria você para me ajudar a restaurar a casa a
fim de torná-la outra vez linda como foi no passado.
- E eu adoraria ajudá-lo. Mas o senhor fala como se considerasse impossível viver aqui.
- E é. Estive viajando a serviço da Marina de Sua Majestade, e não tinha idéia de como
seria minha vida no futuro até o instante em que, voltando à Inglaterra, soube, para meu
espanto, que eu era o descendente directo do último conde que herdou isto há trinta ou
quarenta anos atrás, penso.
- Acho que há mais tempo ainda - Rena corrigiu-o. - Mas que maravilha para o senhor, ter
herdado esta casa!
- De início achei que se tratava de um conto de fadas. Mas logo constatei que minha
herança, além do título, era simplesmente nada, com excepção da casa e dos arredores.
- Quer dizer que o senhor não tem parentes?
- Só alguns, muito velhos, que com certeza sabem tanto quanto eu sabia até então. Nada!
- E o que pretende fazer?
- Francamente, não sei. Quando soube que esta casa vinha com o título, fiquei exultante por
ter um lugar onde morar, e terras. Mas agora que vi tudo, desapontei.
Pelo modo de falar Rena pôde perceber que o pobre homem estava de facto desapontado
com o que encontrara.
- O senhor tem chance de vender parte das terras, pelo menos. Não digo a totalidade mas
parte - Rena sugeriu.
- Foi o que pensei, mas tudo se encontra em tão mau estado que não sei se conseguiria
comprador. Isso se pudesse mesmo vender, o que sei que não será possível. Meus bens
devem passar para o próximo conde, embora considerando-se o facto de que os vários
condes que vieram antes de mim jamais tenham se preocupado com isto. O último conde,
que morreu com a idade de noventa anos, nunca morou aqui. Preferiu viver no norte da
Inglaterra onde dois de seus antepassados haviam vivido antes. - O conde sorriu ao
acrescentar: - Nenhum dos condes da família quis morar aqui, por isso as terras e a casa
ficaram no estado em que estão.
- Com certeza o senhor poderá remediar o mal - Rena declarou.
O conde sorriu sarcasticamente e replicou:
- Não tenho dinheiro. O que economizei de meu salário de marinheiro foi pouco. Não
ganhava muito. Para deixar esta casa habitável serão necessários milhares de libras. O pior
de tudo é que, conforme já lhe disse, não posso vender nada, porque a propriedade deverá
passar para o próximo conde da família, que pode ser ou não meu filho. Mas, com toda a
certeza, não será meu filho, pois não tenho condições financeiras que permitam que me
case. - Houve um momento de silêncio antes que ele dissesse: - Portanto, se eu não tiver um
filho, a casa continuará em ruínas, como esteve nos últimos cem anos.
Foi então que Rena resolveu falar sobre sua descoberta.
- Vim aqui para lhe dizer que encontrei algo em sua propriedade que desejo lhe entregar.
Enquanto falava ela tirou do bolso três das moedas que encontrara junto ao espinheiro. E as
pôs sobre a mesa. O sol, que entrava pela janela, as fez brilhar.
O conde ficou estático.
- São moedas antigas - disse. - Muito antigas! Eu diria que datam de cem anos ou mais.
Onde as encontrou.
- Na raiz de um espinheiro. E as trouxe para entregar ao verdadeiro dono, o senhor.
- Não pensou em guardá-las para si?
- Como já lhe disse, meu pai era pastor da igreja. E uma das coisas que me ensinou foi não
roubar, ou melhor, não me apoderar de coisas que não me pertencem.
- Foi muita bondade sua trazer essas moedas valiosas para mim - o conde disse. - Mas,
como pode imaginar, para restaurar esta casa precisarei de muito mais que isso. Digamos,
de milhares dessas moedas.
- Há muitas outras no lugar. Por esse motivo vim aqui depressa a fim de lhe contar sobre
meu achado. O senhor deve ir ao local antes que alguém descubra o tesouro.
O conde encarou-a, intrigado.
- Sim - Rena explicou. - Há um espinheiro crescendo ao pé da cruz, prejudicando a beleza
do cenário, com as anémonas rodeando o lenho sagrado.
- Mal posso acreditar no que me diz - o jovem conde falou, pondo a mão na testa. - Está
tentando me fazer imaginar que talvez haja mais moedas iguais a estas no mesmo lugar?
- É o que espero - Rena declarou. - E isso resolveria seu problema.
- Quer me levar a esse lugar? - o conde pediu. - Como pode imaginar, quero saber logo se
há mais desse tesouro aguardando ser descoberto.
- É o que espero. Tenho impressão de que as moedas foram colocadas por uma pessoa
grata, pela razão de suas preces terem sido atendidas.
- Por isso você foi rezar aos pés da cruz? - o conde perguntou.
- Foi. Como o senhor, estou sem dinheiro. Meu pai morreu e preciso encontrar um meio de
subsistência..
- Que tal irmos lá juntos, agora mesmo? - sugeriu o conde. - Se a cruz está em minhas
terras, podemos verificar se há mais moedas lá.
- É o que eu esperava que o senhor dissesse, pelo simples motivo de que muitas pessoas
visitem o local e podem descobrir as moedas caso haja mais, o que acredito que sim.
- Muito bem. Vamos agora.
- Mas iremos por um caminho mais discreto - sugeriu Rena. - Se as pessoas da aldeia o
virem indo para perto da cruz, no próprio dia de sua chegada, acharão estranho.
- Antes de tudo diga-me uma coisa. Por que essa cruz está em minhas terras e não foi
levada ao cemitério? Ou à igreja?
- Porque meu pai decidiu que fosse deixada lá, onde fora encontrada. Embora falte a parte
de cima, meu pai achou que se tratava de uma cruz, por causa da inscrição. De quando em
quando as pessoas da aldeia vão lá para pedir favores.
O conde levantou-se imediatamente e Rena conduziu-o ao local, porém seguido por um
atalho atrás da Granja, pouco usado pelos caminhantes. Tiveram de atravessar o riacho
através de uma ponte rústica de madeira, construída pelos trabalhadores nas terras de Sua
Senhoria.
E chegaram ao lugar da cruz, que se erguia majestosa entre as árvores, e que estava rodeada
de flores.
Rena ajoelhou-se e rezou, agradecendo a Deus por ter encontrado o dinheiro e também o
homem, a quem o dinheiro pertencia.
E pediu que o achado ajudasse não apenas o conde, mas outras pessoas também, incluindo-
a.
Enquanto rezava de olhos fechados, o conde permaneceu ao lado dela observando a cruz.
Mas, no instante em que Rena abriu os olhos, viu-o andando na direcção da cruz, pisando
inevitavelmente nas flores. O conde puxou o espinheiro que por sinal agora estava muito
mais fácil de ser removido. Em seguida começou a enterrar as mãos no solo úmido para ver
se encontrava alguma coisa.
Rena ficou preocupada. E se não houvesse mais nada? A ida até o local da cruz teria sido
em vão? Ela rezou, pedindo a Deus que os ajudasse.
De súbito, o conde deu um grito de alegria. Rena arregalou os olhos. Ele tinha nas mãos um
punhado de moedas de ouro, sujas de terra. Parecia um sonho.
- Suas orações foram atendidas, e tenho certeza de que há muito mais embaixo desta terra -
ele afirmou.
- Será verdade o que está acontecendo? Será mesmo verdade?
- É verdade. Veja! - O conde estendeu a mão cheia de moedas de Ouro. - O que temos a
fazer agora é voltar já para a Granja. Ninguém do lugar pode saber o que encontramos aqui.
Mais tarde trarei pessoas peritas no assunto, que poderão remover todas as moedas sem
danificá-las.
Assim dizendo, ele colocou o espinheiro no lugar, passou o braço em volta da cintura de
Rena, e ambos voltaram para casa. Seguiram pelo mesmo caminho da ida, entre as árvores
e atravessando a velha ponte de madeira que os levou para o outro lado.
Quase em casa, o conde disse:
- Não sei como lhe agradecer. Você me salvou, ao menos por agora. O que eu sentia ao
chegar aqui era só desespero, devido ao estado em que encontrei a casa e o que havia dentro
dela. De qualquer forma, tudo me parece um conto de fadas. Estou encantado com sua
descoberta, Rena. Sinto-me bem longe do estado de angústia em que me viu ao chegar aqui.
- O senhor acha mesmo que haverá junto à cruz dinheiro suficiente para a reforma da
Granja, e para deixá-la como foi no passado? - Rena perguntou, muito emocionada.
- Não posso acreditar que nossa sorte seja assim tão grande. Mas, qualquer quantia em
dinheiro, neste momento, será de incrível ajuda para mim. Isso me dará chance de planear
sobre meu futuro. E a você, mais uma vez muito obrigado.
- Agradeça a meu pai. Foi ele quem guiou meus passos até lá. E Deus permitiu que tudo
isso acontecesse.
- É emocionante demais para ser verdade! - o conde exclamou. - Só quero que me prometa
não revelar a ninguém nossa descoberta.
- É claro que não contarei nada a pessoa alguma - Rena prometeu. - Essas moedas são suas,
como também todas as que estiverem escondidas sob a terra. Seria terrível alguém vir a
saber, e começasse a escavacar por toda a parte, na esperança de encontrar algo.
- Tem razão - concordou o conde. - Mas agora é melhor que você volte para casa. Sua
família ficará apreensiva com seu atraso, sem saber o que houve.
- Todos de minha família morreram. Aliás, fui à cruz para pedir auxílio, pois preciso
arranjar um emprego para viver.
- Se tivermos sorte - o conde comentou -, você não terá necessidade de trabalho, a menos
que seja um trabalho muito interessante.
Rena sorriu e disse:
- Agora o senhor está esperando demais. Não vamos exagerar. Se encontrar mais algumas
moedas que lhe permitam viver com conforto, na Granja ou em algum lugar modesto, já
será óptimo. Não acha?
Houve uns minutos de silêncio. Em seguida, o conde perguntou:
- O que você pretende fazer?
- Eu me sentirei muito feliz se minhas preces forem atendidas. E, se o senhor tiver
paciência comigo e me abrigar por alguns dias, posso ao menos ter tempo para pensar no
que fazer na hora em que precisar sair da Casa Paroquial. Isso acontecerá quando o bispo
designar outro pastor para a aldeia.
Silêncio de novo.
Mas, ao chegarem mais perto da Granja, o conde sugeriu:
- Nesse meio tempo, se você estiver mesmo querendo um emprego, deixe-me oferecer-lhe
um. Preciso de governanta, e quero uma, se eu puder pagar, que transforme a Granja num
lugar habitável.
Rena deu um grito de alegria.
- Eu rezarei para que esse sonho se realize. Pode levar um século, mas se pudermos fazer
com que a Granja volte a ser o que era, se pudermos ajudar outras pessoas como fomos
ajudados, então acho que meu pai estava absolutamente certo ao me inspirar para eu ir orar
aos pés da cruz. E absolutamente certo em não ter deixado que a cruz fosse levada para
outro lugar. - Depois de uma pausa, ela acrescentou: - Oh, espero muito que meu pai esteja
vendo o tesouro que nós encontramos.
A última frase saiu de seus lábios com grande espontaneidade.
Mais uma vez, silêncio.
Depois, o conde disse:
- Espero muito que seu desejo, ou prece, como queira chamá-lo, se transforme em
realidade.
CAPÍTULO III
Quando chegaram à Granja, encontraram a porta conforme a haviam deixado, destrancada.
O conde abriu-a e Rena disse:
- Se vou ser sua governanta, e é algo que adoro ser, a primeira coisa a fazer é lhe preparar o
almoço. O senhor trouxe algum mantimento?
O conde riu e disse:
- Antes de tudo, Rena, não me chame de senhor. Ok? Chame-me de você, como fez quando
nos conhecemos, e antes de saber que eu era conde. Quanto aos mantimentos, está
querendo demais de mim. Pensei no café da manhã, mas não no almoço.
- Muito bem. Nesse caso, me dê algum dinheiro e eu irei à aldeia comprar qualquer coisa.
Não garanto que possa fazer um banquete, mas prepararei uma refeição simples.
- E eu serei grato pelo que você preparar. - Ele pôs a mão no bolso e tirou algumas libras. -
Isso chega?
- Oh, é mais do que suficiente. Comprarei também coisas para o jantar. Como governanta,
não posso permitir que o senhor... que você passe fome.
- Espero que não se assuste ao constatar que meu estômago é maior do que eu, quando
deixou a Marinha. Aqui fora, não temos a mesma fartura. Porque também não temos
dinheiro.
- Nunca duvidei sobre a alimentação no navio - Rena comentou. - Sempre achei que a
Marinha era bem gerenciada, bem melhor do que muitas casas.
- Tem razão. Agora, olhando para trás, reconheço que a comida era excelente, o navio
limpo. Tudo brilhava, o que infelizmente não posso dizer de minha casa!
- Talvez possa dizer mais cedo do que espera. Mas insisto que não seja impaciente.
- Ao entrarmos, notei que havia correspondência perto da porta. Deve ter caído da caixa de
cartas para dentro.
- O carteiro com certeza passou enquanto estávamos fora. Tocou a campainha e, quando viu
que não havia ninguém em casa, teve o bom senso de deixar as cartas na caixa.
O conde apanhou-as e exclamou:
- Penso não ser necessário dizer que o primeiro envelope que peguei é uma conta! Como
não se trata de nada agradável, vou antes almoçar para depois ler.
Rena riu muito.
O conde abriu a Segunda carta e, pela expressão do rosto dele, Rena achou que devia se
tratar de algo confidencial. E foi para a cozinha.
Olhou por toda a parte a fim de ver se havia qualquer coisa para comer. Não viu quase
nada, mas achou que encontraria verduras na horta. Sabia que algumas cresciam, apesar da
falta de cultivo.
"Vou precisar de todo o dinheiro que ele me deu", pensou. "Providenciarei coisas para o
jantar e para o café da manhã".
E achou que quanto mais depressa andasse com seu trabalho, melhor. Havia muito a ser
feito naquela cozinha suja, cheia de pó.
"Posso ser a governanta. Mas, pensando bem, para tomar conta da casa toda, preciso de
ajuda. E isso não se consegue sem dinheiro."
Porém, apesar de todos os problemas, seu coração sorria de alegria só em pensar no que
tinham encontrado aos pés da cruz. E sabia que com isso conseguiria alimentar o conde até
que ele decidisse sobre o que fazer da vida.
Rena saiu pela porta dos fundos. O conde não a viu sair. Havia apenas uma mercearia na
aldeia e o dono estava sempre se queixando que os habitantes locais viviam à sua custa.
- Se cobrasse dele o preço justo - o merceeiro dissera muitas vezes ao pastor -, poderia
viver muito melhor. Mas como deixá-los que morram de fome, o que acontecerá se tiverem
de pagar o valor real da mercadoria?
- Somos muito gratos a você - Rena ouvira o pai dizer com frequência. - Tenho esperança
que alguns encontrarão trabalho e lhe pagarão o que devem.
- Esse dia jamais chegará, reverendo.
Mas esse mercieiro nunca abandonara a aldeia, pelo que o pastor era muito grato, pois
fornecera aos aldeões, especialmente às crianças, alimento suficiente para mantê-los vivos.
Muitos habitantes locais trabalhavam em aldeias vizinhas. Isso acontecia na primavera e no
verão. Mas no inverno era quase impossível achar trabalho.
Rena esperava que agora, após haverem descoberto bastante dinheiro debaixo da cruz, o
conde empregasse grande número de pessoas. Ela já tentava seleccionar famílias nas quais
pudesse confiar, para recomendar ao patrão.
"Oh, por favor, meu Deus", rezava, enquanto ia para a aldeia, Permita que haja muitas
moedas ainda lá. Fico tão deprimida ao constatar que as crianças são os seres que mais
sofrem."
Rena sempre amara crianças. Lembrava-se, quando tinha apenas três anos de idade, de ter
dividido os presentes de Natal com elas. Como ficaram contentes ao ganhar um ursinho ou
biscoitos, coisas que suas famílias jamais poderiam comprar.
"Se houver suficiente dinheiro, esta aldeia será a mais feliz do país."
Logo se deu conta de que não devia contar com tanto dinheiro, assim tão depressa. Era
verdade que descobrira um presente caído do céu. E agora só podia rezar para que o
dinheiro encontrado durasse bastante.
Chegou à mercearia e encontrou-a bem provida. O dono havia estado na cidade na véspera,
para compras. Havia víveres de todos os tipos. E ela escolheu grande quantidade deles. Não
apenas para um dia, mas para dois ou mais dias. Sempre, contudo, procurando não gastar
muito.
- Não vai comer tudo isso, vai? - o merceeiro lhe perguntou, enquanto Rena separava o que
desejava.
- Não - ela respondeu. - É para o novo proprietário da Granja que acabou de chegar. Acho
que todos daqui vão ter um bom patrão no futuro.
- Ouvi dizer que alguém havia chegado - o homem disse, fitando-a com surpresa. - Mas não
sabia que era o dono da Granja.
- Correu boato de que não existiam mais descendentes - Rena comentou -, mas todos
estavam errados. Como ele era marinheiro, não se encontrava no país, e apenas agora foi
localizado.
- Boas notícias - disse o homem. - Naturalmente, se ele abrir a Granja, terá de arrumar
muitas coisas, e isso é bom para todos nós.
- É o que o conde espera fazer. Mas marinheiros nunca têm muito dinheiro, raramente
ficam ricos.
- É verdade - comentou o homem. - Porém ele sempre pode transformar a Granja num
hotel. É suficientemente grande para isso.
- Tenho certeza de que Sua Senhoria não pensou em tal hipótese. Contudo, vou lhe falar
sobre essa sua sugestão. Porém, antes de tudo, a casa precisa ser restaurada e os jardins
reformados. E isso leva tempo e custa dinheiro.
- De facto - o homem concordou com um aceno de cabeça. - Durante anos ninguém morou
lá e, se quiser saber, muitas pessoas têm medo que o tecto desabe sobre elas ou sobre os
fantasmas. Sem dúvida há fantasmas que se arrastam pela casa assim que o sol se põe.
- Agora você está me assustando - Rena protestou, porém rindo muito. - Não apenas a mim
como a Sua Senhoria. Prometi a ele cuidar da casa. Mas, depois de sua afirmação, vou ter
medo que os fantasmas comam as deliciosas coisas que eu fizer, antes que Sua Senhoria
tenha chance de prová-las.
- Contanto que ele pague as contas..., tudo bem. Diga a Sua Senhoria que há muito mais
aqui. Com ou sem fantasmas, um homem precisa comer, morando em casa grande ou
pequena.
- O que é absolutamente certo - Rena concordou.
Antes de sair ela pegou mais um pedaço de carne e pagou a compra. Ficou só com alguns
shillings na bolsa. Mas sabia que o conde lhe daria mais dinheiro para as compras do dia
seguinte, caso fosse necessário.
Rena entrou pela porta dos fundos, certa de que o conde nem a vira sair. Mas, tão logo
colocou as compras sobre a mesa da cozinha, ele apareceu, comunicando.
- Foi bom você chegar logo. Teremos visitas esta tarde. Penso que ficarão só para o chá,
mas é possível que passem a noite aqui.
- Você não devia permitir isso! - Rena exclamou. - Ainda não tivemos tempo de
inspeccionar os quartos. E, se estiverem como as salas aqui embaixo, será impossível
hospedar qualquer pessoa.
Como o conde não respondesse, Rena preocupou-se. Teria ficado ofendido? Mas logo ele
disse:
- Preciso ser honesto e dizer a você que o homem que vem aqui é extremamente rico.
Conheci-o na Índia. E quando ele soube, penso que através dos jornais, que eu herdara um
título, começou a me ver com outros olhos. Está ansioso para conhecer a residência de
meus ancestrais.
- E vai ficar bem desapontado, se espera encontrar luxo, como é de se supor - observou ela.
- É o que eu penso também - o conde assentiu. - Contudo, pelo modo como falou comigo na
última vez em que nos vimos, suspeito que tentava descobrir um meio de nos encontrarmos
de novo. Talvez já soubesse da herança. O homem me procura por uma razão, uma única
razão.
- E qual é essa razão tão especial para achá-lo? - indagou Rena, curiosa. - Se quer ver uma
mansão ancestral, vai ficar muito desapontado com a Granja, até que tenhamos tempo de
limpar tudo.
- Sim, eu sei, mas você se esquece, Rena, de que agora tenho um título e de que sou muito
diferente, na opinião dele, do marinheiro pobre que convidou para um baile que ofereceu
em homenagem à filha. O que esse homem verdadeiramente quer, e tenho certeza de que é
o que vai me dizer quando chegar aqui, é que me case com essa filha.
- E por que deverá você se casar com uma mulher, a menos que se apaixone por ela?
- A menina é feia e sem graça. Mas é sua única filha. E ele não tem filho homem para lhe
herdar a fortuna. Eu soube, na América, que é um dos novos milionários do petróleo. Ele
fez fortuna da noite para o dia.
- Quer dizer que é capaz de querer reformar a Granja e lhe dar dinheiro para que você possa
morar aqui, na esperança de ser seu sogro?
- Exactamente! - exclamou o conde. - E é algo que não tenho intenção de aceitar. Se um dia
eu me casar, Rena, será por amor. E seremos felizes, eu e minha mulher, mesmo sem
dinheiro.
