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1-Campo de batalha.........................................................................página 3
2-Análise tática no jornalismo esportivo.......................................página 7
3-Padrões de comportamento.......................................................página 11
4-Conceitos básicos......................................................................página 13
4.1-triade primária................................................................página 14
4.1.1-posicionamento (ou posicionamento inicial)...............página 14
4.1.2-posição........................................................................página 14
4.1.3-função.........................................................................página 14
4.2-tática e estratégia.......................................................... página 16
4.3-desmembrando a tática.................................................página 16
4.4-momentos do jogo.........................................................página 18
4.4.1-organização ofensiva..................................................página 19
4.4.2-organização defensiva................................................página 27
4.4.3-transição ofensiva.......................................................página 37
4.4.4-transição defensiva.....................................................página 38
4.4.5-bola parada.................................................................página 41
5-Sistemas táticos..........................................................................página 42
6-Método de análise.......................................................................página 59
6.1-Identificar o posicionamento inicial................................página 60
6.2-Estabelecer o sistema tático base.................................página 60
6.3-Descrever as funções dos jogadores.............................página 63
6.4-Identificar o sistema de marcação.................................página 64
6.5-Diagnosticar o estilo do time..........................................página 65
6.6-Recorrer a ferramentas de auxílio.................................página 66
7-Contextos complementares do jogo.........................................página 68
8-Enviando a mensagem...............................................................página 70
9-Posições, funções e expressões...............................................página 72
10-Conclusão..................................................................................página 74
3
1. CAMPO DE BATALHA
Vem da literatura bélica a popularização da palavra “tática”, e
consequentemente de seu conceito. Debruçados sobre mapas que
descreviam a topografia das regiões em conflito, militares das mais
altas patentes destacaram-se pelas vitórias amparadas em
planejamento – quem ataca, de que forma, e quando; quem defende,
o que defende, e como.
Da teoria à prática, distribuíam nos campos de batalha seus
combatentes e seus apetrechos letais conforme uma lógica, levando
em consideração o maior número possível de fatores integrados ao
contexto - características do terreno e do tempo, virtudes e defeitos
próprios e do adversário. Seguiam, para a tomada de decisões,
preceitos encontrados em livros e no próprio aprendizado com a
experiência.
Nos filmes e seriados sobre o tema os militares encenados criam
armadilhas, encurralam oponentes, induzem os inimigos a fugir na
direção de emboscadas minuciosamente arquitetadas, simulam a
queda iminente para abrir a guarda rival. Cada soldado sabe
exatamente qual tarefa cumprir, de forma sincronizada com os
demais companheiros de bandeira.
Alguns comandantes desenham mapas com gravetos no chão
arenoso e empilham pedras simulando habitações. Localizam
geograficamente cada combatente, apontando onde ele deve estar, o
que deve fazer, e qual o momento exato para desencadear a ação.
Ministram verdadeiras palestras.
Cito em especial, se quiserem recordar ou então pesquisar para
assistir depois, cenas de filmes como “O Patriota”, “Gladiador”, “O
Último Samurai”, “300”, entre muitos outros. Legítimas preleções.
4
Sempre há referências táticas em qualquer filme ou seriado de
guerra e conflito.
Tática é, enfim, a arte de manobrar tropas. Imprescindível, portanto,
à organização das equipes de futebol inseridas no campo de batalha
delimitado por linhas brancas, bandeiras e traves. A organização no
futebol apropriou-se do planejamento bélico pela evidente analogia:
há duas tropas formadas por onze guerreiros distribuídos de forma
inteligente e com atribuições definidas para sobrepujar o oponente.
Neste contexto, o papel do jornalista especializado se torna
fundamental. É necessário estudar os mesmos conceitos aplicados
pelos treinadores para facilitar a compreensão dos movimentos das
equipes. Como um correspondente de guerra precisa fazer para
transmitir um relato o mais fiel possível de um conflito armado, ou
como o repórter de economia que antes de falar da política
econômica do país adquire conhecimento sobre o tema.
Em uma de suas melhores crônicas, “Exagero”, Luís Fernando
Veríssimo fala sobre os avanços tecnológicos e a consequente
adaptação humana aos novos confortos. Ele recorda, por exemplo,
que há algumas décadas não existiam rádios portáteis. Era
impossível ouvir uma transmissão esportiva e assistir ao jogo no
estádio simultaneamente. E então Veríssimo ironiza:
“Como as pessoas sabiam se estavam gostando ou não do jogo sem
ouvir os comentaristas?”
A sentença é verdadeira, e se aplica ao passado ilustrado pelo autor.
Antes da internet e da tevê a cabo o conhecimento público sobre
futebol estava restrito às opiniões dos comentaristas, geralmente
repórteres de campo com muitos anos de trabalho que, pelo
desgaste da idade, subiam às cabines.
5
Ainda hoje é assim. São bons contextualizadores, debatedores,
polemistas, mas não analistas táticos. Têm, nas suas agendas, nas
suas pautas, enfoque direcionado ao ambiente e aos efeitos, não às
causas, aos comportamentos dos jogadores. Por falta de hábito e de
interesse. Não é da cultura do antigo futebol brasileiro enfatizar a
tática, o jogo em si.
Mas a audiência tem novos integrantes. Hoje os garotos de dez anos
assistem às melhores coberturas esportivas do Brasil e de outros
países com tradição no jornalismo e no futebol, leem artigos em
blogs e sites das mais diversas origens, jogam videogames de última
(ou mais que última) geração. Inconscientemente qualificam-se para
o debate. Estão familiarizados com os conceitos táticos, desde a
simples “numerologia” dos sistemas até os complexos
estrangeirismos.
A grande massa, também é verdade, ainda está presa à frase de
Veríssimo, depende do comentarista não apenas para entender o
que supostamente acontece em campo, mas para formar a própria
opinião. Consome e fomenta o jornalismo no qual a análise é um
tabu. Este cenário, entretanto, vai mudar. Está mudando.
Esta nova audiência não precisa mais do comentarista para entender
o que está acontecendo. Eles já sabem, e querem da pessoa com a
caneta ou o microfone alguém com quem compartilhar as
informações. Em questão de minutos os jovens da geração
Playstation identificam sistemas táticos, funções dos jogadores,
estratégias, movimentos ofensivos e defensivos, jogadores-chave,
virtudes e defeitos das equipes. É uma demanda que precisa ser
atendida.
Conhecem os nomes, sabem as procedências, as idades, as
características. São capazes de produzir excelentes análises - e
alguns o fazem, artesanalmente, em blogs e redes sociais.
6
Consomem, também, o conteúdo de entretenimento ligado ao
futebol, mas não abdicam de avançar no entendimento do jogo.
O novo comentarista precisa acompanhar a nova audiência - mesmo
sabendo que haverá maior espaço e consequente maior repercussão
aos cortes de cabelo, às cores de chuteiras, às polêmicas e às
fofocas. O jornalista esportivo não é mais o pretenso e exclusivo
proprietário de um conhecimento que ele não tem, mas diz possuir.
Evoluiu o futebol. Passou da fase exclusivamente técnica - os
primórdios, quando a organização era incipiente, e as iniciativas
individuais sobressaíam-se; e também ultrapassou o período de
aprimoramento físico - os mais preparados, fortes e velozes venciam;
chegamos ao terceiro estágio da evolução deste esporte, o estágio
tático. A evolução técnica dos jogadores persiste, a preparação física
ainda avança, mas hoje a organização tática desponta e arrasta
consigo as demais valências.
Agora, para a audiência chegar ao estágio onde o futebol se
encontra, é papel do jornalista qualificar o debate. Ele não vê mais o
que ninguém vê. Não tem suas opiniões protegidas por um jogo
secreto assistido apenas in loco no estádio. Se antes o que dizia era
lei, hoje é apenas mais uma voz entre as centenas de milhares
emitidas nas redes sociais durante as partidas.
Ele deve compartilhar conhecimentos com os quais uma parcela do
público já se familiarizou, pela profusão de mídias e de
oportunidades, e precisa partir deste ponto - da análise criteriosa -
para alcançar a opinião embasada. Caminhar até onde se encontram
os mais jovens e desencadear uma procissão de novos interessados
pelo tema.
Não basta mais decretar o que é certo ou errado apenas em função
de preconceitos pessoais. A análise tática aplicada ao jornalismo
esportivo, fundamentada em conceitos teóricos e seguindo um
7
método claro de trabalho, oferece ao público um produto de acordo
com a evolução do futebol.
2. ANÁLISE TÁTICA NO JORNALISMO ESPORTIVO
Equipes de futebol são organismos vivos. A identificação do sistema
- os “numerozinhos” que ilustram a distribuição dos jogadores - são
apenas o ponto de partida da observação. A essência da análise
tática aplicada ao jornalismo está na compreensão dos movimentos
do jogo. Com a bola e sem ela, em todos os momentos da partida.
Descoberto o sistema tático base de cada time, o analista deve
aprofundar os elementos vinculados à estratégia: funções de cada
jogador, sincronias entre pequenos grupos, tipo de marcação, estilo
de jogo - sem ignorar fatores complementares, como o local da
partida, o contexto do campeonato, os jogadores disponíveis...
Por mais que este conteúdo especializado seja vendido como um
tabu pelos próprios jornalistas esportivos mais ligados ao
entretenimento - embora não sejam produtos excludentes, e possam
conviver pacificamente dentro de qualquer mídia - todos nós
desempenhamos a tarefa nas arquibancadas ou em frente à tevê.
Mesmo sem saber que o estamos fazendo.
Qualquer pessoa que perceba uma cobertura - volante protegendo o
lado atacado às costas do lateral que retorna do campo ofensivo -
está fazendo uma análise tática, ainda que inconsciente. Capturou
um movimento específico. O mesmo vale para o amigo ao seu lado
na arquibancada, que reclama da falta de posse de bola: análise
tática, novamente. Identificou um padrão. Muito além dos números,
que são fáceis de obter, são os comportamentos deste corpo coletivo
os alvos.
Como organismos vivos, os times movimentam-se. Mas, também
como organismos vivos, esta movimentação é organizada,
8
sincronizada. O treinador pede, o jogador cumpre. E a maneira como
o técnico transmite a ideia elaborada pode variar imensamente.
Esta obra dirige-se a jornalistas, não a técnicos, mas preciso
ressaltar: é evidente que o discurso do analista não é o mesmo das
preleções. Sabemos que o treinador fala com cada jogador de
acordo com sua capacidade de compreensão. Ele planeja o 4-4-2
com meio-campo em losango, cria e treina os movimentos, mas não
chega para o atleta e diz:
“Vais atuar como o vértice lateral direito do losango assimétrico que
elaborei”.
A prerrogativa da análise é do analista. Assim como a linguagem -
falaremos ao final sobre a comunicação com o público-alvo. O
jogador integra o vértice lateral direito de um losango, se preciso for,
sabendo ou não o que é um losango. Se ele não está familiarizado
com tamanha pompa, o treinador vai lá e diz:
“Você fica aqui desse lado, vai ter um volante por trás, sai pela direita
com a bola, fecha até aqui sem ela, vamos para dentro dos caras”.
Pronto, ele é o vértice lateral direito do losango, e quem estiver nas
cabines de imprensa, do alto, poderá identificar facilmente o desenho
tático da equipe e a função destinada a este jogador.
O discurso do técnico e o do jornalista, embora baseados nos
mesmos conceitos teóricos, têm características próprias, porque não
se dirigem ao mesmo público. Um não invalida o outro, pois falam da
mesma coisa com o uso de palavras diferentes.
Disseminar estas ideias parte da busca pela evolução da análise
tática na mídia de acordo com os conceitos teóricos que norteiam as
decisões dos treinadores. Com tantas inovações e variações em
evolução constante nestes organismos vivos chamados times de
9
futebol, estabelecer critérios ajuda a criar uma linha de raciocínio
uniforme. Qualquer partida será analisada sob os mesmos
parâmetros.
Quando iniciei as análises jornalísticas em 2008 no blog Prancheta,
no clicRBS, recém havia me formado no breve curso do Sindicato
dos Treinadores de Futebol do RS. A ideia não era me tornar técnico,
e sim aprimorar meu trabalho no jornalismo. O curso serviu de pedra
fundamental para a busca de bibliografias e para a construção de
uma rede de contatos formada por outros apreciadores do assunto
no Brasil e fora dele, trocando informações e conhecimentos.
Estudar ajudou a resgatar na memória o aprendizado da infância.
Ainda garoto, enquanto os amigos brincavam na rua, fechava-me na
biblioteca do curso de inglês Cultural - no centro de Porto Alegre, à
época gratuita - para ler sobre futebol.
Colecionava os manuais da Disney com a história das Copas e de
grandes jogadores, estudava sistemas táticos, e no quadro negro do
meu quarto passava instruções aos times de botão, em caprichadas
preleções recheadas de diagramas em giz. Estes manuais
continham, mesmo que as capas com Pato Donald e Zé Carioca
sugerissem o contrário, muitas informações relevantes sobre
treinadores, seleções históricas, jogadores e competições.
Programava o despertador para tocar cedo nos domingos, podendo
assim assistir aos jogos do Campeonato Italiano - competição da
qual colecionava cards com informações técnicas dos jogadores.
Guardava ainda revistas Placar, álbuns de figurinhas, e arquivava as
principais informações com recortes direcionados à parte tática.
Reuni todas estas referências, da infância e da antiga profissão, em
um método para a análise tática aplicada ao jornalismo esportivo.
Selecionei os conceitos que considero importantes seguindo uma
ordem lógica. Cada passo está concatenado ao anterior e ao
10
próximo. Desta forma, as análises dos meus blogs poderiam
apresentar aos leitores uma linha de raciocínio, um critério, sem
achismos ou demasiada opinião pessoal.
Vale destacar - e repetir, e repetir, e repetir - que esta fórmula não é
acadêmica, muito menos definitiva, professoral, exclusiva ou
excludente. Até porque minhas referências, já listadas, são em
grande parte empíricas. Fruto da minha vivência, da minha
experiência, do meu contato com outros. Partem da iniciativa
pessoal, da leitura, da tradição oral - sim, conversar com quem sabe
vale tanto quanto a informação escrita.
Não fiz faculdade de Educação Física. E nela há pouco sobre tática
aplicada ao futebol, assim como há pouco sobre análise. Defendo
que o treinador - não é este o foco do livro, mas não me constranjo
em dizer - não precisa ser educador físico, pois a comissão conta
com um preparador especializado.
O treinador precisa, sim, ser um estrategista, um pensador, em
elaborador de ideias colocadas em prática com o amparo de uma
grande comissão multidisciplinar formada por especialistas.
Mas formei-me jornalista. Portanto, o livro se dirige em primeiro lugar
àqueles que pretendem comunicar análises. E existe uma questão
muito importante neste processo: análise tática é informação, não
opinião.
Com um método, com processos encadeados, com uma lógica
implícita, com qualificação constante, acervo teórico e conteúdo, o
comunicador pode transmitir ideias claras e fundamentadas sobre os
movimentos de uma partida de futebol, sem achismo, sem opinião,
sem palpite. Informação, em resumo.
Compartilho agora este método pessoal não com a pretensão de
fazer dele uma regra, mas sim para ajudar quem se interessa pelo
11
tema. Comecei as análises às cegas, pois a bibliografia se dirige aos
treinadores - e, mesmo assim, é rara - não aos jornalistas. Como já
vimos, são discursos e públicos diferentes.
Faltam recursos teóricos para ajudar quem se propõe a traduzir os
acontecimentos do campo. Cada pessoa, seja um fã do assunto ou
um companheiro de profissão - afinal, ainda sou jornalista, embora
fora da grande mídia - pode se utilizar dele como princípio para a
formulação de um novo método, ou então adotá-lo integralmente.
Este processo de análise é o objeto das palestras e aulas dos cursos
que participo, seja na Escola Perestroika, seja em iniciativas
paralelas voltadas a alunos de comunicação ou jornalistas formados.
Tomara que ele sirva de auxílio aos atuais e aos futuros analistas
táticos.
O futebol evoluiu, a audiência está seguindo o mesmo caminho, não
fiquemos para trás. Disseminem e compartilhem todo o
conhecimento ligado ao tema. Qualificar o debate no jornalismo
esportivo não será uma luta vã.
