Este documento é um resumo de três capítulos do romance "A Doçura de um Beijo" da autora Barbara Cartland. No primeiro capítulo, a protagonista Rosie Rill recorda com saudade seu primeiro encontro aos 18 anos com Vivian Vaughan, por quem se apaixonou. Apesar das advertências de Vivian sobre suas diferenças sociais, eles continuam se encontrando. No final, Rosie foge secretamente de casa com Vivian para se casarem antes que seu pai possa impedi-los.
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Romance histórico sobre uma atriz que se apaixona por um visconde
1. Título: A Doçura de um beijo.
Autora: Barbara Cartland.
Dados da Edição: Nova Cultural, São Paulo, 1987.
Título Original: Wanted: a Wedding Ring.
Género: romance.
Digitalização: Dores cunha.
Correcção: Edith Suli.
Estado da Obra: Corrigida.
Numeração de Página: Rodapé.
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à
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direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros
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BARBARA CARTLAND
A mais famosa e perfeita autora de romances históricos, com 350 milhões
de livros vendidos em todo o mundo
A Doçura de um Beijo
Aterrorizada, Ina se debatia, lutando para se libertar
dos braços do repugnante grão-duque Ivor.
com uma força que ignorava possuir, livrou-se e
correu para o convés do iate. Em seu desespero, sabia
que só o visconde poderia salvá-la.
Mas será que um homem maravilhoso como o
visconde Colt iria se incomodar com a sobrinha de
uma atriz de teatro?
Então, quando o grão-duque estava prestes a agarrála, Ina subiu na
amurada e jogou-se no mar!
Nova Cultural
A Doçura de um Beijo
Todas as mulheres se apaixonavam pelo fascinante visconde Colt!
os navios espanhóis em busca de glórias e tesouros.
O capitão Rodney, jovem corsário a serviço da rainha, fremente de orgulho
e emoção, escuta o rangido familiar das roldanas correndo céleres pelas
grossas amuradas. Madeiras chiam, velas começam a enfonar-se
galhardamente. O poderoso galeão vai a caminho da América Central, terra
de índios, piratas, ouro e prata. No cais apinhado, milhares de gritos de
adeus. Os marinheiros respondem: "Adeus, terra querida! Riquezas e
aventuras à vista! Viva o Gavião do Mar!"
BARBARA CARTLAND
A Doçura de um Beijo
Leitura - a maneira mais económica de cultura, lazer e diversão.
Título original: Wanted: a Wedding Ring
Copyright: (c) Barbara Cartland 1986
Tradução: Maria do Rosário Sobral
Copyright para a língua portuguesa: 1987
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
2. Av. Brigadeiro Faria Lima n. ° 2. O00 - 3. ° andar
CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil
Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Fesan Editora Ltda. e impressa na Editora Parma
Ltda.
NOTA DA AUTORA
Uma aliança é o tesouro mais valioso que uma mulher pode possuir.
Todas as artistas de variedades sonham em se casar, e algumas delas
conseguiram entrar para a realeza. Rosie Boote tornou-se marquesa de
Hertford e Sylvia Lilian Story, a condessa de Poulett.
Desde os tempos mais antigos, as mulheres dão valor a uma aliança. Os
antigos gregos e egípcios usavam anéis de ouro, enquanto os egípcios
pobres usavam anéis de prata, bronze, vidro ou cerâmica. Durante o
Império Romano, os homens livres usavam anéis de ouro, os escravos
alforriados, de prata, e os escravos, de ferro.
No século II d. C. os cristãos adotaram o costume de usar anéis de
noivado, e com o passar do tempo, esses anéis se transformaram nas atuais
alianças.
Como a aliança só de ouro que se usa atualmente fosse austera demais para
os nossos ancestrais, costumavam valorizá-la com pedras, mãos
entrelaçadas ou inscrições românticas.
Os anéis de noivado com incrustações de pedras preciosas foram
introduzidos na Idade Média, e os anéis de brilhantes tornaram-se
populares por volta de 1800.
Era crença geral que a aliança devia ser de ouro, porque o ouro possui
mais magia do que qualquer outro metal, mas na verdade o essencial era o
formato.
As virtudes mágicas de um círculo perfeito são reconhecidas desde a
Antiguidade.
É sabido que tirar a aliança do dedo dá azar, e, para uma esposa, azar
significa perder o amor do marido.
Na América, reviveram o hábito de oferecer a aliança ao homem. Na
Inglaterra, os homens bem-nascidos consideram vulgar usar qualquer outro
tipo de anel que não seja um pequeno anel de brasão, no último dedo.
Houve um sacerdote egípcio que descobriu, ao dissecar cadáveres humanos,
que havia um pequeno nervo que partia do quarto dedo da mão esquerda e ia
até ao coração
Apesar de, na Anatomia do corpo humano, de Gray não aparecer nenhuma
referência a esse nervo, é compreensível que esse dedo fosse honrado,
primeiro pelo anel de noivado e em seguida, pela aliança de casamento.
CAPITULO I
1898
*dani
Rosie Rill abriu as cartas que o carteiro acabava de entregar.
Havia dois cartões de parabéns, enviados por mulheres da mesma idade que
ela.
Olhou para eles, horrorizada.
Cinquenta e cinco anos! Não era possível que ela, Rosie Rill, fizesse
naquele dia cinquenta e cinco anos.
Daí a dez teria sessenta e cinco, e, na previsão mais otimista, estaria a
um passo da sepultura!
3. Irritada, jogou os cartões no chão e sentou-se, olhando distraidamente
para a frente, como se tentasse que um milagre fizesse o tempo voltar
para trás, devolvendo-lhe os seus dezoito anos.
Lembrava-se tão bem daquele aniversário! Nunca poderia esquecer aquele
dia, em que vira Vivian pela primeira vez.
Até hoje, podia vê-lo encaminhar-se em sua direção, enquanto ela descia a
cavalo, sob os velhos carvalhos da avenida, imaginando quem poderia ser
ele.
Como Rosie era muito ignorante no que dizia respeito aos homens,
considerou-o o homem mais bonito que já vira, e não percebeu que estava
bem-vestido demais para o campo, e que um verdadeiro cavalheiro não
usaria aquele tipo de roupas.
Tudo o que ela conseguia ver naquele momento eram seus olhos negros,
fitando-a com admiração, fazendo-a sentir que estava vendo um homem pela
primeira vez.
Parou o cavalo ao chegar junto dele.
- Bom-dia! - disse ele. - Perdoe se estou invadindo a
propriedade, sem mais nem menos. Estas são as terras do conde de Ormond e
Staverley, não são?
- São - respondeu Rosie, na sua voz jovem e doce.
- Bonita como é, deve ser a filha do conde - continuou Vivian.
O elogio fez com que ela corasse, tornando-a mais linda ainda.
Encabulada, respondeu:
- Sim. sou lady Rosamund Ormond.
Ao recordar aquele momento, Rosie ainda podia sentir a mesma emoção
percorrer-lhe o corpo. Vivian dissera:
- Eu tenho que voltar a vê-la, e não posso esperar muito tempo para que
isso aconteça!
E houve encontros todos os dias, duas e até três vezes por dia.
Não era difícil para Rosie escapar da mansão. Agora que tinha crescido,
não havia mais governanta para reparar em tudo o que ela fizesse.
Além disso, tanto sua mãe como seu pai eram pessoas muito ocupadas.
Naquela altura do ano, tinham sempre muitos convidados para os eventos
locais, e a condessa levava suas obrigações de anfitriã muito a sério.
Sempre entretida organizando as empregadas e combinando pratos com a
cozinheira, nunca reparou que a filha era mais bonita que a maioria das
moças da idade dela.
E que todos os dias ia andar a cavalo, longe da mansão.
- Onde é que você esteve? - resmungava às vezes o pai durante o jantar.
- Exercitando os cavalos, papai. O senhor sabe que temos pouco pessoal
nas cocheiras.
- Boa menina! Confio em você e espero que não os leve para muito longe.
- Claro, papai. Tenho sempre muito cuidado,
Na verdade, os cavalos passavam a maior parte do tempo amarrados a um
portão ou a um tronco de árvore, no bosque.
Os animais ficavam bem satisfeitos por não fazerem nada, enquanto Rosie
conversava com Vivian.
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Ficou sabendo muitas coisas sobre ele, ou melhor, o que ele queria que
ela soubesse.
Vivian Vaughan!
Poderia algum homem ser mais romântico ou se parecer mais com o herói dos
seus sonhos?
Só muitos anos mais tarde, ficou sabendo que o seu verdadeiro nome era
Bill Barton, e que ele viera de uma pequena aldeia do centro da
Inglaterra.
Naquele momento, era um deus que tinha descido do Olimpo.
4. Toda ela vibrava com a beleza dele e as coisas românticas que lhe dizia.
- Como você pode ser tão perfeita? - perguntava. - Até vê-la a cavalo,
descendo a avenida, não fazia ideia de que uma mulher pudesse ser tão
maravilhosa!
Tudo o que ele dizia parecia o texto de um romance onde ela era a heroína
e ele, o herói.
- Nunca ouviu falar de mim? - perguntou, espantado. Bem, acho que é
compreensível. Sou muito conhecido em Londres, mas talvez não no tipo de
teatros que você frequenta.
Rosie sorriu para ele, fazendo surgir no rosto duas covinhas
encantadoras.
- Só me permitem ver Shakespeare e assistir a concertos. Mas agora que
estou mais velha, vou ser apresentada à rainha. Espero que, quando
estiver em Londres, vá a mais teatros, e assim talvez possa ver você.
- Está indo para Londres?
Reparou na alegria contida na voz dele, com o coração cantando.
- Papai vai abrir a casa de Londres por minha causa. Vão me oferecer um
baile e, evidentemente, uma recepção para todos os meus parentes mais
velhos - explicou.
Fez uma pausa, depois perguntou;
- Você acha que poderá ir? Vivian Vaughan desatou a rir.
- Minha cara, fico muito honrado com esse seu pensamento, mas você deve
saber que sua mãe não me consideraria o tipo de amigo que uma debutante
deve ter.
- Por que não?
- Porque sou ator, e por mais que os atores divirtam os membros da alta-
sociedade, estes não acham que sejamos boa companhia para as suas belas e
jovens filhas, como você.
Vivian era bem-educado. Rosie ficou sabendo depois que o pai dele fora
professor.
Mais uma razão para ele saber, com certa amargura qual era o seu lugar.
Continuaram se encontrando todos os dias, até que chegou o momento de ele
voltar para Londres.
Tinha vindo para o campo por causa de uma tosse forte que pegara no
inverno e que estava afetando sua voz.
- Se você quiser tomar parte no novo espetáculo tem que parar de tossir!
Saia de Londres, vá respirar o ar puro do campo e livre-se dessa voz de
sapo! - haviam-lhe dito.
Um outro ator, seu amigo, disse-lhe como era bonita a pai sagem no norte
de Hertfordshire, recomendando-lhe uma pequena estalagem onde a comida
era boa e as camas, macias.
Vivian pretendia passar lá apenas uma semana, mas por causa de Rosie,
resolveu prolongar o repouso, como ele o chamava, por três semanas.
- Como poderei deixá-la? - perguntou, em desespero quando faltavam apenas
três dias para sua volta a Londres.
- Talvez eu possa vê-lo às vezes, quando for para Londres
- respondeu Rosie em voz baixa, sabendo de antemão que seria pouco
provável.
Na cidade, nunca a deixariam sair sozinha de casa, e ela sabia que Vivian
tinha razão quando dissera que não seria convidado para a casa de seu
pai.
Então, ele a beijou.
Antes, tivera medo que ela fugisse, assustada. Além disso estava
verdadeiramente apaixonado.
Pensava, com sinceridade, que aquela moça linda, pura e inocente
pertencia a um mundo diferente do seu.
Foi quando a teve em seus braços, sentindo a doçura e pureza daqueles
5. lábios, que percebeu como a queria.
Não suportava a ideia de perdê-la.
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Pediu, implorou, suplicou, até que Rosie, também apaixonada, não
conseguia mais negar nada do que ele queria.
- Nós nos casaremos - dizia Vivian, insistentemente -, e então, seu pai
não poderá fazer mais nada!
- Mas... e se ele ficar tão zangado que nunca venha a aceitar você? -
perguntou Rosie, aflita.
- Se eu for seu marido, ele terá que me aceitar. Obteremos uma licença
especial e casaremos a caminho de Londres. Só contaremos a seu pai quando
chegarmos lá,
"Como poderei fazer semelhante coisa? Como?", perguntava Rosie a si
mesma, remexendo-se na cama, sem conseguir dormir.
Por outro lado, como poderia desistir de Vivian e suportar que ele fosse
embora, deixando-a?
Nunca mais voltaria a ver seu rosto encantador, seus olhos eloquentes,
nem ouvir as coisas bonitas que lhe dizia e que pareciam tirar-lhe o
coração do peito, tornando-o dele.
"Eu o amo! Eu o amo!", pensava apaixonadamente, sabendo que nada mais
importava no mundo, a não ser Vivian.
Fugir de casa foi mais fácil do que pensava.
No dia em que Vivian tinha que voltar para Londres, os pais de Rosie
tiveram um compromisso do outro lado do condado, e saíram de casa de
manhã bem cedo.
Assim que eles foram embora, Rosie, que já tinha tudo planejado, disse às
empregadas para fazerem as malas com o que ela já tinha separado.
- Aonde está indo, milady? Sua Senhoria não nos avisou que a senhorita ia
viajar.