Rena bateu palmas e concordou:
- É o que você deve fazer, é o que meu pai aconselharia. Mas, pensando bem, será difícil
não aceitar a proposta, se o homem lhe prometer restaurar a Granja fazendo-a tão magnífica
como no passado. Suponha que ele lhe ofereça dinheiro suficiente para você comprar
cavalos, cachorros de caça, dando-lhe a oportunidade de ser um verdadeiro gentleman. Vai
aceitar?
O conde não respondeu. Foi até a janela e ficou olhando para o jardim, agora em estado
deplorável.
Colocando nos armários os mantimentos que trouxe da aldeia, Rena disse mais:
- Acho que se a moça te amar, com o tempo você acabará amando-a também.
Rena quis acrescentar: e amando o dinheiro dela. Mas achou que seria um comentário
grosseiro demais.
Ao voltar da janela, ele respondeu de maneira categórica, sem hesitação:
- Não me venderei, como diz a Bíblia, por um quilo de carne. Embora eu saiba que, nesse
caso, serão quilos e mais quilos de carne. Prefiro morrer de fome a me ver casado com uma
mulher que não amo, e ser subserviente a um homem com o qual não tenho nada em
comum a não ser o facto de nós dois acharmos que o dinheiro é essencial à vida.
- É claro que tem razão. Papai concordaria com isso, palavra por palavra. Só podemos pedir
a Deus para permitir que haja sob a cruz quantia suficiente para você viver com conforto,
mesmo que seja num único quarto, deixando o resto da casa como está.
Houve uns minutos de silêncio antes de ele responder:
- Não vou me vender por causa de uma casa que está caindo aos pedaços, ou de um jardim
que não tem quase nada além de ervas daninhas.
- Mas você tem de viver - insistiu Rena. - E não é fácil,. Hoje em dia, viver sem dinheiro.
- É verdade - o conde concordou. - Mas espero que você tenha encontrado, para mim,
dinheiro suficiente que me permita viver aqui, mesmo com o tecto caindo, e o assoalho
quebrando sob nossos pés.
- É sua intenção ficar na Granja?
- Não tenho outro lugar para morar, no momento. Meus pais morreram. Possuo alguns
parentes no norte da Inglaterra, pessoas que não vejo há anos. - Havia desespero na voz
dele ao prosseguir: - Actualmente, não tenho mais um navio esperando por mim. Ao menos
aqui há um tecto sobre minha cabeça e uma governanta que vai me servir um almoço.
Ele falava assim com a intenção de fazer Rena rir. Mas, ao invés, ela disse:
- Tudo o que você falou soa muito como uma aventura. No entanto, precisa se lembrar de
que esta casa está ficando mais velha ano após ano, e muito delapidada. O pessoal da aldeia
predizia que o tecto iria ruir no último Natal, quando tivemos muita neve. Por um milagre,
isso não aconteceu. Porém duvido que resista mais um inverno.
- Sei perfeitamente o que você quer dizer. Contudo, considero-me muito feliz por ter
herdado esta propriedade depois que todo o mundo acreditava não haver mais condes em
meu condado. E feliz também por ter encontrado vocês e moedas escondidas na velha cruz.
Acredito que, no futuro, haverá mais surpresas esperando por nós.
- Vamos agora às coisas práticas - sugeriu Rena. - Você espera duas pessoas esta tarde.
Posso providenciar o chá, mas quero que me ajude a limpar os quartos, embora duvide que
seus hóspedes queiram passar a noite aqui.
- Então que voltem para o lugar de onde vieram - o conde protestou rispidamente. - De
qualquer forma, tenho certeza de que a razão da visita de meu amigo é me prometer a
restauração da casa, fazendo-a recuperar o esplendor do passado. Com a condição, claro, de
eu partilhar todo o luxo com a filha dele, como minha esposa.
Rena começou a preparar o almoço. Observando-a, o conde notou como suas mãos eram
alvas contra a madeira escura da mesa da cozinha. Um raio de sol fazia com que seus
cabelos parecessem fios de ouro.
- Enquanto você me ajudar, sei que não sofrerei fome - ele disse. - Se minha visita
desapontar quanto à sua posição nesta casa, isso tornará mais fácil para mim lhe dizer que
não desejo casar com a filha dele.
- Acha que a jovem quer se casar com você? - Rena perguntou.
- Tenho a impressão de que ela pensa que um título de nobreza seja a melhor coisa que o
dinheiro poderá lhe comprar. O pai tem muito orgulho de ser milionário, e acredita que
possa ter tudo o que deseja. Ele acha que o dinheiro compra todas as coisas no mundo.
- Imagino que haja muitas pessoas que pensam como ele. Meu pai sempre dizia que, apesar
de sermos pobres, podemos apreciar as belezas da vida.
- Tais como, por exemplo?
Com um sorriso, Rena respondeu:
- O sol, a lua, as estrelas. Além disso, há muitas outras coisas que nos fazem felizes, e que
não são obtidas através do dinheiro.
O conde fitou-a atentamente, e depois riu.
- É algo que espero que me diga. Que outras coisas? Estou pensando que você não é real,
mas parte da árvore mágica que apontou para mim na floresta. Os raios do sol, coisa que
talvez ignore, estão deixando seus cabelos da cor de ouro.
- Um ouro que, infelizmente, você não pode usar como usará as moedas - ela comentou,
sorrindo. - Quanto ao casamento, espero que não se precipite por enquanto. Algo pode
acontecer no futuro e, casando-se agora por conveniência, talvez prejudique sua boa sorte.
- Garanto-lhe que não desejo me casar com ninguém. E, acima de tudo, não com uma
mulher que está sendo vendida pelo pai.
- Tenho pena dela! Quem sabe a moça nem tenha idéia de como o pai é ambicioso.
- Você vai ter chance de julgar os factos por si mesma - o conde respondeu. - Como não
tenho condições de impedir essa visita, os dois estarão aqui na hora do chá. Acho que vão
querer passar a noite, pois a distância entre a Granja e Londres é grande. Meu amigo
milionário dará como desculpa para isso o cansaço dos animais e o perigo de viajar à noite.
- mas eles não podem pernoitar aqui! - exclamou Rena. - Os quartos devem estar em
terrível estado; não podem ser usados enquanto não se fizer uma boa limpeza.
- Ontem eu dormi num deles. Mas estava tão cansado que teria dormido até numa
estrebaria. Agora, quando penso, reconheço que estava cheio de pó. A cama não era má,
mas havia apenas água fria nas torneiras. Meus hóspedes acharão o lugar muito sem graça e
conforto, tenho a certeza.
- Sem dúvida. Portanto, se você tiver bom senso, mande-os de volta para Londres na
primeira oportunidade.
- Ele é o tipo de homem que, quando põe uma idéia na cabeça, não desiste facilmente. Por
isso ficou milionário. Tenho até medo de acabar entrando na igreja de braço dado com
Matilde, sem me dar conta do que estou fazendo. - Após uma pausa, ele acrescentou: - E se
eu disser que você é minha mulher? Que acha?
Passada a surpresa, Rena respondeu:
- Considerando-se o estado em que se encontra a Granja, ele pensará que você se casou
com uma mulher muito relaxada.
- Então, o que posso dizer?
Rena teve a impressão de que o conde lhe suplicava auxílio. Pensou um pouco e sugeriu:
- Talvez seja melhor dizer que sou uma parente sua e estou aqui para ajudá-lo. Ou, se seu
amigo insistir no casamento, diga-lhe que estamos noivos. E acrescente que não pode se
casar enquanto não tiver dinheiro para restaurar a casa, deixando-a digna de um homem
com o título que você possui.
- Isso me parece bom, soa mesmo como verdade! Assim será impossível a ele forçar a filha,
sabendo que estou noivo de outra mulher.
- Ou então, se preferir, fale que sou sua governanta.
- Se o homem tiver um resquício de inteligência, o que tem e muita, verá logo que você é
bonita demais, jovem demais, para ser uma governanta. Vai imaginar que está aqui por
outras razões.
- Muito bem, então. - Rena já se impacientava com tanta indecisão. - Fale que estamos
noivos e, como já disse, que apenas aguardamos a reforma da casa para nos casarmos.
- Só posso lhe dizer que aprecio muito essas qualidades - Rena comentou. - Mas outra coisa
posso lhe dizer também, é que não temos comida suficiente para jantar. E, se desejar levá-
los a um restaurante - o mais perto fica a três quilómetros daqui - previno-o desde já que a
comida é razoável, mas longe da qualidade esperada por milionários.
- Não se preocupe. Não tenho intenção de convidá-los para jantar. Quero jantar sozinho
com você. Posso ver, pelas coisas que comprou, que nosso jantar será excelente.
- Isso é um desafio? - Rena sorriu. - Mas suplico-lhe, não permita que suas visitas fiquem
para jantar. Se pretende convidá-los, então vá à mercearia a fim de comprar mais comida.
- Não pretendo insistir para que fiquem e tenho a impressão de que, quando ficar bem claro
que não desejo me casar com Matilda, os dois voltarão para Londres.
- Desejo que as coisas sejam tão fáceis como pensa. Mas sempre ouvi dizer que milionários
ficam milionários porque, quando põe na cabeça que vão ser ricos, ninguém os segura.
- Aguarde até conhecer o sr. Wyngate - o conde disse. - Ele é exactamente o tipo de homem
que você esperaria ver num novo milionário. A filha, como já lhe disse, é feia e não tem
nada que a favoreça a não ser a conta bancária do pai.
- Agora você está sendo maldoso - censurou-o Rena. - Mas ao mesmo tempo estou certa de
que vá ter dificuldade em rejeitar o que o homem lhe oferecer para reformar a Granja, que
voltaria a ser como foi há centenas de anos atrás. Papai disse que, quando chegou na aldeia
como pároco, a Granja tinha aspecto bem melhor do que o actual. Sempre me surpreendi
como os habitantes locais, apesar de quase não ter o que comer, a protegem contra ladrões e
malfeitores.
- Por que fazem isso? - indagou o conde.
- Porque consideram a Granja também deles, e esperam que um dia haverá pessoas
importantes dormindo nos sumptuosos quartos e usando as salas de recepção.
- Acho patético eles pensarem assim. Devem ter-se desapontado ao me ver chegando aqui
sem nada. Eu, por meu lado, me surpreendi ao passar de marinheiro a conde. Sem dúvida
fiquei atónito por ter sido localizado por causa do meu nome. Contudo, sinto-me tal qual
um usurpador. Como posso fazer com que esta casa volte a ser o que era centenas de anos
atrás?
- Para resolver esse problema, diga sim ao que for sugerido por seu amigo.
O conde deu um soco na mesa.
- Com os diabos que direi sim. Espere até vê-la! Não quero ser maldoso, mas Matilda
jamais terá aspecto de condessa, mesmo coberta de diamantes da cabeça aos pés.
- Muito bem - Rena concordou. - Deixe as coisas como estão e vamos rezar para que aquilo
que a cruz nos deu até agora seja apenas uma amostra do que está ainda escondido sob as
anémonas.
- Falando no assunto, sugiro que escondamos de todos o que você descobriu. Se souberem
de alguma coisa, começarão a escavacar toda a área à busca de ouro, destruindo a
vegetação. Mas tenho a impressão, como você também deve ter, de que não haverá muito
mais sob a cruz.
- Entendo o que diz - concordou Rena. - Se eles começarem a escavacar e a escavacar, as
árvores cairão e não restará nada dessa maravilhosa floresta.
- Concordo. Então, o que deveremos fazer é ir lá à noite, só você e eu. Com o luar, pelo
menos até o fim deste mês, não precisaremos de mais luz. esCavacaremos com cuidado
para não prejudicar a beleza natural do lugar.
- Você está certo, absolutamente certo! - Rena exclamou. - É o que faremos. Eu não poderia
aguentar ver a mata e a cruz que significou tanto para papai, destruídas, talvez até por
acidente, pelas pessoas ávidas da descoberta do ouro.
- Tudo bem. Então, quando meus amigos forem embora esta noite, e se você não estiver
muito cansada, iremos até à cruz procurar mais moedas. Assim, tomaremos cuidado para
que as ávidas por dinheiro não estraguem nossa floresta.
- E eu odiarei ver destruído aquilo de que papai tinha tanto orgulho.
- Faremos tudo sozinhos, sem contar nada a ninguém - o conde declarou.
Rena foi trabalhar na cozinha, e meia hora mais tarde chamou-o.
- Seu almoço está pronto, milorde. Ficarei muito desapontada se não gostar da minha
comida.
- Sente-se à mesa comigo. Poderemos conversar sobre o que faremos depois. Mas uma
coisa é certa...
- O quê?
- Precisamos nos livrar das visitas assim que houver chance. Para lhe dizer a verdade, estou
muito interessado no que já encontramos, e quero examinar bem as moedas antes de irmos
lá à noite.
- Acho que deve fazer isso - Rena concordou.
- Você, Rena, trouxe novo sentido à minha vida, coisa de que precisei muito desde o minuto
em que cheguei aqui. Para ser franco, fiquei desanimado ao ver o estado deplorável da casa.
Mas agora talvez tenhamos chances de torná-la habitável e, se conseguirmos, será graças a
você.
- Não, a meu pai. Foi idéia dele deixar a cruz onde foi encontrada. Talvez, anos atrás, uma
família houvesse decidido esconder seus tesouros lá.
- Mal posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo. Parece um conto de fadas, como
quando soube que eu era o único membro sobrevivente da família. Achei, de início, que se
tratava de uma brincadeira.
- Mas não foi - disse Rena. - Agora você é um conde, e a Granja esperava por sua vinda.
- Jamais sonhei que algo assim acontecesse comigo. Depois que meus pais morreram,
fiquei sozinho no mundo, pois sou filho único. Trabalhei como marinheiro num navio, com
muitos outros homens ansiosos como eu para conhecer o mundo, especialmente porque não
tinham um lar. Como eu.
- O que aconteceu com seus pais? - Rena quis saber.
- Meu pai morreu quando eu tinha apenas três anos de idade e minha mãe me criou.
Moramos com uma velha parenta de minha mãe, que detestava viver só. Por conhecer tão
pouco do mundo, resolvi entrar na Marinha. Fiquei tão insistente que minha mãe teve de
ceder. Nunca esquecerei de meu entusiasmo quando o navio em que eu trabalhava entrou
no mar.
- Você ficou plenamente feliz!
- Suponho que essa seja a palavra certa, feliz - o conde repetiu. - Recebi as coisas como
vieram e me senti radiante quando conheci o oriente. Estávamos em um dos navios de sua
Majestade designado para mandar mensagens de diferentes partes do mundo. Recebi
excelente educação, pois felizmente morávamos perto de uma boa escola. E, entre uma
multidão de marinheiros, eu fui o escolhido para mandar à Inglaterra os relatórios sobre
todos os lugares que visitávamos, e sobre a atitude dos diferentes povos do mundo em
relação à Grã-Bretanha.
- Deve ter sido emocionante - comentou Rena. - Naturalmente posso entender isso, porque
você é bem diferente da maioria dos ingleses que conhecem muito pouco do mundo além
de seu próprio país, e que não têm interesse nenhum por nossa história.
- Sua opinião me envaidece, Rena. Mas, francamente, reconheço que é verdade o que
acabou de dizer. A maior parte dos ingleses acha que não existe nada, a leste, a oeste ou a
norte da Inglaterra, que mereça atenção.
- E você pensa que nosso país é importante, embora bastante pequeno? - Rena indagou.
- Sem dúvida. Vou lhe dizer uma coisa, pode ter orgulho de ser inglesa e ter orgulho de
nossa rainha. Em quase todos os lugares onde estive como marinheiro, me senti importante
porque era inglês. Eu e os outros companheiros éramos recebidos com entusiasmo, e todos
mostravam satisfação por nós os termos visitado.
- Mas possuímos inimigos também, não?
- Naturalmente - o conde confirmou. - Os russos sempre sentiram inveja de nós, e sempre
tiveram medo de nos enfrentar numa guerra.
- bem, graças ao bom Deus por isso. Acho a guerra uma coisa horrível e espero que no
futuro tenhamos uma paz duradoura.
- Espero também - disse o conde.
- Garanto que você vencerá a batalha desta noite. Papai costumava dizer que a arma mais
importante era acreditar no que era certo, no que era bom. E lutar por isso. Tenho certeza de
que essa será sua arma.
O conde fitou-a atentamente, mas não respondeu.
Contudo, Rena achou que os olhos dele brilhavam.
Pôs-se a pensar, então, que talvez tivesse sido entusiasta demais, lisonjeira demais.
CAPÍTULO IV
Rena e o conde almoçaram na sala de jantar.
- Estou lhe dando muito trabalho - ele disse. - Poderíamos ter comido na cozinha. Seria bem
mais fácil para você.
- Minha mãe ficaria chocada se soubesse uma coisa dessas. Você é um conde, pessoa
importante, e precisa sentar-se na sala de jantar.
- Um conde sem dinheiro nenhum no bolso. - Ele riu muito. - Não posso me considerar
importante. Mas reconheço que sua mãe tinha razão. É necessário manter-se as aparências,
mesmo que seja com grande esforço de nossa parte.
Ele comeu o que Rena lhe preparara, e achou o almoço delicioso.
Quando ela trouxe a sobremesa, uma compota de frutas variadas com creme, mal acreditou
no que tinha diante de si.
- Você está me mimando demais - comentou. - Mas há ainda uma coisa sobre a qual desejo
lhe falar antes que as visitas cheguem. Porém primeiro quero saborear cada bocado dessa
sobremesa.
- Fico muito contente por você ter gostado da minha comida. Mamãe e papai sempre
quiseram que eu cozinhasse bem. Quando tive idade suficiente, insistiram que eu cuidasse
da cozinha da casa e eram bastante críticos acerca do que eu fazia.
- Como resultado, pode agora encontrar trabalho como banqueira em qualquer lugar.
- Pensei nisso, naturalmente. Pensei em todas as minhas possibilidades até você me
convidar para ser sua governanta.
Assim que acabou de comer a sobremesa, o conde disse:
- O que tenho a lhe falar tem de ser antes de as visitas chegarem, como já disse.
- E o que é?
- Pensei em apresentá-la como minha noiva. Mas não acho a idéia boa.
- Quer isso dizer que pretende se casar com a moça rica? - ela perguntou, surpresa.
- Claro que não. Jamais faria algo tão idiota, tão desagradável. O que estou pensando é que,
se Wyngate pretende restaurar minha casa, deixarei que o faça. Não acho que ele dirá
abertamente que irá fazer isso só se eu me casar com Matilda. E não sou a tal ponto
orgulhoso a ponto de não aceitar as migalhas da mesa de um milionário. Mesmo que ele
faça pouco para a Granja, o pouco que fizer será bom.
- E o que vai dizer sobre mim?
- Que você está me ajudando, e que é casada com um primo meu. Eu a apresentarei como
sra. Colwell e direi que me considerei muito feliz por encontrá-la morando aqui na aldeia.
Esse encontro foi possível porque sua mãe era muito amiga da minha mãe. Direi também
que sua mãe casara-se com um pastor da igreja e que, por morarem muito longe uma da
outra, poucas oportunidades tiveram de conviver.
- Pensou em tudo isso? Incrível! - ela exclamou.
- Quis explicar por que motivo você morava aqui sem acompanhante. E, ao mesmo tempo,
para tornar claro que estávamos juntos por causa da amizade existente entre nossas
famílias, e não por laços do coração.
- Você é ridículo - Rena riu muito. - Tudo se parece com aquele tipo de novela que eu não
tive permissão de ler quando jovem demais, e que achei entediante quando fiquei mais
velha.
- Bem, se tudo acontecer como pretendo, valerá a pena um pequeno esforço para tornar esta
casa melhor. Ficarei grato por isso. Mas não ao preço de sacrificar minha liberdade.
Rena divertia-se com a idéia dele. Porém achava pouco provável que o homem rico,
ambicioso, que estava por chegar, decidido a dar um título à filha, fosse apanhado de
surpresa.
Duvidava que ele ajudasse o conde sem ter certeza de que não receberia em troca o que
desejava.
Contudo, resolveu não discutir sobre o modo como o conde desejava apresentá-la.
Sobretudo pelo facto de ela estar desacompanhada.
Como se lesse seus pensamentos, ele disse:
- Se achar mais prudente, poderá ir a sua casa à noite. Afinal, ainda não há sinal do novo
pároco, no momento.
- É verdade - Rena concordou. - Talvez seja melhor eu ir para casa hoje.
Mas no íntimo isso a desapontou. Ficar na Granja era algo novo, emocionante. Se fosse
para casa naquela noite, perderia grande parte do prazer.
Contudo, o mais importante era ajudar o conde. E ele se pudesse obter algum dinheiro sem
se comprometer, tudo bem, ela o ajudaria.
Após Tomarem café, Rena levou a louça para a cozinha. Lavou-a, enxugou-a e colocou-a
nos armários.
A cozinha já estava bastante limpa. Mas o que Rena realmente queria era ver o assoalho das
salas brilhando.
"Vai haver bastante dinheiro na floresta", dizia a si mesma. "O conde pagará uma mulher da
aldeia para limpar o assoalho e as janelas dos cómodos que estiverem sendo usados."
Rena já concluíra que as melhores salas do andar térreo eram a sala de jantar, e a sala de
visitas. A primeira lhe pareceu razoavelmente acolhedora. Mas a sala de visitas tinha
aspecto triste. Se fosse arrumada, o tecido do sofá e das poltronas lavado, o aspecto
melhoraria.