3. PADRÕES DE COMPORTAMENTO
Alguém pode se perguntar: ora, diabos, por que analisar taticamente
uma equipe? Qual a finalidade? Não há mistério. Tanto nos
processos internos dos clubes - onde a função foi batizada “análise
de desempenho”, muito mais complexa - como na imprensa esportiva
especializada, o objetivo principal é identificar padrões de
comportamento.
Padrão de comportamento é uma expressão que se basta, mas não
custa explicá-la: no futebol, são ações que se repetem. E elas se
repetem pelo simples fato de que são treinadas. Analisar taticamente
uma equipe é decifrar as orientações transmitidas pelo técnico aos
jogadores.
12
De início, o mais importante é educar-se para separar as
circunstâncias de jogo dos padrões de comportamento. Futebol é
movimento, e por vezes toda a ordem treinada à exaustão é
insuficiente para lidar com uma situação, e aí conta-se com o
improviso, com o imprevisível.
No entanto, a ocorrência de ações circunstanciais não atrapalha a
análise porque, obviamente, elas não se repetem. E, se padrões de
comportamento são ações reiteradas, não é difícil peneirar o que é
fruto de treino, e o que é ocasional.
Dentro das comissões técnicas, a análise de desempenho serve para
auxiliar o treinador no planejamento de treinos. Diagnosticando
padrões de comportamento da equipe nos jogos e nas atividades
prévias, o técnico pode avaliar quais ações estão correspondendo ao
trabalho da semana, e quais outras precisam ser otimizadas, o que
interfere positivamente no microciclo de treinos.
Na análise tática voltada ao jornalismo esportivo, a identificação de
padrões de comportamento também serve, caso o profissional da
área acompanhe treinos, para verificar o que foi assimilado, e o que
não deu certo na relação com os trabalhos da semana. Mas serve,
principalmente, para transmitir informações relevantes à audiência.
Situação hipotética simples: o jornalista identifica um padrão de
comportamento defensivo. Nele, o lateral da equipe em questão
deixa a base da linha defensiva para acompanhar individualmente o
adversário que entra em seu setor, mesmo que ele esteja sem a
bola, e mesmo que ele se afaste bastante daquela região.
Em contrapartida, o adversário se utiliza disso para “jogar a isca”,
arrastando com um atacante o lateral para fora do respectivo lado, e
ingressando com outro jogador para receber livre e com espaço o
lançamento, causando desorganização no sistema defensivo.
13
Cabe ao jornalista esportivo fazer esse diagnóstico e informar à
audiência porque o jogador adversário recebeu livre o lançamento. É
uma informação, e a análise tática precisa ser trabalhada desta
forma.
Repito: é informação, informação e informação. Dito isso, o jornalista
até pode lançar sua opinião, dizer se acha certo ou errado a maneira
como o lateral está marcando o adversário - sem que sua opinião
seja uma verdade absoluta - mas acredito que o mais importante é
transferir para o ouvinte-telespectador-internauta-leitor-torcedor a
oportunidade para também pensar sobre o assunto e tirar sua própria
conclusão.
Antes, os comentaristas não especializados, alheios à análise tática,
eram tidos como “formadores de opinião”. Falei antes da crônica
“Exagero”, e a oportuna ironia sobre a influência dos comentaristas
em mentes vazias de conhecimento sobre o tema.
Hoje, entretanto, a audiência é capaz de formar o próprio acervo de
informações, de referências teóricas ou empíricas. E, com este
embasamento, compartilhar análises e opiniões com os
comentaristas, não mais os donos da verdade, mas sim participantes
deste grande debate futebolístico.
4. CONCEITOS BÁSICOS
Saber diferenciar conceitos básicos da tática no futebol minimiza os
erros causados pela confusão de referências diferentes. E, sem um
critério claro, a análise perde qualidade e credibilidade.
O mais comum entre os problemas provocados pela falta de uma
base teórica superficial é observar duas equipes com modelos de
jogo semelhantes, porém com perspectivas diferentes - ou o
contrário, enxergar analogias entre times totalmente divergentes.
14
Sem um critério, sem um padrão, o conteúdo oferecido se torna
confuso. Como não existem verdades, determinismos ou lógica no
futebol, o ponto de partida é importante na criação de uma linha de
raciocínio com a qual podemos identificar as referências do analista,
e assim debater suas ideias.
4.1-Tríade primária
Básico do básico: diferenciar posicionamento, posição e função.
Confundir estes conceitos é a maior causa de ruídos de comunicação
na análise tática, comprometendo a simples identificação do sistema
inicial.
4.1.1-Posicionamento (ou Posicionamento Inicial) é a região da
qual o jogador parte, e para onde ele retorna. Obviamente, na partida
em questão. A soma dos posicionamentos de cada atleta resulta no
sistema tático da equipe.
Por isso a prática mais comum para se identificar um sistema é
esperar a equipe ficar sem a posse de bola. Isso porque no momento
de marcar os jogadores retornam aos seus posicionamentos iniciais -
tiro de meta do adversário, por exemplo, é tido como o momento
mais fácil para tal observação. Mais à frente, entretanto, vamos
debater situações de exceção que envolvem a identificação do
sistema e os posicionamentos iniciais dos jogadores.
4.1.2-Posição é a característica do jogador. Não na partida em
questão, como no caso acima, mas sim “na vida”. É a palavra que ele
preencheria na hipotética questão “profissão” caso fosse entrevistado
por censeadores do IBGE. Diz respeito a suas virtudes, e como ele
as utiliza em campo.
4.1.3-Função é o conjunto de atribuições que o jogador cumpre na
partida. Sinônimo de tática individual. O que ele faz nos quatro
15
momentos do jogo (falaremos sobre isso em breve) durante os 90
minutos.
Os problemas surgem com a sobreposição dos conceitos de posição
e função. É quando o analista confunde a característica do jogador
com a função desempenhada em campo. Podemos nos utilizar de
um exemplo próximo e recente: Robinho é atacante (posição), ou
seja, tem característica de jogador de frente; mas, na Seleção
Brasileira de 2010, com o técnico Dunga, ele cumpria em jogo a
função de meia-extremo.
Se um eventual observador atento apenas às características dos
jogadores, ignorando os movimentos realizados na partida, assistisse
ao Brasil de Dunga, diria que o sistema tático era o 4-4-2 - porque
Robinho e Luís Fabiano são atacantes de origem. Mas, observando-
se os posicionamentos iniciais e as funções cumpridas por ambos,
era um 4-2-3-1, com Robinho - apesar de originalmente atacante por
ofício - cumprindo a tática individual de extremo aberto pelo lado
esquerdo na segunda linha de meio-campo.
Existem outras dezenas de casos, e o 4-2-3-1 é muito pródigo em
análises equivocadas quando se utilizam atacantes (posição original)
no meio-campo (função no jogo), com os observadores tomando a
posição pela função. Por isso reiterei tanto que análise tática é
informação: nestes casos, ao perceber um 4-4-2 que não existe o
comentarista transmite uma informação equivocada, que influencia
negativamente a compreensão do jogo pela audiência.
Para terminar a exemplificação, o caso descrito pode ser resumido
em Robinho atacante (posição) atuando como meia-extremo (função)
no lado esquerdo da segunda linha de meio-campo do 4-2-3-1 da
Seleção (posicionamento inicial). Simples. Dizer que o Brasil jogava
no 4-4-2 porque Robinho é atacante, e mesmo se fosse escalado no
gol continuaria atacante, é um erro de informação oferecido ao
público.
16
4.2-Tática e Estratégia
Outra diferenciação importante, breve e não menos simples, envolve
tática e estratégia. E não é semântica, mas sim futebolística. A tática
é o sistema - embora tenha encontrado muitas referências além-
futebol que não os tratam como sinônimos. Os “numerozinhos”.
Em resumo, o sistema tático é o planejamento responsável por
ordenar a distribuição dos jogadores em campo, coordenando todas
as partes em si.
Já a estratégia é o conjunto de movimentos atribuídos a cada
jogador, e daí em diante a cada pequeno grupo, e também a cada
setor. Reúne elementos diversos, desde a característica dos
jogadores escolhidos, passando pelo sistema de marcação, pela
intensidade dos movimentos, pelas funções, pelas sincronias em
pequenos grupos, pela ordenação dos setores.
É, na verdade, o pensamento coletivo aplicado ao sistema tático. No
futebol, os treinadores chamam este conjunto de princípios e
subprincípios de modelo de jogo.
Tornando ainda mais clara a diferenciação, duas equipes
enfrentando-se com sistemas táticos semelhantes podem adotar
estratégias totalmente diferentes: por exemplo, uma no 4-3-3
agressivo, valorizando posse de bola ofensiva, com linhas
adiantadas e marcação por zona; outra no 4-3-3, mas jogando para
contra-atacar, sem posse, com linhas recuadas e marcação com
encaixe individual no setor. Sistemas iguais, estratégias opostas.
4.3-Desmembrando a tática
A palavra tática aparece várias vezes na teorização do futebol, na
maior parte delas significando “função”. E como o futebol é um
esporte coletivo, a função muitas vezes diz respeito a grupos,
maiores ou menores, e não se refere exclusivamente a um atleta
apenas.
17
Tática individual, como já vimos, é a função que o jogador cumpre
na partida analisada. Para onde vai quando tem a bola, ou quando
um companheiro está com a posse; o que faz quando está sem a
bola. Como marca, que tipo de jogo propõe, a região do campo pela
qual se movimenta, tudo isso integra o conceito.
Tática de grupo é o conjunto de funções sincronizadas entre
jogadores próximos, ou do mesmo setor (um movimento coletivo da
defesa, por exemplo) ou da mesma região do campo (uma
triangulação ofensiva entre lateral, meia e atacante da direita). O
modelo de jogo recente do Barcelona tem disseminado a associação
dos “triângulos” ao conceito de tática de grupo – são as interações
entre jogadores próximos.
Reparar nestas táticas de grupo é um dos grandes baratos (ainda se
diz barato?) da análise tática. Identificar as coberturas defensivas e
compensações consequentes realizadas por jogadores que sabem o
quanto é importante manter aquele padrão de comportamento para o
bom funcionamento coletivo é muito importante para o entendimento
do jogo. Vale destacar que cada jogador integra diversos pequenos
grupos e, portanto, participa de várias táticas de grupo simultâneas e
sincronizadas.
Tática coletiva é sinônimo de sistema tático. Os famigerados
“numerozinhos”, antigamente restritos aos três setores principais -
defesa, meio e ataque (4-3-3, 4-4-2, etecetera) - mas hoje
fragmentados em tantas faixas que provocam até certos exageros. O
mais habitual na análise moderna é dividir o meio-campo em duas
partes, colocando quatro algarismos na descrição (4-2-3-1, 3-4-1-2,
4-3-1-2, etecetera).
Tenho certa restrição a esta prática porque seus entusiastas partem
da premissa do alinhamento. O 4-4-2, por exemplo, só pode ser
18
assim caracterizado quando for o britânico em duas linhas. O
quadrado teria de ser 4-2-2-2.
Mas há falhas, e elas me incomodam um pouco por indefinirem os
critérios. O antigo 4-4-2 em losango agora é chamado de 4-3-1-2.
Notem, entretanto, que os volantes não posicionam-se alinhados. Há
um primeiro volante, dois médio-apoiadores pelos lados, e um
enganche. O desdobramento, no critério das linhas formadas, teria
de ser 4-1-2-1-2. Um exagero, que mais atrapalha do que ajuda.
De início, em meus blogs, padronizei os diagramas em três
algarismos com um complemento por escrito - 4-4-2 quadrado, 4-4-2
losango, 4-4-2 duas linhas. Os desdobramentos, porém, mesmo sem
critério definido são aceitos pela audiência, e para atender à
demanda adotei também as fragmentações mais populares, como o
4-2-3-1 e o 3-4-1-2, mesmo sem concordar inteiramente. Afinal, se
todos fazem, menos eu, provavelmente estou errado, é o que diz a
lógica.
Recuso-me, entretanto, a desdobrar em mais de quatro faixas, por
um simples motivo: a descrição numérica dos sistemas táticos refere-
se aos setores, não aos alinhamentos. Defesa, meio-campo e
ataque. Mais atualmente, defesa, meio-campo defensivo, meio-
campo ofensivo e ataque. Os jogadores não precisam estar
alinhados, mas sim posicionados inicialmente dentro do mesmo
setor.
4.4-Momentos do jogo
Talvez seja esta a parte mais importante na configuração das demais
pequenas peças do emaranhado de conceitos que levam à análise
tática no futebol. Identificar exatamente o que os jogadores, os
pequenos grupos e o grande coletivo fazem em cada momento do
jogo é fundamental para eliminar erros de interpretação, minimizar
dúvidas e ser o mais preciso possível.
19
O jogo tem quatro momentos para cada equipe - cinco, se levarmos
em consideração a bola parada - e eles vão se alternando
ininterruptamente. Quem manda nesta diferenciação é a bola.
Vejamos:
4.4.1-Organização ofensiva é a fase de posse de bola da equipe,
quando ela começa a construir a jogada. É importante visualizar a
movimentação dos jogadores e de seus respectivos pequenos
grupos, e também identificar a proposta coletiva implícita nestes
movimentos. A ideia principal de uma equipe com a bola é
desorganizar o adversário, criando espaços e/ou aproveitando-se de
espaços já descobertos por eventuais erros do oponente, para
obviamente fazer gols.
E essa desorganização do adversário, em especial da linha
defensiva dele, passa pela movimentação sincronizada dos
jogadores, arrastando marcadores, oferecendo linhas de passe,
proporcionando ao time progredir no campo ofensivo e finalizar a gol.
Também é importante avaliar a contribuição individual de cada
jogador, com suas características aplicadas às funções cumpridas na
partida.
Analisando-se estes arranjos orquestrados pelos pequenos grupos é
possível capturar a proposta coletiva da posse de bola - o “estilo”, ou
“modelo de jogo” (com seus princípios e subprincípios, como gostam
os treinadores): posse paciente, ou objetiva, ou cedida para jogar em
contra-ataque, entre outras. E dentro destes princípios (ter a bola,
querer o contra-ataque) encaixam-se movimentos que atendem à
proposta principal, ou seja, os caminhos que levam à consolidação
do planejamento para o jogo, como por exemplo:
- Existe o jogo de 1ª e 2ª. A primeira bola é aquela disputada pelo
alto após um lançamento longo - seja a quebrada do goleiro, seja em
saída de zagueiros, laterais ou volantes. Ela se dirige especialmente
ao centroavante, que briga pela vitória de cabeça com os
20
marcadores. Já a segunda bola é a sobra desta primeira, o “rebote”
do confronto pelo alto.
É bastante comum encontrar equipes especializadas em jogo de 1ª e
2ª, com zagueiros lançadores, centroavante de referência e um
avanço sincronizado do meio-campo para se aproximar do alvo da
bola longa e apanhar a sobra para atacar de frente.
- O jogo de 1ª e 2ª pode, ainda, integrar um conceito mais amplo, que
se chama ataque direto. É quando a equipe abdica da posse
organizada no meio-campo, optando pelos lançamentos longos aos
atacantes.
Mas esta conexão direta não precisa necessariamente ser pelo alto,
pode acontecer para disputas em velocidade pelos lados, desde que
os alvos sejam os atacantes, e desde que a bola não passe pelo
meio-campo – com muitas paralelas dos laterais para os pontas.
- Se o responsável pelo lançamento para o jogo de 1ª e 2ª (ou para o
jogo de ataque direto) for o goleiro, podemos concluir que o time
analisado tem a primeira fase de construção longa. É a saída de
bola. Enquanto alguns times preferem começar jogando curto, com
posse trabalhada desde os zagueiros, passando de setor em setor,
outros escolhem a saída longa, quebrada no centroavante.
É bom destacar, entretanto, que o comportamento defensivo do
adversário influencia nesta decisão. Se o oponente avança suas
linhas e marca no campo ofensivo o tiro de meta adversário, obriga o
goleiro a quebrar o passe longo, enquanto se o adversário procura
manter um posicionamento mais recuado, é possível sair jogando
curto sem riscos.