- Vêm me buscar às onze horas - respondeu Rosie. Esperou até que Vivian
chegasse numa carruagem que tinha
alugado na vizinhança.
Quando subiu a escada da frente, os dois jovens criados ficaram pasmados,
olhando para ele, e não tiveram outro remédio senão obedecer a lady
Rosamund, que mandou que colocassem os baús na parte de trás da
carruagem, e a bolsa de viagem, no chão, junto dos pés dela.
- Adeus, Bates - disse para o mordomo.
- O que devo dizer a Sua Senhoria, quando ele voltar logo
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à tarde, milady? - perguntou Bates, com a preocupação estampada no rosto
enrugado.
O velho mordomo achava ultrajante o que estava acontecendo, tão
ultrajante que nem teve coragem de fazer nenhum comentário.
- Diga a papai que lhe escreverei de Londres. Ao entrar na carruagem, um
dos criados colocou uma manta em seus joelhos, e em seguida Vivian
chicoteou os cavalos, que os conduziram avenida abaixo.
Reparou que ele não dirigia tão bem quanto seu pai, e criticou-se por
estar sendo desleal, achando defeitos numa pessoa tão maravilhosa e que
ela amava tanto.
"Como pude ser tão louca?", perguntava-se Rosie, agora, apesar de ter
sido feliz com Vivian. Talvez tivesse sido o período mais feliz da sua
vida.
Só quando recebeu uma carta do pai, dizendo que não a considerava mais
sua filha e que nunca mais queria ouvir falar nela, é que percebeu o que
tinha feito.
A atitude de seu pai também foi uma surpresa para Vivian.
Logo percebeu que ele não tinha dinheiro suficiente para mantê-los no
6. mesmo padrão a que estava acostumada.
- Você tem que descobrir alguma coisa para fazer. Rosie olhou para ele,
espantada.
- Você está falando em trabalho?
- Estou dizendo que você tem que ganhar algum dinheiro. Estamos com
dívidas, e eu preciso de um terno novo.
Rosie lamentava não ter trazido mais roupa, quando tinha fugido de casa,
mas era tarde demais.
Como estavam na primavera, só tinha mandado pôr na mala os vestidos de
verão, deixando em casa todas as roupas de inverno.
Não se atrevia a dizer a Vivian que o único casaco que trouxera não era
suficientemente quente para os meses de frio e neve que se aproximavam.
Olhando para ela de modo estranho, ele disse, mas não em tom de elogio:
- Você é muito bonita, Rosie, e tem um corpo esguio, perfeito, o que é
muito importante.
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- Importante para quê?
- Para o que eu quero que você faça.
- E o que é?
- Teatro, é claro. Se eu sou ator, naturalmente, você deve ser atriz.
Olhou para ele, estupefata.
- Não, não! Claro que não! Como poderei fazer algo que me assusta e me
deixa envergonhada? E que deixaria mamãe chocada, horrorizada!
- Não creio que os sentimentos de sua mãe tenham alguma coisa a ver
conosco, seja em que sentido for - respondeu Vivian, com frieza. - A não
ser que ela esteja disposta a nos dar uma pensão, é claro. Não nos
lembramos desse pequeno pormenor, quando você fugiu de casa.
Rosie sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Sabia muito bem como
Vivian se ressentia do ostracismo no qual seu pai a deixara, por ter-se
casado com ele.
- Deus do céu! Pela maneira como eles se comportaram, hão de julgar que
sou um escroque ou um criminoso - exclamou, furioso.
- Está arrependido por eu ter fugido com você? - perguntou Rosie,
soluçando.
- Não, claro que não! Você sabe que eu a amo, querida, amo muito, mas é
difícil viver sem dinheiro - disse ele, abraçando-a.
- Sim, eu sei.
- E depois de ter lutado tanto para chegar aonde cheguei no teatro, não
posso desistir agora.
- Eu... eu lamento, querido, lamento que minha família seja tão
intransigente.
Esta frase foi repetida por ela vezes sem conta, quando começou a ganhar
dinheiro, às vezes mais do que Vivian.
Sabia que não tinha sido somente por ela própria que Vivian a tinha
convencido a fugir com ele.
Também estava fascinado pela posição social dela, e principalmente pelo
fato de ser lady Rosamund Ormond, a filha de um conde.
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Contudo, tinha tomado uma decisão e nada do que Vivian pudesse fazer a
demoveria disso.
Se tivesse que ir para o palco, permitiria que todos os Tom, Dick e
Harry, como seu pai dizia, olhassem para ela.
Não poria seus irmãos na lama, usando o seu próprio nome.
- Não entende que seu nome seria um chamariz? Vão querer contratá-la como
lady Rosamund. Vai conseguir muito mais dinheiro e admiradores, se usar
seu próprio nome - argumentava Vivian.
- Não preciso de admiradores. Tenho você, e não usarei meu título, nem o
7. nome de meu pai.
Não percebia por que estava sendo tão obstinada.
Seu orgulho, a nobreza do berço, se rebelavam contra a ideia de o brilho
do teatro macular sua família cujo nome fazia parte da história da
Inglaterra, através de muitos séculos.
Quando ainda estava em casa, nunca dera muita importância à árvore
genealógica que estava pendurada no estúdio de seu pai, nem aos pavilhões
que seus ancestrais haviam trazido de numerosas batalhas.
Na verdade, sempre achara que a galeria de pintura, com todos aqueles
retratos de tantos Ormonds, era acabrunhante e muito aborrecida.
Mesmo assim, não poderia suportar a censura deles, se soubessem que uma
Ormond subia a um palco.
Vivian acabou por desistir de fazê-la mudar de ideia, e escolheu-lhe um
nome artístico.
- Muito bem, mas, se quer ser atriz, então é melhor ter um apelido de que
o público se lembre com facilidade: Rosie, em vez de Rosamund, e.
Fez uma pausa, antes de finalizar:
- Rill, em vez de Ormond. Rosie Rill, que tal?
- Tudo bem - respondeu Rosie com enfado, quase chorando por ele estar
sendo sarcástico.
Então, num daqueles rompantes de bom humor súbito, ele passou os braços à
volta dela e a beijou.
- O que interessa como você vai se chamar, desde que
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continue tão encantadora como é agora? Você vai fazer com que se ajoelhem
a seus pés, minha querida, não tenha dúvidas.
Ironicamente, porque na vida não costuma acontecer como as pessoas
prevêem, foi exatamente o que Rosie fez.
Primeiro, conseguiu uma pequena ponta na peça em que Vivian era o ator
principal.
Os jornais repararam nela e, apesar de dizer apenas umas poucas palavras
em cena, os espectadores enchiam o teatro de palmas, mal ela entrava.
Aumentaram-lhe o papel.
- Você é um sucesso, minha querida - disse Vivian. Como ele parecia
orgulhoso e contente, Rosie também estava
feliz.
Era impossível fazê-lo entender como ficara apavorada quando tivera que
enfrentar as luzes da ribalta pela primeira vez, sabendo que centenas de
pessoas desconhecidas olhavam para ela.
Estava tão assustada que a voz sumiu da garganta e teve vontade de fugir
correndo.
Depois, disse para si mesma que toda aquela gente que olhava para ela não
tinha nenhuma importância.
A única coisa que interessava é que Vivian ficasse contente e a amasse.
- Eu amo você! Eu amo você! - costumava dizer, enquanto esperava nos
bastidores.
Era Vivian que lhe dava a força necessária para ela fazer o seu papel.
No início, foi fácil.
Ele era a estrela da peça. O público o aplaudia, não por ser
especialmente bom ator, mas porque era muito bonito.
Até que, após sete anos representando no West End e fazendo excursões
que, por causa de Vivian, Rosie suportava, sem se queixar, o teatro de
variedades foi construído.
Vivian vivia falando sobre o novo teatro, todo entusiasmado, mas Rosie
nunca se havia interessado.
Era muito difícil aguentar as noitadas de que Vivian gostava.
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8. Tinha que acompanhá-lo às ceias que havia depois do espetáculo e que se
prolongavam até altas horas, e, ao mesmo tempo, tentar manter um lar
decente.
Nas acomodações baratas e desconfortáveis onde moravam, isso significava
ter que se levantar de manhã bem cedo para conseguir ter tudo em ordem
quando ele acordava.
Passado muito tempo, ela começou a prestar atenção na conversa do novo
teatro.
Mais esplendoroso, arejado, confortável e higiénico, era a melhor casa de
espetáculos que havia.
- Eles estiveram em Paris, vendo um grande número de teatros - disse
Vivian.
Rosie ficou imaginando quem seria "eles", mas não teve curiosidade
suficiente para perguntar.
- Eles vão chamá-lo de teatro de variedades, um nome que fala por si só.
Será no Strand, e dirigido por John Hollingshead - acrescentou Vivian.
- Você gostaria de um bife para o jantar? - perguntou Rosie, que queria
que Vivian se alimentasse bem, para não ficar com má aparência, como os
outros atores, que não comiam direito e bebiam demais.
- Sim, sim, claro - respondeu Vivian, absorto ainda com o teatro.
Rosie começou então a pensar que tinha que encarar o tal teatro novo como
o mais sério rival que já tivera que enfrentar.
Evidentemente, havia muitas ocasiões em que sentia ciúme, pois Vivian
tinha sempre um monte de mulheres atrás dele.
As fãs escreviam-lhe cartas sem fim.
Mas o que a preocupava mais eram as mulheres do teatro. Flertavam com ele
descaradamente, quer Rosie estivesse presente ou não.
Ele era um encanto para todas as pessoas, e a sua atuação atual no
Olympic o tornava mais popular do que nunca.
Rosie tentava não se importar quando ele recebia algum convite para cear
sem ela.
Ia sozinha para o apartamento que agora possuíam em Covent Garden, onde
ficava acordada, sem conseguir dormir enquanto Vivian não chegava.
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Às vezes, ele entrava sorrateiramente, muito tarde, ou de manhã cedinho,
e como sabia que ele não gostava de perguntas, Rosie fingia estar
dormindo.
Outras vezes, Vivian voltava todo contente, começando a contar o sucesso
mal abria a porta.
Repetia os elogios que lhe tinham feito e enumerava as pessoas
interessantes que tinha conhecido.
Isso a tranquilizava bastante. Sabia que nenhuma lady do meio social de
onde provinha seria vista com Vivian, apesar de o marido as divertir do
mesmo modo como divertia as garotas bonitas do teatro.
A principal preocupação de Vivian era fazer com que o sr. Hollingshead se
decidisse a convidá-lo e a Rosie para um espetáculo de variedades.
A essa altura, Rosie já se tinha habituado a desempenhar papéis
secundários, para os quais fosse preciso uma atriz muito bonita e não
necessariamente talentosa.
Na verdade, ela não sabia representar.
Era doce, gentil e linda, mas nem um pouco teatral. Vivian, entretanto,
longe de reclamar de sua falta de talento, preferia que ela continuasse
assim.
Enquanto sua mulher estivesse ganhando o suficiente para ambos viverem
com algum luxo, ele não queria que ela rivalizasse com Nellie Farrer, a
estrela que conquistava as plateias do Olympic.
Nellie tornou-se a estrela principal do teatro de variedades.
9. Pela primeira vez, a companhia incluiu no elenco garotas escolhidas pela
beleza e não por dotes dramáticos ou vocais, pois a maioria delas não
precisava dizer nada em cena.
Tinham apenas que ser bonitas, e isso Rosie podia fazer sem nenhuma
dificuldade.
- Sabe que sua mulher é a pessoa mais bonita do teatro hoje em dia? -
comentou alguém a Vivian Vanghan.
- Eu também acho - respondeu ele, com seu sorriso encantador.
- Você, sem dúvida nenhuma, é o astro mais atraente, e assim, vocês
formam um par sem igual.
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Esse comentário deu a Vivian uma ideia.
Foi ao encontro do sr. Hollingshead e sugeriu que ele e Rosie fossem
contratados como "o par mais belo dos palcos de Londres, " ou do palco
que interessasse, na altura.
Hollingshead ficou um pouco surpreendido, mas acabou por concordar em que
era uma ideia nova e bastante lucrativa.
Contratou Vivian e Rosie, e a dupla fez um tremendo sucesso.
A essa altura, Rosie tinha desabrochado e tornara-se muito mais bonita do
que tinha sido quando garota.
Perdera a timidez, e seus traços clássicos e de pessoa bemnascida a
tornavam diferente das outras, que, apesar de muito bonitas também, não
eram "madeira da mesma cepa", como Vivian costumava dizer, com
propriedade.
Músicas foram escritas especialmente para "o par mais bonito" e os
aplausos que recebiam a cada noite foram aumentando e se prolongando mais
e mais.
Pareciam um casal de deuses saídos do Olimpo. Rosie às vezes surgia,
belíssima, num vestido grego bastante revelador. Em outras, Vivian com um
uniforme impecável, desempenhava o papel de um soldado que se despedia da
mulher amada, antes de partir para a batalha onde seria morto.
Ou então Rosie, deitada sobre a sepultura, chorava o amor perdido,
arrancando lágrimas de cada mulher que assistia ao espetáculo.
Apareciam em cena fazendo vários quadros, mas o que realmente importava
era sua beleza.
Os jovens elegantes já tinham os binóculos apontados para ela, mal
entrava no palco.
Rosie recebia muitos convites desses homens, mas recusava sempre que não
incluíam Vivian. Por outro lado, não podia impedir que a perseguissem e
escrevessem cartas que ela, invariavelmente, jogava no fogo.
- Por que não me deixam em paz? - perguntou a Vivian, furiosa.