Infelizmente nada disso poderia ser feito antes da chegada das visitas. Mas logo ela se deu
conta de que, quanto pior a aparência da casa, mais chances teria o milionário de tentar
conseguir seu intento. E se perguntava se o conde teria forças para recusar uma fortuna em
favor de sua casa, qualquer que fosse o preço a pagar.
Mas, e a liberdade?
"Naturalmente que ele quer ser livre", dizia a si mesma. - "Nenhuma jovem deseja se
amarrar, a menos que esteja terrivelmente apaixonado."
Mas a tentação era grande, e ela só rezava para que o conde tivesse forças para dizer não.
Tão logo terminou de arrumar a cozinha, Rena foi ao jardim apanhar algumas flores para
enfeitar o lugar onde iriam tomar chá com as visitas. Escolheu uma sala pequena, mas
acolhedora, com vista para o jardim.
Limpou os tapetes, tirou o pó e começou a imaginar como havia sido aquela sala no
passado, com mulheres de vestidos luxuosos conversando ao som de música suave,
executada por mestres do piano. Tinha a impressão de que ainda sentia o aroma de
perfumes caros.
Depois de arrumada, cheia de flores, a sala ficou tão atraente que Rena não teve dúvida de
que o sr. Wyngate gastaria qualquer quantia para fazer o resto da casa tão convidativo como
o daquela sala, se não mais.
Ao atravessar o corredor cruzou com o conde e pediu:
- Numa coisa eu insisto: não convide, sob qualquer pretexto, seus amigos para passar a
noite aqui. Os quartos estão em péssimo estado. O seu é o melhor de todos, embora precise
também de uma boa limpeza.
- Eu fecho os olhos quando estou me despindo, e aprecio a vista enquanto me visto - o
conde respondeu.
- Muito sensato. Mas não pode pedir a seus hóspedes que façam o mesmo. Se sempre
viveram à sombra do luxo, não saberiam como usar esses artifícios.
Ambos riram muito e depois o conde acrescentou:
- Bem, foram eles que quiseram vir aqui. Se o que virem os chocar, o problema não é meu.
- A que horas deverão chegar? - indagou Rena.
- Se vierem directamente de Londres, devem estar chegando. A menos que tenham parado
no caminho para almoçar. Portanto, não poderemos dar uma volta pelo jardim ou nadar no
lago, que é o que eu gostaria de fazer agora. É melhor nos prepararmos para recebê-los de
braços abertos.
Embora o conde estivesse ansioso pela chegada das visitas, Rena lamentava não poder
percorrer a casa, os jardins e a floresta com ele, antes de anoitecer.
Havia muito ainda que Rena gostaria de lhe mostrar. Por mais negligenciada que a casa
estivesse, a natureza tinha sua própria maneira de conservar o mundo exterior viçoso e
lindo, durante a primavera.
Agora, quase verão, as árvores cobertas de folhagem, as flores desabrochando no meio dos
gramados, e as águas do riacho arrebentando contra a rocha, eram coisas mais lindas do que
quaisquer outras que o dinheiro pudesse comprar.
"É a própria Natureza, e quem poderia pedir mais?"
De súbito apavorou-se à ideia de que o conde pudesse desistir de tudo e partir para outros
lugares da Inglaterra, esquecendo-se da casa em mau estado que lhe pertencia.
"Oh, Deus", ela orava. "Não permita que isso aconteça."
Meia hora mais tarde ouviu-se o som de rodas de carruagem na porta da frente.
Rena, que dava os últimos retoques na sala, soube que as visitas haviam chegado. Ouviu em
seguida vozes no hall e foi ao encontro dos recém-chegados.
Um homem baixo conversava com o conde.
Vestia-se com apuros, e via-se que suas roupas eram caras. Não negava ser milionário. Não
porque seu alfinete da gravata brilhasse, ou porque o anel que usava no dedo mínimo fosse
valioso, mas havia como que uma aura, ou talvez uma força emanando dele dizendo que se
tratava de um milionário.
A filha, elegantemente vestida, estava ao lado. As pérolas em volta do seu pescoço e o
diamante dos brincos fizeram com que Rena visse com clareza que ela era filha de um
homem muito rico.
Ambos, pai e filha, falavam animadamente com o conde quando ela apareceu. E ambos a
olharam surpreendidos.
- Quero apresentá-los a uma pessoa que tem me ajudado muito, tão logo cheguei aqui -
disse o conde. - É a sra. Colwell, casada com meu primo, que mora no norte da Inglaterra.
Rena vai lhes contar em que estado encontrei a casa. Pior do que ela mesma esperava. - E,
dirigindo-se a Rena, ele acrescentou: - Nossos hóspedes fizeram a viagem de Londres até
aqui em tempo recorde. Agora precisamos lhes mostrar os horrores com que me deparei ao
chegar, e deixá-los ver, com os próprios olhos, o que acontece quando uma propriedade, tal
qual uma linda mulher, é negligenciada.
O conde riu, mas o visitante fitava-o atentamente, sem rir.
Virando-se para Rena o conde disse, terminando com as apresentações:
- Esses são meus amigos, Rena, o sr. Wyngate e sua encantadora filha Matilda, que veio
junto com o pai para ver as ruínas que nos chocaram de maneira tão impressionante.
Rena apertou a mão das visitas. E só naquele instante se deu conta de que não usava
aliança. Pôs imediatamente a mão esquerda no bolso. Precisaria providenciar uma aliança o
mais depressa possível.
- Espero que tenham feito boa viagem - ela disse. - Acho que a duração é de duas horas,
mesmo com animais ligeiros. Mas é tão agradável visitar o campo que o esforço vale a
pena.
- É exactamente o que eu estava pensando - comentou o sr. Wyngate. - Eu queria muito ver
a estranha casa que meu amigo herdou. Mas agora concluo que foi um prazer duvidoso.
O homem observava a poeira do hall enquanto falava. Rena acompanhou-lhe o olhar e
imaginou que três empregados levariam no mínimo uma semana para limpar apenas o hall e
os corredores.
E as janelas? E as escadas? As passadeiras haviam perdido a cor e estavam rasgadas em
vários lugares.
- Agora quero que me mostrem a casa que, posso ver com um golpe de vista, precisa de
muita coisa para ser habitada - o sr. Wyngate falou num tom de voz brusco.
- Acho que antes tem de descansar um pouco depois da fatigante viagem - o conde sugeriu.
- Um copo de vinho o reanimará. Venha comigo até a sala, o único lugar arrumado até
agora. Verá a casa toda mais tarde.
- Eu não diria não a um copo de vinho. E acho que Matilda aceitaria também um.
- Eu acho tão maravilhoso estar no campo! - Matilda exclamou. - Poderei ir ao jardim?
- É claro que poderá - Rena respondeu. - Terei prazer em lhe mostrar o que foi um dia um
lindo jardim mas que faz hoje a alegria dos coelhos e dos passarinhos.
- Esses bichinhos devem estar muito felizes em ter um lugar só para si - Matilda disse.
- Espero que aprecie a liberdade. Quando eu era criança, teria adorado ter esse espaço todo
só para mim.
As duas mulheres saíram, deixando os homens a sós.
- Sente-se - disse o conde. Foi em seguida providenciar o vinho.
- Assim é melhor para conversarmos.
- Estou aqui há apenas dois dias - o conde explicou. - Não posso fazer milagres e, mesmo
que pudesse, não tenho condições económicas para tal.
- Sua prima arrumou esta sala com muito gosto - Wyngate comentou. - Se ela decorar o
resto da casa da mesma maneira, você acha que ficará aqui ou prefere voltar para o mar?
- Minha vida de marinheiro está encerrada. Gostei de percorrer o mundo, coisa que não
teria feito senão fosse pela Marinha. Mas agora prefiro terra firme. Mesmo esta mansão,
cujo tecto poderá cair em minha cabeça a qualquer momento, é preferível aos balanços das
ondas do mar.
- Posso entender suas razões - observou Wyngate. - Mas esta casa é inabitável. Como pode
morar do jeito que está?
- Isso é exactamente o que minha prima não pára de dizer. Mas a resposta é simples. Não
tenho aonde ir.
- É sobre isso que vim lhe falar. Entendo que, sem sua prima, este lugar seria vazio e
depressivo. E suponho que lhe custaria uma boa quantia em dinheiro para restaurá-lo.
- Muito mais do que tenho - respondeu o conde. - Com as regras que foram estabelecidas
por meus antecessores, não poderei vender a propriedade, que deverá passar aos filhos que
não terei, porque também não possuo condições para me casar. Portanto, a casa continuará
assim. Pode ruir por terra, mas como posso evitar que isso aconteça?
Houve alguns minutos de silêncio antes de o sr. Wyngate responder:
- Seria tudo muito simples se você tivesse dinheiro. Embora a quantia seja considerável
para a reforma, acho que vale a pena ser gasta. A casa merece. É uma herança importante
não só para você, mas para seus filhos, quando os tiver.
- Está sendo muito optimista. - O conde deu uma gargalhada. - Como posso constituir
família e tornar este lugar habitável?
- Minha filha sempre o achou muito atraente - o sr. Wyngate enfim chegou ao ponto onde
queria chegar. - Não posso pensar num melhor presente de casamento para vocês dois do
que pôr esta casa em ruínas e toda sua propriedade em ordem.
- Acho que o que me sugere deve ser julgado por sua filha e por mim. Se formos nos casar,
precisamos nos amar, do contrário tudo consistirá numa grande farsa. Vi sua filha apenas
uma vez. Portanto, por favor, dê-nos uma chance de nos conhecermos melhor. Quem pode
saber o que acontecerá no futuro?
- É muito sensato, meu filho., não posso negar. Vou providenciar homens para trabalhar
aqui e, quando a metade do serviço estiver pronta, conversaremos sobre negócios. Estou
certo de que o resultado será satisfatório para ambos.
- Realmente pensa assim? - indagou o conde, atónito.
- É claro que penso - o milionário replicou. - Eu não teria ficado rico como fiquei se não
tivesse palavra, ou se decepcionasse os que me ouviam. Mandarei imediatamente
trabalhadores de Londres, e sei escolher pessoal. Quando você vir o resultado, ficará
satisfeito, e Matilda também.
- Não sei o que dizer - contestou o conde. - Sabe tanto quanto eu, que um casamento sem
amor pode ser um desastre para a mulher e para o homem. Conforme já disse, vi sua filha
somente uma vez, e o mesmo sucedeu com ela.
- Mas vocês podem se ver constantemente durante as obras, e as marteladas o acordarão
bem cedo pela manhã - declarou o sr. Wyngate. - Estou disposto a ficar na Inglaterra
durante algum tempo. Aluguei uma casa grande e confortável em Park Lane. Matilda e eu
viremos aqui regularmente para ver o progresso das obras, e antes do fim do verão acho que
iremos ouvir os sinos da igreja local, pela qual passamos, anunciando um casamento.
- Não tenho idéia do que lhe responder - disse o conde. - Afinal, o que está planeando, pode
não acontecer. Há sempre uma possibilidade de sua filha, que por sinal é muito atraente, vir
a conhecer um homem e a se apaixonar por ele. As mulheres gostam de escolher seus
maridos, e não se casam com um homem escolhido para elas, por outras pessoas!
- Minha filha é diferente. Faz o que eu quero. E sabe que decidirei melhor do que ela sobre
o que deve fazer.
- Se quer realmente me ajudar a deixar esta casa tão perfeita quanto foi um dia, posso
apenas agradecer-lhe do fundo de meu coração. E esperar que não se sinta lesado nunca,
quaisquer que forem as consequências.
- Quando você e Matilda morarem aqui e tiverem muitos filhos, serei o homem mais feliz
deste mundo. A razão pela qual me tornei um milionário deve-se ao facto de que acredito
no que faço. Até agora nunca apostei em cavalo perdedor.
- Eu gostaria muito de dizer o mesmo - declarou o conde. - Mas posso apenas dizer que lhe
sou muito grato.
- Guarde suas palavras de gratidão até ver o final das obras. Sei que isso acontecerá muito
antes do que pensa.
- Espero que sim. Afinal, você é um exemplo vivo do que um homem pode conseguir, com
sua persistência.
- Tem razão - concordou o sr. Wyngate de maneira pomposa. - No instante em que vi você,
soube que poderíamos ser amigos.
Foi com dificuldade que o conde segurou-se para não dizer que fora seu título que fizera o
homem pedir para ser apresentado, numa festa nos Estados Unidos.
Os americanos fizeram grande estardalhaço ao saber sobre a herança que ele ignorara ser
sua, durante anos.
Mesmo assim, foi só depois que voltou à Inglaterra que o conde teve certeza mesmo de que
herdara o título com a propriedade, incluindo a casa quase em ruínas.
Agora havia uma chance de que a casa voltaria a ser o que fora quando construída.
Contudo, seria prudente aceitar a oferta do milionário?
Como se adivinhasse seu pensamento, o sr. Wyngate disse:
- Ouça bem, meu filho, se você recusar minha oferta, se arrependerá pelo resto da vida.
Precisa aprender, como eu aprendi, a agarrar as oportunidades quando elas aparecem, e a
nunca deixar de fazer o que puder para obter o que deseja da vida. É loucura recusar uma
boa oferta que lhe fazem.
- Tem razão, naturalmente que tem razão. Mas receio lhe dizer sim, quando penso que o
mais prudente seria lhe dizer que vou pensar.
- Não posso acreditar que seja tão tolo! - O sr. Wyngate insistia. - Arrisque, rapaz, aproveite
quando a oportunidade aparece. Foi o que fiz em minha vida inteira. Não me importa lhe
dizer que arrisquei inúmeras vezes, mas quase sempre consegui resultados satisfatórios.
Quase sempre fui vencedor. E não posso acreditar que, no seu caso, acabarei de mãos
vazias.
- Se pensa assim - o conde respondeu -, só posso lhe dizer obrigado. Muito obrigado
mesmo. E, quanto mais cedo se iniciar o trabalho, mais emocionado ficarei por ter a casa
habitável para mim e para meus filhos, quando e se os tiver.
Dando pancadinhas nas costas do conde, o sr. Wyngate disse:
- Agora fala com sensatez. Como eu, sabe ver onde está um bom negócio. Mas se, como
imagino, não tem um lugar confortável para nós passarmos a noite, Matilda e eu voltaremos
para Londres. Porém, logo que os pedreiros começarem a derrubar as paredes, o que
acontecerá em dois ou três dias, voltaremos para apressá-los e para ter certeza de que estão
fazendo tudo exactamente como você deseja.
Ele falava com tanta determinação, que o conde concluiu que essa fora a principal
qualidade que o fizera rico.
- Agora, quero percorrer a casa toda - o sr. Wyngate disse. - Quero ver todos os cómodos
para ter uma idéia de quantos homens deverão ser contratados para começar com o trabalho
assim que eu der ordem.
Sentindo-se como se estivesse sonhando, e que nada daquilo estivesse acontecendo, o
conde levou seu hóspede para conhecer a casa.
Começaram por subir ao telhado e de lá apreciar a propriedade. Depois desceram, abrindo
cómodo por cómodo. Finalmente chegaram ao subsolo onde ficavam a sala de jogos, o
arsenal, o jardim de inverno, e a sala de música.
Tudo o que restava do jardim de inverno eram o piso e grande quantidade de cascos de
vidro.
Foram depois ao salão de baile e a outra sala que com certeza fora no passado a galeria de
arte. Mas todas as teclas tinham sido roubadas. Sobravam nas paredes apenas as marcas dos
quadros.
- Telas famosas é algo que você não pode recuperar - comentou o sr. Wyngate. - MAs há
muitas obras de pintores modernos que poderão ocupar o lugar do que foi roubado. E as
próximas gerações que morarem aqui serão tão orgulhosas delas como seus antepassados
um dia o foram do que possuíam.
- Pelo que posso deduzir, meus antepassados negligenciaram demais este lugar. Li os nomes
dos autores dos quadros roubados e me deu vontade de saber por onde andavam esses
quadros.
- Esqueça! Esqueça! - o sr. Wyngate insistia. - Vou escolher quadros para sua galeria de arte
e também para a sala de recepção.
- Reconheço que vai contribuir enormemente para embelezar minha casa - comentou o
conde. Apenas espero que não retire tudo o que pôs quando o próximo conde ocupar este
lugar.
- Isso é algo que não me preocupa, pois o próximo conde me chamará de vovô.
O conde reconheceu ser essa a resposta que deveria ter esperado. Não disse nada, contudo.
E os dois homens foram para outra sala, tão nua como as demais.
Durante todo esse tempo, Rena e Matilda passeavam pelo jardim. Chegaram até a piscina.
- Está vendo? - observou Rena. - A piscina também foi abandonada. Seria bom podermos
nadar aqui, como se fazia cem anos atrás.
- Adoro nadar - comentou Matilda. - Nos Estados Unidos, as mulheres nadam quase tanto
quanto os homens. Mas penso que o mesmo não acontece em Londres.
- Acho que temos muitas piscinas no país. Porém, para que haja a aprovação do povo, as
mulheres devem usar roupas de banho de tecido grosso, e cobrir o corpo talvez mais do que
um vestido de baile cobriria.
Matilda riu muito e declarou:
- Sei disso. Minha roupa de banho é grossa e nada confortável. Por isso prefiro nadar nua.
- E seu pai permite? - indagou Rena, escandalizada.
- Ele não sabe - Matilda confessou. - Sempre que há uma piscina nos lugares onde nos
hospedamos, espero até ele ir praticar seus desportos e depois vou nadar. Volto ao meu
quarto e me visto como uma dama de respeito.
- Você é muito esperta - Rena riu com gosto. - Mas cuidado para ele não a apanhar um dia
antes que se vista.
- Meu pai ficaria furioso se isso acontecesse. Ele insiste que me comporte como uma
perfeita dama. Por isso quer que eu tenha um título de nobreza.
- É o que você deseja? - Rena estava curiosa em saber.
- O que desejo é me apaixonar por alguém que também esteja apaixonado por mim. Assim
seremos muito felizes, porque nos amamos. - Ela suspirou antes de prosseguir: - Não me
importaria de não ter todo o dinheiro para viver. Ou de não ter uma casa enorme que seria
fria e vazia, a menos que houvesse amor.
- Então o que você realmente deseja é se apaixonar por alguém. É isso? - Rena sussurrou.
- Se lhe contar uma coisa, promete guardar segredo? Promete não contar nada a papai?
- É claro que prometo. Qualquer coisa que você me contar, guardarei como segredo. Não
contarei a ninguém.
- Muito bem então. - Matilda respirou fundo. - Estou apaixonada. E amo esse homem como
ele me ama.
Enquanto falava ela olhava para trás, com medo de que alguém a pudesse escutar.
Baixando bem a voz, quase num sussurro, Rena perguntou:
- E seu pai sabe disso?
- Não! Claro que não! Prometa que não vai contar nada a ele.
- Prometo! Mas espero que você saiba que seu pai é muito ambicioso em relação ao
casamento, e quer que se case com um homem de prestígio.
- Sei disso - Matilda respondeu. - Daí estarmos aqui. Ele quer que eu tenha um título de
nobreza. De preferência duquesa. Mas, se não for possível, condessa.
- O homem que você ama tem um desses títulos?
- Claro que não! É apenas senhor, e eu serei apenas senhora.
- Seu pai ficaria muito zangado se você dissesse que queria se casar com esse homem?
- Sem dúvida. Prometa mais uma vez que não vai contar a ele o que lhe disse.
- Já falei que prometo. E repito mil vezes se desejar. Tudo é tão emocionante! Porém receio
que seus sonhos nunca se realizem.
- Farei tudo para que se transformem em realidade. Mas temos de ter paciência. Se eu fugir
agora para me casar com o homem que amo, papai cortará minha mesada. - Matilda baixou
a voz novamente como se receasse que alguém a estivesse ouvindo. - Estamos
economizando dinheiro e estou tentando conseguir o mais possível de papai sem que ele
desconfie de nada. Quando tivermos uma quantia suficiente, nos casaremos e nos
esconderemos num lugar onde papai não possa nos encontrar. E lá ficaremos até que ele nos
perdoe, o que sei que acontecerá mais cedo ou mais tarde.
- Você é muito valente - disse Rena. - Muitas mulheres não teriam coragem de fazer isso,
tendo um pai decidido como o seu.
- Sou filha dele, e tão decidida quanto ele - Matilda respondeu. - Mas você pode entender
por que papai não pode descobrir nada até que estejamos prontos para fugir. Entende, não?
- Um sorriso iluminou-lhe as faces. - Mas tenho certeza, porque nos amamos muito, de que
seremos mais felizes do que qualquer outro casal do mundo.
- Tenho certeza disso - Rena observou. - Se eu puder ajudá-la, talvez escondendo-a ou
evitando que seu pai desconfie do que você está fazendo, conte comigo. Pode confiar em
mim.
- Fiquei certa disso no momento em que a vi. Não tive ninguém com quem conversar sobre
o assunto durante muito tempo. E soube, assim que entrei nessa casa, que o conde não
sentia nada por mim. Nem mesmo afecto. Mas, quando vi você, concluí que era a mulher
que ele desejaria ter como esposa.
- Como pode dizer isso? - Rena estava intrigada. - Mal nos conhecemos.
- Bem, espere e verá! - Matilda falou, com um sorriso. - Mas, por favor, tenha cuidado com
o que disser a papai sobre mim. Se ele souber que estou apaixonada por Cecil, ou que Cecil
me ama, encontrará um meio de fazê-lo sair do país ou até matá-lo. - Ela deu um suspiro. -
Papai está acostumado a conseguir o que deseja. E sempre consegue, essa é a verdade.