- O centroavante de referência é importante em outro movimento
ofensivo para o qual se requisita força física: o pivô. De costas para a
marcação, o jogador recebe o passe e pode escolher entre girar para
21
avançar de frente (caso o marcador não o tenha acompanhado), girar
sobre o marcador (caso ele esteja “encaixado”) devolver rápido para
um companheiro que avance em velocidade de frente para o gol,
segurar à espera da aproximação em bloco do time, ou fazer a troca
de corredor - a bola vem de um lado e ele aciona um companheiro no
outro:
Centroavante recua para arrastar marcador e abrir espaço à infiltração do ponta,
oferecendo duas opções de passe ao homem da bola
- Na troca de corredor, o time opta coletivamente pela mudança do
lado da bola. A jogada começa em um corredor (direito, esquerdo ou
central) e termina em outro.
Essas trocas podem acontecer com circulação de bola - trocas de
passes curtos e médios - ou com viradas longas:
22
Troca de corredor pode ser feita de pé em pé, com passes curtos, ou então com
uma inversão longa, fazendo a bola chegar mais rápido do outro lado do campo
E a intenção é induzir o adversário a adotar o comportamento
desejado. Jogar a isca. Falaremos a seguir do “balanço defensivo”,
quando a equipe sem a bola movimenta-se na direção do corredor
atacado, em bloco.
Sabendo disso, um time treinado para se utilizar da troca de corredor
pode propositalmente levar a bola para um lado - enquanto posiciona
outro jogador bem aberto na direção oposta - forçar o adversário a se
compactar neste setor, e inverter a bola rapidamente até o outro
corredor, liberado em razão do balanço defensivo rival.
- Avançando um pouco mais na importância da circulação de bola
(girar a bola e rodar a bola são sinônimos ao termo circular a bola), a
velocidade com a qual ela é executada ajuda a definir a proposta da
equipe. Circulação rápida, com poucos toques na bola (domina e
passa), e passes verticais (para frente, entrelinhas) apresenta um
23
time mais objetivo, mais agressivo, mais contundente. Circulação
lenta, com trocas de passes dentro do setor, revela um time disposto
a diminuir a velocidade do jogo.
Os dois comportamentos podem ser utilizados até mesmo dentro de
um jogo, conforme as ambições da equipe em questão - imprime
velocidade até marcar o gol, depois segura a posse e diminui a
rotação da partida. Circula a bola, desorganiza o adversário, e
imprime objetividade para definir o lance no momento certo.
- Ser agressivo, contundente e objetivo também significa ser vertical,
ou seja, arriscar passes à frente da linha da bola, procurar opções
próximas ao gol, ocupar espaços adiantados e levar a bola até lá.
- Sobre as trocas de passe, é de conhecimento notório a busca pela
criação de triângulos, o que nada mais são do que duas opções
próximas. Na Espanha estes triângulos chamam-se “pequenas
sociedades”, e integram o conceito de “tática de grupo”:
Cada cor configura um triângulo diferente; jogadores participam de mais de um
triângulo, e não foram assinalados todos os triângulos possíveis neste contexto
24
São jogadores treinados para cooperar entre si conforme o contexto
da jogada. Obviamente, cada jogador participa de mais do que
apenas um triângulo.
Exemplo simples, no 4-3-3 com um volante e dois meias, sistema
pródigo na formação de triângulos: o meia-esquerda participa,
pensando superficialmente, de triangulações com lateral e ponta do
setor; com meia-direita e centroavante; com ponta do setor e
centroavante; com meia-direita e volante; com lateral e volante. E por
aí vai. A referência para a formação do triângulo é a bola.
- As movimentações dos jogadores, sempre procurando ocupar
espaços relevantes de forma inteligente e, acima de tudo, oferecendo
linhas de passe ao homem da bola, modificam a estrutura. Eles
realizam, muitas vezes, trocas ofensivas, principalmente pelos lados.
Também é importante salientar que os mesmos triângulos servem à
organização defensiva, seja na fase sem bola, seja na de transição
(veremos a seguir).
- Superioridade numérica é um contexto muito procurado. Criar
situações nas quais seu time tenha mais jogadores que o adversário
no setor onde está a bola, possibilitando linhas de passe que levem o
oponente a criar um efeito dominó de coberturas apressadas,
improvisadas. Mas os treinadores também preparam combinações
na situação contrária, quando há inferioridade numérica.
- Nestes casos, a vitória pessoal é importante. É o drible, o momento
que o jogador com a bola tenta o 1x1, ou no popular: “vai dentro do
cara”. Os momentos de vitória pessoal mais desejados são
geralmente pelo lado do campo, sobre a última linha do adversário,
tentando quebra-la para conquistar campo em profundidade e criar
uma situação de gol iminente.
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- Integram este contexto ofensivo, ainda, a amplitude e a
profundidade.
Amplitude é a tentativa de abrir as linhas adversárias, distribuindo
jogadores de uma ponta a outra do campo ofensivo, o que oferece
linhas de passe longas para inversões e lançamentos diagonais,
dificultando a marcação. Abrir o campo para facilitar a criação de
espaços e a consequente articulação ofensiva;
Profundidade é a oferta de opções de passe à frente, na direção da
linha de fundo, com maior possibilidade, portanto, de se chegar ao
gol.
Laterais e pontas oferecem amplitude total ao homem da bola, abrem o campo
Os conceitos de amplitude e profundidade são bastante utilizados em
sistemas com duas linhas, ou no 4-2-3-1, fazendo os pontas “abrir o
campo”, e consequentemente abrir a defesa.
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- Com o time distribuído de forma “larga”, essas equipes recorrem
muitas vezes à diagonal longa. O time trabalha a bola, faz a
circulação com passes de pé em pé, induz o adversário a fazer o
balanço defensivo (como descrito na parte sobre a troca de corredor)
na direção desejada, e inverte a bola em lançamento para o ponta
oposto.
Este movimento, em especial, tem exigido a qualificação de
zagueiros e volantes na precisão do passe longo. Jogadores destas
posições capazes de acionar diretamente um ponta em diagonal,
encontrando o passe certo e colocando a bola no espaço certo são
artigos de luxo no futebol europeu. Zagueiro e volante moderno
precisam disso para se destacar hoje.
- Futebol é movimento, e acima de tudo “a ocupação dos espaços
importantes de forma inteligente”. Na fase de organização ofensiva, a
equipe planeja maneiras de abrir espaços no campo de ataque e
causar desordem no sistema defensivo adversário. Criados os
espaços importantes e desorganizada a marcação, o time pode
progredir e finalizar ocupando-os de maneira inteligente e
organizada.
Cada jogador precisa, a cada lance, saber para onde ir, quando ir e o
que fazer, o que configura a tomada de decisão como um dos
elementos mais importantes entre as virtudes de um atleta: é preciso
que eles tenham inteligência de jogo para identificar os espaços
certos e os momentos oportunos para ocupa-los, além da perícia
técnica na execução das ações com bola. O analista pode incluir em
suas observações destaques ou ressalvas a jogadores que tenham
ou não esta capacidade.
Voltando à analogia bélica, é como dizem os generais históricos:
“dividir para conquistar”. Um time precisa desorganizar o adversário
(dividir, quebrar suas linhas de marcação, abrir espaços) para
conquistar (ocupar os espaços criados e finalizar marcando gols).
27
4.4.2-Organização defensiva é a fase de posse de bola do
adversário. Quando os jogadores retornam aos seus
posicionamentos e iniciam o combate visando à recuperação da bola,
impedindo que os oponentes avancem no campo e criem
oportunidades de gol, e ao mesmo tempo desorganizando-se o
mínimo possível.
Boa parte das equipes defende-se de forma “mista”, combinando
movimentos diversos, ou então combinando comportamentos
diferentes em cada setor. É importante saber se a equipe faz defesa
de zona, encaixe individual dentro do setor ou por função; se a
defesa mantém uma linha com sistemas de cobertura em diagonal,
ou se mantém um zagueiro um passo atrás formando sobra.
- A marcação individual é um caso de exceção, pois se torna muito
difícil exercê-la em todo o campo.
Mas - aumentando a incidência de times com marcação mista,
principalmente no Brasil - ela ocorre em um alvo específico do
adversário: nove jogadores da equipe marcam da mesma forma, e
um persegue a referência técnica oponente.
A intenção é anular um jogador-chave, impedi-lo de jogar, mesmo
que para isso o seu jogador - o marcador escolhido - também acabe
“saindo do jogo”, por se omitir de todas as ações que não tenham
relação direta com o combate a este rival específico.
- Na defesa de zona (marcação zonal, marcação por zona...) a
principal referência do jogador é o espaço que deve ser ocupado, e
ele se posiciona em função da bola, e também dos demais
companheiros.
Em resumo, os jogadores se movimentam organizadamente para
ocupar os espaços mais importantes - os mais próximos da bola - de
28
forma inteligente, criando uma sucessão de coberturas. É uma
proposta usual na Europa e em países inspirados no futebol do Velho
Continente: defesa de zona tendo o espaço, a bola e os
companheiros como referências.
Com a bola como referência, a equipe não se desorganiza
perseguindo adversários sem ela, e sim os impede de ingressar em
“espaços valiosos”. O jogador do setor onde está a bola pressiona o
adversário com ela, os demais aproximam-se, fechando os espaços
e induzindo o adversário a errar, ou a voltar, ou a se movimentar na
direção que o marcador deseja, para haver o desarme:
Jogador do time branco pressiona a bola em seu setor (referências são o espaço e a
bola); demais companheiros ocupam seus setores, sem desorganizar
A partir da ocupação inteligente dos espaços próximos à bola, a
equipe fecha as linhas de passe adversárias, ou seja, impede que os
oponentes também próximos consigam espaço para ser vistos e
acionados pelo homem com a bola.
29
Há um pequeno avanço neste conceito que é a zona pressionante,
uma reunião da defesa zonal com a pressão sobre a bola (falaremos
em breve sobre o tema). Além de fechar as linhas de passe
próximas, o marcador responsável pela zona onde está o homem da
bola exerce pressão para que ele não realize qualquer passe,
forçando-o a retornar, errar, perder a bola...ou cometendo falta.
- No encaixe individual dentro do setor a principal referência é o
adversário, depois a bola, depois o espaço. Cada atleta da equipe
“encaixa” e acompanha um adversário nos setores próximos à bola –
mesmo que ele esteja sem ela - dentro dos limites da sua zona (ou
seja, existem limites “geográficos” para persegui-lo):
A bola está próxima do setor esquerdo defensivo: um jogador pressiona a bola, e os
jogadores próximos encaixam os adversários dentro de seus setores
Notem que neste caso, ao contrário da marcação individual, o
jogador não persegue sempre o mesmo adversário. Ele se
responsabiliza pelo encaixe no primeiro que ingressar em sua zona,
até o final da jogada. Se o adversário de referência no momento sair
30
daquele setor, ou se no movimento seguinte outro oponente por ali
passar, o marcador troca o alvo. É uma espécie de zona mista.
Este modelo de marcação é bastante comum na América do Sul,
especialmente no Brasil. Criam-se algumas compensações, porque
ele provoca desorganização do desenho inicial da equipe.
Enquanto na defesa de zona a distribuição dos jogadores permanece
uniforme - tendo a ocupação de espaços como referência - no
encaixe individual ele se molda à organização ofensiva do
adversário, e força a trocas momentâneas – volante protegendo o
espaço do lateral que saiu, lateral no espaço do volante aguardando
o momento certo para voltarem ao modelo original, por exemplo.
Se o jogador rival sai demasiadamente de uma zona, seu
perseguidor o abandona e o “entrega” a outro companheiro, voltando
ao seu setor e encaixando-se a novo adversário.
Também é habitual do encaixe de marcação no setor a formação de
uma sobra defensiva. Se o adversário tem dois atacantes, por
exemplo, dois integrantes da defesa encaixam-se a eles, e outro fica
mais atrás. Tendo o outro time como referência, a ideia é sempre
formar superioridade numérica de um jogador na defesa, para que
ele faça a sobra.
- O encaixe individual por função é típico dos sistemas com três
zagueiros utilizados na América do Sul. Enquanto no modelo acima -
o encaixe por setor - cada marcador varia seu alvo conforme o
jogador adversário que ingressa em sua zona de atuação, no encaixe
individual por função o que vale é o “número da camisa”.
Cada jogador tem um alvo específico a seguir, sem espaço
delimitado, encaixando-se a ele até o final da jogada não importando
necessariamente o setor onde está a bola.
31
No 3-5-2 e suas variações é comum dizer que o “ala bate com o
lateral”, traduzindo, o ala marca individualmente o lateral adversário
(encaixe por função); zagueiros “batem” com atacantes - um sobra,
volantes com meias, meias com volantes e atacantes com zagueiros.
É o famoso “cada um pega o seu”, modelo mais vulnerável às
movimentações dos adversários - pois se desorganiza em função
deles - e também mais dependente das vitórias pessoais dos
marcadores, que estão sempre no 1x1 – fato que não tem acontecido
nos recentes sistemas “5-3-2”, com alas alinhados aos zagueiros na
fase defensiva. Ao invés do encaixe individual por função, a linha
defensiva realiza balanço.
Mudando um pouco de assunto, independentemente do sistema de
marcação, as equipes podem combater em “alturas” diferentes.
- O bloco alto é com início da pressão no campo ofensivo,
adiantando os setores com a defesa posicionada na altura da divisa
de campo, e com atacantes combatendo a saída de bola adversária:
32
- O bloco médio posiciona a equipe entre as intermediárias:
- E o bloco baixo põe a equipe da intermediária defensiva para trás:
33
Outros conceitos importantes aplicados aos sistemas de marcação
são a pressão sobre a bola, o estreitamento, a compactação e o
balanço defensivo.
- Pressão sobre a bola refere-se à intensidade do combate realizado
pelo jogador. Nada tem a ver com a altura da pressão coletiva (os já
citados blocos alto, médio ou baixo). Seja na defesa de zona, seja no
encaixe individual por setor, pressionar a bola hoje é fundamental.
A ideia é tirar o adversário com a bola da zona de conforto e evitar
que ele tenha tempo/espaço para achar bons passes. Sob pressão
do seu marcador ele obriga-se a sair dali, podendo sofrer o desarme,
errar o passe ou voltar a jogada.
Este comportamento é ainda importante para minimizar os riscos da
amplitude ofensiva do adversário, como vimos no item acima,
evitando a diagonal longa. Mesmo que o oponente abra jogadores
pelos dois lados e ambicione balançar sua defesa para acionar o
ponta oposto, a pressão sobre a bola impede que o jogador com ela
consiga tempo e espaço para acertar o lançamento. Sob pressão,
precisa definir rápido o lance, diminuindo a precisão da bola longa.
O contrário da pressão sobre a bola é a defesa passiva, em qualquer
dos modelos de marcação. Seja na defesa de zona, seja nos
encaixes individuais ou por função, o jogador apenas ocupa o
espaço, ou apenas acompanha o adversário, sem lhe incomodar,
sem lhe forçar a tomar uma decisão precipitada, o que permite ao
oponente encontrar tempo e espaço para tomar boas decisões - com
drible, passe curto ou longo.
Além do modelo de marcação, portanto, é importante ao analista
diagnosticar o comportamento dos jogadores sem a bola, se
pressionam os adversários, ou permitem que tomem decisões.
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- Estreitamento é a distância entre as pontas laterais do time. Sem a
bola as equipes não se espalham em campo, mas sim estreitam-se
no setor atacado. Com os jogadores próximos, fecham-se as linhas
de passe, proporcionando melhor ocupação dos espaços valiosos e,
consequentemente, dificultando a movimentação ofensiva do
adversário:
Equipe com pouco espaço entre as linhas – ou setores (compactação); e também
com pouco espaço entre os jogadores (estreitamento)
- Compactação é a distância entre os setores do time. Da mesma
forma que o estreitamento, a compactação das linhas é importante
para fechar as linhas de passe e ocupar os espaços valiosos de
forma inteligente, sem permitir ao adversário que encontre caminhos
desimpedidos para progredir. É preciso manter uma distância curta
entre defesa, meio e ataque, impedindo que o adversário encontre
espaço para trabalhar a bola entrelinhas.