- Porque você é a mulher dos sonhos de qualquer homem, minha querida, e
você é minha!
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Ela queria acreditar nas palavras dele, mas começava a ter certas
desconfianças.
O sucesso que Vivian obteve no teatro de variedades tornou o amor que
tinha por ela menos intenso e apaixonado que no passado.
Apesar de não querer admitir isso nem para si mesma, sabia muito bem que
as noites em que ele dizia que ia para festas só de homens, nas quais ela
voltava para casa sozinha, repetiam-se cada vez com mais frequência.
De manhã, quando escovava a roupa dele, notava pó-dearroz no ombro, ou um
cheiro de perfume que não era o seu.
Dizia a si mesma que esses indícios não eram importantes e que tudo
continuava tão maravilhoso como antes.
Mas a verdade era que cada vez o via menos, só tendo um contato mais
próximo com ele quando apareciam juntos, no palco.
10. Ele chegava tarde em casa, dizendo-se cansado demais, e dormia logo a
seguir.
Rosie lembrava-se ainda da primeira vez em que ele dissera que tinha sido
convidado para passar o fim de semana fora.
- Eu sei que você vai compreender, querida - afirmou, usando o charme que
a fazia sentir que estava perante uma plateia. - Lorde Thurston convidou-
me para ficar em casa dele, com alguns amigos. Vamos depois do espetáculo
de sábado e voltarei segunda à tarde.
- Vão. logo depois do espetáculo? Mas como é que vai conseguir chegar lá,
à noite? - perguntou Rosie, estupidamente.
- Lorde Thurston vai levar os convidados no seu trem particular, e como
não levaremos mais de uma hora, cearemos quando chegarmos - respondeu
Vivian, à vontade.
Foi a primeira vez que Rosie passou um domingo sozinha.
Como não tinha nada para fazer, resolveu ir à igreja.
Durante todos aqueles anos, em que trabalhava com Vivian, quase esquecera
como as cerimónias religiosas da pequena igreja normanda onde tinha sido
batizada eram importantes para ela, quando criança.
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Costumava rezar por tudo o que queria.
Então, depois de ter passado tanto tempo sem ir à igreja, deu por si
rezando desesperadamente para não perder Vivian.
Passado algum tempo, achou que tinha tido uma premonição, pois aconteceu
exatamente aquilo que mais temia.
Um mês depois, ele lhe disse que estava indo para a América.
- Para a América? - perguntou, incrédula.
- Há uma pessoa que me prometeu que, se eu quisesse, me daria um teatro,
mas antes pretendo ter umas longas férias, conhecendo esse país de que
tanto ouvi falar e que nunca visitei.
- Você. vai sozinho?
Vendo Vivian afastar o olhar, percebeu que tinha feito uma pergunta
idiota. Claro que não ia sozinho.
A rica viúva que ele tinha conhecido em casa de lorde Thurston fora uma
tentação forte demais para ele recusar.
Mais uma vez o seu orgulho a impediu de gritar e lançar-se aos pés de
Vivian, implorando-lhe que não a deixasse.
- Deixarei algum dinheiro para você no banco, apesar de hoje em dia você
estar ganhando mais do que eu.
"Essa é a principal razão de ele querer ir embora", pensou Rosie.
Nos últimos meses, sua popularidade era muito superior à de Vivian,
apesar de ela não saber como tal tinha acontecido.
Mas a verdade era que ela recebia mais cartas, mais flores e mais
atenções.
Na verdade, essa fora a mola detonadora da partida dele.
Queria seguir seu próprio caminho, sem ter que carregá-la a seu lado como
a mulher mais bonita do mundo.
Foi tudo decidido com tanta rapidez que só quando ele foi embora é que
ela percebeu o que tinha acontecido; que ele a tinha deixado para sempre.
O golpe final foi o mais difícil de engolir.
Estava fazendo as malas dele, sentindo um peso no peito, tão grande
que a impedia de ter qualquer espécie de emoção, quando resolveu
perguntar a Vivian:
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Você... vai se casar com essa mulher?
Não posso, uma vez que já sou casado com você respondeu ele.
Depois, fez uma pausa embaraçosa.
Rosie estranhou e perguntou:
11. O que foi? O que é que você tem?
Tinham vivido tantos anos juntos que ela sabia que ele estava tendo algum
problema de consciência.
- Acho que chegou o momento de ser honesto - disse ele.
- Eu já era casado, quando conheci você!
- Casado? - repetiu Rosie, num fio de voz.
- Casei-me muito jovem. Ela era mais velha do que eu e fugiu com um homem
muito rico, o que não me surpreendeu.
- Você quer dizer. que nós não somos casados? balbuciou Rosie.
- A verdade é que sou bígamo! Quando conheci você, não ouvia falar da
minha mulher há cinco anos, e presumi que tinha morrido.
- E tinha?
- Por incrível que pareça, na semana passada li no jornal que o homem com
quem ela viveu todos estes anos lhe tinha deixado uma enorme fortuna, que
agora estava sendo contestada pelos filhos que ele teve com outra mulher.
Rosie fechou os olhos, abatida.
Não podia ser verdade. Tudo aquilo parecia um pesadelo, ou um quadro
igual a tantos que tinham representado juntos.
Era tudo faz-de-conta.
Quando Vivian foi embora, ela percebeu que a família estava certa ao
achar que ela tinha escolhido uma vida degradada.
Apesar de ter sido feliz, ele lhe tinha roubado o que tinha de mais
precioso: o seu amor-próprio.
"Como é que tudo isso pode ter acontecido comigo?", perguntou-se Rosie,
repetindo a pergunta que as mulheres faziam a si mesmas desde o início
dos tempos.
Mas tinha.
Ela, lady Rosamund Ormqnd, durante esses anos todos fora a amante de um
ator!
21
Ele a tinha carregado para um mundo desconhecido e que não compensava
tudo o que ela tinha perdido.
Mas agora era tarde demais, tarde demais para mudar, para voltar atrás e
admitir que tinha errado. Era bonita e fazia sucesso.
O nome de Rosie Rill estava escrito em letras enormes, em tudo quanto era
publicidade do teatro de variedades.
"Vou mostrar que sou tão boa quanto eles, senão melhor!", afirmou para si
mesma, desafiadora.
E foi exatamente o que fez. Entretanto, no final das contas, o que
ganhara com isso?
Apenas dois postais de parabéns, no dia em que fazia cinquenta e cinco
anos, e um pequeno ramo de flores baratas, oferecido por Amy, sua
camareira.
"Que ódio! Odeio esta vida aborrecida, preferia estar morta!", murmurou,
entre dentes. Nesse momento, Amy entrou.
- Está aí uma pessoa que lhe quer falar, miss Rosie!
- Quem é?
- Ela não disse o nome, apenas que é sua sobrinha e que precisa muito
falar com a senhora.
- Minha sobrinha? - perguntou, olhando espantada para Amy.
Tentava lembrar-se quem teria representado o papel de sua sobrinha, na
última peça que tinha feito no teatro.
Como o público queria ver a "nossa Rosie", como a chamavam, tinham
escrito um quadro especial para ela, uma coisa ligeira, porque nunca
tinha sido uma verdadeira atriz e não podia enfrentar um papel mais
elaborado, mais forte, que precisasse de uma atriz mais velha.
Alguém devia ter feito o papel de sua sobrinha, mas quem?
12. Não podia estar tão esclerosada a ponto de não se lembrar disso!
- Bem, vai ou não vai recebê-la? - perguntou Amy.
- Oh, mande-a entrar. Qualquer coisa será melhor que ficar aqui sentada,
recordando o passado!
Era melhor conversar com uma jovem atriz do que com ninguém.
22
passado um pouco, Amy reapareceu.
- Aqui está ela! Diz que se chama Ina Westcott. Rosie voltou a cabeça,
lentamente.
Uma moça ainda muito jovem e nervosa entrava pela porta.
- Obrigada - disse a moça a Amy, com voz doce. Rosie ficou olhando para
ela, sem saber se estava louca ou
tendo uma alucinação.
A jovem que se aproximava parecia ser ela mesma, há quarenta anos atrás.
23
CAPITULO II
Por alguns momentos, Rosie ficou olhando, boquiaberta, incapaz de
qualquer outra reação. Depois, com uma voz estranha, perguntou:
- Quem é você?
- Sou sua sobrinha - respondeu a jovem, assustada. E pode ser uma
impertinência minha. mas vim pedir a sua ajuda.
- Ajuda? - repetiu Rosie, com a sensação de que seu cérebro tinha parado
de funcionar.
Então, inesperadamente, a moça sorriu e seu rosto se iluminou, ao dizer:
- Estou tão emocionada por conhecê-la! Ouvi falar tanto da senhora, que,
para mim, foi sempre a pessoa mais excitante do mundo!
- Como poderia eu ser? - perguntou Rosie, e, reparando que a moça que se
parecia tanto com ela estava em pé, disse:
- Sente-se, meu bem, e conte-me o que se passa. Você me pegou de
surpresa, e estou um pouco confusa.
- Eu estava com muito medo de que a senhora não quisesse me receber.
- Vamos começar do princípio - sugeriu Rosie. - Diga-me exatamente quem
é.
- Sou filha da sua irmã mais nova, Averil.
- Averil!
Averil era apenas uma garotinha quando Rosie fugira de casa.
Era uma criança linda, de olhos azuis, que ainda brincava com a babá,
enquanto a outra irmã, Muriel, começava a aprender a ler.
24
Então você é filha de Averil! - disse, depois de alguns
instantes. - Fale-me dela.
Ina ficou olhando para Rosie e depois perguntou: Não sabia que mamãe
morreu?
- Lamento muito, não fazia ideia.
- E agora papai também morreu, e não tenho para onde ir. Pensei que. que
se não estivesse muito ocupada Talvez pudesse me ajudar a encontrar um
trabalho que desse para me manter.
Rosie olhou para Ina como se não acreditasse no que estava ouvindo.
- Está dizendo que sua mãe a deixou sem dinheiro? E seu avô? Sei que
ainda está vivo.
Rosie sabia porque, nos dias intermináveis em que não tinha nada que
fazer, nem ninguém com quem conversar, costumava ler as colunas sobre a
corte nos jornais, e os artigos sociais das revistas femininas.
Ocasionalmente referiam-se a seu pai. governador de Hertfordshire há
13. muitos anos.
- Acho que meu avô ainda vive, mas creio que a senhora não sabe que mamãe
foi renegada pela família por que fugiu de casa com o homem que amava -
disse Ina.
- Sua mãe fugiu de casa? - repetiu Rosie, incrédula. Ina sorriu, ficando
igual a Rosie quando tinha a mesma idade e a mesma pureza.
- Mamãe não fugiu com uma pessoa tão bonita e famosa como a que a senhora
escolheu, mas com o pároco auxiliar da igreja do parque. Lembra-se da
igreja?
- Sim, claro que me lembro.
- Papai não era tão bonito como o sr. Vaughan, mas tinha uma boa
aparência. Eu costumava arreliá-lo, dizendo que as mulheres da nossa
paróquia só vinham à igreja para ficar olhando para ele, esperando que
lhes desse alguma atenção.
- Então Averil casou-se com um vigário!
- Mamãe contou-me como vovô ficou furioso, ao saber que ela estava
apaixonada. Gritou com ela e disse que, se
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casasse com papai, podia ir embora de casa para nunca mais voltar!
Ina olhou para Rosie, apreensiva, antes de continuar
- Ele acrescentou que já tinha tido uma filha que fizera um casamento
desastroso, e não admitiria que isso voltasse a acontecer.
- Isso era bem de meu pai! - afirmou Rosie, num tom duro.
- Ele foi muito cruel com mamãe, e proibiu-a de voltar a ver papai. Foi
fazer queixa ao bispo, que transferiu papai para uma pequena aldeia, num
lugar ermo de Gloucestershire.
- E sua mãe foi com ele?
- Eles fugiram da maneira mais romântica, e casaram-se a caminho da
aldeia para onde ele tinha sido designado. Esperavam que vovô os seguisse
e tentasse levar mamãe de volta.
- Mas ele não fez isso disse Rosie, adivinhando exatamente o que tinha
acontecido.
- Mamãe contou que não souberam mais nada dele, até chegar uma carta em
que vovô dizia que a tinha renegado como filha, que nunca mais queria
ouvir falar nela e que a deserdava!
Rosie cerrou os olhos, recordando o que havia sentido, ao receber uma
carta semelhante.
Como tinha pedido desculpas a Vivian, que obviamente esperava que pelo
menos ela tivesse dinheiro suficiente para comprar suas próprias roupas.
- Papai e mamãe eram muito pobres, mas tão felizes que creio que nunca se
importaram muito.
- Felizes mesmo? - perguntou Rosie.
- Creio que nunca houve casal mais feliz. Só quando eu fiquei mais
crescida é que mamãe costumava dizer que lamentava não poder me
proporcionar tudo o que ela tivera: cavalos, carruagens, vestidos
bonitos, festas e bailes.
- E, naturalmente, um grande número de amigos da nossa própria classe
social - murmurou Rosie, entre dentes.
Ina deu uma risada jovem e alegre.
- Não acredito que mamãe se importasse por não ter mais
26
essas coisas, feliz como era com papai. O nosso pequeno vicariato era
lindo e confortável, e não me lembro de ter havido preocupação com
dinheiro... Só agora.
Ergueu os olhos azuis cheios de medo para Rosie, dizendo baixinho:
- Foi por isso que eu vim falar com a senhora.
- E acha mesmo que posso ajudá-la?