- Você precisa ser muito esperta, Matilda. Muito, muito esperta.
- Como filha de meu pai, é exactamente o que sou. Esperta. Muito, muito esperta.
CAPÍTULO V
Quando se separou de Matilda, Rena continuou pensando sobre a jovem, e imaginou se
algum dia ela poderia ser feliz.
Chegara à conclusão, havia muito tempo já, de que o dinheiro destruía tudo o que era lindo,
agradável e confortável da vida. O dinheiro podia liquidar com uma pessoa mais depressa
do que qualquer outra arma. Ela pensava na situação de Matilda, que não lhe parecia muito
animadora. Sabia que o pai queria um título de condessa para a filha. E sabia também que
John - como teria de chamar o conde dali por diante, pois fingira ser sua prima - não
pretendia se casar com Matilda.
Tudo se lhe apresentava terrivelmente complicado.
Achava impossível encontrar um meio de Matilda ser feliz e de John ter suficiente dinheiro
para restaurar a Granja.
"Que posso fazer? Que posso fazer?", ela se perguntava.
Tinha certeza de que o sr. Wyngate procurava um meio de forçar John a se casar com sua
filha. Porém Matilda só queria estar com seu Cecil.
Rena não prestara atenção a nada durante o jantar, pois seus pensamentos continuavam com
Cecil e não com o que estava acontecendo.
"Que situação estranha", reflectia. "Pelos vistos, eu sou a única pessoa não envolvida no
caso."
Mas, bem no fundo de sua mente, havia a pergunta sobre o que fazer, como viver, e de
quando deveria sair da Granja.
Ocupava-se agora arrumando os quartos e saletas da casa.
Num dos quartos achou que a cama estava em lugar errado. Deitada, a pessoa não podia ver
o sol da manhã entrando pela janela.
Em outro cómodo, uma saleta, embora achasse que nunca seria usada, achou que o aspecto
era frio demais. Não um lugar acolhedor onde se podia sentar em volta do fogo,
conversando ou lendo.
A biblioteca era um local onde Rena ainda não fizera uma tentativa de remodelação. Os
livros pareciam jogados, como se o consulente tivesse procurado algo e depois abandonado
tudo, sem ficar satisfeito. Rena tinha certeza de que havia lá livros de autores famosos, de
grande valor. Não mencionara o caso a John, porque ele já tinha muito em que pensar.
De uma coisa Rena estava certa, a de evitar uma conversa com o sr. Wyngate,. Pois sabia
que a única razão de ele estar lá era cuidar do casamento da filha com um conde. Com
John.
Então, mesmo antes de o casamento se realizar, contrataria os melhores construtores do país
para pôr a casa em ordem, tornando-a decente antes de ser habitada.
"Estou começando a amar esta casa", Rena pensou, enquanto arrumava outro quarto.
Escovou os tapetes, tirou o pó dos móveis. "Tenho certeza de que pode se transformar em
algo precioso. Terminando o trabalho da restauração, pessoas virão de todo o país com o
fim de visitá-la. Se John cobrar a entrada, poderá ganhar muito dinheiro."
O problema era o sr. Wyngate. Ele, homem esperto, manobraria a situação para que John
não tivesse outra saída a não ser se casar com Matilda, uma vez terminada a reforma.
Pai e filha passaram a noite num hotel da aldeia, modesto mas limpo, recomendado por
Rena. Mas os dois foram à Granja para o café da manhã.
Inesperadamente, acabada a refeição, o sr. Wyngate manifestou desejo de ver o jardim.
Assim, disse, teria uma idéia da dimensão da propriedade. Como o conde não se
prontificasse a acompanhá-lo, Rena ofereceu-se.
- Posso levá-lo - falou. - Havia flores lindas no passado, claro, mas acredito que um bom
jardineiro porá o jardim em boa forma no espaço de alguns meses. O verão na Granja é uma
das paisagens mais belas do condado.
- Bem, então venha me mostrar tudo - disse o sr. Wyngate. - Diga-me o que gostaria que
fosse feito, e informarei meus homens.
Ele olhava para John enquanto falava, a fim de tornar bem claro que tinha tudo em suas
mãos. Bastaria uma palavra do conde, declarando que se casaria com Matilda, e o futuro da
Granja seria bem diferente do estado actual.
Como John não dissesse nada, o sr. Wyngate levantou-se e disse a Rena:
- Estou às suas ordens. Como mulher, explique-me o que deseja. John me dirá mais tarde
onde quer que seja construída a pista de corridas.
- Quero flores por toda a parte. Tenho vontade de chorar quando vejo a que ficou reduzido
esse jardim.
- Não vai precisar de chorar enquanto eu estiver a seu lado - ele disse. - Muitas mulheres
choraram em meus ombros e fiz as lágrimas secarem no instante em que lhes dei um
cheque. Em alguns casos, esqueceram-se até de me agradecer.
- Talvez então possa me ajudar a encontrar um emprego - Rena pediu. - Com sua
recomendação, aposto que arranjarei trabalho numa escola, em lojas, ou em qualquer outro
lugar.
- Prometo que lhe darei referências que façam com que todas as portas lhe sejam abertas.
- É muita amabilidade sua. Tornaremos a falar sobre o assunto quando eu estiver pronta a
sair daqui. Mas uma coisa quero garantir ao senhor, será um trabalho árduo fazer com que
este lugar fique tão lindo como antes.
- Acredito - o sr. Wyngate concordou. Olhando para a filha e para John, ele acrescentou: -
Vocês dois aí fiquem pensando no que é melhor para a Granja. Acho que seria interessante
que fizessem uma lista dos cómodos que desejam restaurados em primeiro lugar, como o
quarto, a sala de música, o salão de baile e a galeria de arte.
Dizendo isso ele e Rena saíram. Foi evidente que agira assim de propósito, para que
Matilda e John ficassem sozinhos.
Se John não propusesse casamento naquela hora, o prepotente Wyngate talvez tivesse muito
a dizer quando voltasse.
Rena começou por sugerir que os jardineiros, antes de tudo, livrassem os gramados das
ervas daninhas. Em seguida chamou a atenção dele para a fonte, em terrível estado. Já não
jorrava água havia anos.
Os dois caminharam até quase aos limites da propriedade onde se encontrava um chalé,
agora em ruínas.
- Devia ter sido um lugar apropriado para a pessoa descansar, depois de ter dançado durante
horas - comentou Rena.
- Você quer com isso dizer que era este o lugar onde seu namorado a trazia para beijá-la,
certo de que ninguém os veria?
- Infelizmente, quando esse chalé estava de pé, eu ainda não tinha nascido. - Rena riu
muito. - Agora, no estado em que se encontra, seria impossível ser usado. Mas, sem dúvida,
quando reconstruído juntamente com o salão, poderia ser oferecido um baile para Matilda
conhecer cavalheiros charmosos vindos de Londres. Garanto que muitos deles gostariam de
beijá-la aqui.
- O problema é que minha filha nunca se interessa pelos homens que escolho para ela. -
Agora o sr. Wyngate falava com irritação.
- Acho difícil um pai saber escolher um homem para a filha. Naturalmente a escolha cabe a
ela. E é tolice casar-se com alguém, a menos que exista um grande amor.
Rena falava como se estivesse se referindo ao caso de Matilda e John. E não ficou
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  • 1. A CRUZ DO AMOR Barbara Cartland Título original: The cross of love
  • 2. Copyright: c 1997 by Barbara Cartland Copyright para a língua portuguesa: 1997 BARBARA CARTLAND é, sem dúvida, a mais famosa escritora romântica do mundo. Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar algumas: é historiadora, geógrafa, poetisa e especialista em dietas naturais. Actuante personalidade política, sempre lutou pelos direitos dos grupos menos favorecidos da sociedade inglesa, especialmente os ciganos, viúvas pobres e crianças abandonadas. Supercriativa e culta, já escreveu mais de 550 livros, editados em todo mundo em dezenas de idiomas e dialectos, tendo alcançado com essas obras a incrível marca de 600 milhões de exemplares vendidos.
  • 3. CAPÍTULO I 1964 Rena Colwell entrou na sala onde o pai costumava escrever os sermões, e foi para a escrivaninha que, no tempo de sua mãe, estava cheia de flores. Era uma linda sala. Agora, o local parecia abandonado, com o papel de parede rasgado em vários lugares, as cortinas velhas e desbotadas. Contudo, para Rena continuava sendo o lugar onde ela se sentia feliz e em segurança. Lá, estivera sempre na companhia das pessoas que amava. Sua mãe morrera antes. A partir do momento em que fora sepultada e que o marido dissera as preces, ele cessara de ser o mesmo homem. Perdera toda a alegria de viver. Prosseguira com a mesma actividade de pastor da igreja durante meses ainda, visitando os doentes da paróquia, enterrando os mortos. E, acima de tudo, lutando para que os jovens assistissem à cerimónia dominical. Essa sua luta tornava-se mais difícil no verão, quando eles preferiam jogos ao ar livre ou nadar no rio. Rena achava que a nova geração não se interessava muito pelo futuro. Os adolescentes, pelos vistos, sentiam-se felizes com o que tinham. E Rena não podia entender tal atitude, pois a aldeia era muito pobre, as crianças não frequentavam boas escolas, e raramente havia actividades sociais para entretê-las. Contentavam-se com o pouco que tinham. Rena acreditava que, em grande parte, a razão dessa felicidade devia-se a seu pai, que estava sempre pronto a ajudar os habitantes locais na hora da desgraça. No entanto, depois da morte da esposa, o velho pastor pareceu perder a energia, tornando- se menos activo em seu apostolado. Rena detestava pensar dessa maneira, mas reconhecia ser a verdade. Seu pai se tornara uma sombra do que havia sido no passado. Alguns meses depois da morte da mulher, fora chamado para a casa de um agonizante, numa noite fria de inverno, com neve abundante. Contraíra uma gripe que piorava a cada dia. Rena fez tudo o que podia para fazer com que o pai se sentisse melhor. Até lhe dera as mezinhas que aprendera a fazer com a mãe. Mas ele não reagia. Reconhecia que o pai nunca fora muito forte, e seu tipo de vida em nada contribuía para que gozasse de melhor saúde. Era chamado continuamente em noites frias para atender doentes e agonizantes. Ele fora capelão durante a guerra, e isso concorrera para piorar seu estado geral. às vezes conversava sobre suas experiências junto ao exército inglês. Embora não se queixasse, Rena tinha certeza de que sofrera muito por estar longe da Inglaterra. Não apenas um sofrimento físico, mas da mente e do coração. E agora, quando inesperadamente ele começava a melhorar, ela encontrou-o morto na cama. De manhã fora ao quarto do pai a fim de saber por que motivo não descera para tomar café, e notou que ele não respirava. Achou que talvez fosse imaginação sua, e que logo o pai reviveria e riria dela, por ter se assustado tanto. Mas, ao ver que o coração não batia se deu conta da realidade. Desesperou-se, ciente de que sua vida terminara também. Não poderia viver sem o pai. Os habitantes da aldeia ficaram desolados, pois perdiam o melhor amigo, um amigo que
  • 4. nunca falhara nas horas difíceis. Todos choraram muito no funeral, repetindo constantemente: O que vamos fazer sem ele? Como poderemos continuar vivendo? Era de se esperar que se preocupassem. E Rena era a mais preocupada de todos, pela simples razão de que não tinha para onde ir e nem dinheiro. A aldeia ficava numa parte esquecida do mundo, raramente era visitada por pessoas de outras regiões do condado. E isso porque a Casa-Grande, que fora habitada por dez ou mais gerações de condes, estava agora abandonada e negligenciada. O último proprietário não tivera interesse nas pessoas que lá moravam; tinha poucos empregados, pois não tinha dinheiro. Herdara apenas a Casa-Grande de um antecessor, mas não meios para mantê-la. Rena jamais se preocupara com o conde, pois na verdade não o conhecia. O homem vivia confinado na casa e nunca ninguém o vira cavalgando nos prados ou indo à aldeia. O homem morrera durante a noite, e só dias mais tarde os habitantes locais souberam de sua morte. Nem o pastor fora chamado. Rena só esperava que, após a morte dele, viesse outro proprietário que se interessasse mais pela aldeia. Porém, o que a preocupava acima de tudo, agora após a morte de seu pai, era a vinda do novo pastor, nomeado pelo bispo. Precisava desocupar a Casa Paroquial, e não tinha para onde ir. O pai deixara a conta bancária quase vazia. O salário dele era muito reduzido, e mal dava para viver. E mesmo esse pequeno salário cessaria de ser enviado pelo bispo. - O que poderei fazer? O que poderei fazer? - ela sussurrava. Mas não obteve resposta. Após a morte da mãe, cuidara do pai achando que ele seria eterno. Nunca pensara no facto de que chegaria o momento em que, sem dinheiro, seria forçada a ganhar a vida num mundo desconhecido. Mas, como poderia pagar um lugar para dormir, caso tivesse de sair da aldeia? Seu nervosismo aumentou ao receber a carta do bispo dizendo que lamentaria muito a morte do pastor, e que mandaria um substituto o mais depressa possível. Isso significava, embora o bispo não houvesse dito, que ela teria de desocupar a Casa Paroquial. Sua pergunta era: para onde ir? Londres ficava bastante longe, e raramente ela fora lá. Não podia se imaginar trabalhando numa loja da aldeia vizinha, lugar bastante pequeno e de pouco movimento. Tampouco ensinando crianças que em geral iam a escolas públicas. "O que posso fazer? O que posso fazer?" Seu pai sempre lhe dissera que, se rezasse, Deus atendia as suas preces. Mas agora parecia que Deus não a ouvia, ou suas preces não eram fervorosas. "O que posso fazer? Leio muito mas não tenho diploma de professora. Adoro cavalgar mas não há cavalos nesta vizinhança." O cavalo que possuíra morrera, havia três anos já. Agora, seria uma questão de tempo desocupar a Casa Paroquial quando o novo pastor aparecesse. Tinha de começar a preparar as malas. Havia pouca coisa a levar. Alguns vestidos seus e de sua mãe. Estava consciente de que precisava andar bem vestida para arranjar um bom emprego. Rena era uma moça bonita. Seus cabelos louros tinham um toque de dourado. Os olhos azuis da cor do céu eram enormes, talvez grandes demais para um rosto tão pequeno.
  • 5. Como os pais não dessem festas em casa, poucas pessoas haviam percebido que a pequena Rena se transformara numa linda mulher. E, se andasse bem vestida, seria a moça mais atraente de qualquer reunião social. "O que posso fazer?" "Talvez trabalhar como empregada doméstica?" Mas a ideia de morar em casa estranha a apavorava. Sabia que a mãe ficaria chocada se viesse a saber que essa ideia lhe passara pela cabeça. A sra. Colwell nascera numa família de certa projecção social. E os pais dela não ficaram nada felizes ao saber que a filha se apaixonara por um pastor da igreja, assistente do Vigário da paróquia que eles frequentavam aos domingos. - Seu pai foi um dos homens mais lindos que conheci - ela dissera a Rena. - Ele disse que se apaixonou por mim no primeiro dia em que me viu entrando na igreja, na companhia de meus pais, seus avós. - E vocês se amaram logo? - perguntara Rena. - Acho que foi o que aconteceu. Mas não tive chance de falar com seu pai durante várias semanas. Porém um dia nos encontramos, e ele quase não disse uma palavra, tão nervoso estava. Apenas confessou que se impressionara com meu aspecto à primeira vista. Rena rira muito enquanto a mão continuava: - Pude entender perfeitamente, porque senti o mesmo. Queria falar mas não sabia o que dizer. No primeiro dia em que ele foi a nossa casa com o vigário, para tomar chá, nenhum de nós disse uma única palavra. - Mas você ficou emocionada com a visita, mamãe? - Tão emocionada que sonhei com ele todas as noites até nosso próximo encontro. E levou muito tempo para que o jovem ministro da igreja tivesse coragem de se aproximar da filha do abastado proprietário de terras, para conversar com ela a sós. Enfim um dia, quando houve uma grande festa na casa, a menina apaixonada encontrou um pretexto, não se lembrava bem qual fora, de mostrar ao jovem pastor o canteiro de morangos. E andaram sozinhos pelo enorme jardim que rodeava a mansão. - Quanto tempo depois disso papai levou, mamãe, para dizer que a amava? - Para mim pareceram milhares de anos. Confesso que eu amava seu pai, mas não tinha muita certeza se ele me amava. - Finalmente um dia ele disse que a amava? - Disse, e eu me senti arrebatada aos céus junto com ele. Espero, querida, que um dia isso aconteça com você - a sra. Colwell dissera à filha. Seus pais eram as duas pessoas mais felizes que Rena conhecera. às vezes tinha a impressão de que se esqueciam da existência dela e de tudo o mais que havia no mundo, exceptuando- se o facto de que estavam juntos. Pensando no passado, Rena imaginava que essa era a razão de os pais nunca darem festas. Eles se bastavam. As reuniões sociais, raras, só aconteciam em função do trabalho da igreja. Quando as visitas iam embora, eles sentiam alívio porque ficavam sozinhos, não queriam mais ninguém além dos dois. Porém isso não queria dizer que ela crescera sem receber amor. Mas, de que adiantava esse amor agora? Quase instintivamente sentou-se à escrivaninha do pai. Sentia-se com se ele estivesse presente, e lhe fez a pergunta que a atormentava. "O que posso fazer, papai? Aonde devo ir e a quem devo pedir ajuda? Assim que o novo pastor chegar, terei que desocupar a Casa Paroquial. No momento, não tenho dinheiro nem
  • 6. para ir a aldeia mais próxima. Isso sem falar em Londres, onde talvez possa arranjar algum emprego bom." Ela suspirou e esperou ouvir o pai lhe falar o que deveria fazer. Então, como se o conselho lhe tivesse sido enunciado em voz alta, Rena começou a pensar na cruz que fora encontrada na floresta, atrás da Granja, como era chamada a Casa-Grande. Lembrava-se de que fora assunto das conversas na aldeia, quando trabalhadores da floresta a encontraram e pediram ao pastor que fosse vê-la. - Parece-me bem estranho o aparecimento dessa cruz - a mãe de Rena dissera ao marido. - Mas os homens acham que tem algo a ver com religião. Você precisa ir lá para dizer se é alguma coisa sagrada ou não. Rena tinha doze anos na ocasião. E recordava-se de ter ouvido o pai dizer que não tinha tempo, pois precisava preparar o sermão de domingo. - Você precisa ir - a mulher insistira. - Afinal, é assunto relacionado à igreja. E ele cedera, suspirando. Pegou o chapéu, beijou a mulher e embrenhou-se pela floresta. O que os homens acharam era uma enorme cruz, rústica, mas sem a parte superior. Estava suja de lama. Porém, depois que eles a limparam, descobriram uma inscrição que tiveram dificuldade em decifrar. Rena e a mãe foram ver a cruz alguns dias mais tarde. Estava circundada de árvores. Era primavera, e havia flores por toda a parte. Como o local ficasse na outra extremidade da floresta, fazia-se necessário atravessar os jardins da Granja para chegar lá. Rena lembrava-se de que ficara encantada ao ver a Granja de perto, pela primeira vez. E se perguntara se algum dia teria chance de nadar no riacho que atravessava a propriedade dos condes. Extasiara-se ao ver a cruz, e entendera por que o pai se interessara tanto pelo achado. A madeira era diferente de qualquer outra que conheciam. Rena viu a inscrição que convencera seu pai de que se tratava de uma verdadeira cruz. Com paciência, o pastor conseguira decifrar palavra por palavra. Todos vocês que precisarem de auxílio, o encontrarão quando orarem para mim. - Isso foi o que me convenceu de que é na verdade uma cruz, apesar da falta da parte superior - o pastor dissera. - Acho que foi colocada lá há centenas de anos, quando a casa foi construída. Ou talvez até antes disso. E ele dera instruções para que a cruz nunca fosse tirada do lugar, excepto se houvesse uma ordem especial do dono das terras. E lá continuara a cruz, até o presente. "Eu havia me esquecido dessa estranha cruz", Rena disse a si mesma. "Talvez se rezasse naquele lugar, encontraria auxílio, como outras pessoas o encontraram. Meu pedido será muito difícil de ser satisfeito, mas preciso fazer de tudo para ganhar algum dinheiro que faça com que eu não morra de fome." Era primavera. Rena não levou casaco nem chapéu para atravessar a floresta. Quando avistou ao longe os portões da Granja, notou que estavam abertos. Haveria visitantes no local?, pensou. Não, era pouco provável. Ela quase não se lembrava de como era a Granja. Passara por lá algumas vezes, e rapidamente. Sabia que havia salas grandes e sumptuosas. Mas, para Rena, sala grande era qualquer recinto um pouco maior do que as pequenas salas de sua casa. Ela notou que o jardim estava abandonado. Sendo primavera, os pássaros cantavam, de vez em quando, um coelho ou um esquilo cruzava os gramados.