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- Balanço defensivo é o movimento coletivo de basculação do time
na direção da bola. É como se os jogadores estivessem conectados
através de cordas, levando à obrigatória movimentação coletiva por
estarem amarrados uns aos outros. Popularmente conhecido por
“gangorra” ou por “rodar a marcação”, o balanço defensivo tem como
referência a bola:
Linhas de defesa movimentam-se na direção do setor atacado – fazem o balanço
Primeiro os jogadores esperam o adversário definir por onde sairá
jogando: corredor direito, corredor esquerdo ou corredor central.
Definido o caminho - e as boas equipes trabalham com a ideia de
induzir o adversário a escolher o caminho no qual a própria defesa é
mais forte, conduzindo-o sorrateiramente à armadilha - todo o time
movimenta-se naquela direção, obedecendo aos critérios definidos
pelo sistema, seja defesa de zona, seja encaixe.
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Este conceito anula a interjeição muito ouvida em arquibancadas ou
na frente das tevês quando o adversário tem a bola na direita e
aparece um jogador livre lá na esquerda. Totalmente desmarcado.
O torcedor se assusta e grita: “olha o cara livre, ninguém vai
marcar?”. Resposta: não. Trabalha-se a pressão sobre a bola
exatamente para dar suporte ao estreitamento, à compactação e ao
balanço defensivo.
Pois vejamos: se o adversário está marcado por um jogador que o
combate com intensidade, sem passividade – com pressão; se todo o
time movimentou-se na direção daquele setor; se as linhas de passe
próximas estão fechadas, ocupadas por defensores inteligentemente
posicionados...como ele conseguirá acertar uma virada?
Mesmo assim, se ele tiver vitória pessoal, ou seja, se ele conseguir
sob pressão desvencilhar-se do marcador e assim ganhar
espaço/tempo para achar o passe longo, o time está preparado para
agilizar o balanço defensivo naquela posição, cada qual com suas
coberturas/compensações combinadas.
- As equipes também ambicionam a superioridade numérica. Dobrar,
ou até triplicar a marcação sobre o adversário no setor atacado. É
uma forma, qualquer que seja o sistema adotado, de manter pelo
menos um jogador pressionando o adversário com a bola, e outro
imediatamente próximo, em diagonal ao lance, na cobertura, sem
contar todas as demais linhas de passe bloqueadas.
Dessa maneira, mesmo que o oponente tenha vitória pessoal no 1x1,
é possível combatê-lo com a subida de pressão daquele que estava
na cobertura diagonal, evitando uma desorganização prematura da
estrutura defensiva.
Ao analista, na fase de organização defensiva cabe, portanto,
especial atenção no diagnóstico de todos estes pontos listados:
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sistema de marcação (por zona, com encaixe no setor ou por função,
com uso de marcação individual, com uso de mais de um modelo -
misto, portanto); altura de bloco (alto, médio e baixo) e eventuais
alternâncias entre eles; estreitamento no setor atacado; balanço
defensivo; compactação entre as linhas; superioridade numérica; e
intensidade da pressão sobre a bola no combate.
4.4.3-Transição ofensiva - contra-ataque, o que o time faz quando
rouba a bola. A ideia é identificar e explorar os aspectos vulneráveis
do oponente em combinação com as próprias virtudes. É possível
acelerar a saída, seja no setor onde a bola foi roubada, seja trocando
o corredor com objetividade para definir o lance - ou manter a posse.
Aspectos individuais, como a procura de um jogador específico para
coordenar a transição, ou então para receber os lançamentos e
tentar a vitória pessoal com velocidade e drible, também são
importantes. Assim como a intensidade da aproximação de apoio
ofensivo - velocidade com a qual o time sai da defesa:
Contra-ataque para definição rápida com três opções de passe ao homem da bola
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Existem equipes cuja proposta de jogo é o contra-ataque, abdicando
da fase de organização ofensiva - cede posse ao adversário - e
baixando estrategicamente o bloco de defesa para ganhar campo. É
o “jogo de transição”. Geralmente, estes times procuram definir
rápido os lances, em contra-ataques verticais e objetivos: sai rápido,
e em dois ou três toques já finaliza a gol.
Enquanto o oponente pode pensar que seu rival está acuado, na
verdade está apenas induzindo-o a avançar, desorganizar-se, e dar
espaço à saída rápida. Considero importante que o analista saiba
diferenciar quando uma equipe está sendo empurrada pelo
adversário, enclausurando-se na defesa, ou quando ela está
oferecendo posse e campo para jogar em transição ofensiva.
Nos contra-ataques é preciso identificar a mudança de
comportamento da equipe, ou seja, a partir da roubada da bola os
jogadores que estavam em comportamento defensivo precisam
imediatamente assumir o comportamento ofensivo.
Outro aspecto interessante é identificar se o time sabe explorar o
lado fraco do adversário. Em um contra-ataque vertical, este é o
objetivo: encontrar o caminho mais curto para o gol, onde o oponente
– que tinha a bola – está momentaneamente vulnerável. E, caso não
dê para agredi-lo, manter a posse, esperar os demais companheiros
sair detrás e entrar em organização ofensiva.
São propostas muito diferentes e relevantes para o contexto do jogo.
Fazer o diagnóstico correto da proposta ajuda a julgar, no final, se a
equipe teve êxito. É bastante comum, sem fazer essa diferenciação,
criticar uma equipe por estar “demasiadamente recuada” ou “sem
posse” quando na verdade esta é exatamente sua intenção.
4.4.4-Transição defensiva é a recomposição, o contra-ataque
adversário, o que o time faz quando perde a bola. E a análise
39
começa na fase de organização ofensiva. Quando tem a posse, toda
equipe mantém um número determinado de jogadores atrás da linha
da bola.
Geralmente, em uma equipe com linha defensiva, ficam o lateral
oposto ao lado da bola, mais os dois zagueiros e eventualmente
ainda um volante. Eles se encaixam aos adversários que estão
posicionados para oferecer-se ao contra-ataque, na maioria das
vezes com uma sobra, e sempre priorizando a superioridade
numérica. Formam, na prática, uma espécie de “losango defensivo”.
O time tem a bola, mas mantém lateral oposto, zagueiros e um volante à espera
Mas essa é só uma parte. A outra parte, ainda mais importante para
o contexto da análise, é o comportamento dos jogadores que estão
participando da organização ofensiva. É importante verificar se o
jogador que perde a bola é o primeiro a combater para retomar, por
exemplo.
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Da mesma forma como na transição ofensiva, é importante avaliar se
os jogadores fazem a mudança de comportamento na recomposição,
se eles passam do comportamento ofensivo para o comportamento
defensivo imediatamente.
Está se utilizando bastante a transição defensiva intensa, com a
equipe agressivamente atacando a bola de forma compacta e
estreita, contando com o comprometimento de todos no retorno
imediato em direção à bola e às linhas de passe próximas do
adversário, para recuperá-la o quanto antes. Neste caso, o jogador
que perde a bola deve ser o primeiro a tentar recuperá-la, enquanto
os companheiros próximos o ajudam a sufocar o adversário e a
fechar os espaços próximos a ele.
Noutros casos, menos comuns no futebol dito moderno, poucos
jogadores atacam a bola com a intenção de atrasar a saída do
adversário, enquanto os demais recuam para se reposicionar,
organizando a equipe ao invés de buscar o desarme. A ideia é
apenas tirar a velocidade do lance, “temporizar” a jogada.
É importante, ainda, reconhecer se a equipe contra-atacada
consegue induzir o adversário a tomar o caminho mais difícil. Se
quando o time contra-ataca precisa identificar o lado vulnerável do
oponente, da mesma forma quando perde a bola precisa fazer com
que ele se dirija ao setor mais protegido.
Na transição defensiva aparece também a tão famosa falta tática,
recurso utilizado para interromper o contra-ataque adversário quando
não se exerce boa pressão sobre a bola, a formação da espera atrás
da linha se desorganiza ou se vê em igualdade/inferioridade
numérica. Ver se o time “mata a jogada” na transição defensiva
integra as prerrogativas da análise.
41
4.4.5-Bola parada é um capítulo que começa a ser aceito na teoria
tática do futebol como o 5º momento do jogo. É preciso observar
como as equipes se posicionam nas cobranças ofensivas e
defensivas de faltas laterais, faltas diretas e escanteios.
Existem tantas formações táticas para bola parada quanto para bola
rolando. É muito grande o número de variações possíveis. Nos
escanteios defensivos, por exemplo, três são os principais pilares:
primeira trave, marcação na área e rebote.
Varia entre um e até três jogadores na primeira trave; a marcação
dentro da área pode ser por zona - sim, faz-se zona em bola parada -
ou individual (cada um pega o seu); o rebote pode ter um, dois ou até
três jogadores próximos; existem ainda treinadores que posicionam
um jogador na segunda trave.
Também varia o posicionamento do goleiro, e a maneira como o
adversário cobra – com jogador de pé aberto, ou de pé fechado –
ajuda a definir onde o camisa 1 fica, assim como o número de
jogadores na primeira trave.
Nos escanteios defensivos, geralmente, as equipes sobem com cinco
jogadores para a área e mais um ou dois no rebote. As cobranças
podem alternar pé aberto ou fechado. A distribuição destes cinco
jogadores varia também, assim como o local onde a bola é cruzada.
O posicionamento dos jogadores que ficam para o rebote - ofensivo,
evitando contra-ataques, ou defensivo, armando as transições
rápidas - também é importante, assim como a reposição do goleiro é
planejada para determinados espaços.
Os treinadores estudam muito a bola parada adversária antes dos
jogos, e é comum adaptarem-se a ela, fazendo pequenas alterações
de seu modelo em função das características do oponente.
42
5. SISTEMAS TÁTICOS
A organização tática das equipes está intrinsicamente ligada à
organização do futebol como um esporte coletivo, desde seus
primórdios. A partir do momento no qual definiram-se parâmetros
para a disputa - dimensões do campo, número de participantes,
ações permitidas e ações proibidas, entre outros - passou-se a
pensar na melhor ocupação de espaços.
E a coisa começou a ficar séria no final do século 19, na Inglaterra.
Após ser praticamente banido no país em razão da violência
exagerada entre praticantes e entusiastas, o futebol voltou com tudo
quando o governo local entendeu que esportes coletivos eram
importantes para manter jovens sob controle, incluindo-o como
atividade física prevista nos currículos escolares.
Mas cada escola passou a praticá-lo de uma forma, variando desde
os componentes até - e principalmente - as ações de condução da
bola. Isso impedia que as instituições de ensino realizassem
confrontos entre si, pois as regras não eram uniformes.
Em 1848 as escolas inglesas interessadas reuniram-se, e discutiram
a unificação das leis do futebol. Algumas propostas foram vetadas,
como a do uso das mãos colocada em pauta pela Rugby School -
cujo representante não concordou com os termos, retirou-se e
precipitou a criação do rugby. Outras tantas, a “lei 6” entre elas -
curiosamente também proposta pela Rugby School - foram
aprovadas, e formaram o primeiro livro de regras do futebol.
A lei 6 colocava em impedimento qualquer jogador à frente da linha
da bola. Como acontece, ainda hoje, no rugby. Portanto, a gênese da
organização tática teria de atender a esta demanda legal. Assim
nasceu o 1-2-7, primeiro estágio da evolução tática do futebol.
43
1-2-7
Um zagueiro, dois meios-campos e sete atacantes em linha foi a
primeira formação conhecida. Como curiosidade, nos colégios os
veteranos ocupavam as funções ofensivas, pois marcar os gols
conferia status - principalmente entre as torcedoras, no que talvez
seja registrado como o primeiro movimento não menos organizado
das marias-chuteiras - enquanto os calouros ficavam lutando em
absoluta inferioridade numérica na zaga.
A proposta, entretanto, tornava o futebol um esporte chato. Pois, se
não é possível passar a bola para ninguém à frente da linha dela,
obriga-se algum jogador a tomar a iniciativa pessoal de conduzi-la
até o gol. E assim, ao invés de coletivo, o futebol começou quase
como um esporte individual. Quem pegava a bola dava um bico para
frente e corria atrás dela, sem trocas de passes.
44
2-3-5
Dezoito anos depois, a monotonia fazia despencar o interesse pelo
futebol. E os cartolas da federação inglesa buscaram correções. A
principal foi, em 1866, modificar a regra original do impedimento, até
então inspirada no rugby: agora, bastaria ter pela frente três
adversários (o goleiro e mais dois, por exemplo) para legalizar a
posição de um jogador. Estava liberada a linha de passe objetiva.
O impacto na organização tática foi imediato. Criou-se o 2-3-5,
sistema denominado “pirâmide”. O mais importante foi o surgimento
do “centromédio”, jogador colocado entre os dois volantes,
responsável pela armação das jogadas. Era ele quem recebia a
saída de bola e fazia os lançamentos para os atacantes.
A curiosidade deste sistema foi a numeração das camisas, em
cronologia posicional obrigatória pela federação inglesa, assim como
a identificação dos jogadores de 1 a 11. E a ordem era crescente: 1
para o goleiro; 2 e 3 para os zagueiros; 4, 5 e 6 para os meios-
campos; 7, 8, 9, 10 e 11 para os atacantes.
45
Notem que o centromédio herdou a 5, assim como o centroavante a
9, os pontas a 7 e a 11, e os meias armadores - que seriam recuados
poucos anos depois - ficaram com a 8 e a 10. Números que se
tornaram verdadeiras descrições de cada função, marcas
registradas, até hoje relacionados às características dos jogadores
que os ostentam nas camisas.
O 2-3-5 disseminou-se pelo mundo em amistosos disputados pelas
equipes inglesas na Europa, e também pelos amistosos disputados
lá e aqui entre sul-americanos e europeus. Sem circulação ostensiva
de jornais, tevês ou internet, a notícia se espalhava pelo contato.
Excursionar era a melhor maneira de se atualizar. Muitas equipes e
seleções daqui passavam mais de um mês em navios para jogar no
Velho Continente, retornando com novas ideias. E assim o 2-3-5
chegou a 1930 sendo o sistema utilizado por todas as seleções que
disputaram a primeira Copa do Mundo, no Uruguai.
W.M
46
Pouco antes da Copa, entretanto, uma nova formação surgiu na
Inglaterra, transformando-se em tendência anos depois. Foi com o
técnico Herbert Chapman, no Arsenal. O embrião está em nova
mudança da regra do impedimento, ocorrida em 1925: os jogadores
estariam legalizados tendo dois oponentes - um defensor e o goleiro
- à frente, e não mais três. Isso porque, apesar da alteração anterior,
as partidas continuavam arrastadas e sem grande marcação de gols.
Em apenas uma tacada, a partir da nova regra, Chapman testou
duas variações significativas: recuou o centromédio para a faixa dos
zagueiros, centralizando-o; e baixou dois atacantes para uma
segunda linha de meio-campo. Formava-se o W.M, assim descrito
pela disposição dos jogadores lembrando a escrita destas letras, na
prática um 3-4-3 com o meio-campo em quadrado.
Enfrentando o 2-3-5, o W.M deixava defesa e meio-campo em
superioridade numérica, com o objetivo de trabalhar melhor a bola,
aumentar a posse e criar mais chances de gols. Deu tão certo que o
Arsenal começou a enfileirar títulos, levando a coletividade europeia
ao uso do mesmo sistema.
Na época, Chapman também desenvolveu a marcação individual.
Era o “cada um pega o seu”. Agora, sugiro o exercício de
imaginação: sobreponham duas equipes em W.M. Viram? Fica um
espelhamento perfeito: três zagueiros contra três atacantes, dois
volantes contra dois meias, e assim sucessivamente.
A marcação era praticamente pelo número da camisa. O 5, antes
centromédio, agora o “zagueiro central” - termo até hoje utilizado -
marcava o 9, o 2 e 3 pegavam o 7 e o 11, o 5 e o 6 combatiam o 8 e
o 10, ainda forçando o futebol a ser um jogo de vitória pessoal,
apesar de coletivo. Era preciso driblar o marcador para desorganizar
o adversário.