14. - Não tenho mais ninguém. Papai não tinha dinheiro nenhum além do que
ganhava, e agora, que ele está morto pelo menos tenho que ganhar para
comer.
Tentava falar despreocupadamente, mas percebia-se que estava apavorada
com o futuro.
- Meu bem, acho que, se for ter com seu avô, ele vai perdoá-la pelo
"pecado" de seus pais e recebê-la de braços abertos.
- Não me parece provável. Quando mamãe morreu, papai escreveu-lhe, dando-
lhe a notícia por julgar que era sua obrigação.
- E o que aconteceu?
- A carta de papai foi devolvida, rasgada ao meio! Rosie susteve a
respiração.
- Que atitude desprezível!
- Papai ficou muito magoado. E sei que se mamãe soubesse, teria chorado
muito.
Ina fez o comentário com toda a simplicidade e, após um breve silêncio,
Rosie disse:
- Então você veio ter comigo porque não tem ninguém mais a quem recorrer.
- Absolutamente ninguém! De qualquer forma, eu sempre quis conhecer a
senhora, porque achava que tinha tomado uma atitude corajosa e linda,
fugindo como mamãe e tornando-se tão famosa, juntamente com seu marido.
Os lábios de Rosie se estreitaram, antes de dizer:
- Como é que pode saber? Não acredito que seus pais falassem de mim.
Olhando prolongadamente para a tia, Ina corou um pouco.
- Apesar de me parecer estranho, penso que papai se chocava
27
com o fato de a senhora ser atriz. Mas mamãe costumava falar sobre a
senhora, quando estava a sós comigo. Fez uma pausa e suspirou.
- Contava-me como a senhora era bonita, como todos a admiravam e que vovô
esperava que fizesse um casamento muito importante, com alguém tão
distinto como ele.
Rosie não fez nenhum comentário, e Ina juntou as mãos ao continuar:
- Para mim, era a história mais romântica que eu podia imaginar, e passei
a ler tudo quanto escreviam sobre a senhora, nos jornais e nas revistas.
- Sua mãe conversava com você sobre mim? - perguntou Rosie, finalmente.
- Creio que o que a fez ter coragem de fugir de casa foi saber do seu
sucesso e da sua felicidade.
Rosie engoliu em seco e, para mudar de assunto, disse:
- Você tem que dizer exatamente o que acha que posso fazer por você.
- Pode parecer muita presunção da minha parte, mas, como é tão famosa,
pensei que talvez pudesse me arranjar algum trabalho no teatro, se não
como atriz, pelo menos nos bastidores, costurando ou ajudando.
Vendo que Rosie não tinha entendido bem, acrescentou:
- Sou nova demais para ser governanta, e não sei fazer nada que me possa
render dinheiro.
Houve uma pausa, enquanto Rosie pensava que não seria difícil conseguir
que uma moça tão bonita trabalhasse no teatro de variedades.
Mas lembrava-se ainda da agonia por que tinha passado na idade de Ina,
quando aparecera pelas primeiras vezes por trás dos refletores, por causa
da insistência de Vivian.
Nos anos que se seguiram à sua saída do teatro, passava os dias sozinha,
sem se interessar por nada.
Os amigos, e tivera alguns maravilhosos, apareciam cada vez menos para
visitá-la.
Foi a partir daí que se arrependeu amargamente do momento
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de loucura em que tinha trocado a segurança do lar, a família e sua
15. posição de filha de um conde por um ator bonito.
Não sabia como dizer a esta criança que tanto se parecia com ela da luta
interminável que era viver sob a mira do público, tentando conseguir
sempre um papel melhor na próxima peça, no próximo espetácúlo e nos que
estivessem por vir.
Como poderia contar as inúmeras tentações a que fora submetida a esta
garota pura e inocente, criada num vicariato?
Enquanto pensava que era esposa de Vivian, resistira, porque o amava. E
mesmo nesse tempo, não fora fácil.
Às vezes tinha medo não só da paixão que despertava nos homens, mas
também que as suas recusas afetassem a sua posição junto à diretoria do
teatro.
Eles queriam acima de tudo que seus benfeitores estivessem satisfeitos.
Então, quando Vivian a abandonou, sabendo que nem ao menos tinha sido
casada com ele, achou que a vida tinha terminado e que quanto mais cedo
morresse, melhor.
Ele partira ao terminar um espetácúlo, e ainda faltava uma semana de
ensaios para começar o próximo.
Depois de chorar dois dias sem parar, Rosie chegou a ir até o rio Tamisa,
e ali ficou, contemplando suas águas negras, que corriam em turbilhão,
com vontade de acabar com aquele sofrimento por um homem que não a queria
mais.
Mas um estranho orgulho, o orgulho demonstrado pelos primeiros Ormonds na
batalha de Agincourt, devolveu-lhe a vida, o mesmo orgulho que os fez
receber uma condecoração real atrás da outra fazia agora que ela não
permitisse que Vivian ou qualquer outra pessoa a derrotasse.
Foi para o teatro e convenceu o sr. Holingshead a escrever uma parte para
ela, sem Vivian.
E tomou uma firme decisão.
Havia de mostrar ao homem que a abandonara que passaria muito bem sem
ele.
Encarava cada aplauso, cada elogio da crítica, cada cumprimento que
recebia como um gesto de desafio ao homem que tanto tinha amado.
29
Ele a deixara por uma mulher mais rica. "Ultimamente, é só o que conta:
dinheiro!", afirmava para si mesma, com amargura.
Nem amor, nem devoção, nem auto-sacrifício. Só moedas de ouro.
Lenta, mas progressivamente, a doce, meiga e gentil Rosie Rill, que
juntamente com Vivian fizera o par mais belo do mundo, foi-se
transformando numa pessoa bem diferente. Bela, mas sem se ajoelhar mais
aos pés do homem amado. Determinada, por mais dificuldades que tivesse
que enfrentar, a levar a vida a seu modo.
Mas o destino quis que Rosie sofresse novo golpe, novamente sob a forma
de um homem.
No início, contra a sua própria vontade, esforçou-se por aceitar os
convites para cear que sempre recusara se Vivian não estivesse presente.
Agora, esses convites se multiplicavam. O seu camarim vivia repleto de
flores. No princípio, quando ainda se sentia desesperadamente infeliz,
tinha o cuidado de só aceitar convites que incluíssem um grupo de pessoas
do teatro.
Depois conheceu o marquês de Colthaust. Ouvira e lera muito sobre ele, e
via-o no mesmo camarote do teatro, noite após noite.
Apesar de não ligar para fofocas, ouvia as histórias dele com as mulheres
mais belas do teatro de variedades.
Dizia-se que era muito generoso. Tendo olhos apenas para Vivian, Rosie
nunca se deu conta que as conquistas do marquês duravam sempre pouco
tempo.
16. Um dia, ele a convidou para cear, dizendo que haveria mais pessoas e que
iria buscá-la depois do espetáculo.
Para sua surpresa, ele não a levou para o Romano's, como ela esperava,
mas para a casa dele, em Grosvenor Square.
Nem se apercebeu de que era um privilégio que nenhuma outra atriz tivera,
achando simplesmente que não era muito normal ele levá-la para cear em
sua própria casa.
Ao chegar, estranhou que não houvesse mais ninguém, e fitou-o, intrigada.
30
Quero falar com você, Rosie, ou devo chamá-la Rosamund? - disse o
marquês.
Rosie teve um sobressalto.
Levei algum tempo para descobrir a verdade a seu respeito, mas agora vejo
que é parecida com outros membros da sua família.
Rosie afastou-se dele, com petulância.
- Não quero falar sobre a minha família, e estou certa de que não
falariam com você sobre mim.
- Acho que foi muito corajosa ao fugir com Vaughan e que ele agiu muito
mal, deixando-a.
- Não quero a sua piedade, nem a de ninguém! - retorquiu Rosie.
- Entendo seus sentimentos, mas como é diferente de todas as outras
mulheres do teatro, quero que me fale de você.
Parou de falar e ficou olhando para ela.
- Também quero entender como conseguiu amar um homem como Vaughan,
completamente estranho à vida que você levava, antes de conhecê-lo.
Rosie tinha jurado a si mesma que nunca falaria a ninguém sobre aquele
assunto, mas o marquês tinha alguma coisa que o tornava irresistível.
Pela primeira vez desde que Vivian a tinha deixado, contou o quanto tinha
sofrido e as dificuldades que tinham passado, nos anos em que haviam
estado juntos, como se adaptara à maneira de viver de Vivian e aos seus
interesses.
- Apesar de no princípio não ter notado, ficou sabendo a diferença entre
um homem bonito, mas vulgar, que viera de uma classe social diferente da
sua, e um aristocrata como o marquês.
Era uma diferença que não se podia traduzir em palavras.
Tinha consciência da forte presença dele, mas, como toda a sua vida fora
dedicada a um só homem, não percebeu que ele a estava seduzindo de
maneira sutil.
E acabou se apaixonando por ele.
Claro que se apaixonou! Como poderia resistir a um homem com quem podia
falar de igual para igual, que a fazia sentir-se uma verdadeira deusa?
31
O marquês não era louco a ponto de mostrar o jogo imediatamente.
Primeiro cearam juntos, com toda a tranquilidade, e depois levou-a para
casa, beijando-lhe a mão.
Só depois de duas semanas encontrando-o diariamente é que Rosie admitiu
para si mesma que estava apaixonada.
Era um amor convicto, não a paixão entusiasmada e inconsequente de uma
escolar romântica.
O marquês comprou-lhe uma casa em St. John's Wood, que ela mobiliou com
instintivo bom gosto, que estava adormecido durante os anos e anos de
mudanças de uma pensão para outra, que culminaram no apartamento de
Covent Garden, já mobiliado.
Esta casa era dela, e ela a amava, tal como amava o marquês. Tinha
esperanças de que ele lhe pedisse para abandonar o palco, mas logo
percebeu que tudo aquilo representava um lado muito importante na vida
dele.
17. Gostava de ter o camarote esperando por ele, noite após noite, depois das
horas aborrecidas que passava na Casa dos Lordes, jantando com os homens
de Estado, ou em Marlborough House, com o príncipe de Gales.
Frequentemente, só conseguia chegar ao teatro no último ato, mas
precisava dessa distração.
Quando Rosie trocava a roupa de cena, colocando um vestido de noite,
usando as zibelinas que ele lhe tinha oferecido, já a carruagem dele a
esperava na porta.
Ele parecia transformar tudo o que faziam em algo excitante e, de certa
forma, mágico.
Rosie, finalmente, admitiu para si mesma que o amava mais do que tinha
amado Vivian, e começou a rezar com toda a sua alma para que ele se
casasse com ela.
Não podia imaginar nada mais maravilhoso do que ser esposa do marquês.
Poderia deixar para sempre a frivolidade do teatro e ficar muito feliz,
sendo a senhora da enorme casa ancestral que ele tinha no campo.
Poderia receber nos salões maravilhosos de Grosvenor Squae e imaginava-se
sentada no extremo da enorme mesa da sala de jantar, usando os brilhantes
dos Colthaust, muito mais valiosos do que qualquer coisa que sua mãe
possuísse.
Imaginava o espanto de seu pai, quando soubesse que, apesar do seu
ostracismo, o marido da filha era socialmente mais importante do que ele.
Por favor, meu Deus, faça com que Lionel me peça em casamento. meu Deus,
por favor!
Todos os fins de semana, quando ele viajava, ela ia para a igreja pedir
perdão por alguma coisa errada que tivesse feito na vida e que Deus
olhasse por ela, agora.
Passou mais de um ano imensamente feliz e tão profundamente apaixonada
que esse estado de espírito parecia irradiar dela, quando estava no
palco.
Sua popularidade aumentava sem parar.
Todas as revistas publicavam fotografias suas de corpo inteiro, e sempre
que escreviam sobre o teatro de variedades, os críticos a mencionavam.
O sr. Hollingshead deu-lhe melhores papéis e roupas ainda mais luxuosas
para usar.
- Você é a encarnação do próprio teatro de variedades, Rosie, de tudo
aquilo que tento educar o público para apreciar
- disse-lhe o sr. Hollingshead, sorrindo.
Rosie procurou decorar aquele elogio, para mais tarde poder repeti-lo ao
marquês.
Foi então que o sonho acabou.
Depois do Natal, o marquês disse-lhe que em fevereiro pretendia ir para
Monte Carlo.
Sabia que ele tinha uma vila no principado. Ele costumava falar muitas
vezes dos divertimentos e da alegria de Monte Carlo, e de como a cidade
era o máximo da moda, frequentada até mesmo pelo príncipe e a princesa de
Gales.
Esperou que ele a convidasse a ir, mas os dias foram se passando, e como
ele não dizia nada, percebeu, chocada, que pretendia ir sozinho.
- Você não vai ficar longe muito tempo, vai?
- Tudo depende do ambiente. No ano passado, estive apenas uma semana -
respondeu ele.
33
Mais animada, disse a si mesma que não devia se intrometer na parte da
vida dele que era distinta da que passava com ela.
Antes de partir, ele parecia muito ocupado, apesar de passar a maioria
das noites com ela, que se sentia mais feliz do que nunca.
18. - Você está muito bonita, Rosie - disse-lhe, quando estavam os dois
deitados na cama grande e confortável que parecia ocupar todo o espaço do
quarto da casa dela.
- Só a sua opinião me interessa - respondeu Rosie, com toda a
sinceridade.
Os aplausos que recebera nessa noite só tinham sido importantes porque o
marquês estava no camarote, assistindo a tudo.