  • 7. Rena estava com pressa, o que não a impediu, contudo, de apreciar o frescor da relva enquanto o sol aquecia sua pele. "Adoro o campo", dizia a si mesma. "Se tiver de morar em Londres a fim de trabalhar, terei saudades deste lugar e passarei meus dias ansiosa para voltar." Deu um profundo suspiro, sabendo que voltar era mais ou menos um sonho, pois não haveria possibilidade de ela ganhar a vida na aldeia. Continuou caminhando devagar, apreciando a vegetação e as flores. Logo deparou com o riacho. Foi quando viu a cruz na qual seu pai estivera tão interessado. Linda, com os ranúnculos desabrochando a seus pés. O dourado do sol penetrando por entre a folhagem das árvores realçava a madeira escura da cruz, que parecia ainda maior do que na realidade era. Todo o cenário tinha aspecto impressionante. E Rena achou que o pai tivera razão ao insistir que aquele seria o lugar perfeito para as pessoas levarem suas dificuldades e orar, pedindo auxílio. - Como pode essa cruz me ajudar? - ela disse em voz alta. Depois lembrou-se de que não era à cruz que pedia ajuda, e sim a Deus. Teve certeza de que o pai tivera razão ao dizer: - Qualquer que seja a prece, se vier do coração, será ouvida por Deus. Rena ajoelhou-se na grama molhada, e rezou. Achou que se Deus a ouvisse, com certeza a ajudaria. De repente, ao lado dos ranúnculos, enxergou um espinheiro. E pensou logo que, se a planta crescesse muito, cobriria a cruz. Tirou então uma luva de jardinagem do bolso do paletó, calçou-a e decidiu arrancar a horrível planta pela raiz. Mas isso sem estragar as flores. Ao fazê-lo notou, com espanto, que havia moedas junto à raiz. Apanhou-as, limpou-as, e constatou que eram de ouro. Achou que sonhava. Em seguida olhou para a cavidade e viu mais moedas. "Não deve ser verdade", dizia a si mesma. "Como puderam essas moedas vir parar aqui? Como é possível que a cruz seja sustentada por moedas?" Eram moedas antigas e nada parecidas com as actuais. Rena inclinou-se para pegar mais algumas. Mas instintivamente, como se tivesse sido aconselhada pela própria cruz, concluiu que o tesouro que achara pertencia ao dono da Granja. "Não posso roubar isso", pensou. "Seria um acto mau, pecaminoso, em especial porque tirado de lugar tão sagrado como o da cruz." Ela limpou mais algumas moedas. Tinha certeza de que eram de ouro, do tempo da Regência, ou talvez do tempo da rainha Anna. Seu pai era um conhecedor de moedas, um numismático na realidade, e se interessava pela transformação do dinheiro através dos tempos. Muitas vezes conversara sobre o assunto com ela. E agora, Rena achava que aquelas moedas datavam, no mínimo, de cem anos atrás. E isso, com certeza, as tornava muito valiosas. Foi então que se lembrou de algo. Alguém lhe dissera que um candidato à compra da Granja chegara dias atrás. Resolveu entregar-lhe o tesouro que encontrara. Não que acreditasse na realização da compra. Muitas pessoas interessadas tinham vindo e saído, sem completar o negócio. Nenhuma delas fizera uma oferta para aquisição da velha casa.
  • 8. "Só espero", Rena pensava, "que alguém decente a compre. E que gaste dinheiro reformando a igreja e, naturalmente, as casas da aldeia." Ela soubera, pelo pai, que muitas pessoas interessadas haviam aparecido no decorrer dos anos, mas todas partiam sem mostrar o maior entusiasmo pela velha casa que permanecia até o presente fechada. "Se houver mesmo um novo proprietário na Granja, talvez essa minha descoberta o animará a tornar o local habitável de novo. E ele ajudará os moradores da aldeia que desesperadamente precisam de emprego para sobreviver." Com receio de que alguém mais visse o que ela acabara de achar, Rena recolocou o espinheiro no lugar. Não sem antes pegar em todas as moedas à vista. Pelo facto de não querer pisar nos ranúnculos, o espinheiro não ficou bem enterrado como antes, o que ela achou muito bom, pois não cresceria tanto a ponto de cobrir a cruz. Assim que terminou sua tarefa, ficou olhando para o lugar sagrado. "Talvez minhas preces tenham sido atendidas", disse a si própria. Depois riu de seu optimismo. "Mas meu achado não deixa de ser animador. Se o novo proprietário for um homem generoso, quem sabe me dê ao menos uma dessas moedas que desenterrei do solo." Logo Rena se deu conta de que, se houvesse mais, e tinha certeza de que havia, vendendo- as teria ao menos um pouco de dinheiro para ir a algum lugar procurar emprego. Como se o pai a estivesse ouvindo, ela teve a impressão de escutar-lhe a voz dizendo que aquilo seria roubo, um acto que Deus condenava. Roubo era algo que ele não toleraria, em particular vindo da própria filha. "Tenho de ser honesta. E, embora seja um pouco cedo para tirar uma conclusão, o facto de eu ter achado o tesouro me faz acreditar que obtive resposta a minhas preces." Porém logo pensou novamente que estava sendo optimista demais. Ela atravessou a mata cerrada da floresta, e depois os jardins, tomando a direcção da Casa- Grande. CAPÍTULO II Como fazia muito tempo que Rena não via a Granja, esquecera-se do quanto era atraente, apesar de seu mau estado de conservação. Sem dúvida precisava de uma boa reforma. As vidraças das janelas estavam quebradas e necessitavam de limpeza. Tanto as janelas como os tijolos à vista eram muito velhos e muito lindos. Ao olhar para a casa, Rena se perguntou por que motivo ela ficara tanto tempo sem ir até lá, para apreciá-la. Apesar da falta de jardineiros, os canteiros tinham um colorido impressionante devido à grande quantidade de flores das mais variadas tonalidades. A própria praga que crescia no meio dos gramados fazia parte do quadro:; não o prejudicava. "Que casa linda", pensou. "Se não tivesse sido negligenciada por tantos anos, seria uma das mais lindas casas de toda a Inglaterra." Havia uma boa distância a ser percorrida da velha ponte à entrada principal da casa. Um pouco além corria um riacho pelo jardim, que terminava num grande lago. Várias vezes Rena pensara em nadar naquele lago. Mas como existia outro lago bem mais perto de sua casa, ela sempre evitara andar até lá. Entre o lago e os jardins da Granja havia uma pequena floresta onde a mãe a levara muitas vezes quando ela era bem pequena. E lhe dissera que as fadas dançavam ali. Após a morte da mãe, Rena não mais voltara ao local, achando que sofreria ao passear por lá sozinha. E também não desejava encontrar pessoas da aldeia num lugar que sempre considerava só seu e da mãe.
  • 9. Não que fosse difícil evitar esses encontros. Poderia ter ido no fim da tarde, quando todos já tivessem voltado do trabalho e estivessem recolhidos em seus chalés. Além do mais, os aldeões não pareciam interessados na Granja, pela simples razão de que não havia trabalho para ninguém lá, um trabalho que lhes garantisse meios de sobrevivência. Por ser primavera, havia flores por toda a parte, sendo a maior parte delas margaridas e ranúnculos. Mas o ar estava perfumado com o aroma de lilases e madressilvas. Desde menina sempre lhe havia dito que a Granja era mal-assombrada. Os mais velhos da aldeia insistiam que ouviam vozes estranhas quando visitavam o lugar. Quem sabe essa fora a razão que conservara tanto os adultos quanto as crianças afastadas do local. E Rena lamentava agora ter sido tão idiota a ponto de não haver usufruído a beleza do que via agora. "Talvez o novo dono faça com que a Granja volte à magnificência do passado", ela pensou. Não seria muito difícil. Era só observar a casa para ver como fora negligenciada, e se convencer de como poderia facilmente voltar a ser linda de novo. "Talvez um dia ruirá por terra, e tudo ficará perdido se não houver interesse de alguém para restaurá-la". Mas seria um crime se isso acontecesse, porque casas como aquelas faziam parte da história da Inglaterra. Rena notou que a porta da frente estava aberta. Tinha certeza de que não havia empregados na casa, de contrário teria ouvido alguma coisa. Espiou o interior. Não tocou a campainha; não havia empregados lá, quem atenderia à porta? Corriam boatos na aldeia de que alguém tinha chegado para ver a Granja, mas não se sabia se esse visitante viera sozinho ou com a família. Porém de uma coisa Rena estava segura; se o homem tivesse contratado empregados, ela saberia. Por não ouvir ruído algum, entrou. Como o exterior da casa, o interior também precisava de mais cuidados. Uma espessa camada de poeira cobria as escadas e o assoalho de madeira das salas. Os tapetes estavam cinzentos de tanto pó, como também os móveis. Rena pensou logo na mãe que gostava tanto de móveis antigos. Ela ficaria horrorizada ao ver o estado em que se encontravam móveis tão preciosos. Pareciam ser peças francesas. O silêncio era absoluto. Com certeza o novo candidato à compra, do qual se falava na aldeia, havia desistido do negócio, horrorizado com a má conservação do lugar. Por outro lado, se ele ainda continuasse lá, estaria na cozinha preparando o café da manhã, pois sem dúvida passara a noite na casa, ou viajando. No instante em que chegou a essa conclusão, Rena ouviu um ruído na sala de jantar. Teve um segundo de hesitação. Mas sua curiosidade venceu. Em vez de sair e tocar a campainha da porta da frente, foi até a sala de jantar. Era exactamente como seu pai descrevera. Ele estivera lá havia oito anos, acompanhando uma pessoa que chegara de Londres para inspeccionar a Granja. E seu pai soubera mais tarde que a idéia era reformar a casa e transformá-la numa espécie de hotel de fim de semana, para hóspedes que desejassem escapar das cidades grandes. Seria um lugar de repouso também, onde viajantes poderiam passar uns dias e gastar algum dinheiro antes de voltar a suas casas. Mas nada fora feito porque a pessoa encarregada de inspeccionar o local chegara à conclusão de que seria impossível transformá-lo numa estância para férias. Ele declarara não haver nada na aldeia que prendesse a atenção das pessoas residentes em outras partes
  • 10. do país. Ou, pior ainda, de pessoas provenientes do exterior, que considerariam o lugar um dos menos atraentes da Inglaterra. Rena lembrava-se agora de que o pai não discutira com o homem, apenas o ouvira. E dera graças ao bom Deus pelo facto de não se fazer da Granja um hotel de divertimentos, o que acabaria com a paz da aldeia. Agora, já na sala de jantar, recordava-se do que o pai dissera a ela assim que se despedira do inspector: - Talvez eu esteja errado, mas fico contente por não se transformar isto num lugar de divertimento para os que têm medo da quietude e da paz do campo. É um local valioso para nós, e esperamos que pessoas daquela espécie não nos incomodem. O pastor falara mais consigo mesmo do que com a filha. E agora Rena lembrava-se de que ele ficara radiante ao saber que a Granja continuaria exactamente como sempre fora, e que ninguém aviltaria a casa e as redondezas. - A Granja pode estar cheia de pó, pode necessitar de reparos - ele dissera à filha -, mas é parte de nossa aldeia, e não a dividiremos com ninguém mais. E, sem dúvida, não com um idiota como o homem que veio de Londres. E naquele instante o escárnio da voz dele pareceu soar de novo aos ouvidos de Rena. "Meu pai gostava das coisas como estavam", ela reflectiu. Contudo, não podia deixar de admitir que agora pareciam bem piores. A mesa precisava de polimento e o consolo da lareira tinha uma camada grossa de pó. Rena ouviu um ruído de novo. Imaginou que talvez fosse o tal comprador. Curiosa, foi à cozinha. Para sua enorme surpresa, viu um homem lidando para acender o fogo a lenha. Consciente da presença dela, o homem disse: - Talvez você possa fazer com que este maldito fogão acenda! Estou ansioso para tomar o café da manhã, e a lenha teima em não pegar fogo. - Deixe-me tentar - Rena insistiu, sorrindo. - Esses fogões velhos são problemáticos, às vezes. Quando o homem virou-se, Rena viu que era jovem e muito atraente. - Se você conseguir acender esse fogo, poderei tomar meu café da manhã. Estou morrendo de fome. Já comi quase tudo o que trouxe comigo. Acho que esta horrível cozinha é tão sem recursos como o resto da casa. - Se for o novo dono, sinto muito que tenha essa opinião. - Rena sorriu. - Mas um dia foi uma das mais lindas casas da Inglaterra. - Acho que precisamos nos apresentar. Mas, antes disso, eu ficaria muito grato por qualquer auxílio que você pudesse me proporcionar. - Preciso agora de um pedaço de papel. Pode encontrar em uma das gavetas da mesa. Depois, com gravetos e fósforos, acenderei o fogo. - Suponho que eu deveria saber fazer isso - o rapaz falou. - Mas, francamente, não estou acostumado a cozinhar para mim. - Então vá arranjar o que lhe pedi. E prometo que não ficará faminto por muito tempo ainda. Em minutos, Rena acendeu o fogo. Pôs água para ferver numa velha panela e colocou dois ovos que o rapaz trouxera consigo. Enquanto esperava, ele sentou-se na beirada da enorme mesa que enchia quase toda a área da cozinha. Rena não prestava muita atenção nele, mas concentrava-se na refeição que preparava.
  • 11. O homem trouxera numa cesta meio filão de pão e um bom pedaço de manteiga. Prontos os ovos, Rena colocou tudo em pratos que encontrou num armário. Mandou que ele os levasse à sala de jantar enquanto tentaria encontrar café ou chá em qualquer lugar da cozinha. - O que você prefere? - ela perguntou. - Ficarei grato por qualquer coisa que me der - o homem respondeu. - Eu deveria convidá-la para comer comigo. Mas estou com tanta fome que minha vontade é devorar tudo o que está sobre a mesa. - Não estou com fome - Rena explicou. - Comi antes de sair de casa. Isso não era verdade, pois comera apenas pedaços de presunto que sobraram do jantar da noite anterior; e foi comendo enquanto atravessava a floresta. Agora ali, ao lado do desconhecido, achava estranho ele não ter curiosidade em saber a razão de sua presença na casa. Ela enfim encontrou o café que procurava, em um dos armários; mas só esperava que não tivesse gosto de mofo. Pelos vistos, pareceu que não, pois o homem tomou-o com evidente prazer, e disse: - Acho que você não é real e sim uma fada que apareceu aqui para me salvar. Eu estava morrendo de fome. - Apenas sinto que a maioria da louça boa tenha sido roubada. Sempre achei um erro deixar esta linda casa desabitada. Apesar de bem fechada, há pessoas que sempre arranjam um meio de entrar para roubar. - Acho que devo ser muito grato por não terem levado os quadros e peças do mobiliário - o homem declarou. - Então é o novo dono! - exclamou Rena. - Achei, mas me ensinaram que era rude fazer perguntas desse tipo. O homem riu muito. - à fada que me alimentou e me deu de beber, coisa que eu não conseguiria Ter sem o auxílio dela, posso apenas dizer que me considero muito feliz por a ter encontrado. Rena sorriu e disse: - Foi puro acaso. Passei perto algumas vezes mas não cheguei até aqui por saber que a casa estava vazia. Agora, espero que o novo proprietário se anime ao ver tudo o que pode ser feito. - É o que espera que eu faça? - É o novo proprietário? - Rena indagou, surpresa. - Sussurrava-se na aldeia que você... que o senhor havia chegado, mas eu não tinha muita certeza. Trouxe algo para lhe mostrar. Uma agradável surpresa, penso, depois das dificuldades que o senhor teve com a cozinha. - Acertou - o homem concordou. - Sou o novo proprietário e confesso que, mesmo antes de ter chegado aqui, sabia que minha herança não haveria de ser alguma coisa para se receber de braços abertos. Trata-se de uma casa grande demais e dispendiosa, para se usar como moradia. - Mesmo? - Rena suspirou. - Muitas vezes pensei que seria interessante ver esta casa criar vida de novo e não mais deixada como está agora, gradualmente caindo em ruínas até que não sobre nada dela, e nem dos lindos jardins. - Acho que o que você diz é verdade, mas há um grande empecilho intransponível. - E qual é esse empecilho, posso saber? - Vou resumir em uma palavra apenas. Dinheiro! Dinheiro para tornar a casa habitável. Dinheiro para contratar jardineiros, fazendeiros, arrendatários, empregados e, naturalmente,
  • 12. dinheiro para comprar cavalos que encham minhas estrebarias. - Isso seria maravilhoso! - Rena gritou. - Sempre quis cavalgar pelos campos, mas como meu pai recebia muito pouco da igreja, nunca tivemos condições de comprar um cavalo. O jovem homem riu e fitou-a atentamente. - Está por acaso me dizendo que seu pai era o antigo pastor? - Era. Meu pai, o reverendo Colwell, morreu há um mês mais ou menos. E meu nome é Rena Colwell. Ele trabalhou como pastor da aldeia e conhecia esta casa havia mais de vinte anos. Agora, quando o bispo mandar para cá outro ministro da igreja, eu terei de ir embora. - Se eu tivesse condições financeiras, convidaria você para me ajudar a restaurar a casa a fim de torná-la outra vez linda como foi no passado. - E eu adoraria ajudá-lo. Mas o senhor fala como se considerasse impossível viver aqui. - E é. Estive viajando a serviço da Marina de Sua Majestade, e não tinha idéia de como seria minha vida no futuro até o instante em que, voltando à Inglaterra, soube, para meu espanto, que eu era o descendente directo do último conde que herdou isto há trinta ou quarenta anos atrás, penso. - Acho que há mais tempo ainda - Rena corrigiu-o. - Mas que maravilha para o senhor, ter herdado esta casa! - De início achei que se tratava de um conto de fadas. Mas logo constatei que minha herança, além do título, era simplesmente nada, com excepção da casa e dos arredores. - Quer dizer que o senhor não tem parentes? - Só alguns, muito velhos, que com certeza sabem tanto quanto eu sabia até então. Nada! - E o que pretende fazer? - Francamente, não sei. Quando soube que esta casa vinha com o título, fiquei exultante por ter um lugar onde morar, e terras. Mas agora que vi tudo, desapontei. Pelo modo de falar Rena pôde perceber que o pobre homem estava de facto desapontado com o que encontrara. - O senhor tem chance de vender parte das terras, pelo menos. Não digo a totalidade mas parte - Rena sugeriu. - Foi o que pensei, mas tudo se encontra em tão mau estado que não sei se conseguiria comprador. Isso se pudesse mesmo vender, o que sei que não será possível. Meus bens devem passar para o próximo conde, embora considerando-se o facto de que os vários condes que vieram antes de mim jamais tenham se preocupado com isto. O último conde, que morreu com a idade de noventa anos, nunca morou aqui. Preferiu viver no norte da Inglaterra onde dois de seus antepassados haviam vivido antes. - O conde sorriu ao acrescentar: - Nenhum dos condes da família quis morar aqui, por isso as terras e a casa ficaram no estado em que estão. - Com certeza o senhor poderá remediar o mal - Rena declarou. O conde sorriu sarcasticamente e replicou: - Não tenho dinheiro. O que economizei de meu salário de marinheiro foi pouco. Não ganhava muito. Para deixar esta casa habitável serão necessários milhares de libras. O pior de tudo é que, conforme já lhe disse, não posso vender nada, porque a propriedade deverá passar para o próximo conde da família, que pode ser ou não meu filho. Mas, com toda a certeza, não será meu filho, pois não tenho condições financeiras que permitam que me case. - Houve um momento de silêncio antes que ele dissesse: - Portanto, se eu não tiver um filho, a casa continuará em ruínas, como esteve nos últimos cem anos. Foi então que Rena resolveu falar sobre sua descoberta. - Vim aqui para lhe dizer que encontrei algo em sua propriedade que desejo lhe entregar.
  • 13. Enquanto falava ela tirou do bolso três das moedas que encontrara junto ao espinheiro. E as pôs sobre a mesa. O sol, que entrava pela janela, as fez brilhar. O conde ficou estático. - São moedas antigas - disse. - Muito antigas! Eu diria que datam de cem anos ou mais. Onde as encontrou. - Na raiz de um espinheiro. E as trouxe para entregar ao verdadeiro dono, o senhor. - Não pensou em guardá-las para si? - Como já lhe disse, meu pai era pastor da igreja. E uma das coisas que me ensinou foi não roubar, ou melhor, não me apoderar de coisas que não me pertencem. - Foi muita bondade sua trazer essas moedas valiosas para mim - o conde disse. - Mas, como pode imaginar, para restaurar esta casa precisarei de muito mais que isso. Digamos, de milhares dessas moedas. - Há muitas outras no lugar. Por esse motivo vim aqui depressa a fim de lhe contar sobre meu achado. O senhor deve ir ao local antes que alguém descubra o tesouro. O conde encarou-a, intrigado. - Sim - Rena explicou. - Há um espinheiro crescendo ao pé da cruz, prejudicando a beleza do cenário, com as anémonas rodeando o lenho sagrado. - Mal posso acreditar no que me diz - o jovem conde falou, pondo a mão na testa. - Está tentando me fazer imaginar que talvez haja mais moedas iguais a estas no mesmo lugar? - É o que espero - Rena declarou. - E isso resolveria seu problema. - Quer me levar a esse lugar? - o conde pediu. - Como pode imaginar, quero saber logo se há mais desse tesouro aguardando ser descoberto. - É o que espero. Tenho impressão de que as moedas foram colocadas por uma pessoa grata, pela razão de suas preces terem sido atendidas. - Por isso você foi rezar aos pés da cruz? - o conde perguntou. - Foi. Como o senhor, estou sem dinheiro. Meu pai morreu e preciso encontrar um meio de subsistência.. - Que tal irmos lá juntos, agora mesmo? - sugeriu o conde. - Se a cruz está em minhas terras, podemos verificar se há mais moedas lá. - É o que eu esperava que o senhor dissesse, pelo simples motivo de que muitas pessoas visitem o local e podem descobrir as moedas caso haja mais, o que acredito que sim. - Muito bem. Vamos agora. - Mas iremos por um caminho mais discreto - sugeriu Rena. - Se as pessoas da aldeia o virem indo para perto da cruz, no próprio dia de sua chegada, acharão estranho. - Antes de tudo diga-me uma coisa. Por que essa cruz está em minhas terras e não foi levada ao cemitério? Ou à igreja? - Porque meu pai decidiu que fosse deixada lá, onde fora encontrada. Embora falte a parte de cima, meu pai achou que se tratava de uma cruz, por causa da inscrição. De quando em quando as pessoas da aldeia vão lá para pedir favores. O conde levantou-se imediatamente e Rena conduziu-o ao local, porém seguido por um atalho atrás da Granja, pouco usado pelos caminhantes. Tiveram de atravessar o riacho através de uma ponte rústica de madeira, construída pelos trabalhadores nas terras de Sua Senhoria. E chegaram ao lugar da cruz, que se erguia majestosa entre as árvores, e que estava rodeada de flores. Rena ajoelhou-se e rezou, agradecendo a Deus por ter encontrado o dinheiro e também o homem, a quem o dinheiro pertencia.