47
Na Inglaterra, a tendência era sempre a mesma: cria-se um sistema,
todos copiam e ninguém o desenvolve. Mas no restante do
continente a moda era pegar uma ideia e adaptar as características
locais a ela.
Foi o que aconteceu com o 1-2-7, que na Escócia virou 2-2-6 com a
tentativa de, mesmo sem poder passar para frente, criar linhas de
passe laterais mais próximas. Este modelo chegou, à época, aos
países do Danúbio - Áustria e Hungria, principalmente - influenciando
na criação de uma escola mais voltada à posse ofensiva,
contrariando a genética inglesa de lançamentos longos e correria
individual pelas pontas.
Com o W.M, os húngaros encontraram o ponto certo do tempero que
impulsionou a geração de Puskas. O modelo era o mesmo - três
zagueiros, dois volantes, dois meias e três atacantes. Mas não havia
no elenco da seleção um centroavante alto, que pudesse aparar de
cabeça os cruzamentos e balões para o alto que já eram típicos do
futebol inglês.
Atento à característica local, o técnico Gusztav Sebes criou o falso-
nove, mesmo que na época não fosse assim chamado. Hidegkuti,
centroavante baixinho e movediço, passou a sair da referência do
ataque, arrastando consigo o camisa 5 - seu marcador individual,
lembram? - e abrindo espaço às infiltrações dos pontas e dos meias,
entre eles Puskas.
Assim conquistaram a medalha de ouro na Olimpíada de 1949, e
foram vices do Mundial de 1954, perdendo para a Alemanha
Ocidental em partida de marcação muito violenta - na época ainda
não haviam substituições, e os jogadores húngaros, após 36 jogos
invictos, sucumbiram às faltas rotineiras com as quais os adversários
tentavam pará-los, sofrendo a virada após abrir 2 a 0.
48
4-2-4
Eis que o dito país do futebol, pentacampeão mundial, entra na
ciranda de inovações táticas mundiais. Em razão da Segunda
Guerra, e da expansão comunista no Leste Europeu, muitos técnicos
húngaros precisaram se exilar. E vieram ao Brasil, onde seguiram
atuando na mesma função.
O intercâmbio entre estes húngaros - Fleitas Solich e Bélla Guttman,
por exemplo - com brasileiros do naipe de Flávio Costa, Zezé Moreira
e Martim Francisco, prestou-se à correção de um problema até hoje
reclamado pelo público daqui: a indisciplina tática.
Segundo consta nos registros históricos, os húngaros tentaram
implantar o W.M no Brasil. Mas os jogadores brasileiros não os
obedeciam integralmente. Um dos volantes costumava se adiantar
mais para jogar, assim como um dos meias tirava férias no ataque e
não voltava. Eles foram adaptando variações até formar o W.M com
duas diagonais no meio-campo, formando um paralelogramo, e não
49
um quadrado: estas “diagonais” levaram ao surgimento do 4-2-4,
com o qual Vicente Feola conquistou a Copa de 1958. Bastou recuar
um pouco o primeiro volante, tornando-o o “quarto zagueiro” -
nomenclatura até hoje conhecida - e adiantar um pouco o meia.
Do Brasil saiu a primeira linha defensiva de quatro jogadores que se
tem notícia. E, imediatamente, a variação da variação, com o ponta-
esquerda Zagallo retornando para compensar a brusca queda de
quatro para dois homens no meio-campo, na gênese do 4-3-3.
4-3-3
Com os mundiais de seleções, e com o desenvolvimento das
comunicações, não se precisava mais apenas excursionar de navio
para aprender novidades. Cada país, cada clube, passou a
desenvolver suas variações, disseminando sistemas com
peculiaridades locais, adaptando modelos a características próprias.
50
O 4-3-3, por exemplo, passou por inúmeras variações. E ele abriu o
que pode se considerar a “Era Moderna” do futebol, integrada pelos
sistemas ainda utilizados.
Hoje ele conta com dois desenhos básicos: um volante e dois meias
(um triângulo com a base alta no meio-campo), ou dois volantes e
um meia (triângulo de base baixa), que por vezes é confundido com
o 4-2-3-1, sistema do qual falaremos depois.
Nos anos 70 ele foi a principal fonte de inspiração dos treinadores,
beneficiando no Brasil a qualidade individual dos pontas na
velocidade e no drible, dos meias na articulação das jogadas, dos
centroavantes na definição dentro da área e dos laterais no apoio
ofensivo. Não existe grande clube no Brasil - ou, talvez, pequeno
também - que não registre em sua história uma vitoriosa e nostálgica
formação no 4-3-3.
4-4-2
Já em 1966 a Inglaterra de Sir Alf Ramsey seria campeã mundial sob
a égide do 4-4-2, sistema que mais desenhos proporcionou - e ainda
proporciona - na história do futebol.
O início teve um volante e três meias (4-1-3-2), modelo que
imediatamente originou o losango de meio-campo desenvolvido com
grande êxito - título mundial de 78 - na Argentina: um volante; dois
médio-apoiadores, lá chamados carrilleros por fazerem o vai-vem
sobre trilhos (carris, em espanhol) imaginários; e um meia armador, o
enganche, responsável pela articulação, pela ligação do setor com os
atacantes.
Mais recentemente, o losango tem se transformado em 4-3-1-2, com
os médio-apoiadores transformados em volantes alinhados ao antigo
centromédio.
51
No Brasil o losango, à época, não pegou. Foi o quadrado (4-2-2-2),
consagrado por Telê Santana na Copa de 1982, que tomou conta:
52
O 4-4-2 também permite assimetrias, ou seja, uma distribuição de
jogadores no meio-campo que não forme desenho algum, com o
primeiro volante pouco mais recuado, um dos meias aberto, o outro
centralizado...enfim, ao gosto do freguês.
Paralelamente aos desenvolvimentos do losango na Argentina e do
quadrado no Brasil, em 1977 novamente a Inglaterra capitaneou uma
revolução tática. Foi na rouparia de Anfield Road, estádio do
Liverpool, que planejou-se o 4-4-2 em duas linhas, sistema
originalmente elaborado para beneficiar o controle da posse de bola
com as linhas de passe proporcionadas pela sobreposição de dois
pelotões de quatro jogadores cada.
Por uns considerado obsoleto, por outros ainda um tabu - é raríssimo
no Brasil - o 4-4-2 em duas linhas tem variações, ou com um volante
entre as linhas (4-1-4-1), ou com um meia à frente da segunda linha
53
(4-4-1-1). Seu sucesso precisa da conexão do sistema com a
marcação por zona com pressão sobre a bola, além da compactação
e do estreitamento das linhas, e de jogadores com intensidade para
atacar e defender com o mesmo vigor pelos lados.
3-5-2
Foi na Copa de 1986 - alguns atribuem à Dinamarca, mas a maioria
“põe a culpa” em Carlos Bilardo e sua Argentina campeã - que o
mundo conheceu os sistemas com três zagueiros. Na verdade,
falamos da versão moderna do trio defensivo, pois o W.M era na
prática um 3-4-3.
Nem mesmo o líbero era uma novidade, pois a sobra defensiva já
havia aparecido no 4-3-3 do “catenaccio” da Inter de Milão, com um
jogador atrás de outros três zagueiros; e o “carrossel holandês” das
copas de 74 e 78, iniciado com Rinus Michels no Ajax de Cruyff,
também contava com um líbero no 4-3-3.
54
O que inspirou Bilardo foi a disseminação do 4-4-2. Ele pensou:
porque marcar com linha defensiva de quatro jogadores se acabaram
os pontas, e todos jogam com apenas dois atacantes? Então
desenvolveu a ideia de encaixar dois zagueiros nos atacantes, tendo
uma sobra, e adiantar os laterais - tornando-os alas.
Esta proposta de jogo ainda é muito forte na América do Sul,
principalmente no Brasil, na Argentina e no Equador. A Itália voltou a
utilizá-la recentemente, mas não com marcações encaixadas, e sim
com uma curiosa defesa de setor em linha de cinco.
As variações são inúmeras: um volante à frente do trio defensivo com
alas mais adiantados (3-1-4-2), um meia à frente dos volantes com
alas mais recuados (3-4-1-2), dois meias à frente dos volantes (3-4-
2-1), um volante com alas mais recuados (3-3-2-2), três atacantes
com meio em linha ou em losango (3-4-3), alas transformados em
laterais na linha dos zagueiros (5-3-2)...
4-2-3-1
55
Quando o filho é bonito, todo mundo quer embalar a criança e
assumir a paternidade - raras exceções são aquelas que envolvem
pagamento de pensão. Mas, como o 4-2-3-1 não exige remuneração
mensal do progenitor, muita gente ergue os braços e pede o crédito:
“fui eu, fui eu!”.
As referências teóricas não conseguem identificar o pai, nem mesmo
a naturalidade do 4-2-3-1. Teria ele se iniciado na Espanha, ou na
França, em algum ponto da linha do tempo entre as Eurocopas de
1996 e 2000. É fato, entretanto, que o verdadeiro pai é quem cria.
Nada mais justo, portanto, que registrarmos esta bela criança em
nome do francês Arsene Wenger, técnico do Arsenal.
Parece óbvio que este sistema, hoje um dos mais corriqueiros no
Brasil após se tornar tendência entre as seleções do Mundial de
2010, desenvolveu-se a partir do 4-4-2 em duas linhas, com o
avanço dos meias-extremos e o recuo de um dos atacantes pelo
centro.
Com ele, Wenger fez do Arsenal com Bergkamp, Ljungberg, Henry,
Vieira, Pires, Gilberto Silva, Anelka, Overmars - entre outros - uma
equipe praticamente imbatível na Inglaterra. E suas vitórias, como no
título nacional invicto de 2004, disseminaram o sistema.
Porém, o 4-2-3-1 mostra sua cara em diversas equipes muito
anteriores à década de 90, em épocas nas quais estas sutilezas
modernas proporcionadas pelo desdobramento do meio-campo em
duas faixas inexistiam. Chamava-se por outro nome, mas na prática
eram 4-2-3-1’s embrionários.
O Brasil campeão mundial de 1970, por exemplo, tinha Clodoaldo e
Gérson na primeira linha do meio-campo, Rivelino e Jairzinho pelos
lados, e a dupla Tostão-Pelé revezando-se pela faixa central - ora um
56
na referência e outro na articulação, ora o inverso. Não seria um 4-2-
3-1?
Talvez. Eram tantas movimentações e compensações que até hoje
não se chegou a um consenso sobre a formação tricampeã - uns
falam 4-3-3, outros 4-2-4, e o 4-2-3-1 também parece-me uma
hipótese bastante aceitável.
E o Flamengo de 1981, com Adílio e Andrade na primeira linha, mais
Tita e Lico pelas pontas, Zico centralizado e Nunes à frente? E o
Grêmio de Felipão, com Carlos Miguel e Paulo Nunes nas pontas,
Arílson centralizado, e Jardel na referência? O primeiro tido por 4-3-
3, o segundo por 4-4-2 quadrado, mas ambos com momentos, com
ações bem nítidas, do que viria a ser chamado de 4-2-3-1, anos
depois.
4-3-2-1
57
Para encerrar o levantamento de sistemas táticos, desde os
históricos já relegados até os modernos e ainda utilizados, há o 4-3-
2-1 carinhosamente chamado de “Christmas Tree” (árvore de natal,
em inglês), em razão do desenho que sugere o sistema tático.
Não encontrei referências históricas sobre o desenvolvimento deste
sistema, que parece ser uma variação do 4-4-2 losango a partir do
recuo de um atacante à região de articulação, mantendo-se o tripé à
frente da linha defensiva. Mas, parece, tudo começou no início da
década de 90 com o Tottenham.
Este sistema é pouco usual, restringindo-se quase exclusivamente
ao técnico italiano Carlo Ancelotti - é quase uma assinatura de seu
trabalho. Foi assim no Milan, no Chelsea, e no início de sua recente
passagem pelo PSG.
Ancelotti aplica a este 4-3-2-1 um conceito interessante: o
“playmaker”, ou seja, o armador, é na verdade o primeiro volante; e
as posições de meias ofensivos são ocupadas por dois atacantes,
utilizando bastante o recurso da bola longa saindo do primeiro
volante na direção dos meias-atacantes que abrem pelos lados na
fase de organização ofensiva para receber.
Tendências
Especular talvez não seja preciso, mas é possível. Talvez o próximo
passo da evolução tática, desta linha do tempo de variações
apropriadas a cada geração, a cada contexto temporal do futebol,
não esteja especificamente ligada à distribuição dos jogadores em
campo. A organização moderna parece estar cada vez mais ligada
aos movimentos, e consequentemente às propostas de jogo.
Como sempre, é o modelo vitorioso do momento quem dita as
regras. No caso do século 21, o Barcelona. E como defini-lo? Ele
parte de uma base estruturada no 4-3-3, mas com liberdade para
variações na coluna central, envolvendo o volante e o centroavante,
58
a exemplo do que já se fazia no “Carrossel Holandês” - trocas de
posição verticais, e não dentro dos setores, como é usual.
Se o primeiro volante recua, e empurra os laterais, vira um 3-4-3 em
linha. Ele pode ainda recuar e o centroavante vir para trás junto, em
3-5-2. Se o volante ficar no setor, e quem recuar for apenas o
centroavante, vira 4-4-2 losango.
Ou então, ainda mais complexo, um lateral vira ponta, empurra o
atacante do setor para o meio-campo, e o lateral oposto torna-se
zagueiro, em 3-4-3 com meio-campo em losango. São variações
treinadas e executadas à exaustão pelo Barcelona e sua escola
holandesa, inspirada nos laranjas mecânicos de Cruyff, utilizadas
também pelos treinadores argentinos com trabalhos marcantes no
Chile, Marcelo Bielsa e Jorge Sampaoli.
Esta nova tendência, camaleônica, de mutações estruturais
constantes exigindo alta complexidade de movimentos - e,
consequentemente, jogadores inteligentes o suficiente para
compreender as variações táticas e saber executá-las quando for
necessário - deixa em aberto o próximo espaço da linha do tempo.
Qual seria o modelo a seguir no futuro? Qualquer um, desde que
nele constem mobilidade, complexidade tática e intensidade. Figuras
como o falso-nove - centroavante que ora agride, ora arma; e o líbero
em linha de quatro - zagueiro-volante capaz de atuar nas duas
funções são importantes constatações dessa tendência.
Isso pode eliminar, por exemplo, a exigência do porte físico na
escolha do defensor e do centroavante. Para acompanhar a
mobilidade, a agilidade e a intensidade de falsos-noves, os zagueiros
não precisariam mais ser valentões fortes e carrancudos, mas sim
jogadores com velocidade e capacidade de reação. Da mesma
forma, com bola no pé e muitas variações sincronizadas, os
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centroavantes precisariam ser rápidos, habilidosos e técnicos, não
mais trombadores especializados no uso do corpo.
É tudo conjectura. Afinal, o sucesso dita a tendência. Pode ser que
tudo isso aconteça: um futuro próximo com sistemas indefinidos,
variações, rotações constantes de posicionamento e função,
jogadores ágeis, intensos e móveis.
Mas o eventual surgimento de um sistema novamente voltado ao
tamanho e à força, com capacidade de bloquear os espaços
desejados pelos atacantes de mobilidade, e com imposição para
vencer pelo alto as defesas formadas por jogadores mais baixos e
velozes, poderia modificar tudo de novo. Ou não? Melhor esperar.
6. MÉTODO DE ANÁLISE
Esta espécie de “passo a passo” que proponho é fruto dos quatro
anos nos quais, entre 2008 e 2012, mantive na imprensa online
espaços exclusivos para a análise tática. Por acreditar que o
estabelecimento de critérios é importantíssimo na observação de um
jogo, desenvolvi um processo adaptado a esta minha necessidade,
que é: organizar-se para capturar a organização em campo.
Nem preciso reiterar que este método não é a verdade absoluta,
tampouco é acadêmico ou dogmático. Utilizo-o para organizar as
ideias enquanto assisto aos jogos, tentando minimizar erros e
maximizar a percepção do maior número de movimentos e
posicionamentos.
Algo importante é destacar que pressa e análise não andam juntas.