Fora chamada ao palco seis vezes, e enormes cestos de orquídeas lhe
haviam sido entregues em cena.
Finalmente, acenou para aquele público carinhoso, levando apenas um ramo
de rosas vermelhas que o marquês lhe tinha mandado.
Quando chegou ao camarim, encontrou, uma pulseira de turquesas e
brilhantes escondida entre as hastes das flores.
Emocionada, colocou-a no pulso e trocou de roupa depressa.
Desceu correndo as escadas que iam dar na porta dos artistas e encontrou
o marquês esperando por ela.
Estava magnífico com sua capa e o alfinete de gravata, uma pérola
perfeita, impecavelmente colocado.
Rosie teve a sensação de que uma onda de amor por aquele homem a
envolvia.
- Como pode ser tão gentil, tão maravilhoso para mim? perguntou enquanto
subia na carruagem dele.
- Achei que a pulseira lhe ficaria bem.
Jantaram no Romano's, onde Rosie, de tão apaixonada que estava, sentiu
que todos os presentes a invejavam por estar acompanhada pelo homem mais
elegante e distinto de Londres. Quando voltaram para St. John's Wood,
teve o ligeiro pressentimento de que ele a olhava de uma maneira
estranha. Fizeram amor com paixão. Rosie sentiu-se levada às estrelas.
- Eu o amo! Eu o amo! - disse, pensando que, se ele a pedisse em
casamento naquele momento, teria a sensação mais maravilhosa da sua vida.
34
Ele saiu um pouco mais cedo que o habitual, mas Rosie oensou que fosse
por causa da longa viagem que iria fazer no dia seguinte.
Beijou-a ternamente, mas sem paixão, ao dizer:
Cuide bem de você, minha cara Rosie.
E foi para a carruagem que estava esperando por ele.
"Não vai ficar longe muito tempo", pensou Rosie para se consolar,
adormecendo a seguir.
No dia seguinte, recebeu uma carta do marquês, dizendo-lhe que tudo entre
os dois tinha terminado.
Não conseguia acreditar no que estava lendo, mas a sua intuição lhe disse
que era o tipo de carta que ele já devia ter escrito dúzias de vezes
antes.
Agradecia toda a felicidade que tinham desfrutado juntos, e supunha que
ela entendesse que mesmo as melhores coisas da vida não duram para
sempre.
Mas como Rosie podia entender que o tinha perdido, se o amava
desesperadamente?
Sem derramar uma só lágrima, sentiu de repente que todo o seu corpo
parecia ter-se transformado num bloco de pedra.
Não tinha mais sentimentos, e seu cérebro, de certa forma, parara de
funcionar.
Foi para o teatro, entrando em cena automaticamente.
Parecia uma marionete, movimentada por cordões invisíveis.
Nem se deu conta de que o resto do elenco parecia evitá-la.
Quando encontrava alguém nos corredores, todos tinham pressa em se
afastar.
19. Foi Amy quem lhe contou tudo, Amy, a sua camareira, que estava com ela há
três anos.
Amy nutria pela patroa uma afeição verdadeira, que nunca a deixava
mentir.
Ninguém no teatro tinha tocado no nome do marquês, mas quando Rosie
estava quase pronta para voltar para casa, sozinha, Amy falou:
- Agora, não vá despedaçar o coração por causa desse homem que não a
merece, nem a qualquer outra mulher que seja suficientemente estúpida
para se apaixonar por ele. Essa jovem Millie vai perceber isso num
instante!
35
As últimas palavras fizeram com que Rosie ficasse olhando espantada para
Amy.
- O que é que você quer dizer com isso?
- Ela é a nova garota que aparece como "primavera" no primeiro ato e no
quadro de "Diana, a caçadora".
- E o que ela tem a ver com o marquês? - perguntou Rosie, com uma voz que
parecia não lhe pertencer.
- É melhor perguntar a ela mesma, quando voltar de Monte Carlo! O homem
conseguiu convencer o patrão a dar-lhe uma semana de licença. Há gente
com sorte!
- Não acredito! - gritou Rosie, sabendo que a garota em questão era nova
na companhia.
Como Millie parecesse tão jovem e inexperiente, Rosie saíra dos seus
cuidados para conversar com ela carinhosamente.
Sabia que podia estar tão assustada como ela própria ficara na primeira
vez que fora ao Olympic com Vivian.
Mal o romance acabou, veio à tona o lado comercial do relacionamento.
O advogado do marquês deu-lhe o prazo de um mês para deixar a casa de St.
John's Wood.
Fora tão tola que'nem perguntara se a casa estava mesmo em seu nome.
Desconfiou que o marquês queria instalar nela uma nova ocupante.
Foi quando Rosie jurou duas coisas para si mesma: primeiro, que nunca
mais entregaria o coração a mais nenhum homem, segundo, que teria
dinheiro suficiente para comprar tudo o que quisesse, o dinheiro que
Vivian já lhe tinha dito que era mais importante do que o amor.
O marquês tinha sido generoso, e ela recebera uma larga quantia em
dinheiro.
Mas tinha sido suficientemente tola para pagar com esse dinheiro
vestidos, coisas para a casa, comida e bebida, quando queria lhe fazer um
mimo.
"Nunca mais voltarei a fazer isso!", jurou Rosie.
A partir de então, nunca mais deixou que o coração comandasse a cabeça, e
passou a se vender conscientemente.
Nos anos seguintes, a sua vida teve uma verdadeira procissão
36
de milionários que imploravam seus favores e entre os quais ela escolhia
criteriosamente.
O homem que conseguisse que Rosie fosse sua amante era admirado pelos
amigos e tinha sempre pontos a seu favor.
Ela, por outro lado, garantia a veracidade do antigo ditado que dizia que
quanto mais um homem paga, mais aprecia, fazendo-os pagar, e bem.
Nunca mais voltou a comprar nada para si mesma.
A casa em que morava, os vestidos, a comida, os criados, as jóias, a
costureira, tudo lhe era oferecido generosamente.
Assim como o sr. Hollingshead a vestia para as cenas, seus amantes a
vestiam para o mundo lá fora.
20. Não havia ninguém no teatro de variedades que possuísse melhores jóias,
peles mais valiosas e roupas de melhor qualidade.
Seus dedos eram cobertos de anéis preciosos, e uma manta de zibelina
cobria-lhe os joelhos na carruagem puxada por dois cavalos primorosos.
Os seus empregados usavam librés que rivalizavam com as dos criados da
realeza.
Era o principal assunto de Londres, e se quisesse deixar o teatro, uma
dúzia de outros teatros se abririam para ela.
Quando chegou aos quarenta anos, sabendo que nunca tinha sido uma
verdadeira atriz e que seu sucesso era devido apenas à sua aparência,
preparou a sua retirada.
A maquilagem já não podia disfarçar as rugas que começavam a surgir. Já
não era mais a deusa primaveril dos contos de fada, como fora durante
tantos anos.
Orgulhosamente, aos quarenta e cinco e aparentando dez anos menos, Rosie
abandonou o teatro.
Sabia melhor que qualquer empresário que não podia mais aceitar os papéis
que poderiam lhe oferecer.
Não era uma intérprete, apenas uma atriz de variedades, o que era muito
diferente.
Todo o seu desempenho teatral havia sido participando de pequenos quadros
muito bem escritos, onde não precisava ter nenhum talento dramático.
Tinha simplesmente que aparecer linda e extremamente elegante,
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nos vestidos que disfarçavam o envelhecimento de seus braços e
mãos e da linha do queixo, que começava a cair.
O orgulho que sempre estivera presente na sua maneira de ser avisou-lhe
que era hora de fechar a cortina, antes que a fechassem por ela.
Despediu-se no fim de uma temporada, e não se surpreendeu quando George
Edwardes, que ficara no lugar do sr. Hollings-, head, não fez pressão
para ela participar do elenco do novo espetáculo que começaria dentro de
três semanas.
Tinha decidido recusar qualquer contrato, mas quando constatou que nenhum
mais tinha aparecido, sentiu-se muito triste.
Toda a amargura da sua vida passada a acompanhava, ao ficar sozinha no
apartamento encantador que dava para o Regent's Park.
Seu último amante o tinha comprado, e ela tomara todas as providências
para garantir que não o perderia quando a ligação terminasse.
"É meu! Meu!", exclamara para si mesma, sabendo que constituía uma
pequena e pobre consolação por tudo o que tinha perdido.
De início, os colegas de trabalho vinham visitá-la, mais por curiosidade
que por carinho.
- Quando voltará ao palco, Rosie?
- Estou gostando muito de não fazer nada - respondia. Contudo,
gradualmente, as visitas foram rareando, e os convites para almoçar e
jantar também.
- Estou sozinha, completamente sozinha!
A amargura tinha-se tornado parte predominante da sua maneira de ser.
Num sobressalto, Rosie viu que Ina olhava para ela, esperando a resposta
de como poderia ajudá-la.
Viu naqueles olhos azuis o mesmo medo que sentira há tantos anos atrás.
Se falhasse, a garota não saberia o que fazer em seguida.
Olhou para a sobrinha, tão linda, tão inocente, tão parecida com ela, e
teve a sensação de que alguém lhe dizia que ali estava o seu
instrumento de vingança, um instrumento através do qual repararia todo o
mal que lhe tinham feito.
38
21. Seria louca se não o usasse.
Poderia se vingar daqueles que a tinham ferido, daqueles que a tinham
abandonado sem mais nada para consolá-la, a não ser recordações.
"Eu lhes mostrarei!", repetiu silenciosamente.
E, em voz alta, com um sorriso que abrandou momentaneamente a habitual
expressão dura de seus lábios e o cansaço do olhar, disse:
- Mas é claro que você vai ficar comigo, Ina querida, vou ficar muito
feliz por tê-la comigo!
39
CAPITULO III
Quando começara a ganhar dinheiro, Rosie fora suficientemente inteligente
para procurar um bom corretor.
Um dos seus amantes, um banqueiro milionário, comentara com ela que tinha
um empregado que era o melhor e o mais esperto corretor de Londres.
Fora consultá-lo, e a partir daí deixara tudo nas mãos do homem, que em
dez anos triplicou o seu dinheiro.
Na época em que abandonou a carreira artística, ela já era uma mulher
muito rica, porque tinha economizado tudo quanto recebia.
Habituada a poupar, quando ficou sozinha continuou a ter cuidado com todo
tostão que gastava.
De qualquer forma, além de roupas e comida, tinha pouca necessidade de
despender dinheiro.
Amy cuidava dela, e diariamente vinha uma cozinheira preparar as
refeições, que nunca eram muito complicadas.
Essa mulher também lavava o que Amy deixava para ela.
Agora, porém, Rosie tinha um ótimo pretexto para gastar dinheiro.
Durante todos os seus anos de teatro, mantivera deliberadamente o nome de
família em segredo, obrigando Vivian a fazer o mesmo.
Mais tarde, fizera o marquês dar a sua palavra de honra de que também não
revelaria a ninguém que tinha descoberto quem ela era, pois o orgulho a
impedia de tirar a família do alto do pedestal onde se tinha colocado.
O marquês chegou a dizer-lhe que a respeitava muito por essa atitude, que
poucas mulheres tomariam.
Mas ele a abandonara, e, menos de seis meses depois, casara-se.
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Quando Rosie abriu o jornal e viu o anúncio do seu noivado com a filha de
um duque, julgou que ia desmaiar.
Nunca tinha desejado tanto uma coisa na vida como tornarse esposa dele.
Contudo, mais uma vez se provava que havia sempre interesses superiores
ao amor.
Neste caso não fora dinheiro, mas sangue.
Rosie levou bastante tempo para planejar como iria usar Ina para se
vingar.
A cada minuto que passavam juntas, via que a garota era exatamente como
ela fora, aos dezoito anos.
Habituada a morar no interior, tudo em Londres era motivo para Ina ficar
cheia de excitação, maravilhada.
Admirava o tráfego das ruas, os elegantes cavalos e carruagens e os
cavaleiros que passeavam em Rotten Row.
Ficava encantada com as lojas, e quase perdeu a fala de tanta alegria
quando Rosie a levou às costureiras.
Primeiro, Rosie ficou em frente do espelho, analisando-se.
Não examinava Rosie Rill, a estrela do teatro de variedades, mas lady
Rosamund Ormond, filha do conde de Ormond e Staverley.
22. Seu pai, que a tinha condenado todos esses anos e que agora era um homem
de quase oitenta anos, ainda ficaria perturbado e chocado com o que ela
pretendia fazer.
Queria feri-lo como ele a tinha ferido.
Observando-se no espelho, viu que, debaixo da máscara de rouge e pó,
ainda conservava a beleza do seu nariz fino e clássico e do formato oval
do rosto.
Quando sorria, as rugas dos cantos da boca desapareciam.
O encanto que tinha cativado tantos espectadores assíduos continuava a
existir.
Lavou o rosto e voltou ao espelho, sentindo-se momentaneamente nua.
Lady Rosamund Ormond tinha que ter a aparência distinta, e, se ela
quisesse, de uma verdadeira dama.
O cabelo, de tanta tintura, parecia mais louro do que antes.
Mandou que o cabeleireiro o pintasse de cinza, para que
41
crescesse todo na cor natural. O homem não queria acreditar no que estava
ouvindo.
- O que está pretendendo, miss Rill? - perguntou com impertinência. - Não
vai ficar a mesma, se tentar parecer mais velha.
- Não estou tentando, estou velha, e quero aparentar a idade que tenho.