  • 14. E pediu que o achado ajudasse não apenas o conde, mas outras pessoas também, incluindo- a. Enquanto rezava de olhos fechados, o conde permaneceu ao lado dela observando a cruz. Mas, no instante em que Rena abriu os olhos, viu-o andando na direcção da cruz, pisando inevitavelmente nas flores. O conde puxou o espinheiro que por sinal agora estava muito mais fácil de ser removido. Em seguida começou a enterrar as mãos no solo úmido para ver se encontrava alguma coisa. Rena ficou preocupada. E se não houvesse mais nada? A ida até o local da cruz teria sido em vão? Ela rezou, pedindo a Deus que os ajudasse. De súbito, o conde deu um grito de alegria. Rena arregalou os olhos. Ele tinha nas mãos um punhado de moedas de ouro, sujas de terra. Parecia um sonho. - Suas orações foram atendidas, e tenho certeza de que há muito mais embaixo desta terra - ele afirmou. - Será verdade o que está acontecendo? Será mesmo verdade? - É verdade. Veja! - O conde estendeu a mão cheia de moedas de Ouro. - O que temos a fazer agora é voltar já para a Granja. Ninguém do lugar pode saber o que encontramos aqui. Mais tarde trarei pessoas peritas no assunto, que poderão remover todas as moedas sem danificá-las. Assim dizendo, ele colocou o espinheiro no lugar, passou o braço em volta da cintura de Rena, e ambos voltaram para casa. Seguiram pelo mesmo caminho da ida, entre as árvores e atravessando a velha ponte de madeira que os levou para o outro lado. Quase em casa, o conde disse: - Não sei como lhe agradecer. Você me salvou, ao menos por agora. O que eu sentia ao chegar aqui era só desespero, devido ao estado em que encontrei a casa e o que havia dentro dela. De qualquer forma, tudo me parece um conto de fadas. Estou encantado com sua descoberta, Rena. Sinto-me bem longe do estado de angústia em que me viu ao chegar aqui. - O senhor acha mesmo que haverá junto à cruz dinheiro suficiente para a reforma da Granja, e para deixá-la como foi no passado? - Rena perguntou, muito emocionada. - Não posso acreditar que nossa sorte seja assim tão grande. Mas, qualquer quantia em dinheiro, neste momento, será de incrível ajuda para mim. Isso me dará chance de planear sobre meu futuro. E a você, mais uma vez muito obrigado. - Agradeça a meu pai. Foi ele quem guiou meus passos até lá. E Deus permitiu que tudo isso acontecesse. - É emocionante demais para ser verdade! - o conde exclamou. - Só quero que me prometa não revelar a ninguém nossa descoberta. - É claro que não contarei nada a pessoa alguma - Rena prometeu. - Essas moedas são suas, como também todas as que estiverem escondidas sob a terra. Seria terrível alguém vir a saber, e começasse a escavacar por toda a parte, na esperança de encontrar algo. - Tem razão - concordou o conde. - Mas agora é melhor que você volte para casa. Sua família ficará apreensiva com seu atraso, sem saber o que houve. - Todos de minha família morreram. Aliás, fui à cruz para pedir auxílio, pois preciso arranjar um emprego para viver. - Se tivermos sorte - o conde comentou -, você não terá necessidade de trabalho, a menos que seja um trabalho muito interessante. Rena sorriu e disse: - Agora o senhor está esperando demais. Não vamos exagerar. Se encontrar mais algumas moedas que lhe permitam viver com conforto, na Granja ou em algum lugar modesto, já
  • 15. será óptimo. Não acha? Houve uns minutos de silêncio. Em seguida, o conde perguntou: - O que você pretende fazer? - Eu me sentirei muito feliz se minhas preces forem atendidas. E, se o senhor tiver paciência comigo e me abrigar por alguns dias, posso ao menos ter tempo para pensar no que fazer na hora em que precisar sair da Casa Paroquial. Isso acontecerá quando o bispo designar outro pastor para a aldeia. Silêncio de novo. Mas, ao chegarem mais perto da Granja, o conde sugeriu: - Nesse meio tempo, se você estiver mesmo querendo um emprego, deixe-me oferecer-lhe um. Preciso de governanta, e quero uma, se eu puder pagar, que transforme a Granja num lugar habitável. Rena deu um grito de alegria. - Eu rezarei para que esse sonho se realize. Pode levar um século, mas se pudermos fazer com que a Granja volte a ser o que era, se pudermos ajudar outras pessoas como fomos ajudados, então acho que meu pai estava absolutamente certo ao me inspirar para eu ir orar aos pés da cruz. E absolutamente certo em não ter deixado que a cruz fosse levada para outro lugar. - Depois de uma pausa, ela acrescentou: - Oh, espero muito que meu pai esteja vendo o tesouro que nós encontramos. A última frase saiu de seus lábios com grande espontaneidade. Mais uma vez, silêncio. Depois, o conde disse: - Espero muito que seu desejo, ou prece, como queira chamá-lo, se transforme em realidade. CAPÍTULO III Quando chegaram à Granja, encontraram a porta conforme a haviam deixado, destrancada. O conde abriu-a e Rena disse: - Se vou ser sua governanta, e é algo que adoro ser, a primeira coisa a fazer é lhe preparar o almoço. O senhor trouxe algum mantimento? O conde riu e disse: - Antes de tudo, Rena, não me chame de senhor. Ok? Chame-me de você, como fez quando nos conhecemos, e antes de saber que eu era conde. Quanto aos mantimentos, está querendo demais de mim. Pensei no café da manhã, mas não no almoço. - Muito bem. Nesse caso, me dê algum dinheiro e eu irei à aldeia comprar qualquer coisa. Não garanto que possa fazer um banquete, mas prepararei uma refeição simples. - E eu serei grato pelo que você preparar. - Ele pôs a mão no bolso e tirou algumas libras. - Isso chega? - Oh, é mais do que suficiente. Comprarei também coisas para o jantar. Como governanta, não posso permitir que o senhor... que você passe fome. - Espero que não se assuste ao constatar que meu estômago é maior do que eu, quando deixou a Marinha. Aqui fora, não temos a mesma fartura. Porque também não temos dinheiro. - Nunca duvidei sobre a alimentação no navio - Rena comentou. - Sempre achei que a Marinha era bem gerenciada, bem melhor do que muitas casas. - Tem razão. Agora, olhando para trás, reconheço que a comida era excelente, o navio limpo. Tudo brilhava, o que infelizmente não posso dizer de minha casa! - Talvez possa dizer mais cedo do que espera. Mas insisto que não seja impaciente.
  • 16. - Ao entrarmos, notei que havia correspondência perto da porta. Deve ter caído da caixa de cartas para dentro. - O carteiro com certeza passou enquanto estávamos fora. Tocou a campainha e, quando viu que não havia ninguém em casa, teve o bom senso de deixar as cartas na caixa. O conde apanhou-as e exclamou: - Penso não ser necessário dizer que o primeiro envelope que peguei é uma conta! Como não se trata de nada agradável, vou antes almoçar para depois ler. Rena riu muito. O conde abriu a Segunda carta e, pela expressão do rosto dele, Rena achou que devia se tratar de algo confidencial. E foi para a cozinha. Olhou por toda a parte a fim de ver se havia qualquer coisa para comer. Não viu quase nada, mas achou que encontraria verduras na horta. Sabia que algumas cresciam, apesar da falta de cultivo. "Vou precisar de todo o dinheiro que ele me deu", pensou. "Providenciarei coisas para o jantar e para o café da manhã". E achou que quanto mais depressa andasse com seu trabalho, melhor. Havia muito a ser feito naquela cozinha suja, cheia de pó. "Posso ser a governanta. Mas, pensando bem, para tomar conta da casa toda, preciso de ajuda. E isso não se consegue sem dinheiro." Porém, apesar de todos os problemas, seu coração sorria de alegria só em pensar no que tinham encontrado aos pés da cruz. E sabia que com isso conseguiria alimentar o conde até que ele decidisse sobre o que fazer da vida. Rena saiu pela porta dos fundos. O conde não a viu sair. Havia apenas uma mercearia na aldeia e o dono estava sempre se queixando que os habitantes locais viviam à sua custa. - Se cobrasse dele o preço justo - o merceeiro dissera muitas vezes ao pastor -, poderia viver muito melhor. Mas como deixá-los que morram de fome, o que acontecerá se tiverem de pagar o valor real da mercadoria? - Somos muito gratos a você - Rena ouvira o pai dizer com frequência. - Tenho esperança que alguns encontrarão trabalho e lhe pagarão o que devem. - Esse dia jamais chegará, reverendo. Mas esse mercieiro nunca abandonara a aldeia, pelo que o pastor era muito grato, pois fornecera aos aldeões, especialmente às crianças, alimento suficiente para mantê-los vivos. Muitos habitantes locais trabalhavam em aldeias vizinhas. Isso acontecia na primavera e no verão. Mas no inverno era quase impossível achar trabalho. Rena esperava que agora, após haverem descoberto bastante dinheiro debaixo da cruz, o conde empregasse grande número de pessoas. Ela já tentava seleccionar famílias nas quais pudesse confiar, para recomendar ao patrão. "Oh, por favor, meu Deus", rezava, enquanto ia para a aldeia, Permita que haja muitas moedas ainda lá. Fico tão deprimida ao constatar que as crianças são os seres que mais sofrem." Rena sempre amara crianças. Lembrava-se, quando tinha apenas três anos de idade, de ter dividido os presentes de Natal com elas. Como ficaram contentes ao ganhar um ursinho ou biscoitos, coisas que suas famílias jamais poderiam comprar. "Se houver suficiente dinheiro, esta aldeia será a mais feliz do país." Logo se deu conta de que não devia contar com tanto dinheiro, assim tão depressa. Era verdade que descobrira um presente caído do céu. E agora só podia rezar para que o dinheiro encontrado durasse bastante.
  • 17. Chegou à mercearia e encontrou-a bem provida. O dono havia estado na cidade na véspera, para compras. Havia víveres de todos os tipos. E ela escolheu grande quantidade deles. Não apenas para um dia, mas para dois ou mais dias. Sempre, contudo, procurando não gastar muito. - Não vai comer tudo isso, vai? - o merceeiro lhe perguntou, enquanto Rena separava o que desejava. - Não - ela respondeu. - É para o novo proprietário da Granja que acabou de chegar. Acho que todos daqui vão ter um bom patrão no futuro. - Ouvi dizer que alguém havia chegado - o homem disse, fitando-a com surpresa. - Mas não sabia que era o dono da Granja. - Correu boato de que não existiam mais descendentes - Rena comentou -, mas todos estavam errados. Como ele era marinheiro, não se encontrava no país, e apenas agora foi localizado. - Boas notícias - disse o homem. - Naturalmente, se ele abrir a Granja, terá de arrumar muitas coisas, e isso é bom para todos nós. - É o que o conde espera fazer. Mas marinheiros nunca têm muito dinheiro, raramente ficam ricos. - É verdade - comentou o homem. - Porém ele sempre pode transformar a Granja num hotel. É suficientemente grande para isso. - Tenho certeza de que Sua Senhoria não pensou em tal hipótese. Contudo, vou lhe falar sobre essa sua sugestão. Porém, antes de tudo, a casa precisa ser restaurada e os jardins reformados. E isso leva tempo e custa dinheiro. - De facto - o homem concordou com um aceno de cabeça. - Durante anos ninguém morou lá e, se quiser saber, muitas pessoas têm medo que o tecto desabe sobre elas ou sobre os fantasmas. Sem dúvida há fantasmas que se arrastam pela casa assim que o sol se põe. - Agora você está me assustando - Rena protestou, porém rindo muito. - Não apenas a mim como a Sua Senhoria. Prometi a ele cuidar da casa. Mas, depois de sua afirmação, vou ter medo que os fantasmas comam as deliciosas coisas que eu fizer, antes que Sua Senhoria tenha chance de prová-las. - Contanto que ele pague as contas..., tudo bem. Diga a Sua Senhoria que há muito mais aqui. Com ou sem fantasmas, um homem precisa comer, morando em casa grande ou pequena. - O que é absolutamente certo - Rena concordou. Antes de sair ela pegou mais um pedaço de carne e pagou a compra. Ficou só com alguns shillings na bolsa. Mas sabia que o conde lhe daria mais dinheiro para as compras do dia seguinte, caso fosse necessário. Rena entrou pela porta dos fundos, certa de que o conde nem a vira sair. Mas, tão logo colocou as compras sobre a mesa da cozinha, ele apareceu, comunicando. - Foi bom você chegar logo. Teremos visitas esta tarde. Penso que ficarão só para o chá, mas é possível que passem a noite aqui. - Você não devia permitir isso! - Rena exclamou. - Ainda não tivemos tempo de inspeccionar os quartos. E, se estiverem como as salas aqui embaixo, será impossível hospedar qualquer pessoa. Como o conde não respondesse, Rena preocupou-se. Teria ficado ofendido? Mas logo ele disse: - Preciso ser honesto e dizer a você que o homem que vem aqui é extremamente rico. Conheci-o na Índia. E quando ele soube, penso que através dos jornais, que eu herdara um
  • 18. título, começou a me ver com outros olhos. Está ansioso para conhecer a residência de meus ancestrais. - E vai ficar bem desapontado, se espera encontrar luxo, como é de se supor - observou ela. - É o que eu penso também - o conde assentiu. - Contudo, pelo modo como falou comigo na última vez em que nos vimos, suspeito que tentava descobrir um meio de nos encontrarmos de novo. Talvez já soubesse da herança. O homem me procura por uma razão, uma única razão. - E qual é essa razão tão especial para achá-lo? - indagou Rena, curiosa. - Se quer ver uma mansão ancestral, vai ficar muito desapontado com a Granja, até que tenhamos tempo de limpar tudo. - Sim, eu sei, mas você se esquece, Rena, de que agora tenho um título e de que sou muito diferente, na opinião dele, do marinheiro pobre que convidou para um baile que ofereceu em homenagem à filha. O que esse homem verdadeiramente quer, e tenho certeza de que é o que vai me dizer quando chegar aqui, é que me case com essa filha. - E por que deverá você se casar com uma mulher, a menos que se apaixone por ela? - A menina é feia e sem graça. Mas é sua única filha. E ele não tem filho homem para lhe herdar a fortuna. Eu soube, na América, que é um dos novos milionários do petróleo. Ele fez fortuna da noite para o dia. - Quer dizer que é capaz de querer reformar a Granja e lhe dar dinheiro para que você possa morar aqui, na esperança de ser seu sogro? - Exactamente! - exclamou o conde. - E é algo que não tenho intenção de aceitar. Se um dia eu me casar, Rena, será por amor. E seremos felizes, eu e minha mulher, mesmo sem dinheiro. Rena bateu palmas e concordou: - É o que você deve fazer, é o que meu pai aconselharia. Mas, pensando bem, será difícil não aceitar a proposta, se o homem lhe prometer restaurar a Granja fazendo-a tão magnífica como no passado. Suponha que ele lhe ofereça dinheiro suficiente para você comprar cavalos, cachorros de caça, dando-lhe a oportunidade de ser um verdadeiro gentleman. Vai aceitar? O conde não respondeu. Foi até a janela e ficou olhando para o jardim, agora em estado deplorável. Colocando nos armários os mantimentos que trouxe da aldeia, Rena disse mais: - Acho que se a moça te amar, com o tempo você acabará amando-a também. Rena quis acrescentar: e amando o dinheiro dela. Mas achou que seria um comentário grosseiro demais. Ao voltar da janela, ele respondeu de maneira categórica, sem hesitação: - Não me venderei, como diz a Bíblia, por um quilo de carne. Embora eu saiba que, nesse caso, serão quilos e mais quilos de carne. Prefiro morrer de fome a me ver casado com uma mulher que não amo, e ser subserviente a um homem com o qual não tenho nada em comum a não ser o facto de nós dois acharmos que o dinheiro é essencial à vida. - É claro que tem razão. Papai concordaria com isso, palavra por palavra. Só podemos pedir a Deus para permitir que haja sob a cruz quantia suficiente para você viver com conforto, mesmo que seja num único quarto, deixando o resto da casa como está. Houve uns minutos de silêncio antes de ele responder: - Não vou me vender por causa de uma casa que está caindo aos pedaços, ou de um jardim que não tem quase nada além de ervas daninhas. - Mas você tem de viver - insistiu Rena. - E não é fácil,. Hoje em dia, viver sem dinheiro.
  • 19. - É verdade - o conde concordou. - Mas espero que você tenha encontrado, para mim, dinheiro suficiente que me permita viver aqui, mesmo com o tecto caindo, e o assoalho quebrando sob nossos pés. - É sua intenção ficar na Granja? - Não tenho outro lugar para morar, no momento. Meus pais morreram. Possuo alguns parentes no norte da Inglaterra, pessoas que não vejo há anos. - Havia desespero na voz dele ao prosseguir: - Actualmente, não tenho mais um navio esperando por mim. Ao menos aqui há um tecto sobre minha cabeça e uma governanta que vai me servir um almoço. Ele falava assim com a intenção de fazer Rena rir. Mas, ao invés, ela disse: - Tudo o que você falou soa muito como uma aventura. No entanto, precisa se lembrar de que esta casa está ficando mais velha ano após ano, e muito delapidada. O pessoal da aldeia predizia que o tecto iria ruir no último Natal, quando tivemos muita neve. Por um milagre, isso não aconteceu. Porém duvido que resista mais um inverno. - Sei perfeitamente o que você quer dizer. Contudo, considero-me muito feliz por ter herdado esta propriedade depois que todo o mundo acreditava não haver mais condes em meu condado. E feliz também por ter encontrado vocês e moedas escondidas na velha cruz. Acredito que, no futuro, haverá mais surpresas esperando por nós. - Vamos agora às coisas práticas - sugeriu Rena. - Você espera duas pessoas esta tarde. Posso providenciar o chá, mas quero que me ajude a limpar os quartos, embora duvide que seus hóspedes queiram passar a noite aqui. - Então que voltem para o lugar de onde vieram - o conde protestou rispidamente. - De qualquer forma, tenho certeza de que a razão da visita de meu amigo é me prometer a restauração da casa, fazendo-a recuperar o esplendor do passado. Com a condição, claro, de eu partilhar todo o luxo com a filha dele, como minha esposa. Rena começou a preparar o almoço. Observando-a, o conde notou como suas mãos eram alvas contra a madeira escura da mesa da cozinha. Um raio de sol fazia com que seus cabelos parecessem fios de ouro. - Enquanto você me ajudar, sei que não sofrerei fome - ele disse. - Se minha visita desapontar quanto à sua posição nesta casa, isso tornará mais fácil para mim lhe dizer que não desejo casar com a filha dele. - Acha que a jovem quer se casar com você? - Rena perguntou. - Tenho a impressão de que ela pensa que um título de nobreza seja a melhor coisa que o dinheiro poderá lhe comprar. O pai tem muito orgulho de ser milionário, e acredita que possa ter tudo o que deseja. Ele acha que o dinheiro compra todas as coisas no mundo. - Imagino que haja muitas pessoas que pensam como ele. Meu pai sempre dizia que, apesar de sermos pobres, podemos apreciar as belezas da vida. - Tais como, por exemplo? Com um sorriso, Rena respondeu: - O sol, a lua, as estrelas. Além disso, há muitas outras coisas que nos fazem felizes, e que não são obtidas através do dinheiro. O conde fitou-a atentamente, e depois riu. - É algo que espero que me diga. Que outras coisas? Estou pensando que você não é real, mas parte da árvore mágica que apontou para mim na floresta. Os raios do sol, coisa que talvez ignore, estão deixando seus cabelos da cor de ouro. - Um ouro que, infelizmente, você não pode usar como usará as moedas - ela comentou, sorrindo. - Quanto ao casamento, espero que não se precipite por enquanto. Algo pode acontecer no futuro e, casando-se agora por conveniência, talvez prejudique sua boa sorte.