Embora raros jogos possibilitem exceções, é muito difícil chegar a
conclusões nos minutos iniciais das partidas. Assisto a jogos sem
nenhuma pressa para determinar posicionamentos e movimentos.
60
Pelo contrário: quase sempre com papel e caneta às mãos, vou
desenhando e anotando tudo o que percebo, seguindo a linha de
raciocínio, sempre cruzando informações e dando tempo para
identificar o que realmente é um padrão de comportamento. E, se um
padrão de comportamento é uma ação que se repete, precisamos de
tempo para diagnosticá-lo reiteradas vezes, e assim incluí-lo na
análise.
Também serve dizer que a cronologia do processo não é rígida.
Conforme o desenvolvimento da partida volta-se a passos iniciais, ou
então pula-se etapas e depois se retorna a elas. O importante é
responder às questões listadas pelo método.
6.1-Identificar o posicionamento inicial de cada jogador
A “fórmula mágica” para isso é aguardar o momento de organização
defensiva. De preferência, em um tiro de meta adversário, quando os
jogadores retornam a seus posicionamentos iniciais e, nas
transmissões de tevê (principalmente as europeias, em especial as
inglesas) o enquadramento da imagem abre e abraça todo o campo
do alto. Assim é possível observar cada jogador em sua respectiva
zona original de ação
6.2-Estabelecer o sistema tático base
Na teoria, basta somar os posicionamentos iniciais identificados no
primeiro passo da análise e chegar ao sistema tático. Você desenha
um campinho e vai marcando, com xis, bolinha, numeração da
camisa ou o símbolo que mais lhe agradar, onde está cada jogador.
Feito isso, chega-se à base tática da equipe, correto? Quase sempre,
mas nem sempre.
Concordo que a fase de organização defensiva, em especial os tiros
de meta do oponente, é propícia à verificação dos sistemas. Mas
essa premissa não se adapta a alguns casos de equipes cujas
estruturas ficam mais nítidas na fase de organização ofensiva.
61
Por isso a pressa atrapalha, e muitas vezes confunde o observador
quando se observam equipes com padrões distintos com e sem bola.
Nestes casos excepcionais, o melhor a se fazer é cruzar informações
com os passos a seguir descritos - principalmente as funções, as
regiões do campo pelas quais cada jogador se movimenta.
Sei que exemplos atuais arriscam tornar o material datado, mas
leitores futuros podem “jogar no Google” as equipes e as temporadas
citadas, e assim conferir em vídeos do que estou falando. Quem
acompanhou a Taça Libertadores 2013 tem pelo menos três
exemplos claros destas exceções nas quais o posicionamento inicial
não é determinante para a configuração dos sistemas táticos.
O Vélez Sarsfield defendeu-se em duas linhas, assim como o
Millonarios, e por vezes até o Grêmio - nos dois primeiros casos era
um padrão de comportamento defensivo; no último as duas linhas
alternaram-se com outras configurações. Mas nenhuma destas
equipes jogou - ou seja, organizou-se com a bola - seguindo os
princípios do 4-4-2 britânico.
Na Argentina, o Vélez atuou na temporada 2013 tendo o 4-4-2
losango como sistema base. Sem a bola, o enganche Insúa recuava
pela esquerda, empurrando para o outro lado o tripé de volantes, e
dando uma cara de duas linhas; já o colombiano Millonarios jogava
no 4-4-2 quadrado, e sem a bola os dois meias abriam pelos lados -
situação observada invariavelmente em partidas do Grêmio, outra
equipe então adepta do 4-2-2-2.
Como definir, então, qual momento é o mais importante? Afinal,
futebol é movimento, e praticamente todas as equipes assumem
formas diferentes na comparação entre as fases ofensivas e
defensivas. Para mim, o melhor é cruzar estes dados com as funções
dos jogadores, como disse antes, com suas áreas de movimentação
preferenciais, para então diagnosticar se primeiro os jogadores estão
voltando para defender, ou se primeiro estão saindo para atacar.
62
É tudo comportamento. O habitual é ver jogadores saindo para
atacar, ou seja, partindo de seus posicionamentos iniciais em direção
a espaços no campo ofensivo. Assim que o 4-4-2 em duas linhas
assume forma de 4-2-4, quando seus meias-extremos se adiantam.
Não há dúvida, por mais que os pontas sejam agressivos com a bola,
que o ponto de partida é a referência para definir o sistema, e o
ponto de chegada dos jogadores mais ofensivos faz parte do
cumprimento de suas funções.
Mas não acredito que a referência posicional seja a mais relevante
na análise de equipes com preferência pela posse de bola ofensiva.
Se eles permanecem tão pouco tempo nas regiões de atribuição
defensiva, o mais importante é diagnosticar os espaços que eles
preferem ocupar com a bola. É o caso, por exemplo, do 4-3-3 com
um volante e dois meias.
Sem a bola, é possível que os pontas recuem para combater laterais,
alinhando-se aos meias e configurando um 4-1-4-1. Mas este recuo
para defender é da função do ponta, o mais importante neste caso é
o espaço por maior volume de tempo ocupado - no caso, o ofensivo,
fazendo valer o 4-3-3.
Minha dica é anotar os dois diagramas táticos, caso a equipe sob
análise apresente figuras distintas na fase de organização ofensiva, e
na fase defensiva. A partir daí, verificar o cumprimento das funções
dos jogadores para reconhecer quais espaços são mais relevantes -
os ocupados com a bola, ou sem ela. Isso acontecerá poucas vezes,
porque realmente a soma dos posicionamentos iniciais dos jogadores
é suficiente. Estamos falando sobre exceções.
E, vale lembrar, que se faça isso seguindo sempre o mesmo critério:
se o analista determinar que só vale o posicionamento inicial, sem
exceções, não estará errado. Poderá se discutir o critério, mas não a
análise. Da mesma forma, se o analista adotar como critério o
63
posicionamento inicial, mas realizar a verificação dos espaços mais
relevantes para eliminar dúvidas em casos de exceção, também
estará certo. Falarão ambos, enfim, sobre a mesma coisa sob
perspectivas diferentes.
6.3-Descrever as funções dos jogadores
Talvez seja esta a parte mais importante do processo. Futebol é
movimento. Os jogadores, ao contrário do pinogol e do pebolim, não
ficam parados, não são peças estáticas. Suas funções, suas táticas
individuais, são as atribuições a eles transmitidas nas quatro (ou
cinco) fases do jogo.
Com o bloco e a caneta, essa é a hora das flechas. O melhor,
entretanto, acredito que seja descrever o que eles estão realmente
fazendo, pois o simples diagrama recheado de flechas e
apontamentos desenhados pode mais confundir do que esclarecer. É
um complemento, não o principal.
Além das táticas individuais, neste passo surgem diante de nossos
olhos as táticas de grupo, os movimentos coordenados entre
jogadores próximos - os triângulos, tão badalados - e entre setores.
Nos treinos, os jogadores sincronizam diversas maneiras de abrir
espaços e desorganizar o sistema defensivo adversário. A ideia é
criar espaços e ocupá-los de forma inteligente. Um movimenta,
arrasta a marcação, o outro infiltra-se e ocupa aquele espaço para
receber...e por aí vai. Realizam trocas. Lembram-se dessa? Dividir
para conquistar. Desorganizar para ocupar espaços. É isso.
São tantas combinações, tantas possibilidades proporcionadas em
cada sistema, de acordo com cada estratégia singular, que seria
absolutamente impossível enumerá-las por inteiro. Mas é possível
exemplificar com algumas, bem simples: em um 4-2-3-1 com meias-
extremos de “pés invertidos” (não são o Curupira e o Caipora, mas
sim um canhoto na direita e um destro na esquerda) é comum
64
vermos o ponta puxar a marcação para dentro do campo enquanto o
lateral avança para receber no corredor aberto (chama-se troca
ofensiva).
Neste caso, o jornalista diz que o meia-extremo parte do lado do
campo (localizou o posicionamento à audiência) e protege o lateral
defendendo também pelo lado sem a bola (identificou a função
cumprida na fase de organização defensiva), mas com ela ataca em
diagonal para o centro, ou conduzindo a bola ou arrastando a
marcação para a ultrapassagem do lateral, sem realizar jogadas de
profundidade (descreveu um movimento que integra a função do
jogador em fase de organização ofensiva).
E ainda acrescenta que o mesmo acontece com o outro meia-
extremo, ambos atuando com pés invertidos (estratégia, estilo de
jogo) dentro de um 4-2-3-1 (sistema tático).
É possível ainda desdobrar este método conforme as preferências do
analista. Pode dividir a abordagem nos quatro (ou cinco) momentos
do jogo, como itens separados; ou então fazer uma análise única, na
qual fala sobre todos os momentos simultaneamente.
Prefiro a abordagem “corrida”, pegando como “gancho” algum
aspecto diferente, alguma curiosidade tática que sirva de costura ao
restante da análise, partindo dela para falar de todas as ações que
considerar relevantes. O importante é escrever da forma que mais
lhe proporcionar segurança na transmissão de uma mensagem clara
e articulada.
6.4-Identificar o sistema de marcação
Como disse há pouco (ou melhor, escrevi) os passos confundem-se,
misturam-se, é um constante vai-vem de verificações e cruzamentos
de dados. Identificar o sistema de marcação é um processo que se
inicia antes, na descrição das funções de cada jogador.
65
Isso porque, ao observar os padrões de comportamento individuais
na fase de organização defensiva, automaticamente se percebe os
movimentos coletivos sem a bola. Mas não basta apenas determinar
o sistema, é importante para agregar valor perceber peculiaridades
de cada equipe.
O modelo de marcação é a defesa de zona? Tudo bem. Mas algum
jogador pode apresentar um padrão dissonante, saindo da zona para
atacar o adversário antes da hora, ou sendo passivo no combate
enquanto todos os demais estão pressionando a bola com
intensidade.
Pode haver cuidado especial sobre um determinado oponente,
considerado jogador-chave. Também pode haver mudanças de
comportamento, com momentos de bloco alto, outros de bloco baixo,
variando conforme a intenção da equipe na partida. Pode muita
coisa, e nós podemos - e devemos - ver todas elas acontecerem.
São estas características próprias de cada time que, se percebidas,
tornam-se diferenciais na análise, pois explicam ações contundentes
(lances de gol, por exemplo) e até mesmo resultados das partidas.
6.5-Diagnosticar o estilo do time
O sistema tático e a estratégia nele aplicada - onde constam as
táticas individuais e de grupo, o sistema de marcação, os
comportamentos em cada fase da partida - são letras que formam
uma frase interessante de ser traduzida. Ela deixa claro qual o
“estilo” do time, o que ele propõe na partida.
Disse antes, o analista precisa estar atento, para saber - entre outras
coisas - quando uma equipe está acuada, sendo empurrada pela
agressividade ofensiva do oponente, ou quando ela está em bloco
baixo na verdade para atrair o adversário, ganhando espaço para
contra-atacar. No primeiro caso é circunstância da partida, no
segundo é estratégia, o que pode configurar um estilo de jogo.
66
Modernamente tem se falado do “jogo de transição”, das equipes
com predileção pela intensidade nas fases de perda da bola e de
recuperação da mesma: reagrupam-se rapidamente e combatem
com intensidade, e saem com extrema velocidade para o contra-
ataque. Isso é um estilo de jogo, que pode ser analisado pelo
jornalista como o guarda-chuva do texto, abrigando todas as funções
e movimentos observados.
Outras equipes gostam de jogar com a bola: algumas trabalhando
uma posse coletiva, com linhas de passe curtas, aproximações e
ultrapassagens; outras valorizando a figura do articulador central, o
jogador que recebe os primeiros passes e distribui o jogo. Qualquer
delas pode ainda propor uma posse objetiva e agressiva, com
profundidade, buscando finalizações, ou então organizar uma posse
paciente, paralela ao gol, sem pressa para concluir. Estilos.
6.6-Recorrer a ferramentas de auxílio
Estatísticas e mapas de calor são as principais ferramentas de
auxílio que o analista tático pode encontrar, principalmente na
internet. Nenhuma, entretanto, substitui a observação do jogo. Não é
possível falar taticamente de algo em cima apenas de números e
diagramas frios. Como afirma o subtítulo, eles auxiliam, agregam
valor, esclarecem ações, tiram dúvidas, mas não falam sozinhos. A
imagem em movimento é o principal.
Todo dia surgem empresas especializadas em fornecer estatísticas
de jogos. E os números abrangem um universo cada vez mais
amplo. Não basta, entretanto, apenas divulgá-los. É preciso
interpretá-los, aplicar a estatística no contexto da análise dos
movimentos, da forma como as equipes ocuparam os espaços, dos
estilos de jogo propostos.
Gosto muito das estatísticas com “fluxo de passes”. Além do total de
passes executados, e do consequente percentual de acertos,
67
algumas empresas esmiúçam quantos passes certos cada jogador
deu, e quais foram os companheiros de destino. Isso ajuda a ver se a
articulação do time é descentralizada - coletiva, portanto, com todos
participando - ou se é centralizada em algum jogador-chave; se há
um setor concentrando as ações ofensivas, ou se elas estão bem
distribuídas; para quem os zagueiros oferecem o primeiro passe -
saem jogando curto com os volantes e/ou laterais, ou apelam para a
ligação direta nos atacantes? Um fluxo de passes completo é
excelente ferramenta de auxílio.
Outro incremento tecnológico é o heat map, o “mapa de calor” que
realiza um monitoramento das regiões do campo nas quais os
jogadores mais tocaram na bola. E assim ele apresenta um diagrama
colorido de cada atleta.
O heat map é criado a partir de câmeras distribuídas pelo alto dos
estádios, capazes de reconhecer jogadores e sinalizar os caminhos
que percorrem quando estão com a bola. Esta ferramenta é de
grande ajuda para tirar dúvidas sobre posicionamentos iniciais e
comportamentos de jogadores cujas dúvidas perduram após a
observação das partidas.
Certa vez assisti a um jogo do Boca Juniors, e achei diferente o
comportamento ofensivo do Riquelme. Embora enganche no 4-4-2
losango, ele foi visto poucas vezes na região central, aparecendo
mais na esquerda. Fiz as anotações, mas no dia seguinte procurei
estatísticas e heat map’s do confronto.
Lá estava no mapa de calor a cor vermelha sinalizando no lado
esquerdo a região do campo na qual o camisa 10 xeneize mais havia
circulado com a bola. E o fluxo de passes, além de mostrar Riquelme
como o principal alvo dos companheiros (foi o jogador que mais
bolas recebeu, obviamente, confirmando ser o jogador-chave),
também mostrou o lateral-esquerdo Clemente Rodriguez, o médio-
68
apoiador Erviti e o atacante canhoto Mouche como principais
receptores de passes do enganche.
Em contrapartida, o mapa de calor do lateral-direito praticamente não
contava com pigmentação no campo ofensivo. Feita a observação da
partida, anotados os movimentos, o fluxo de passes e o heat map
reforçaram as informações transmitidas.
A conclusão foi a seguinte: Riquelme gosta do jogo curto, do passa e
movimenta para receber de novo - o “toco y me voy” daquele famoso
narrador; seu estilo o imantou ao lado esquerdo, onde transitavam
um lateral apoiador, um meio-campista e um atacante, ou seja, três
opções de passe próximas.
Do meio para a direita, sem alternativas - a não ser alguma bola
longa de surpresa - Riquelme não teria como “carimbar” a bola a todo
o momento. Números e mapas, interpretados, servindo de auxílio e
agregando valor à observação da partida.
Artigos da imprensa especializada - principalmente a internacional
(Inglaterra, Espanha, Itália e Argentina) - escritos por jornalistas cujas
análises táticas são referências pelo conteúdo e credibilidade
também ajudam, ou para confirmações, ou para correções, ou
apenas para se observar outros métodos e outros conceitos de
análise.
7. CONTEXTOS COMPLEMENTARES DO JOGO
É óbvio, mas por vezes o óbvio precisa ser dito, que o jogo não se
resume à tática. Considero a organização o aspecto mais importante,
mas está longe de ser o único. E por mais que o analista/jornalista
não acompanhe treinos, ou então não tenha acesso a informações
de bastidores sobre comportamento e comprometimento, é bom
estar atento ao contexto do jogo.