Quando ele terminou, estava uma perfeita senhora de cinquenta e tantos
anos, mas, de certa forma, muito mais atraente do que quando tentava
desesperadamente recobrar a juventude perdida.
Como não era de comer muito, continuava esbelta. Os vestidos que escolheu
na costureira mais cara de Hanover Square realçavam a sua figura, sem
tentar torná-la vulgarmente próvocante.
- É um prazer vesti-la, miss Rill - disse a gerente, com toda a
sinceridade.
Rosie sabia que agora estava igual às outras clientes que compravam na
mesma loja.
A maioria delas eram aristocratas de vida social intensa, transitando à
volta do príncipe de Gales, em Marlborough House.
Suas fotografias podiam ser vistas em todas as revistas de luxo.
com Ina a coisa era mais fácil.
Rosie comprou-lhe os mais belos e elaborados vestidos próprios para uma
debutante.
A maioria das moças que vinham a Londres para a temporada não podiam ter
vestidos tão caros.
- Como pode me oferecer coisas tão lindas? Sinto-me uma princesa de
contos de fadas - disse Ina.
- É exatamente como eu quero que se sinta. A partir de agora, tem que se
lembrar sempre de que é uma princesa e comportar-se como tal.
Ina sorriu para a tia.
Era o mesmo sorriso com que Rosie tinha conquistado tantas plateias.
42
A senhora é a minha fada madrinha, e eu lhe agradeço de todo o coração -
disse ela docemente.
Rosie ficou comovida, mas, sufocando a emoção, decidiu que a única coisa
que importava era ensinar Ina a desempenhar bem o papel que lhe cabia
naquela trama.
Seria um desempenho real, sem as luzes da ribalta.
E, apesar de a garota não saber, seria altamente dramático.
Quando as roupas ficaram prontas, Rosie pagou a conta sem ao menos
conferir o total, e anunciou que daí a três dias estariam partindo para
Monte Carlo.
Ina soltou um grito de alegria e excitação:
23. - Monte Carlo! Que maravilha! É o lugar que eu mais desejava conhecer!
Mas papai dizia frequentemente que muita gente, incluindo os bispos, acha
que é um lugar de pecado por causa do jogo.
- O jogo não vai afetá-la, mas todas as pessoas importantes estarão no
cassino depois do jantar, e nós vamos encontrá-las.
Reparou que Amy estava se coibindo de fazer uma dúzia de perguntas, por
causa da presença de Ina.
Rosie já tinha avisado para segurar a língua, sempre que Ina estivesse
por perto.
Assim que ficaram sozinhas, Amy perguntou:
- Posso saber o que tem na cabeça?
- Estou lançando miss Ina na alta-sociedade!
Amy olhou para ela de soslaio, e depois de alguns instantes, comentou:
- A senhora não me engana!
- Pois bem, então espere para ver o que acontece - retorquiu Rosie, mas
Amy não se deu por vencida.
- A senhora está planejando alguma maldade, miss Rosie, e eu quero saber
o que é!
- Se quer mesmo nos acompanhar a Monte Carlo, por favor, vista os
uniformes pretos que comprei para você e comporte-se como a camareira de
uma dama - cortou Rosie, severamente.
- Se a esta altura da vida não souber quais são as minhas obrigações,
nunca mais vou aprender!
43
- Não estou preocupada com as suas obrigações, mas com as coisas que você
diz. Como já lhe disse antes, as camareiras bem-educadas guardam os
pensamentos para si mesmas, coisa que você nunca foi capaz de fazer.
- Estou velha demais para mudar! - respondeu Amy imediatamente.
Rosie desatou a rir.
- Então mantenha seus pensamentos em silêncio, até que nós duas estejamos
sozinhas. Depois pode dizer o que quiser.
- Obrigada pela generosidade! - retorquiu Amy, com azedume, batendo a
porta ao sair do quarto.
Apesar dos maus modos, Rosie sabia que não haveria nada que impedisse Amy
de acompanhá-las a Monte Carlo.
Chegou o momento de entrar no trem que as levaria de Victoria Station,
até Dover.
Amy, de uniforme e chapeuzinho preto que ficava muito bem com seus
cabelos grisalhos, levava a caixa brasonada, que continha as jóias de
lady Rosamund.
Esta estava uma aristocrata tão perfeita que poderia ter saído de um dos
quadros que, porventura, pudessem ter escrito para ela desempenhar no
teatro.
- De agora em diante, vou usar meu verdadeiro nome, e vocês, por favor,
esqueçam-se de que alguma vez fui Rosie Rill, a grande estrela do teatro
de variedades.
- Eu nunca poderei esquecer, tia Rosamund, e estou certa de que aqueles
que a virem também não vão esquecer como era linda. Li muitas vezes no
jornal que a senhora era chamada ao palco inúmeras vezes em cada
espetáculo, porque a audiência a amava.
- Isso tudo faz parte do passado - disse Rosie, com firmeza. - Agora
voltei a ser eu novamente, e vocês duas tratem de não se esquecer disso.
Não lhes contou, contudo, que tinha mandado uma nota anónima para os dois
jornais principais de Monte Carlo.
Nela, informava que lady Rosamund Ormond, a antiga Rosie Rill do teatro
de variedades, chegava ao Hotel de Paris, com sua sobrinha, miss Ina
Westcott, neta do nono conde de Ormond e Staverley.
24. 44
Seguramente haveria jornalistas esperando por elas, quando desembarcassem
da carruagem-leito.
E não se enganou.
Um fotógrafo pediu-lhe uma pose, mas ela se afastou, desdenhosamente.
Quando estavam dentro da carruagem que as levaria ao Hotel de Paris,
ignorou os repórteres que se amontoavam junto da porta, dizendo:
- Por que veio para Monte Carlo, miss Rill? É verdade que seu verdadeiro
nome é lady Rosamund Ormond?
- Eu disse que eles nunca esqueceriam a senhora- comentou Amy, toda
satisfeita, quando a carruagem começou a andar.
- Eles ficaram todos entusiasmados ao ver a senhora, tia Rosamund -
exclamou Ina.
Ficaram instaladas em uma das melhores suítes do hotel, com varandas que
davam para o porto e para o mar.
- É tão lindo, exatamente como eu imaginei - exclamou Ina, olhando
maravilhada para os magníficos iates, ancorados naquelas águas azuis, e
para as flores que enchiam de colorido as varandas.
Podiam ver um pouco do palácio, numa colina atrás do porto.
- Lindo, lindo, lindo! Oh, tia Rosamund, como poderei agradecer por ter
me trazido para cá?
Rosie não respondeu.
Estava lendo atentamente, no Journal de Mónaco, o parágrafo que ela mesma
tinha redigido.
"Lady Rosamund Ormond, filha do nono conde de Ormond e Staverley, chegará
ao Hotel de Paris com sua sobrinha miss Ina Westcott.
Lady Rosamund Ormond era conhecida como Rosie Rill, a estrela do teatro
de variedades, e muitos hão de se lembrar do sucesso que obteve nos
seguintes espetáculos: Ali Babá, A Garota Boémia, Ilha dos Solteiros, O
Hipócrita, etc." Rosie sabia que aquela nota seria lida e relida por
todos em Monte Carlo.
45
O interesse aumentaria durante o dia, enquanto um grande número de
pessoas aguardava que aparecesse pela primeira vez.
- Quando poderemos sair para dar um passeio, tia Rosamund? - perguntou
Ina, assim que Amy começou a tirar as coisas das malas.
- Nós ficaremos aqui até a noite.
- Até a noite? - repetiu Ina, espantada.
- Sim, querida, até a hora de descermos para jantar. Depois, iremos
visitar o cassino.
- Mas, tia Rosamund, está um sol lindo, e temos tantas coisas para ver!
- Terá muito tempo para ver tudo, e como estou muito cansada, e Amy muito
ocupada para a acompanhar, você vai ficar aqui.
- Claro... se é assim que deseja - respondeu Ina docemente, mas
desapontada. - vou ajudar Amy a arrumar as roupas.
Havia muito o que fazer. Tinham trazido uma bagagem enorme.
Só os vestidos novos de Ina enchiam todo o seu guarda-roupa e mais um
armário na passagem que ligava o seu quarto com a sala.
Ela parecia viver um sonho. Passava o tempo indo à janela para ver os
iates saindo e entrando do porto.
À medida que o dia ia passando, as águas do mar tornavam-se cada vez mais
azuis e a bandeira hasteada no alto do palácio tremulava ao vento.
Era tudo maravilhoso, e ela não se conformava de ter que ficar ali
trancada, com tudo o que havia para ver lá fora.
Mas sabia que seria uma ingratidão questionar alguma ordem da tia, que
estava sendo tão boa para ela.
Quando poderia ter imaginado, ou mesmo esperado, que a tia a recebesse de
25. braços abertos, quando fora procurá-la, e i ainda por cima que a cobrisse
de vestidos elegantes e a trouxesse para Monte Carlo?
46
Deitada na cama do outro quarto, Rosie lia cuidadosamente a lista das
pessoas que estavam no principado.
A grande maioria eram ingleses, incluindo o duque e a duquesa de
Marlborough, lorde Victor Paget, lorde Farquhar.
Havia também o barbado duque de Norfolk, o conde de Rosslyn e Lily
Langtry.
Entre os que estavam para chegar, liam-se os nomes do rei de Wurkemberg,
os grão-duques Serge e Boris da Rússia, o grão-duque de Luxemburgo,
príncipe Kotchoubey.
Rosie lembrava-se de que ele andava sempre com um cachorrinho de
estimação, um dachshund, enquanto o príncipe Mirza Riza Kahn, da Pérsia,
usava um fez.
Lia os nomes em voz alta, e de repente parou e fitou atentamente o
jornal, para se certificar de que não estava enganada.
"O marquês de Colthaust, acompanhado de seu filho, o visconde Colt."
Estava com sorte. Era o que ela queria.
Ele estava ali, em Monte Carlo, e ainda por cima com o visconde Colt, que
era o que ela mais tinha desejado.
Amy trouxe as novidades do teatro, que ela, orgulhosa demais, não queria
obter por seus próprios meios.
Várias vezes ao longo desses anos, ela, afastada do mundo teatral porque
não brilhava mais como estrela, foi assistir a espetáculos disfarçada,
para que ninguém soubesse quem era.
Vestia roupas simples, e escondia-se atrás de óculos escuros e um véu que
cobria seu rosto. Sentava-se sempre na última fileira da plateia, de onde
apreciava às atrizes, desfilando como ela tinha feito durante tantos
anos.
Vendo os quadros que lhe tinham dado tanto sucesso pela sua beleza, não
pelo desempenho, sentia que não tinha perdido nada. Nem ao menos tinha
saudade dos velhos tempos.
Não tinha inveja das flores que a nova estrela recebia.
Não tinha inveja dos aplausos que as novas garotas provocavam e de ouvir
dizer que eram mais belas do que nunca.
Amargura, era apenas o que sentia.
Tinha perdido o lugar em ambos os mundos a que tinha pertencido.
47
Recordando nitidamente o seu lar - uma enorme mansão rodeada pelos cinco
mil acres de terra que pertenciam a seu pai -, o teatro de variedades,
apesar de ter sido a sua vida por tantos e tantos anos, parecia cada vez
mais irreal. Na verdade, sempre fora uma estranha naquele meio. Na sua
vida, só dois homens haviam tido importância. Primeiro, Vivian Vaughan,
que tinha morrido. Tinha lido há três anos atrás que tivera um ataque do
coração.
Não sentiu nenhuma emoção ao saber da sua morte. Nada, além da memória de
um rosto bonito que, aos dezoito anos, a tinha privado de tudo o que lhe
era querido e familiar.
Em troca, tinha recebido uma felicidade estranha e ilusória, durante um
curto espaço de tempo.
Erradamente ele a convencera de que ele era a única coisa que ela
possuía, e quando o perdeu, Rosie ficou absolutamente só.
A realidade fora essa mesma.
Depois, como um meteoro cruzando o céu, apareceu o marquês de Colthaust.
O amor que sentira por ele fora bem diferente das românticas emoções da
Rosamund Ormond de dezoito anos.
26. Mas ele a tinha deixado, e a agonia de perdê-lo ainda a mantinha acordada
de noite.
Durante o dia, continuava sofrendo tanto que preferia morrer. E agora,
ele estava ali! Ali! Devia estar um velho. Se ela tinha cinquenta e
cinco, ele devia ter perto de setenta, e, segundo Amy, o filho seguia
seus passos.
- Dizem que Lilly Layman está tão apaixonada pelo visconde que, quando
entra em cena, esquece-se do texto.
- Como é que você sabe? - perguntou Rosie.
- Fofocas do teatro. É a terceira garota que se apaixonou por ele este
ano. São todas iguais, apaixonam-se pela aparência dele, sua língua de
mel e seu dinheiro. Um galho do mesmo tronco, é isso o que ele é!
Sabendo que Rosie morria de curiosidade, Amy ia ao teatro mais vezes do
que de costume.
48
As novas camareiras ficavam sempre satisfeitas em ver Amy. Ficavam
fofocando e bebendo cerveja, ou, se uma das atrizes era mais generosa,
champanhe.
Amy depois voltava para casa correndo, para contar as novidades a
Rosie.
Não acontecia nada no teatro que não se ficasse sabendo imediatamente.
Cada garota competia com as outras para ter o maior número de
admiradores.
Concentravam a atenção naqueles que lhes proporcionavam os momentos mais
agradáveis, as jóias mais caras e o maior número de festas.
O visconde Colt, tal como o pai, tinha as suas próprias regras.