  • 20. - Garanto-lhe que não desejo me casar com ninguém. E, acima de tudo, não com uma mulher que está sendo vendida pelo pai. - Tenho pena dela! Quem sabe a moça nem tenha idéia de como o pai é ambicioso. - Você vai ter chance de julgar os factos por si mesma - o conde respondeu. - Como não tenho condições de impedir essa visita, os dois estarão aqui na hora do chá. Acho que vão querer passar a noite, pois a distância entre a Granja e Londres é grande. Meu amigo milionário dará como desculpa para isso o cansaço dos animais e o perigo de viajar à noite. - mas eles não podem pernoitar aqui! - exclamou Rena. - Os quartos devem estar em terrível estado; não podem ser usados enquanto não se fizer uma boa limpeza. - Ontem eu dormi num deles. Mas estava tão cansado que teria dormido até numa estrebaria. Agora, quando penso, reconheço que estava cheio de pó. A cama não era má, mas havia apenas água fria nas torneiras. Meus hóspedes acharão o lugar muito sem graça e conforto, tenho a certeza. - Sem dúvida. Portanto, se você tiver bom senso, mande-os de volta para Londres na primeira oportunidade. - Ele é o tipo de homem que, quando põe uma idéia na cabeça, não desiste facilmente. Por isso ficou milionário. Tenho até medo de acabar entrando na igreja de braço dado com Matilde, sem me dar conta do que estou fazendo. - Após uma pausa, ele acrescentou: - E se eu disser que você é minha mulher? Que acha? Passada a surpresa, Rena respondeu: - Considerando-se o estado em que se encontra a Granja, ele pensará que você se casou com uma mulher muito relaxada. - Então, o que posso dizer? Rena teve a impressão de que o conde lhe suplicava auxílio. Pensou um pouco e sugeriu: - Talvez seja melhor dizer que sou uma parente sua e estou aqui para ajudá-lo. Ou, se seu amigo insistir no casamento, diga-lhe que estamos noivos. E acrescente que não pode se casar enquanto não tiver dinheiro para restaurar a casa, deixando-a digna de um homem com o título que você possui. - Isso me parece bom, soa mesmo como verdade! Assim será impossível a ele forçar a filha, sabendo que estou noivo de outra mulher. - Ou então, se preferir, fale que sou sua governanta. - Se o homem tiver um resquício de inteligência, o que tem e muita, verá logo que você é bonita demais, jovem demais, para ser uma governanta. Vai imaginar que está aqui por outras razões. - Muito bem, então. - Rena já se impacientava com tanta indecisão. - Fale que estamos noivos e, como já disse, que apenas aguardamos a reforma da casa para nos casarmos. - Só posso lhe dizer que aprecio muito essas qualidades - Rena comentou. - Mas outra coisa posso lhe dizer também, é que não temos comida suficiente para jantar. E, se desejar levá- los a um restaurante - o mais perto fica a três quilómetros daqui - previno-o desde já que a comida é razoável, mas longe da qualidade esperada por milionários. - Não se preocupe. Não tenho intenção de convidá-los para jantar. Quero jantar sozinho com você. Posso ver, pelas coisas que comprou, que nosso jantar será excelente. - Isso é um desafio? - Rena sorriu. - Mas suplico-lhe, não permita que suas visitas fiquem para jantar. Se pretende convidá-los, então vá à mercearia a fim de comprar mais comida. - Não pretendo insistir para que fiquem e tenho a impressão de que, quando ficar bem claro que não desejo me casar com Matilda, os dois voltarão para Londres. - Desejo que as coisas sejam tão fáceis como pensa. Mas sempre ouvi dizer que milionários
  • 21. ficam milionários porque, quando põe na cabeça que vão ser ricos, ninguém os segura. - Aguarde até conhecer o sr. Wyngate - o conde disse. - Ele é exactamente o tipo de homem que você esperaria ver num novo milionário. A filha, como já lhe disse, é feia e não tem nada que a favoreça a não ser a conta bancária do pai. - Agora você está sendo maldoso - censurou-o Rena. - Mas ao mesmo tempo estou certa de que vá ter dificuldade em rejeitar o que o homem lhe oferecer para reformar a Granja, que voltaria a ser como foi há centenas de anos atrás. Papai disse que, quando chegou na aldeia como pároco, a Granja tinha aspecto bem melhor do que o actual. Sempre me surpreendi como os habitantes locais, apesar de quase não ter o que comer, a protegem contra ladrões e malfeitores. - Por que fazem isso? - indagou o conde. - Porque consideram a Granja também deles, e esperam que um dia haverá pessoas importantes dormindo nos sumptuosos quartos e usando as salas de recepção. - Acho patético eles pensarem assim. Devem ter-se desapontado ao me ver chegando aqui sem nada. Eu, por meu lado, me surpreendi ao passar de marinheiro a conde. Sem dúvida fiquei atónito por ter sido localizado por causa do meu nome. Contudo, sinto-me tal qual um usurpador. Como posso fazer com que esta casa volte a ser o que era centenas de anos atrás? - Para resolver esse problema, diga sim ao que for sugerido por seu amigo. O conde deu um soco na mesa. - Com os diabos que direi sim. Espere até vê-la! Não quero ser maldoso, mas Matilda jamais terá aspecto de condessa, mesmo coberta de diamantes da cabeça aos pés. - Muito bem - Rena concordou. - Deixe as coisas como estão e vamos rezar para que aquilo que a cruz nos deu até agora seja apenas uma amostra do que está ainda escondido sob as anémonas. - Falando no assunto, sugiro que escondamos de todos o que você descobriu. Se souberem de alguma coisa, começarão a escavacar toda a área à busca de ouro, destruindo a vegetação. Mas tenho a impressão, como você também deve ter, de que não haverá muito mais sob a cruz. - Entendo o que diz - concordou Rena. - Se eles começarem a escavacar e a escavacar, as árvores cairão e não restará nada dessa maravilhosa floresta. - Concordo. Então, o que deveremos fazer é ir lá à noite, só você e eu. Com o luar, pelo menos até o fim deste mês, não precisaremos de mais luz. esCavacaremos com cuidado para não prejudicar a beleza natural do lugar. - Você está certo, absolutamente certo! - Rena exclamou. - É o que faremos. Eu não poderia aguentar ver a mata e a cruz que significou tanto para papai, destruídas, talvez até por acidente, pelas pessoas ávidas da descoberta do ouro. - Tudo bem. Então, quando meus amigos forem embora esta noite, e se você não estiver muito cansada, iremos até à cruz procurar mais moedas. Assim, tomaremos cuidado para que as ávidas por dinheiro não estraguem nossa floresta. - E eu odiarei ver destruído aquilo de que papai tinha tanto orgulho. - Faremos tudo sozinhos, sem contar nada a ninguém - o conde declarou. Rena foi trabalhar na cozinha, e meia hora mais tarde chamou-o. - Seu almoço está pronto, milorde. Ficarei muito desapontada se não gostar da minha comida. - Sente-se à mesa comigo. Poderemos conversar sobre o que faremos depois. Mas uma coisa é certa...
  • 22. - O quê? - Precisamos nos livrar das visitas assim que houver chance. Para lhe dizer a verdade, estou muito interessado no que já encontramos, e quero examinar bem as moedas antes de irmos lá à noite. - Acho que deve fazer isso - Rena concordou. - Você, Rena, trouxe novo sentido à minha vida, coisa de que precisei muito desde o minuto em que cheguei aqui. Para ser franco, fiquei desanimado ao ver o estado deplorável da casa. Mas agora talvez tenhamos chances de torná-la habitável e, se conseguirmos, será graças a você. - Não, a meu pai. Foi idéia dele deixar a cruz onde foi encontrada. Talvez, anos atrás, uma família houvesse decidido esconder seus tesouros lá. - Mal posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo. Parece um conto de fadas, como quando soube que eu era o único membro sobrevivente da família. Achei, de início, que se tratava de uma brincadeira. - Mas não foi - disse Rena. - Agora você é um conde, e a Granja esperava por sua vinda. - Jamais sonhei que algo assim acontecesse comigo. Depois que meus pais morreram, fiquei sozinho no mundo, pois sou filho único. Trabalhei como marinheiro num navio, com muitos outros homens ansiosos como eu para conhecer o mundo, especialmente porque não tinham um lar. Como eu. - O que aconteceu com seus pais? - Rena quis saber. - Meu pai morreu quando eu tinha apenas três anos de idade e minha mãe me criou. Moramos com uma velha parenta de minha mãe, que detestava viver só. Por conhecer tão pouco do mundo, resolvi entrar na Marinha. Fiquei tão insistente que minha mãe teve de ceder. Nunca esquecerei de meu entusiasmo quando o navio em que eu trabalhava entrou no mar. - Você ficou plenamente feliz! - Suponho que essa seja a palavra certa, feliz - o conde repetiu. - Recebi as coisas como vieram e me senti radiante quando conheci o oriente. Estávamos em um dos navios de sua Majestade designado para mandar mensagens de diferentes partes do mundo. Recebi excelente educação, pois felizmente morávamos perto de uma boa escola. E, entre uma multidão de marinheiros, eu fui o escolhido para mandar à Inglaterra os relatórios sobre todos os lugares que visitávamos, e sobre a atitude dos diferentes povos do mundo em relação à Grã-Bretanha. - Deve ter sido emocionante - comentou Rena. - Naturalmente posso entender isso, porque você é bem diferente da maioria dos ingleses que conhecem muito pouco do mundo além de seu próprio país, e que não têm interesse nenhum por nossa história. - Sua opinião me envaidece, Rena. Mas, francamente, reconheço que é verdade o que acabou de dizer. A maior parte dos ingleses acha que não existe nada, a leste, a oeste ou a norte da Inglaterra, que mereça atenção. - E você pensa que nosso país é importante, embora bastante pequeno? - Rena indagou. - Sem dúvida. Vou lhe dizer uma coisa, pode ter orgulho de ser inglesa e ter orgulho de nossa rainha. Em quase todos os lugares onde estive como marinheiro, me senti importante porque era inglês. Eu e os outros companheiros éramos recebidos com entusiasmo, e todos mostravam satisfação por nós os termos visitado. - Mas possuímos inimigos também, não? - Naturalmente - o conde confirmou. - Os russos sempre sentiram inveja de nós, e sempre tiveram medo de nos enfrentar numa guerra.
  • 23. - bem, graças ao bom Deus por isso. Acho a guerra uma coisa horrível e espero que no futuro tenhamos uma paz duradoura. - Espero também - disse o conde. - Garanto que você vencerá a batalha desta noite. Papai costumava dizer que a arma mais importante era acreditar no que era certo, no que era bom. E lutar por isso. Tenho certeza de que essa será sua arma. O conde fitou-a atentamente, mas não respondeu. Contudo, Rena achou que os olhos dele brilhavam. Pôs-se a pensar, então, que talvez tivesse sido entusiasta demais, lisonjeira demais. CAPÍTULO IV Rena e o conde almoçaram na sala de jantar. - Estou lhe dando muito trabalho - ele disse. - Poderíamos ter comido na cozinha. Seria bem mais fácil para você. - Minha mãe ficaria chocada se soubesse uma coisa dessas. Você é um conde, pessoa importante, e precisa sentar-se na sala de jantar. - Um conde sem dinheiro nenhum no bolso. - Ele riu muito. - Não posso me considerar importante. Mas reconheço que sua mãe tinha razão. É necessário manter-se as aparências, mesmo que seja com grande esforço de nossa parte. Ele comeu o que Rena lhe preparara, e achou o almoço delicioso. Quando ela trouxe a sobremesa, uma compota de frutas variadas com creme, mal acreditou no que tinha diante de si. - Você está me mimando demais - comentou. - Mas há ainda uma coisa sobre a qual desejo lhe falar antes que as visitas cheguem. Porém primeiro quero saborear cada bocado dessa sobremesa. - Fico muito contente por você ter gostado da minha comida. Mamãe e papai sempre quiseram que eu cozinhasse bem. Quando tive idade suficiente, insistiram que eu cuidasse da cozinha da casa e eram bastante críticos acerca do que eu fazia. - Como resultado, pode agora encontrar trabalho como banqueira em qualquer lugar. - Pensei nisso, naturalmente. Pensei em todas as minhas possibilidades até você me convidar para ser sua governanta. Assim que acabou de comer a sobremesa, o conde disse: - O que tenho a lhe falar tem de ser antes de as visitas chegarem, como já disse. - E o que é? - Pensei em apresentá-la como minha noiva. Mas não acho a idéia boa. - Quer isso dizer que pretende se casar com a moça rica? - ela perguntou, surpresa. - Claro que não. Jamais faria algo tão idiota, tão desagradável. O que estou pensando é que, se Wyngate pretende restaurar minha casa, deixarei que o faça. Não acho que ele dirá abertamente que irá fazer isso só se eu me casar com Matilda. E não sou a tal ponto orgulhoso a ponto de não aceitar as migalhas da mesa de um milionário. Mesmo que ele faça pouco para a Granja, o pouco que fizer será bom. - E o que vai dizer sobre mim? - Que você está me ajudando, e que é casada com um primo meu. Eu a apresentarei como sra. Colwell e direi que me considerei muito feliz por encontrá-la morando aqui na aldeia. Esse encontro foi possível porque sua mãe era muito amiga da minha mãe. Direi também que sua mãe casara-se com um pastor da igreja e que, por morarem muito longe uma da outra, poucas oportunidades tiveram de conviver. - Pensou em tudo isso? Incrível! - ela exclamou.
  • 24. - Quis explicar por que motivo você morava aqui sem acompanhante. E, ao mesmo tempo, para tornar claro que estávamos juntos por causa da amizade existente entre nossas famílias, e não por laços do coração. - Você é ridículo - Rena riu muito. - Tudo se parece com aquele tipo de novela que eu não tive permissão de ler quando jovem demais, e que achei entediante quando fiquei mais velha. - Bem, se tudo acontecer como pretendo, valerá a pena um pequeno esforço para tornar esta casa melhor. Ficarei grato por isso. Mas não ao preço de sacrificar minha liberdade. Rena divertia-se com a idéia dele. Porém achava pouco provável que o homem rico, ambicioso, que estava por chegar, decidido a dar um título à filha, fosse apanhado de surpresa. Duvidava que ele ajudasse o conde sem ter certeza de que não receberia em troca o que desejava. Contudo, resolveu não discutir sobre o modo como o conde desejava apresentá-la. Sobretudo pelo facto de ela estar desacompanhada. Como se lesse seus pensamentos, ele disse: - Se achar mais prudente, poderá ir a sua casa à noite. Afinal, ainda não há sinal do novo pároco, no momento. - É verdade - Rena concordou. - Talvez seja melhor eu ir para casa hoje. Mas no íntimo isso a desapontou. Ficar na Granja era algo novo, emocionante. Se fosse para casa naquela noite, perderia grande parte do prazer. Contudo, o mais importante era ajudar o conde. E ele se pudesse obter algum dinheiro sem se comprometer, tudo bem, ela o ajudaria. Após Tomarem café, Rena levou a louça para a cozinha. Lavou-a, enxugou-a e colocou-a nos armários. A cozinha já estava bastante limpa. Mas o que Rena realmente queria era ver o assoalho das salas brilhando. "Vai haver bastante dinheiro na floresta", dizia a si mesma. "O conde pagará uma mulher da aldeia para limpar o assoalho e as janelas dos cómodos que estiverem sendo usados." Rena já concluíra que as melhores salas do andar térreo eram a sala de jantar, e a sala de visitas. A primeira lhe pareceu razoavelmente acolhedora. Mas a sala de visitas tinha aspecto triste. Se fosse arrumada, o tecido do sofá e das poltronas lavado, o aspecto melhoraria. Infelizmente nada disso poderia ser feito antes da chegada das visitas. Mas logo ela se deu conta de que, quanto pior a aparência da casa, mais chances teria o milionário de tentar conseguir seu intento. E se perguntava se o conde teria forças para recusar uma fortuna em favor de sua casa, qualquer que fosse o preço a pagar. Mas, e a liberdade? "Naturalmente que ele quer ser livre", dizia a si mesma. - "Nenhuma jovem deseja se amarrar, a menos que esteja terrivelmente apaixonado." Mas a tentação era grande, e ela só rezava para que o conde tivesse forças para dizer não. Tão logo terminou de arrumar a cozinha, Rena foi ao jardim apanhar algumas flores para enfeitar o lugar onde iriam tomar chá com as visitas. Escolheu uma sala pequena, mas acolhedora, com vista para o jardim. Limpou os tapetes, tirou o pó e começou a imaginar como havia sido aquela sala no passado, com mulheres de vestidos luxuosos conversando ao som de música suave, executada por mestres do piano. Tinha a impressão de que ainda sentia o aroma de
  • 25. perfumes caros. Depois de arrumada, cheia de flores, a sala ficou tão atraente que Rena não teve dúvida de que o sr. Wyngate gastaria qualquer quantia para fazer o resto da casa tão convidativo como o daquela sala, se não mais. Ao atravessar o corredor cruzou com o conde e pediu: - Numa coisa eu insisto: não convide, sob qualquer pretexto, seus amigos para passar a noite aqui. Os quartos estão em péssimo estado. O seu é o melhor de todos, embora precise também de uma boa limpeza. - Eu fecho os olhos quando estou me despindo, e aprecio a vista enquanto me visto - o conde respondeu. - Muito sensato. Mas não pode pedir a seus hóspedes que façam o mesmo. Se sempre viveram à sombra do luxo, não saberiam como usar esses artifícios. Ambos riram muito e depois o conde acrescentou: - Bem, foram eles que quiseram vir aqui. Se o que virem os chocar, o problema não é meu. - A que horas deverão chegar? - indagou Rena. - Se vierem directamente de Londres, devem estar chegando. A menos que tenham parado no caminho para almoçar. Portanto, não poderemos dar uma volta pelo jardim ou nadar no lago, que é o que eu gostaria de fazer agora. É melhor nos prepararmos para recebê-los de braços abertos. Embora o conde estivesse ansioso pela chegada das visitas, Rena lamentava não poder percorrer a casa, os jardins e a floresta com ele, antes de anoitecer. Havia muito ainda que Rena gostaria de lhe mostrar. Por mais negligenciada que a casa estivesse, a natureza tinha sua própria maneira de conservar o mundo exterior viçoso e lindo, durante a primavera. Agora, quase verão, as árvores cobertas de folhagem, as flores desabrochando no meio dos gramados, e as águas do riacho arrebentando contra a rocha, eram coisas mais lindas do que quaisquer outras que o dinheiro pudesse comprar. "É a própria Natureza, e quem poderia pedir mais?" De súbito apavorou-se à ideia de que o conde pudesse desistir de tudo e partir para outros lugares da Inglaterra, esquecendo-se da casa em mau estado que lhe pertencia. "Oh, Deus", ela orava. "Não permita que isso aconteça." Meia hora mais tarde ouviu-se o som de rodas de carruagem na porta da frente. Rena, que dava os últimos retoques na sala, soube que as visitas haviam chegado. Ouviu em seguida vozes no hall e foi ao encontro dos recém-chegados. Um homem baixo conversava com o conde. Vestia-se com apuros, e via-se que suas roupas eram caras. Não negava ser milionário. Não porque seu alfinete da gravata brilhasse, ou porque o anel que usava no dedo mínimo fosse valioso, mas havia como que uma aura, ou talvez uma força emanando dele dizendo que se tratava de um milionário. A filha, elegantemente vestida, estava ao lado. As pérolas em volta do seu pescoço e o diamante dos brincos fizeram com que Rena visse com clareza que ela era filha de um homem muito rico. Ambos, pai e filha, falavam animadamente com o conde quando ela apareceu. E ambos a olharam surpreendidos. - Quero apresentá-los a uma pessoa que tem me ajudado muito, tão logo cheguei aqui - disse o conde. - É a sra. Colwell, casada com meu primo, que mora no norte da Inglaterra. Rena vai lhes contar em que estado encontrei a casa. Pior do que ela mesma esperava. - E,
  • 26. dirigindo-se a Rena, ele acrescentou: - Nossos hóspedes fizeram a viagem de Londres até aqui em tempo recorde. Agora precisamos lhes mostrar os horrores com que me deparei ao chegar, e deixá-los ver, com os próprios olhos, o que acontece quando uma propriedade, tal qual uma linda mulher, é negligenciada. O conde riu, mas o visitante fitava-o atentamente, sem rir. Virando-se para Rena o conde disse, terminando com as apresentações: - Esses são meus amigos, Rena, o sr. Wyngate e sua encantadora filha Matilda, que veio junto com o pai para ver as ruínas que nos chocaram de maneira tão impressionante. Rena apertou a mão das visitas. E só naquele instante se deu conta de que não usava aliança. Pôs imediatamente a mão esquerda no bolso. Precisaria providenciar uma aliança o mais depressa possível. - Espero que tenham feito boa viagem - ela disse. - Acho que a duração é de duas horas, mesmo com animais ligeiros. Mas é tão agradável visitar o campo que o esforço vale a pena. - É exactamente o que eu estava pensando - comentou o sr. Wyngate. - Eu queria muito ver a estranha casa que meu amigo herdou. Mas agora concluo que foi um prazer duvidoso. O homem observava a poeira do hall enquanto falava. Rena acompanhou-lhe o olhar e imaginou que três empregados levariam no mínimo uma semana para limpar apenas o hall e os corredores. E as janelas? E as escadas? As passadeiras haviam perdido a cor e estavam rasgadas em vários lugares. - Agora quero que me mostrem a casa que, posso ver com um golpe de vista, precisa de muita coisa para ser habitada - o sr. Wyngate falou num tom de voz brusco. - Acho que antes tem de descansar um pouco depois da fatigante viagem - o conde sugeriu. - Um copo de vinho o reanimará. Venha comigo até a sala, o único lugar arrumado até agora. Verá a casa toda mais tarde. - Eu não diria não a um copo de vinho. E acho que Matilda aceitaria também um. - Eu acho tão maravilhoso estar no campo! - Matilda exclamou. - Poderei ir ao jardim? - É claro que poderá - Rena respondeu. - Terei prazer em lhe mostrar o que foi um dia um lindo jardim mas que faz hoje a alegria dos coelhos e dos passarinhos. - Esses bichinhos devem estar muito felizes em ter um lugar só para si - Matilda disse. - Espero que aprecie a liberdade. Quando eu era criança, teria adorado ter esse espaço todo só para mim. As duas mulheres saíram, deixando os homens a sós. - Sente-se - disse o conde. Foi em seguida providenciar o vinho. - Assim é melhor para conversarmos. - Estou aqui há apenas dois dias - o conde explicou. - Não posso fazer milagres e, mesmo que pudesse, não tenho condições económicas para tal. - Sua prima arrumou esta sala com muito gosto - Wyngate comentou. - Se ela decorar o resto da casa da mesma maneira, você acha que ficará aqui ou prefere voltar para o mar? - Minha vida de marinheiro está encerrada. Gostei de percorrer o mundo, coisa que não teria feito senão fosse pela Marinha. Mas agora prefiro terra firme. Mesmo esta mansão, cujo tecto poderá cair em minha cabeça a qualquer momento, é preferível aos balanços das ondas do mar. - Posso entender suas razões - observou Wyngate. - Mas esta casa é inabitável. Como pode morar do jeito que está? - Isso é exactamente o que minha prima não pára de dizer. Mas a resposta é simples. Não