Análise Tática de Futebol
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  • 1. 1
  • 2. 2 1-Campo de batalha.........................................................................página 3 2-Análise tática no jornalismo esportivo.......................................página 7 3-Padrões de comportamento.......................................................página 11 4-Conceitos básicos......................................................................página 13 4.1-triade primária................................................................página 14 4.1.1-posicionamento (ou posicionamento inicial)...............página 14 4.1.2-posição........................................................................página 14 4.1.3-função.........................................................................página 14 4.2-tática e estratégia.......................................................... página 16 4.3-desmembrando a tática.................................................página 16 4.4-momentos do jogo.........................................................página 18 4.4.1-organização ofensiva..................................................página 19 4.4.2-organização defensiva................................................página 27 4.4.3-transição ofensiva.......................................................página 37 4.4.4-transição defensiva.....................................................página 38 4.4.5-bola parada.................................................................página 41 5-Sistemas táticos..........................................................................página 42 6-Método de análise.......................................................................página 59 6.1-Identificar o posicionamento inicial................................página 60 6.2-Estabelecer o sistema tático base.................................página 60 6.3-Descrever as funções dos jogadores.............................página 63 6.4-Identificar o sistema de marcação.................................página 64 6.5-Diagnosticar o estilo do time..........................................página 65 6.6-Recorrer a ferramentas de auxílio.................................página 66 7-Contextos complementares do jogo.........................................página 68 8-Enviando a mensagem...............................................................página 70 9-Posições, funções e expressões...............................................página 72 10-Conclusão..................................................................................página 74
  • 3. 3 1. CAMPO DE BATALHA Vem da literatura bélica a popularização da palavra “tática”, e consequentemente de seu conceito. Debruçados sobre mapas que descreviam a topografia das regiões em conflito, militares das mais altas patentes destacaram-se pelas vitórias amparadas em planejamento – quem ataca, de que forma, e quando; quem defende, o que defende, e como. Da teoria à prática, distribuíam nos campos de batalha seus combatentes e seus apetrechos letais conforme uma lógica, levando em consideração o maior número possível de fatores integrados ao contexto - características do terreno e do tempo, virtudes e defeitos próprios e do adversário. Seguiam, para a tomada de decisões, preceitos encontrados em livros e no próprio aprendizado com a experiência. Nos filmes e seriados sobre o tema os militares encenados criam armadilhas, encurralam oponentes, induzem os inimigos a fugir na direção de emboscadas minuciosamente arquitetadas, simulam a queda iminente para abrir a guarda rival. Cada soldado sabe exatamente qual tarefa cumprir, de forma sincronizada com os demais companheiros de bandeira. Alguns comandantes desenham mapas com gravetos no chão arenoso e empilham pedras simulando habitações. Localizam geograficamente cada combatente, apontando onde ele deve estar, o que deve fazer, e qual o momento exato para desencadear a ação. Ministram verdadeiras palestras. Cito em especial, se quiserem recordar ou então pesquisar para assistir depois, cenas de filmes como “O Patriota”, “Gladiador”, “O Último Samurai”, “300”, entre muitos outros. Legítimas preleções.
  • 4. 4 Sempre há referências táticas em qualquer filme ou seriado de guerra e conflito. Tática é, enfim, a arte de manobrar tropas. Imprescindível, portanto, à organização das equipes de futebol inseridas no campo de batalha delimitado por linhas brancas, bandeiras e traves. A organização no futebol apropriou-se do planejamento bélico pela evidente analogia: há duas tropas formadas por onze guerreiros distribuídos de forma inteligente e com atribuições definidas para sobrepujar o oponente. Neste contexto, o papel do jornalista especializado se torna fundamental. É necessário estudar os mesmos conceitos aplicados pelos treinadores para facilitar a compreensão dos movimentos das equipes. Como um correspondente de guerra precisa fazer para transmitir um relato o mais fiel possível de um conflito armado, ou como o repórter de economia que antes de falar da política econômica do país adquire conhecimento sobre o tema. Em uma de suas melhores crônicas, “Exagero”, Luís Fernando Veríssimo fala sobre os avanços tecnológicos e a consequente adaptação humana aos novos confortos. Ele recorda, por exemplo, que há algumas décadas não existiam rádios portáteis. Era impossível ouvir uma transmissão esportiva e assistir ao jogo no estádio simultaneamente. E então Veríssimo ironiza: “Como as pessoas sabiam se estavam gostando ou não do jogo sem ouvir os comentaristas?” A sentença é verdadeira, e se aplica ao passado ilustrado pelo autor. Antes da internet e da tevê a cabo o conhecimento público sobre futebol estava restrito às opiniões dos comentaristas, geralmente repórteres de campo com muitos anos de trabalho que, pelo desgaste da idade, subiam às cabines.
  • 5. 5 Ainda hoje é assim. São bons contextualizadores, debatedores, polemistas, mas não analistas táticos. Têm, nas suas agendas, nas suas pautas, enfoque direcionado ao ambiente e aos efeitos, não às causas, aos comportamentos dos jogadores. Por falta de hábito e de interesse. Não é da cultura do antigo futebol brasileiro enfatizar a tática, o jogo em si. Mas a audiência tem novos integrantes. Hoje os garotos de dez anos assistem às melhores coberturas esportivas do Brasil e de outros países com tradição no jornalismo e no futebol, leem artigos em blogs e sites das mais diversas origens, jogam videogames de última (ou mais que última) geração. Inconscientemente qualificam-se para o debate. Estão familiarizados com os conceitos táticos, desde a simples “numerologia” dos sistemas até os complexos estrangeirismos. A grande massa, também é verdade, ainda está presa à frase de Veríssimo, depende do comentarista não apenas para entender o que supostamente acontece em campo, mas para formar a própria opinião. Consome e fomenta o jornalismo no qual a análise é um tabu. Este cenário, entretanto, vai mudar. Está mudando. Esta nova audiência não precisa mais do comentarista para entender o que está acontecendo. Eles já sabem, e querem da pessoa com a caneta ou o microfone alguém com quem compartilhar as informações. Em questão de minutos os jovens da geração Playstation identificam sistemas táticos, funções dos jogadores, estratégias, movimentos ofensivos e defensivos, jogadores-chave, virtudes e defeitos das equipes. É uma demanda que precisa ser atendida. Conhecem os nomes, sabem as procedências, as idades, as características. São capazes de produzir excelentes análises - e alguns o fazem, artesanalmente, em blogs e redes sociais.
  • 6. 6 Consomem, também, o conteúdo de entretenimento ligado ao futebol, mas não abdicam de avançar no entendimento do jogo. O novo comentarista precisa acompanhar a nova audiência - mesmo sabendo que haverá maior espaço e consequente maior repercussão aos cortes de cabelo, às cores de chuteiras, às polêmicas e às fofocas. O jornalista esportivo não é mais o pretenso e exclusivo proprietário de um conhecimento que ele não tem, mas diz possuir. Evoluiu o futebol. Passou da fase exclusivamente técnica - os primórdios, quando a organização era incipiente, e as iniciativas individuais sobressaíam-se; e também ultrapassou o período de aprimoramento físico - os mais preparados, fortes e velozes venciam; chegamos ao terceiro estágio da evolução deste esporte, o estágio tático. A evolução técnica dos jogadores persiste, a preparação física ainda avança, mas hoje a organização tática desponta e arrasta consigo as demais valências. Agora, para a audiência chegar ao estágio onde o futebol se encontra, é papel do jornalista qualificar o debate. Ele não vê mais o que ninguém vê. Não tem suas opiniões protegidas por um jogo secreto assistido apenas in loco no estádio. Se antes o que dizia era lei, hoje é apenas mais uma voz entre as centenas de milhares emitidas nas redes sociais durante as partidas. Ele deve compartilhar conhecimentos com os quais uma parcela do público já se familiarizou, pela profusão de mídias e de oportunidades, e precisa partir deste ponto - da análise criteriosa - para alcançar a opinião embasada. Caminhar até onde se encontram os mais jovens e desencadear uma procissão de novos interessados pelo tema. Não basta mais decretar o que é certo ou errado apenas em função de preconceitos pessoais. A análise tática aplicada ao jornalismo esportivo, fundamentada em conceitos teóricos e seguindo um
  • 7. 7 método claro de trabalho, oferece ao público um produto de acordo com a evolução do futebol. 2. ANÁLISE TÁTICA NO JORNALISMO ESPORTIVO Equipes de futebol são organismos vivos. A identificação do sistema - os “numerozinhos” que ilustram a distribuição dos jogadores - são apenas o ponto de partida da observação. A essência da análise tática aplicada ao jornalismo está na compreensão dos movimentos do jogo. Com a bola e sem ela, em todos os momentos da partida. Descoberto o sistema tático base de cada time, o analista deve aprofundar os elementos vinculados à estratégia: funções de cada jogador, sincronias entre pequenos grupos, tipo de marcação, estilo de jogo - sem ignorar fatores complementares, como o local da partida, o contexto do campeonato, os jogadores disponíveis... Por mais que este conteúdo especializado seja vendido como um tabu pelos próprios jornalistas esportivos mais ligados ao entretenimento - embora não sejam produtos excludentes, e possam conviver pacificamente dentro de qualquer mídia - todos nós desempenhamos a tarefa nas arquibancadas ou em frente à tevê. Mesmo sem saber que o estamos fazendo. Qualquer pessoa que perceba uma cobertura - volante protegendo o lado atacado às costas do lateral que retorna do campo ofensivo - está fazendo uma análise tática, ainda que inconsciente. Capturou um movimento específico. O mesmo vale para o amigo ao seu lado na arquibancada, que reclama da falta de posse de bola: análise tática, novamente. Identificou um padrão. Muito além dos números, que são fáceis de obter, são os comportamentos deste corpo coletivo os alvos. Como organismos vivos, os times movimentam-se. Mas, também como organismos vivos, esta movimentação é organizada,
  • 8. 8 sincronizada. O treinador pede, o jogador cumpre. E a maneira como o técnico transmite a ideia elaborada pode variar imensamente. Esta obra dirige-se a jornalistas, não a técnicos, mas preciso ressaltar: é evidente que o discurso do analista não é o mesmo das preleções. Sabemos que o treinador fala com cada jogador de acordo com sua capacidade de compreensão. Ele planeja o 4-4-2 com meio-campo em losango, cria e treina os movimentos, mas não chega para o atleta e diz: “Vais atuar como o vértice lateral direito do losango assimétrico que elaborei”. A prerrogativa da análise é do analista. Assim como a linguagem - falaremos ao final sobre a comunicação com o público-alvo. O jogador integra o vértice lateral direito de um losango, se preciso for, sabendo ou não o que é um losango. Se ele não está familiarizado com tamanha pompa, o treinador vai lá e diz: “Você fica aqui desse lado, vai ter um volante por trás, sai pela direita com a bola, fecha até aqui sem ela, vamos para dentro dos caras”. Pronto, ele é o vértice lateral direito do losango, e quem estiver nas cabines de imprensa, do alto, poderá identificar facilmente o desenho tático da equipe e a função destinada a este jogador. O discurso do técnico e o do jornalista, embora baseados nos mesmos conceitos teóricos, têm características próprias, porque não se dirigem ao mesmo público. Um não invalida o outro, pois falam da mesma coisa com o uso de palavras diferentes. Disseminar estas ideias parte da busca pela evolução da análise tática na mídia de acordo com os conceitos teóricos que norteiam as decisões dos treinadores. Com tantas inovações e variações em evolução constante nestes organismos vivos chamados times de
  • 9. 9 futebol, estabelecer critérios ajuda a criar uma linha de raciocínio uniforme. Qualquer partida será analisada sob os mesmos parâmetros. Quando iniciei as análises jornalísticas em 2008 no blog Prancheta, no clicRBS, recém havia me formado no breve curso do Sindicato dos Treinadores de Futebol do RS. A ideia não era me tornar técnico, e sim aprimorar meu trabalho no jornalismo. O curso serviu de pedra fundamental para a busca de bibliografias e para a construção de uma rede de contatos formada por outros apreciadores do assunto no Brasil e fora dele, trocando informações e conhecimentos. Estudar ajudou a resgatar na memória o aprendizado da infância. Ainda garoto, enquanto os amigos brincavam na rua, fechava-me na biblioteca do curso de inglês Cultural - no centro de Porto Alegre, à época gratuita - para ler sobre futebol. Colecionava os manuais da Disney com a história das Copas e de grandes jogadores, estudava sistemas táticos, e no quadro negro do meu quarto passava instruções aos times de botão, em caprichadas preleções recheadas de diagramas em giz. Estes manuais continham, mesmo que as capas com Pato Donald e Zé Carioca sugerissem o contrário, muitas informações relevantes sobre treinadores, seleções históricas, jogadores e competições. Programava o despertador para tocar cedo nos domingos, podendo assim assistir aos jogos do Campeonato Italiano - competição da qual colecionava cards com informações técnicas dos jogadores. Guardava ainda revistas Placar, álbuns de figurinhas, e arquivava as principais informações com recortes direcionados à parte tática. Reuni todas estas referências, da infância e da antiga profissão, em um método para a análise tática aplicada ao jornalismo esportivo. Selecionei os conceitos que considero importantes seguindo uma ordem lógica. Cada passo está concatenado ao anterior e ao
  • 10. 10 próximo. Desta forma, as análises dos meus blogs poderiam apresentar aos leitores uma linha de raciocínio, um critério, sem achismos ou demasiada opinião pessoal. Vale destacar - e repetir, e repetir, e repetir - que esta fórmula não é acadêmica, muito menos definitiva, professoral, exclusiva ou excludente. Até porque minhas referências, já listadas, são em grande parte empíricas. Fruto da minha vivência, da minha experiência, do meu contato com outros. Partem da iniciativa pessoal, da leitura, da tradição oral - sim, conversar com quem sabe vale tanto quanto a informação escrita. Não fiz faculdade de Educação Física. E nela há pouco sobre tática aplicada ao futebol, assim como há pouco sobre análise. Defendo que o treinador - não é este o foco do livro, mas não me constranjo em dizer - não precisa ser educador físico, pois a comissão conta com um preparador especializado. O treinador precisa, sim, ser um estrategista, um pensador, em elaborador de ideias colocadas em prática com o amparo de uma grande comissão multidisciplinar formada por especialistas. Mas formei-me jornalista. Portanto, o livro se dirige em primeiro lugar àqueles que pretendem comunicar análises. E existe uma questão muito importante neste processo: análise tática é informação, não opinião. Com um método, com processos encadeados, com uma lógica implícita, com qualificação constante, acervo teórico e conteúdo, o comunicador pode transmitir ideias claras e fundamentadas sobre os movimentos de uma partida de futebol, sem achismo, sem opinião, sem palpite. Informação, em resumo. Compartilho agora este método pessoal não com a pretensão de fazer dele uma regra, mas sim para ajudar quem se interessa pelo
  • 11. 11 tema. Comecei as análises às cegas, pois a bibliografia se dirige aos treinadores - e, mesmo assim, é rara - não aos jornalistas. Como já vimos, são discursos e públicos diferentes. Faltam recursos teóricos para ajudar quem se propõe a traduzir os acontecimentos do campo. Cada pessoa, seja um fã do assunto ou um companheiro de profissão - afinal, ainda sou jornalista, embora fora da grande mídia - pode se utilizar dele como princípio para a formulação de um novo método, ou então adotá-lo integralmente. Este processo de análise é o objeto das palestras e aulas dos cursos que participo, seja na Escola Perestroika, seja em iniciativas paralelas voltadas a alunos de comunicação ou jornalistas formados. Tomara que ele sirva de auxílio aos atuais e aos futuros analistas táticos. O futebol evoluiu, a audiência está seguindo o mesmo caminho, não fiquemos para trás. Disseminem e compartilhem todo o conhecimento ligado ao tema. Qualificar o debate no jornalismo esportivo não será uma luta vã. 3. PADRÕES DE COMPORTAMENTO Alguém pode se perguntar: ora, diabos, por que analisar taticamente uma equipe? Qual a finalidade? Não há mistério. Tanto nos processos internos dos clubes - onde a função foi batizada “análise de desempenho”, muito mais complexa - como na imprensa esportiva especializada, o objetivo principal é identificar padrões de comportamento. Padrão de comportamento é uma expressão que se basta, mas não custa explicá-la: no futebol, são ações que se repetem. E elas se repetem pelo simples fato de que são treinadas. Analisar taticamente uma equipe é decifrar as orientações transmitidas pelo técnico aos jogadores.