Divertia-se muito mais em conquistar uma garota que lhe interessasse do
que em frequentar festas.
Ele as conquistava mais por ser atraente e irresistível, do que por ser
rico e importante.
"Língua-de-mel é uma descrição perfeita", pensava Rosie, lembrando-se das
coisas que Lionel Colthaust costumava dizer-lhe.
Como uma coelhinha idiota, hipnotizada por uma cobra, ela não conseguira
resistir.
Baseada em tudo o que Amy lhe contava, imaginou que o visconde, tal como
o pai, sentiria atração por garotas jovens e pouco sofisticadas.
Rosie sabia que tinha sido o seu cabelo louro, seus olhos azuis e sua
infantil crença no amor que a haviam tornado atraente para ele.
Fora tudo muito natural, porque ela tinha encontrado o amor da sua vida.
Ele a envolvia na beleza e na felicidade, e ela ignorava tudo o que
pudesse ser desagradável.
Só quando o marquês a deixou é que percebeu tudo o que tinha perdido.
A realidade que tinha que encarar era dura, cruel, e até mesmo brutal.
49
Aprendeu a pensar uma coisa e a dizer outra, a ter os olhos brilhando
como estrelas, sem deixar transparecer seus sentimentos.
Aprendeu a dizer aos homens aquilo que eles queriam ouvir e que,
invariavelmente, era um elogio.
A jovem Rosie nunca teria sido capaz de forjar um plano de vingança
contra quem quer que fosse, muito menos contra a sua família ou contra o
homem que tinha amado.
Mas a Rosie que tivera que lutar por si própria, repetindo milhares de
vezes para si mesma que nada mais contava a não ser o dinheiro, era uma
pessoa completamente diferente.
Estava representando o seu próprio drama, e parecia que o destino estava
do seu lado.
Tudo o que queria haveria de acontecer.
27. O visconde Colt estava jantando com amigos, no Hotel de Paris.
O enorme salão de jantar estava repleto e, pelas nove horas, parecia não
haver uma única cadeira vazia.
No entanto, a mesa mais bem situada da sala, junto a uma janela,
continuava vazia.
Não dava muito na vista, porque em todas as outras mesas mulheres
cobertas de jóias e plumas ofuscavam todos os olhares.
Os cavalheiros, elegantes com suas casacas e peitilhos engomados,
completavam harmoniosamente o conjunto.
Era um luxo que não podia ser suplantado, nessa época do ano, em qualquer
outra parte da Europa.
- Devo dizer, Victor - comentou lorde Charles -, que raramente vi tantas
mulheres bonitas num só lugar, a não ser, é claro, no teatro de
variedades.
O visconde riu.
- Sinto-me inclinado a concordar com você, Charles, e não estou bem certo
se as atrizes não serão mais divertidas individualmente, apesar de ter
que admitir que esta coleção de mulheres é, sem dúvida, excepcional -
retorquiu o visconde.
Olhou para uma das mais famosas bailarinas clássicas da
50
Rússia, depois para uma conhecida beldade, membro do grupo iviarborough
House.
Numa mesa mais distante estava a amante do grão-duque Alexis.
Diziam que sua beleza fora a causa do suicídio de três homens, quando
deixara de se interessar por eles.
Seguindo o olhar dele, Lorde Charles riu veladamente. Depois, reparou
na expressão do rosto do amigo, que deixava transparecer que o atual
romance do visconde estava chegando ao fim.
A mulher que tinha trazido para Monte Carlo e que estava hospedada com
ele na vila do pai era encantadora.
Aos trinta e cinco anos, lady Constante Fane tinha enterrado um marido
e fugido do segundo, para ficar com o visconde.
Era cinco anos mais velha do que ele; no entanto, seria impossível haver
mulher mais bela e mais sofisticada na arte de atrair um homem.
- O que Constance não sabe sobre a arte do amor poderia ser escrito num
selo de correio! - comentara alguém, recentemente.
Como o homem a quem o comentário fora dirigido sabia que o visconde
estava na sala, disse em voz baixa ao amigo que tinha falado:
- Colt levou vantagem porque, tal como o pai, é muito entendido em
mulheres!
Lorde Charles imaginava em quem os olhos errantes do visconde recairiam
agora.
O marquês, que estava na vila acamado, com gota numa perna, fora
conhecido, durante anos, como "o marquês vicioso".
Não havia dúvida de que seu filho Victor dava seguimento à reputação do
pai.
"À busca da beleza", disse lorde Charles para si mesmo, sem saber se lady
Constance saberia que o seu reinado estava terminando.
Observou-a colocar a mão no braço do visconde para despertar a sua
atenção.
51
- Em que está pensando, Victor? - perguntou ela com uma voz doce e
sedutora, que fazia de cada palavra uma carícia.
- Estava pensando que você, sem dúvida nenhuma, é a mulher mais bonita
que está aqui - respondeu ele.
Era a resposta que ela esperava ouvir. Mas, para lorde Charles, a
28. resposta soou automática demais, sem sinceridade.
Nesse momento, os presentes viraram a cabeça para ver as retardatárias
que atravessavam o salão, dirigindo-se para a mesa vazia, junto da
janela. Essa mesa ficava ao lado da de lorde Charles e do visconde.
Ambos olharam com interesse para a distinta senhora, que se aproximava
com tanta graciosidade que parecia um navio deslizando ao vento.
Ambos tiveram a sensação de já a ter visto.
O rosto era familiar, mas não conseguiam identificá-lo.
Imediatamente atrás vinha uma moça.
Parecia a personificação de Prosérpina, despontando das trevas de Hades.
Era loura, a beldade típica inglesa, mas de certa forma diferente desse
tipo de beleza.
Os olhos enormes, azuis como as águas do Mediterrâneo, pareciam preencher
todo o seu pequeno rosto.
O cabelo, penteado com simplicidade, tinha o dourado do sol, e a enfeitá-
lo apenas um pequeno botão de rosa.
Era a única nota de cor, pois o vestido que usava era branco.
Mas mesmo esse vestido branco era diferente dos vestidos das outras
jovens.
Entremeado de prata, brilhava como uma gota de orvalho caído de uma flor.
Sentou-se à mesa, e o visconde e lorde Charles não conseguiam afastar o
olhar.
- Quem é ela? - perguntou lorde Charles, sem conseguir conter a
curiosidade.
- Não faço a menor ideia! - respondeu o visconde. - Mas é a criatura mais
linda que meus olhos já viram!
Reparou que o maítre se afastava da mesa para onde as tinha encaminhado.
Chamou-o.
52
Quem são as senhoras que acabam de chegar? - perguntou num francês
perfeito.
São lady Rosamund Ormond, milorde, de quem Sua Senhoria, seu pai, se
lembrará como a estrela de teatro, madame Rosie Rill, e a sobrinha, mm
Ina Westcott.
- Rosie Rill? Não posso acreditar! - balbuciou o visconde, entre dentes.
Assim que o maitre se afastou, perguntou a lorde Charles:
- Será que o homem não está enganado? Ele disse mesmo Rosie Rill?
- Agora que mencionou esse nome, acho que a estou reconhecendo. Só a vi
uma vêz, antes de partir para Eton, mas estou certo de que é ela.
- E é sua sobrinha! - disse o visconde, como se quisesse se certificar de
que ela era real.
Nesse momento, lady Constance disse suavemente, para desviar a atenção
dele:
- Você está me negligenciando, Victor querido!
- Como pode pensar uma coisa dessas? - perguntou o visconde, não
resistindo a olhar novamente para o rosto absurdamente bonito da jovem
sentada na outra mesa.
Comparando as duas, lorde Charles achou que lady Constance, de repente,
parecia muito velha.
Talvez fosse uma ilusão de ótica, ou talvez porque a recémchegada era
muito jovem, jovem demais para estar em Monte Carlo.
Tivesse a idade que tivesse, era de uma beleza ímpar, e lorde Charles
agora tinha a certeza absoluta de que, para o visconde, lady Constance
era assunto encerrado.
Apesar de tê-la trazido para Monte Carlo, ela certamente teria que
arranjar outra pessoa para levá-la para casa.
com pena, lorde Charles começou a conversar animadamente com ela.
29. Falaram dos vários amigos comuns que já tinham encontrado desde que
haviam chegado e de outros que ele esperava até o final da semana.
- Disseram-me que esta é a melhor temporada que Monte Carlo já conheceu -
disse ele.
53
Mas só então reparou que lady Constance não o estava escutando.
O visconde tinha deixado de lado o fingimento e não parava de olhar para
Ina.
Rosie deu-se conta da sensação que a entrada das duas provocara e do
interesse que despertavam nos ocupantes da mesa ao lado.
Mas Ina olhava à sua volta como uma criança que tivesse acabado de entrar
num país encantado.
- Nunca vi tantas jóias, tia Rosamund! E não sabia que as senhoras usavam
plumas de avestruz nos cabelos, à noite.
- Usam muito mais durante o dia. É sinal de que ou são muito ricas ou que
o cavalheiro que as acompanha pode proporcionar-lhes o que há de melhor!
Falara irrefletidamente, e só depois reparou que não era o tipo de coisa
que pudesse comentar com Ina. Felizmente, ela não estava prestando muita
atenção.
- Por que todo mundo vem aqui? A comida é melhor que nos outros lugares?
- Não é a comida que os motiva, mas as companhias explicou Rosie. - As
mulheres que visitam Monte Carlo querem ver e ser vistas. Esta terra é o
cenário perfeito para os ricos, as pessoas de sucesso e as beldades.
Ina desatou a rir.
- Oh, tia Rosamund, a senhora diz coisas de um jeito tão engraçado! De
certa forma, tudo isto mais parece uma peça de teatro do que a realidade.
- E é exatamente o que é - respondeu Rosie, olhando de soslaio para a
mesa do lado.
"Fui muito esperta!", disse para si mesma, reparando na expressão do
visconde ao olhar para Ina.
Ela tinha dado uma generosa gratificação ao maítre, para ficar na mesa ao
lado da que estava reservada em nome do visconde Colt. E tinha valido bem
a pena.
Agora, a não ser que estivesse enganada, a cortina ia subir e o drama, o
seu drama, ia começar.
Suspirou, satisfeita, e pediu meia garrafa de champanhe e água mineral
para Ina.
54
Nem lhe perguntou o que queria beber, pediu o que achava próprio para
uma jovem daquela idade.
Da mesma maneira, tinha encomendado vestidos que, sabia, tornariam a sua
protegida o alvo de todos os olhares, quando entrassem no salão de
jantar.
"A juventude tem um brilho e um encanto todo peculiar", pensava.
Lembrava-se claramente de ter provocado um murmúrio geral nos homens da
plateia, na primeira vez que subira ao palco.
E não fora só por ser bonita, mas por personificar o ideal que todos
continham no coração e que nunca esperavam ver.
"E com isso lucrei apenas uma breve alegria com dois homens, um que
preferia dinheiro ao amor e o outro, sangue azul", pensou, cinicamente.
Olhou novamente para o visconde, sentindo que o odiava por ser filho de
quem era e por ser tão parecido com o pai.
Há muito tempo lorde Colthaust tinha olhado para ela como seu filho
olhava agora para Ina.
Há muito tempo ele lhe tinha falado com sua voz baixa e profunda, como se
ela fosse a única mulher no mundo, aprisionando seus olhos e seu coração
com tanta beleza.
30. Por instantes, voltou a sentir no peito a dor, a mesma agonia em que
ficou quando ele a deixara, a miséria que a invadira quando fora até o
rio Tamisa, achando que a única solução para o seu sofrimento era jogar-
se naquelas águas geladas.
Mas não tinha morrido, continuara vivendo.
E tinha jurado que um dia, de alguma forma, iria mostrar a Lionel
Colthaust, a Vivian Vaughan e ao pai que não podiam vencê-la.
Por mais que tentassem, não tinham força suficiente.
"Eu os odeio! Odeio tudo o que representam, tudo aquilo por que lutam,
tudo aquilo em que acreditam e tudo o que eles acham importante!",
pensou.
Queria poder gritar alto aquele desafio, para que o visconde a pudesse
ouvir e fosse contar ao seu pai que ele era o responsável por aquela
explosão de raiva.
Em vez disso, fez um comentário leve, que provocou a risada de Ina, um
som jovem e espontâneo, que fez aparecer duas
55
covinhas de cada lado da boca e tornou seus olhos mais brilhantes do
que já eram.
O visconde observava tudo, e Rosie sabia disso.
Lembrava-se do pai dele dizendo que, quando ela ria, era o riso mais
bonito e alegre que ele já tinha ouvido.
"Eles não vão rir, quando eu levar o meu plano até o fim", jurou,
vingativa.
Bebeu um pouco de champanhe para pensar com mais clareza no que devia
fazer quando o jantar terminasse.
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CAPITULO IV
Deliberadamente, Rosie prolongou o jantar, até que o salão estivesse
praticamente vazio, para depois ir para o cassino.
Atravessou a enorme sala de jogo com uma expressão de desdém estampada no
rosto.
Ina, seguindo atrás, olhava cheia de excitação para os crupiês, sentados
como sentinelas na extremidade de cada mesa.
Os jogadores eram exatamente como ela esperava.
As senhoras mais velhas, com grandes chapéus de plumas, seguiam
avidamente o rolar da pequena bola branca da roleta.
Os velhos, com mãos de garra, seguravam firmemente suas fichas.
As mulheres de cabelo pintado, exuberantemente vestidas, bajulavam
qualquer homem que ganhava.
A entoação dos crupiês, os gritos de alegria quando alguém ganhava, era
tal e qual o que Ina tinha imaginado, mas ainda mais dramático.