  • 27. tenho aonde ir. - É sobre isso que vim lhe falar. Entendo que, sem sua prima, este lugar seria vazio e depressivo. E suponho que lhe custaria uma boa quantia em dinheiro para restaurá-lo. - Muito mais do que tenho - respondeu o conde. - Com as regras que foram estabelecidas por meus antecessores, não poderei vender a propriedade, que deverá passar aos filhos que não terei, porque também não possuo condições para me casar. Portanto, a casa continuará assim. Pode ruir por terra, mas como posso evitar que isso aconteça? Houve alguns minutos de silêncio antes de o sr. Wyngate responder: - Seria tudo muito simples se você tivesse dinheiro. Embora a quantia seja considerável para a reforma, acho que vale a pena ser gasta. A casa merece. É uma herança importante não só para você, mas para seus filhos, quando os tiver. - Está sendo muito optimista. - O conde deu uma gargalhada. - Como posso constituir família e tornar este lugar habitável? - Minha filha sempre o achou muito atraente - o sr. Wyngate enfim chegou ao ponto onde queria chegar. - Não posso pensar num melhor presente de casamento para vocês dois do que pôr esta casa em ruínas e toda sua propriedade em ordem. - Acho que o que me sugere deve ser julgado por sua filha e por mim. Se formos nos casar, precisamos nos amar, do contrário tudo consistirá numa grande farsa. Vi sua filha apenas uma vez. Portanto, por favor, dê-nos uma chance de nos conhecermos melhor. Quem pode saber o que acontecerá no futuro? - É muito sensato, meu filho., não posso negar. Vou providenciar homens para trabalhar aqui e, quando a metade do serviço estiver pronta, conversaremos sobre negócios. Estou certo de que o resultado será satisfatório para ambos. - Realmente pensa assim? - indagou o conde, atónito. - É claro que penso - o milionário replicou. - Eu não teria ficado rico como fiquei se não tivesse palavra, ou se decepcionasse os que me ouviam. Mandarei imediatamente trabalhadores de Londres, e sei escolher pessoal. Quando você vir o resultado, ficará satisfeito, e Matilda também. - Não sei o que dizer - contestou o conde. - Sabe tanto quanto eu, que um casamento sem amor pode ser um desastre para a mulher e para o homem. Conforme já disse, vi sua filha somente uma vez, e o mesmo sucedeu com ela. - Mas vocês podem se ver constantemente durante as obras, e as marteladas o acordarão bem cedo pela manhã - declarou o sr. Wyngate. - Estou disposto a ficar na Inglaterra durante algum tempo. Aluguei uma casa grande e confortável em Park Lane. Matilda e eu viremos aqui regularmente para ver o progresso das obras, e antes do fim do verão acho que iremos ouvir os sinos da igreja local, pela qual passamos, anunciando um casamento. - Não tenho idéia do que lhe responder - disse o conde. - Afinal, o que está planeando, pode não acontecer. Há sempre uma possibilidade de sua filha, que por sinal é muito atraente, vir a conhecer um homem e a se apaixonar por ele. As mulheres gostam de escolher seus maridos, e não se casam com um homem escolhido para elas, por outras pessoas! - Minha filha é diferente. Faz o que eu quero. E sabe que decidirei melhor do que ela sobre o que deve fazer. - Se quer realmente me ajudar a deixar esta casa tão perfeita quanto foi um dia, posso apenas agradecer-lhe do fundo de meu coração. E esperar que não se sinta lesado nunca, quaisquer que forem as consequências. - Quando você e Matilda morarem aqui e tiverem muitos filhos, serei o homem mais feliz deste mundo. A razão pela qual me tornei um milionário deve-se ao facto de que acredito
  • 28. no que faço. Até agora nunca apostei em cavalo perdedor. - Eu gostaria muito de dizer o mesmo - declarou o conde. - Mas posso apenas dizer que lhe sou muito grato. - Guarde suas palavras de gratidão até ver o final das obras. Sei que isso acontecerá muito antes do que pensa. - Espero que sim. Afinal, você é um exemplo vivo do que um homem pode conseguir, com sua persistência. - Tem razão - concordou o sr. Wyngate de maneira pomposa. - No instante em que vi você, soube que poderíamos ser amigos. Foi com dificuldade que o conde segurou-se para não dizer que fora seu título que fizera o homem pedir para ser apresentado, numa festa nos Estados Unidos. Os americanos fizeram grande estardalhaço ao saber sobre a herança que ele ignorara ser sua, durante anos. Mesmo assim, foi só depois que voltou à Inglaterra que o conde teve certeza mesmo de que herdara o título com a propriedade, incluindo a casa quase em ruínas. Agora havia uma chance de que a casa voltaria a ser o que fora quando construída. Contudo, seria prudente aceitar a oferta do milionário? Como se adivinhasse seu pensamento, o sr. Wyngate disse: - Ouça bem, meu filho, se você recusar minha oferta, se arrependerá pelo resto da vida. Precisa aprender, como eu aprendi, a agarrar as oportunidades quando elas aparecem, e a nunca deixar de fazer o que puder para obter o que deseja da vida. É loucura recusar uma boa oferta que lhe fazem. - Tem razão, naturalmente que tem razão. Mas receio lhe dizer sim, quando penso que o mais prudente seria lhe dizer que vou pensar. - Não posso acreditar que seja tão tolo! - O sr. Wyngate insistia. - Arrisque, rapaz, aproveite quando a oportunidade aparece. Foi o que fiz em minha vida inteira. Não me importa lhe dizer que arrisquei inúmeras vezes, mas quase sempre consegui resultados satisfatórios. Quase sempre fui vencedor. E não posso acreditar que, no seu caso, acabarei de mãos vazias. - Se pensa assim - o conde respondeu -, só posso lhe dizer obrigado. Muito obrigado mesmo. E, quanto mais cedo se iniciar o trabalho, mais emocionado ficarei por ter a casa habitável para mim e para meus filhos, quando e se os tiver. Dando pancadinhas nas costas do conde, o sr. Wyngate disse: - Agora fala com sensatez. Como eu, sabe ver onde está um bom negócio. Mas se, como imagino, não tem um lugar confortável para nós passarmos a noite, Matilda e eu voltaremos para Londres. Porém, logo que os pedreiros começarem a derrubar as paredes, o que acontecerá em dois ou três dias, voltaremos para apressá-los e para ter certeza de que estão fazendo tudo exactamente como você deseja. Ele falava com tanta determinação, que o conde concluiu que essa fora a principal qualidade que o fizera rico. - Agora, quero percorrer a casa toda - o sr. Wyngate disse. - Quero ver todos os cómodos para ter uma idéia de quantos homens deverão ser contratados para começar com o trabalho assim que eu der ordem. Sentindo-se como se estivesse sonhando, e que nada daquilo estivesse acontecendo, o conde levou seu hóspede para conhecer a casa. Começaram por subir ao telhado e de lá apreciar a propriedade. Depois desceram, abrindo cómodo por cómodo. Finalmente chegaram ao subsolo onde ficavam a sala de jogos, o
  • 29. arsenal, o jardim de inverno, e a sala de música. Tudo o que restava do jardim de inverno eram o piso e grande quantidade de cascos de vidro. Foram depois ao salão de baile e a outra sala que com certeza fora no passado a galeria de arte. Mas todas as teclas tinham sido roubadas. Sobravam nas paredes apenas as marcas dos quadros. - Telas famosas é algo que você não pode recuperar - comentou o sr. Wyngate. - MAs há muitas obras de pintores modernos que poderão ocupar o lugar do que foi roubado. E as próximas gerações que morarem aqui serão tão orgulhosas delas como seus antepassados um dia o foram do que possuíam. - Pelo que posso deduzir, meus antepassados negligenciaram demais este lugar. Li os nomes dos autores dos quadros roubados e me deu vontade de saber por onde andavam esses quadros. - Esqueça! Esqueça! - o sr. Wyngate insistia. - Vou escolher quadros para sua galeria de arte e também para a sala de recepção. - Reconheço que vai contribuir enormemente para embelezar minha casa - comentou o conde. Apenas espero que não retire tudo o que pôs quando o próximo conde ocupar este lugar. - Isso é algo que não me preocupa, pois o próximo conde me chamará de vovô. O conde reconheceu ser essa a resposta que deveria ter esperado. Não disse nada, contudo. E os dois homens foram para outra sala, tão nua como as demais. Durante todo esse tempo, Rena e Matilda passeavam pelo jardim. Chegaram até a piscina. - Está vendo? - observou Rena. - A piscina também foi abandonada. Seria bom podermos nadar aqui, como se fazia cem anos atrás. - Adoro nadar - comentou Matilda. - Nos Estados Unidos, as mulheres nadam quase tanto quanto os homens. Mas penso que o mesmo não acontece em Londres. - Acho que temos muitas piscinas no país. Porém, para que haja a aprovação do povo, as mulheres devem usar roupas de banho de tecido grosso, e cobrir o corpo talvez mais do que um vestido de baile cobriria. Matilda riu muito e declarou: - Sei disso. Minha roupa de banho é grossa e nada confortável. Por isso prefiro nadar nua. - E seu pai permite? - indagou Rena, escandalizada. - Ele não sabe - Matilda confessou. - Sempre que há uma piscina nos lugares onde nos hospedamos, espero até ele ir praticar seus desportos e depois vou nadar. Volto ao meu quarto e me visto como uma dama de respeito. - Você é muito esperta - Rena riu com gosto. - Mas cuidado para ele não a apanhar um dia antes que se vista. - Meu pai ficaria furioso se isso acontecesse. Ele insiste que me comporte como uma perfeita dama. Por isso quer que eu tenha um título de nobreza. - É o que você deseja? - Rena estava curiosa em saber. - O que desejo é me apaixonar por alguém que também esteja apaixonado por mim. Assim seremos muito felizes, porque nos amamos. - Ela suspirou antes de prosseguir: - Não me importaria de não ter todo o dinheiro para viver. Ou de não ter uma casa enorme que seria fria e vazia, a menos que houvesse amor. - Então o que você realmente deseja é se apaixonar por alguém. É isso? - Rena sussurrou. - Se lhe contar uma coisa, promete guardar segredo? Promete não contar nada a papai? - É claro que prometo. Qualquer coisa que você me contar, guardarei como segredo. Não
  • 30. contarei a ninguém. - Muito bem então. - Matilda respirou fundo. - Estou apaixonada. E amo esse homem como ele me ama. Enquanto falava ela olhava para trás, com medo de que alguém a pudesse escutar. Baixando bem a voz, quase num sussurro, Rena perguntou: - E seu pai sabe disso? - Não! Claro que não! Prometa que não vai contar nada a ele. - Prometo! Mas espero que você saiba que seu pai é muito ambicioso em relação ao casamento, e quer que se case com um homem de prestígio. - Sei disso - Matilda respondeu. - Daí estarmos aqui. Ele quer que eu tenha um título de nobreza. De preferência duquesa. Mas, se não for possível, condessa. - O homem que você ama tem um desses títulos? - Claro que não! É apenas senhor, e eu serei apenas senhora. - Seu pai ficaria muito zangado se você dissesse que queria se casar com esse homem? - Sem dúvida. Prometa mais uma vez que não vai contar a ele o que lhe disse. - Já falei que prometo. E repito mil vezes se desejar. Tudo é tão emocionante! Porém receio que seus sonhos nunca se realizem. - Farei tudo para que se transformem em realidade. Mas temos de ter paciência. Se eu fugir agora para me casar com o homem que amo, papai cortará minha mesada. - Matilda baixou a voz novamente como se receasse que alguém a estivesse ouvindo. - Estamos economizando dinheiro e estou tentando conseguir o mais possível de papai sem que ele desconfie de nada. Quando tivermos uma quantia suficiente, nos casaremos e nos esconderemos num lugar onde papai não possa nos encontrar. E lá ficaremos até que ele nos perdoe, o que sei que acontecerá mais cedo ou mais tarde. - Você é muito valente - disse Rena. - Muitas mulheres não teriam coragem de fazer isso, tendo um pai decidido como o seu. - Sou filha dele, e tão decidida quanto ele - Matilda respondeu. - Mas você pode entender por que papai não pode descobrir nada até que estejamos prontos para fugir. Entende, não? - Um sorriso iluminou-lhe as faces. - Mas tenho certeza, porque nos amamos muito, de que seremos mais felizes do que qualquer outro casal do mundo. - Tenho certeza disso - Rena observou. - Se eu puder ajudá-la, talvez escondendo-a ou evitando que seu pai desconfie do que você está fazendo, conte comigo. Pode confiar em mim. - Fiquei certa disso no momento em que a vi. Não tive ninguém com quem conversar sobre o assunto durante muito tempo. E soube, assim que entrei nessa casa, que o conde não sentia nada por mim. Nem mesmo afecto. Mas, quando vi você, concluí que era a mulher que ele desejaria ter como esposa. - Como pode dizer isso? - Rena estava intrigada. - Mal nos conhecemos. - Bem, espere e verá! - Matilda falou, com um sorriso. - Mas, por favor, tenha cuidado com o que disser a papai sobre mim. Se ele souber que estou apaixonada por Cecil, ou que Cecil me ama, encontrará um meio de fazê-lo sair do país ou até matá-lo. - Ela deu um suspiro. - Papai está acostumado a conseguir o que deseja. E sempre consegue, essa é a verdade. - Você precisa ser muito esperta, Matilda. Muito, muito esperta. - Como filha de meu pai, é exactamente o que sou. Esperta. Muito, muito esperta. CAPÍTULO V Quando se separou de Matilda, Rena continuou pensando sobre a jovem, e imaginou se algum dia ela poderia ser feliz.
  • 31. Chegara à conclusão, havia muito tempo já, de que o dinheiro destruía tudo o que era lindo, agradável e confortável da vida. O dinheiro podia liquidar com uma pessoa mais depressa do que qualquer outra arma. Ela pensava na situação de Matilda, que não lhe parecia muito animadora. Sabia que o pai queria um título de condessa para a filha. E sabia também que John - como teria de chamar o conde dali por diante, pois fingira ser sua prima - não pretendia se casar com Matilda. Tudo se lhe apresentava terrivelmente complicado. Achava impossível encontrar um meio de Matilda ser feliz e de John ter suficiente dinheiro para restaurar a Granja. "Que posso fazer? Que posso fazer?", ela se perguntava. Tinha certeza de que o sr. Wyngate procurava um meio de forçar John a se casar com sua filha. Porém Matilda só queria estar com seu Cecil. Rena não prestara atenção a nada durante o jantar, pois seus pensamentos continuavam com Cecil e não com o que estava acontecendo. "Que situação estranha", reflectia. "Pelos vistos, eu sou a única pessoa não envolvida no caso." Mas, bem no fundo de sua mente, havia a pergunta sobre o que fazer, como viver, e de quando deveria sair da Granja. Ocupava-se agora arrumando os quartos e saletas da casa. Num dos quartos achou que a cama estava em lugar errado. Deitada, a pessoa não podia ver o sol da manhã entrando pela janela. Em outro cómodo, uma saleta, embora achasse que nunca seria usada, achou que o aspecto era frio demais. Não um lugar acolhedor onde se podia sentar em volta do fogo, conversando ou lendo. A biblioteca era um local onde Rena ainda não fizera uma tentativa de remodelação. Os livros pareciam jogados, como se o consulente tivesse procurado algo e depois abandonado tudo, sem ficar satisfeito. Rena tinha certeza de que havia lá livros de autores famosos, de grande valor. Não mencionara o caso a John, porque ele já tinha muito em que pensar. De uma coisa Rena estava certa, a de evitar uma conversa com o sr. Wyngate,. Pois sabia que a única razão de ele estar lá era cuidar do casamento da filha com um conde. Com John. Então, mesmo antes de o casamento se realizar, contrataria os melhores construtores do país para pôr a casa em ordem, tornando-a decente antes de ser habitada. "Estou começando a amar esta casa", Rena pensou, enquanto arrumava outro quarto. Escovou os tapetes, tirou o pó dos móveis. "Tenho certeza de que pode se transformar em algo precioso. Terminando o trabalho da restauração, pessoas virão de todo o país com o fim de visitá-la. Se John cobrar a entrada, poderá ganhar muito dinheiro." O problema era o sr. Wyngate. Ele, homem esperto, manobraria a situação para que John não tivesse outra saída a não ser se casar com Matilda, uma vez terminada a reforma. Pai e filha passaram a noite num hotel da aldeia, modesto mas limpo, recomendado por Rena. Mas os dois foram à Granja para o café da manhã. Inesperadamente, acabada a refeição, o sr. Wyngate manifestou desejo de ver o jardim. Assim, disse, teria uma idéia da dimensão da propriedade. Como o conde não se prontificasse a acompanhá-lo, Rena ofereceu-se. - Posso levá-lo - falou. - Havia flores lindas no passado, claro, mas acredito que um bom jardineiro porá o jardim em boa forma no espaço de alguns meses. O verão na Granja é uma das paisagens mais belas do condado.
  • 32. - Bem, então venha me mostrar tudo - disse o sr. Wyngate. - Diga-me o que gostaria que fosse feito, e informarei meus homens. Ele olhava para John enquanto falava, a fim de tornar bem claro que tinha tudo em suas mãos. Bastaria uma palavra do conde, declarando que se casaria com Matilda, e o futuro da Granja seria bem diferente do estado actual. Como John não dissesse nada, o sr. Wyngate levantou-se e disse a Rena: - Estou às suas ordens. Como mulher, explique-me o que deseja. John me dirá mais tarde onde quer que seja construída a pista de corridas. - Quero flores por toda a parte. Tenho vontade de chorar quando vejo a que ficou reduzido esse jardim. - Não vai precisar de chorar enquanto eu estiver a seu lado - ele disse. - Muitas mulheres choraram em meus ombros e fiz as lágrimas secarem no instante em que lhes dei um cheque. Em alguns casos, esqueceram-se até de me agradecer. - Talvez então possa me ajudar a encontrar um emprego - Rena pediu. - Com sua recomendação, aposto que arranjarei trabalho numa escola, em lojas, ou em qualquer outro lugar. - Prometo que lhe darei referências que façam com que todas as portas lhe sejam abertas. - É muita amabilidade sua. Tornaremos a falar sobre o assunto quando eu estiver pronta a sair daqui. Mas uma coisa quero garantir ao senhor, será um trabalho árduo fazer com que este lugar fique tão lindo como antes. - Acredito - o sr. Wyngate concordou. Olhando para a filha e para John, ele acrescentou: - Vocês dois aí fiquem pensando no que é melhor para a Granja. Acho que seria interessante que fizessem uma lista dos cómodos que desejam restaurados em primeiro lugar, como o quarto, a sala de música, o salão de baile e a galeria de arte. Dizendo isso ele e Rena saíram. Foi evidente que agira assim de propósito, para que Matilda e John ficassem sozinhos. Se John não propusesse casamento naquela hora, o prepotente Wyngate talvez tivesse muito a dizer quando voltasse. Rena começou por sugerir que os jardineiros, antes de tudo, livrassem os gramados das ervas daninhas. Em seguida chamou a atenção dele para a fonte, em terrível estado. Já não jorrava água havia anos. Os dois caminharam até quase aos limites da propriedade onde se encontrava um chalé, agora em ruínas. - Devia ter sido um lugar apropriado para a pessoa descansar, depois de ter dançado durante horas - comentou Rena. - Você quer com isso dizer que era este o lugar onde seu namorado a trazia para beijá-la, certo de que ninguém os veria? - Infelizmente, quando esse chalé estava de pé, eu ainda não tinha nascido. - Rena riu muito. - Agora, no estado em que se encontra, seria impossível ser usado. Mas, sem dúvida, quando reconstruído juntamente com o salão, poderia ser oferecido um baile para Matilda conhecer cavalheiros charmosos vindos de Londres. Garanto que muitos deles gostariam de beijá-la aqui. - O problema é que minha filha nunca se interessa pelos homens que escolho para ela. - Agora o sr. Wyngate falava com irritação. - Acho difícil um pai saber escolher um homem para a filha. Naturalmente a escolha cabe a ela. E é tolice casar-se com alguém, a menos que exista um grande amor. Rena falava como se estivesse se referindo ao caso de Matilda e John. E não ficou