Sua tia dirigiu-se para a sala privativa e foi cumprimentada por
empregados de libré.
Ali, a atmosfera era bem diferente.
Para começar, era muito mais tranquila.
As mesas não estavam tão cheias, havia flores, um carpete macio e janelas
abertas para a noite.
Sentia-se a mesma dramaticidade; no entanto, como Ina disse para si
mesma, mais aristocrática e controlada.
Rosie foi andando devagar por entre as mesas, ignorando diversas cadeiras
vazias onde poderia ter-se sentado.
Parecia estar reparando apenas no jogo, mas a verdade é que procurava uma
certa pessoa.
31. Quando a viu, parou e ficou olhando para o crupiê, que tentava os
jogadores:
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- Senhoras e senhores, façam o jogo.
O visconde Colt estava de pé atrás da cadeira de lady Constance.
Ela levantou o rosto adorável para perguntar em que número ele queria que
ela apostasse.
- Sinto que estou com sorte esta noite, Victor! E não poderia ser de
outra forma, uma vez que estou com você! Qual é o seu número favorito?
O visconde pensou, sarcasticamente, que todas as mulheres confiavam mais
em sinais e símbolos do que na própria intuição.
Havia pessoas no cassino que acreditavam que as coisas mais
extraordinárias iriam influenciar as cartas ou a rodada da roleta.
Um homem andava sempre com sal no bolso.
Outro tinha uma aranha numa caixa, e a maneira como a aranha se movia era
a indicação para que ele apostasse no preto ou no vermelho.
Uma mulher acreditava piamente num pedaço de corda que tinha servido para
enforcar um criminoso.
Outra consultava uma cigana todas as noites antes de ir para o cassino.
Para o visconde, esse tipo de gente era tão ridícula quanto as suas
superstições, e tão aborrecida como os próprios jogos.
Não gostava de jogar, e nessa noite mesmo tinha comentado com Charles:
- Dez minutos no cassino parecem-me dez horas. Não tenho intenções de me
demorar.
- Muito bem. Afinal de contas, você tem seus divertimentos em casa -
respondera lorde Charles, olhando para lady Constance enquanto falava e
provocando a risada do visconde.
Ia começar a se afastar para ver se encontrava alguma pessoa com quem
conversar, deixando lady Constance perder à vontade o dinheiro que lhe
tinha dado, antes de ir ter com ele, quando uma senhora esbarrou nele.
Todas as fichas que ela tinha na mão espalharam-se pelo chão.
- Desculpe, lamento muito! - exclamou Rosie - Alguém me empurrou.
- É o que inevitavelmente acontece neste lugar - respondeu
58
o visconde. - Há sempre gente com pressa de perder dinheiro, ou,
depois de perder, de correr para se suicidar!
Rosie desatou a rir, enquanto Ina se abaixava para apanhar as fichas que
tinham caído.
O visconde fez o mesmo, e, ao tentar pegar a mesma ficha que Ina, tocou
nos dedos dela. Seus olhares se encontraram.
Era tão linda que, por momento, ele esqueceu-se de onde estavam e do que
estava fazendo.
Só conseguia olhar para ela, com a mesma sensação de irrealidade que
tinha sentido no salão de jantar.
Envergonhada, ela se levantou.
Ele também se ergueu, segurando uma ficha com dois dedos.
Continuava a olhar para Ina, e quase levou um susto quando ouviu Rosie
dizer:
- Creio que essa é a última ficha que deixei cair. Muito obrigada.
Antes que ela se afastasse, o visconde conseguiu recobrar a voz, dizendo:
- Posso apresentar-me? Creio que conhecia meu pai, o marquês de
Colthaust. Ouvi-o falar na senhora.
- Mas é claro! - exclamou Rosie, fingindo-se admirada.
- Conheci seu pai, há muitos anos atrás. Ele ainda vive?
- Perfeitamente, mas teve um ataque de gota e está confinado na vila.
- Lamento saber disso. Gota é uma doença que aflige muito.
- É verdade. Meu pai ficaria muito satisfeito em saber que a senhora está
32. em Monte Carlo.
Rosie inclinou a cabeça graciosamente. Vendo que ela se preparava para se
afastar, o visconde apressou-se em dizer:
- Posso servi-la em alguma coisa?
Falava com Rosie, mas seus olhos estavam em Ina. com relutância, como se
não achasse muito correto, Rosie respondeu:
- Talvez deva apresentar minha sobrinha, Ina. Este é o visconde Colt,
cujo pai eu conheci há muito tempo atrás, quando era um pouco mais velha
que você.
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ína sorriu, e foi como se o cassino ficasse subitamente inundado de sol.
Para ela, o visconde era o homem mais lindo que já tinha visto.
Estendeu-lhe a mão, sentindo que os dedos dele transmitiam uma vibração
muito forte.
Como não estava habituada a usar luvas, tinha-as tirado ao entrar na sala
privativa.
A tia não tinha reparado, e ela nem se dera conta de que mais nenhuma
senhora presente estava sem luvas.
O visconde segurava sua mão e, quando a fitou, teve a sensação de que
seus olhos diziam coisas muito mais importantes do que seus lábios
pudessem pronunciar.
- Estou encantado em conhecê-la - disse, com uma voz profunda. - Quando a
vi durante o jantar no Hotel de Paris, não acreditei que fosse de carne e
osso!
Ina deu uma risada, respondendo:
- É o que estou achando, que nada disto é real. Estou com medo de acordar
de um sonho.
Rosie soltou uma exclamação que soou como uma intromissão às duas pessoas
que estavam a seu lado.
- Estou com o palpite de que devo jogar - disse ela. Depois acrescentou,
como se só naquele instante se tivesse
lembrado:
- Será que podia fazer o favor de tomar conta da minha sobrinha por uns
minutos? Ela nunca esteve num cassino, e realmente não gostaria de deixá-
la sozinha.
- Claro! Será um prazer!
Havia uma cadeira vazia na mesa perto de onde lady Constance estava
sentada.
Rosie encaminhou-se rapidamente para lá e sentou-se.
- Quer jogar? - perguntou o visconde a Ina.
- Não, claro que não e, além do mais, não tenho dinheiro.
Falou com toda a naturalidade, deixando transparecer que nem lhe passaria
pela cabeça que ele bancasse o jogo, como tinha feito com lady Constance.
- Nesse caso, gostaria de lhe mostrar algo que você deve apreciar.
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Ina olhou para ele, intrigada.
Pegando-lhe no braço, ele a guiou por entre a multidão até uma
antecâmara onde havia pessoas bebendo.
Uma grande janela francesa abria-se para o jardim.
Ina atravessou-a olhando para as palmeiras, recortadas contra o céu
estrelado.
Foram andando pelo gramado, sem falar, até verem embaixo as luzes do
cais.
Os iates refletiam-se no mar, proporcionando a mesma cena bonita que ela
tinha apreciado da janela do seu quarto, enquanto se vestia para jantar.
Àquela hora, em que as estrelas começavam a desaparecer sob o brilho da
lua, era mais linda ainda, e, de certa forma, mais irreal.
33. Ina olhou para o porto, depois para o céu, inconsciente de que o marquês
só tinha olhos para ela.
- Em que está pensando?
Sem se voltar, como ele esperava, ela continuou olhando para a lua, e
respondeu:
- Estava lembrando que meu pai disse uma vez que, quando vemos uma vista
tão linda assim, ouvimos uma boa música ou escutamos um belo poema, o
nosso coração se eleva, tal como numa prece.
Ina falava como se estivesse pensando alto, e o visconde percebeu que
suas palavras não eram estudadas, mas traduziam fielmente seus
pensamentos.
- Então você estava rezando... Posso perguntar qual a graça que queria
obter?
- Não estava pedindo nada, apenas agradecendo a Deus por estar aqui e por
estar sendo incrivelmente feliz.
Como continuava olhando para cima e ele queria sua atenção, disse:
- Venha, vamos sentar-nos. Conte-me por que se sente assim. Encaminhou-a
para um banco, colocado junto a uns arbustos em flor, entre as palmeiras.
Obedientemente, como uma criança, Ina sentou-se. O visconde virou-se para
ela, com o braço apoiado nas costas do banco.
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- Agora conte-me sobre você.
- Eu preferia falar sobre Monte Carlo. Ouvi falar muito nesta cidade, mas
não fazia ideia de que pudesse ser tão fantástica e, ao mesmo tempo, tão
diferente.
- Parece uma contradição. mas é o que eu sinto - continuou, fazendo um
pequeno gesto com as mãos.
Torcendo levemente os lábios, o visconde pensou que esse não era o tipo
de conversa que estava acostumado a ter com mulheres.
Sabia muito bem que era mais bonito e tinha um ar mai distinto do que
qualquer dos seus contemporâneos, e estava habituado a que as mulheres,
qualquer que fosse a idade, o achassem irresistível.
Elas praticamente se atiravam em seus braços, antes mesmo de ele lhes
perguntar o nome.
Tinha o pressentimento de que esta jovem e linda garota não estava
pensando nele como homem, mas apenas como outro morador da bela e
encantada Monte Carlo!
- Mora com sua tia há muito tempo? Ina abanou a cabeça.
- Apenas há duas semanas.
O visconde ficou intrigado. Quem sabe se Rosie Rill não trouxera essa
jovem com o firme propósito de chamar atenção?
- Você está me deixando curioso. Como é que só conhece sua tia, se é que
é sua tia, há duas semanas apenas?
- Claro que ela é minha tia! Mas, enquanto papai foi vivo, nunca permitiu
que eu a conhecesse. Então, quando ele morreu, fiquei sem dinheiro
nenhum, e, sem saber como poderia ganhar para o meu sustento, fui para
Londres pedir a tia Rosamund para me ajudar.
Resumiu a história com toda a simplicidade, mas, apesar disso, o visconde
dizia a si mesmo que não era tolo a ponto de acreditar naquela conversa.
Devia haver outra explicação qualquer.
Não se lembrava de alguém alguma vez ter mencionado em casa, quando ele
era um garoto ainda, que Rosie Rill fosse lady Rosamund, como ela se
intitulava agora.
Tinha que perguntar ao pai.
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No momento, achava que tudo aquilo era um embuste, inteligente, admitia,
mas que não passava de um embuste.
34. Era tudo um plano mirando atrair um homem rico como ele, não para Rosie,
que já estava velha, mas para a pretensa sobrinha.
O maitre tinha dito que elas haviam chegado nesse mesmo dia.
Achou melhor atacar o quanto antes. Bonita como Ina era, o melhor era não
facilitar.
Pelo comportamento de Rosie, não devia ser muito difícil. Tinha aplicado
um velho truque: deixar cair as fichas no chão e esperar que alguém as
apanhasse.
Não só era uma boa introdução, como, no passado, era o método utilizado
por escroques em cumplicidade com crupiês desonestos, para roubar grandes
quantidades de dinheiro.
Não, pensou, Rosie teria que ser muito mais esperta para conseguir
enganá-lo.
Fosse como fosse, não havia dúvida de que a sua cúmplice era a jovem mais
atraente que tinha visto em toda a sua vida.
- Que idade você tem?
- Tenho dezoito anos.
- Você é muito jovem e muito bonita. E já deve ter ouvido o mesmo elogio
da boca de muitos homens - acrescentou, sarcasticamente.
- Não onde eu morava.
- E onde era?
- No vicariato de meu pai, em Redmarley, Gloucestershire. Falou com tanta
convicção que o visconde quase acreditou. Mas algo o advertia de que era
tudo muito puro, muito evidente.
Uma história que ele mesmo poderia ter escrito: uma moça, jovem e muito
bela, vai a Monte Carlo pela primeira vez.
Fica atordoada com tudo o que vê, porque acaba de sair de um vicariato no
meio dos campos agrestes da Inglaterra.
É apresentada pela falsa tia, uma das mais famosas estrelas do teatro de
variedades, cujo nome ainda é lembrado com nostalgia, a um rico visconde.
Esse visconde, desde criança, ouve os seus criados falarem sobre Rosie
Rill.
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Mais tarde, ouve os amigos do pai contarem que a maior ambição da vida
deles fora poder ter a oportunidade de levar Rosie Rill para cear.
Ina, vendo o silêncio do visconde, pensou que estava fazendo alguma coisa
errada e, virando-se para ele, disse, um pouco nervosa:
- Eu, eu. acho que devemos voltar. Tia Rosamund pode estar procurando por
mim.
- Garanto que, logo que alguém começa a jogar roleta ou bacará no
cassino, esquece-se de tudo e de todos. O tempo não existe mais.
- Não acredito que tia Rosamund seja assim.
- E eu não acredito que ela seja uma exceção à regra. Todos os que entram
no cassino são apanhados numa louca teia de aranha, e jogam e jogam, até
o dinheiro desaparecer.
Ina soltou uma exclamação de protesto.
- Isso não pode acontecer a tia Rosamund! Nós não poderíamos mais ficar
aqui.
- Nesse caso, convidarei você a ficar comigo. Ina desatou a rir.
- Não é muito provável, uma vez que acaba de me conhecer! Se ficarmos sem
dinheiro, terei que arranjar algum trabalho em Monte Carlo.
- E o que acha que poderia fazer? - perguntou o visconde, num tom
definitivamente cínico.
Sabia a resposta, mas queria ver se ela tinha coragem suficiente para
pronunciá-la.
Ela ficou em silêncio por uns momentos, depois disse:
- É exatamente o que me preocupava quando fui ter com tia Rosamund. Sabe,