  • 12. 12 De início, o mais importante é educar-se para separar as circunstâncias de jogo dos padrões de comportamento. Futebol é movimento, e por vezes toda a ordem treinada à exaustão é insuficiente para lidar com uma situação, e aí conta-se com o improviso, com o imprevisível. No entanto, a ocorrência de ações circunstanciais não atrapalha a análise porque, obviamente, elas não se repetem. E, se padrões de comportamento são ações reiteradas, não é difícil peneirar o que é fruto de treino, e o que é ocasional. Dentro das comissões técnicas, a análise de desempenho serve para auxiliar o treinador no planejamento de treinos. Diagnosticando padrões de comportamento da equipe nos jogos e nas atividades prévias, o técnico pode avaliar quais ações estão correspondendo ao trabalho da semana, e quais outras precisam ser otimizadas, o que interfere positivamente no microciclo de treinos. Na análise tática voltada ao jornalismo esportivo, a identificação de padrões de comportamento também serve, caso o profissional da área acompanhe treinos, para verificar o que foi assimilado, e o que não deu certo na relação com os trabalhos da semana. Mas serve, principalmente, para transmitir informações relevantes à audiência. Situação hipotética simples: o jornalista identifica um padrão de comportamento defensivo. Nele, o lateral da equipe em questão deixa a base da linha defensiva para acompanhar individualmente o adversário que entra em seu setor, mesmo que ele esteja sem a bola, e mesmo que ele se afaste bastante daquela região. Em contrapartida, o adversário se utiliza disso para “jogar a isca”, arrastando com um atacante o lateral para fora do respectivo lado, e ingressando com outro jogador para receber livre e com espaço o lançamento, causando desorganização no sistema defensivo.
  • 13. 13 Cabe ao jornalista esportivo fazer esse diagnóstico e informar à audiência porque o jogador adversário recebeu livre o lançamento. É uma informação, e a análise tática precisa ser trabalhada desta forma. Repito: é informação, informação e informação. Dito isso, o jornalista até pode lançar sua opinião, dizer se acha certo ou errado a maneira como o lateral está marcando o adversário - sem que sua opinião seja uma verdade absoluta - mas acredito que o mais importante é transferir para o ouvinte-telespectador-internauta-leitor-torcedor a oportunidade para também pensar sobre o assunto e tirar sua própria conclusão. Antes, os comentaristas não especializados, alheios à análise tática, eram tidos como “formadores de opinião”. Falei antes da crônica “Exagero”, e a oportuna ironia sobre a influência dos comentaristas em mentes vazias de conhecimento sobre o tema. Hoje, entretanto, a audiência é capaz de formar o próprio acervo de informações, de referências teóricas ou empíricas. E, com este embasamento, compartilhar análises e opiniões com os comentaristas, não mais os donos da verdade, mas sim participantes deste grande debate futebolístico. 4. CONCEITOS BÁSICOS Saber diferenciar conceitos básicos da tática no futebol minimiza os erros causados pela confusão de referências diferentes. E, sem um critério claro, a análise perde qualidade e credibilidade. O mais comum entre os problemas provocados pela falta de uma base teórica superficial é observar duas equipes com modelos de jogo semelhantes, porém com perspectivas diferentes - ou o contrário, enxergar analogias entre times totalmente divergentes.
  • 14. 14 Sem um critério, sem um padrão, o conteúdo oferecido se torna confuso. Como não existem verdades, determinismos ou lógica no futebol, o ponto de partida é importante na criação de uma linha de raciocínio com a qual podemos identificar as referências do analista, e assim debater suas ideias. 4.1-Tríade primária Básico do básico: diferenciar posicionamento, posição e função. Confundir estes conceitos é a maior causa de ruídos de comunicação na análise tática, comprometendo a simples identificação do sistema inicial. 4.1.1-Posicionamento (ou Posicionamento Inicial) é a região da qual o jogador parte, e para onde ele retorna. Obviamente, na partida em questão. A soma dos posicionamentos de cada atleta resulta no sistema tático da equipe. Por isso a prática mais comum para se identificar um sistema é esperar a equipe ficar sem a posse de bola. Isso porque no momento de marcar os jogadores retornam aos seus posicionamentos iniciais - tiro de meta do adversário, por exemplo, é tido como o momento mais fácil para tal observação. Mais à frente, entretanto, vamos debater situações de exceção que envolvem a identificação do sistema e os posicionamentos iniciais dos jogadores. 4.1.2-Posição é a característica do jogador. Não na partida em questão, como no caso acima, mas sim “na vida”. É a palavra que ele preencheria na hipotética questão “profissão” caso fosse entrevistado por censeadores do IBGE. Diz respeito a suas virtudes, e como ele as utiliza em campo. 4.1.3-Função é o conjunto de atribuições que o jogador cumpre na partida. Sinônimo de tática individual. O que ele faz nos quatro
  • 15. 15 momentos do jogo (falaremos sobre isso em breve) durante os 90 minutos. Os problemas surgem com a sobreposição dos conceitos de posição e função. É quando o analista confunde a característica do jogador com a função desempenhada em campo. Podemos nos utilizar de um exemplo próximo e recente: Robinho é atacante (posição), ou seja, tem característica de jogador de frente; mas, na Seleção Brasileira de 2010, com o técnico Dunga, ele cumpria em jogo a função de meia-extremo. Se um eventual observador atento apenas às características dos jogadores, ignorando os movimentos realizados na partida, assistisse ao Brasil de Dunga, diria que o sistema tático era o 4-4-2 - porque Robinho e Luís Fabiano são atacantes de origem. Mas, observando- se os posicionamentos iniciais e as funções cumpridas por ambos, era um 4-2-3-1, com Robinho - apesar de originalmente atacante por ofício - cumprindo a tática individual de extremo aberto pelo lado esquerdo na segunda linha de meio-campo. Existem outras dezenas de casos, e o 4-2-3-1 é muito pródigo em análises equivocadas quando se utilizam atacantes (posição original) no meio-campo (função no jogo), com os observadores tomando a posição pela função. Por isso reiterei tanto que análise tática é informação: nestes casos, ao perceber um 4-4-2 que não existe o comentarista transmite uma informação equivocada, que influencia negativamente a compreensão do jogo pela audiência. Para terminar a exemplificação, o caso descrito pode ser resumido em Robinho atacante (posição) atuando como meia-extremo (função) no lado esquerdo da segunda linha de meio-campo do 4-2-3-1 da Seleção (posicionamento inicial). Simples. Dizer que o Brasil jogava no 4-4-2 porque Robinho é atacante, e mesmo se fosse escalado no gol continuaria atacante, é um erro de informação oferecido ao público.
  • 16. 16 4.2-Tática e Estratégia Outra diferenciação importante, breve e não menos simples, envolve tática e estratégia. E não é semântica, mas sim futebolística. A tática é o sistema - embora tenha encontrado muitas referências além- futebol que não os tratam como sinônimos. Os “numerozinhos”. Em resumo, o sistema tático é o planejamento responsável por ordenar a distribuição dos jogadores em campo, coordenando todas as partes em si. Já a estratégia é o conjunto de movimentos atribuídos a cada jogador, e daí em diante a cada pequeno grupo, e também a cada setor. Reúne elementos diversos, desde a característica dos jogadores escolhidos, passando pelo sistema de marcação, pela intensidade dos movimentos, pelas funções, pelas sincronias em pequenos grupos, pela ordenação dos setores. É, na verdade, o pensamento coletivo aplicado ao sistema tático. No futebol, os treinadores chamam este conjunto de princípios e subprincípios de modelo de jogo. Tornando ainda mais clara a diferenciação, duas equipes enfrentando-se com sistemas táticos semelhantes podem adotar estratégias totalmente diferentes: por exemplo, uma no 4-3-3 agressivo, valorizando posse de bola ofensiva, com linhas adiantadas e marcação por zona; outra no 4-3-3, mas jogando para contra-atacar, sem posse, com linhas recuadas e marcação com encaixe individual no setor. Sistemas iguais, estratégias opostas. 4.3-Desmembrando a tática A palavra tática aparece várias vezes na teorização do futebol, na maior parte delas significando “função”. E como o futebol é um esporte coletivo, a função muitas vezes diz respeito a grupos, maiores ou menores, e não se refere exclusivamente a um atleta apenas.
  • 17. 17 Tática individual, como já vimos, é a função que o jogador cumpre na partida analisada. Para onde vai quando tem a bola, ou quando um companheiro está com a posse; o que faz quando está sem a bola. Como marca, que tipo de jogo propõe, a região do campo pela qual se movimenta, tudo isso integra o conceito. Tática de grupo é o conjunto de funções sincronizadas entre jogadores próximos, ou do mesmo setor (um movimento coletivo da defesa, por exemplo) ou da mesma região do campo (uma triangulação ofensiva entre lateral, meia e atacante da direita). O modelo de jogo recente do Barcelona tem disseminado a associação dos “triângulos” ao conceito de tática de grupo – são as interações entre jogadores próximos. Reparar nestas táticas de grupo é um dos grandes baratos (ainda se diz barato?) da análise tática. Identificar as coberturas defensivas e compensações consequentes realizadas por jogadores que sabem o quanto é importante manter aquele padrão de comportamento para o bom funcionamento coletivo é muito importante para o entendimento do jogo. Vale destacar que cada jogador integra diversos pequenos grupos e, portanto, participa de várias táticas de grupo simultâneas e sincronizadas. Tática coletiva é sinônimo de sistema tático. Os famigerados “numerozinhos”, antigamente restritos aos três setores principais - defesa, meio e ataque (4-3-3, 4-4-2, etecetera) - mas hoje fragmentados em tantas faixas que provocam até certos exageros. O mais habitual na análise moderna é dividir o meio-campo em duas partes, colocando quatro algarismos na descrição (4-2-3-1, 3-4-1-2, 4-3-1-2, etecetera). Tenho certa restrição a esta prática porque seus entusiastas partem da premissa do alinhamento. O 4-4-2, por exemplo, só pode ser
  • 18. 18 assim caracterizado quando for o britânico em duas linhas. O quadrado teria de ser 4-2-2-2. Mas há falhas, e elas me incomodam um pouco por indefinirem os critérios. O antigo 4-4-2 em losango agora é chamado de 4-3-1-2. Notem, entretanto, que os volantes não posicionam-se alinhados. Há um primeiro volante, dois médio-apoiadores pelos lados, e um enganche. O desdobramento, no critério das linhas formadas, teria de ser 4-1-2-1-2. Um exagero, que mais atrapalha do que ajuda. De início, em meus blogs, padronizei os diagramas em três algarismos com um complemento por escrito - 4-4-2 quadrado, 4-4-2 losango, 4-4-2 duas linhas. Os desdobramentos, porém, mesmo sem critério definido são aceitos pela audiência, e para atender à demanda adotei também as fragmentações mais populares, como o 4-2-3-1 e o 3-4-1-2, mesmo sem concordar inteiramente. Afinal, se todos fazem, menos eu, provavelmente estou errado, é o que diz a lógica. Recuso-me, entretanto, a desdobrar em mais de quatro faixas, por um simples motivo: a descrição numérica dos sistemas táticos refere- se aos setores, não aos alinhamentos. Defesa, meio-campo e ataque. Mais atualmente, defesa, meio-campo defensivo, meio- campo ofensivo e ataque. Os jogadores não precisam estar alinhados, mas sim posicionados inicialmente dentro do mesmo setor. 4.4-Momentos do jogo Talvez seja esta a parte mais importante na configuração das demais pequenas peças do emaranhado de conceitos que levam à análise tática no futebol. Identificar exatamente o que os jogadores, os pequenos grupos e o grande coletivo fazem em cada momento do jogo é fundamental para eliminar erros de interpretação, minimizar dúvidas e ser o mais preciso possível.
  • 19. 19 O jogo tem quatro momentos para cada equipe - cinco, se levarmos em consideração a bola parada - e eles vão se alternando ininterruptamente. Quem manda nesta diferenciação é a bola. Vejamos: 4.4.1-Organização ofensiva é a fase de posse de bola da equipe, quando ela começa a construir a jogada. É importante visualizar a movimentação dos jogadores e de seus respectivos pequenos grupos, e também identificar a proposta coletiva implícita nestes movimentos. A ideia principal de uma equipe com a bola é desorganizar o adversário, criando espaços e/ou aproveitando-se de espaços já descobertos por eventuais erros do oponente, para obviamente fazer gols. E essa desorganização do adversário, em especial da linha defensiva dele, passa pela movimentação sincronizada dos jogadores, arrastando marcadores, oferecendo linhas de passe, proporcionando ao time progredir no campo ofensivo e finalizar a gol. Também é importante avaliar a contribuição individual de cada jogador, com suas características aplicadas às funções cumpridas na partida. Analisando-se estes arranjos orquestrados pelos pequenos grupos é possível capturar a proposta coletiva da posse de bola - o “estilo”, ou “modelo de jogo” (com seus princípios e subprincípios, como gostam os treinadores): posse paciente, ou objetiva, ou cedida para jogar em contra-ataque, entre outras. E dentro destes princípios (ter a bola, querer o contra-ataque) encaixam-se movimentos que atendem à proposta principal, ou seja, os caminhos que levam à consolidação do planejamento para o jogo, como por exemplo: - Existe o jogo de 1ª e 2ª. A primeira bola é aquela disputada pelo alto após um lançamento longo - seja a quebrada do goleiro, seja em saída de zagueiros, laterais ou volantes. Ela se dirige especialmente ao centroavante, que briga pela vitória de cabeça com os
  • 20. 20 marcadores. Já a segunda bola é a sobra desta primeira, o “rebote” do confronto pelo alto. É bastante comum encontrar equipes especializadas em jogo de 1ª e 2ª, com zagueiros lançadores, centroavante de referência e um avanço sincronizado do meio-campo para se aproximar do alvo da bola longa e apanhar a sobra para atacar de frente. - O jogo de 1ª e 2ª pode, ainda, integrar um conceito mais amplo, que se chama ataque direto. É quando a equipe abdica da posse organizada no meio-campo, optando pelos lançamentos longos aos atacantes. Mas esta conexão direta não precisa necessariamente ser pelo alto, pode acontecer para disputas em velocidade pelos lados, desde que os alvos sejam os atacantes, e desde que a bola não passe pelo meio-campo – com muitas paralelas dos laterais para os pontas. - Se o responsável pelo lançamento para o jogo de 1ª e 2ª (ou para o jogo de ataque direto) for o goleiro, podemos concluir que o time analisado tem a primeira fase de construção longa. É a saída de bola. Enquanto alguns times preferem começar jogando curto, com posse trabalhada desde os zagueiros, passando de setor em setor, outros escolhem a saída longa, quebrada no centroavante. É bom destacar, entretanto, que o comportamento defensivo do adversário influencia nesta decisão. Se o oponente avança suas linhas e marca no campo ofensivo o tiro de meta adversário, obriga o goleiro a quebrar o passe longo, enquanto se o adversário procura manter um posicionamento mais recuado, é possível sair jogando curto sem riscos. - O centroavante de referência é importante em outro movimento ofensivo para o qual se requisita força física: o pivô. De costas para a marcação, o jogador recebe o passe e pode escolher entre girar para
  • 21. 21 avançar de frente (caso o marcador não o tenha acompanhado), girar sobre o marcador (caso ele esteja “encaixado”) devolver rápido para um companheiro que avance em velocidade de frente para o gol, segurar à espera da aproximação em bloco do time, ou fazer a troca de corredor - a bola vem de um lado e ele aciona um companheiro no outro: Centroavante recua para arrastar marcador e abrir espaço à infiltração do ponta, oferecendo duas opções de passe ao homem da bola - Na troca de corredor, o time opta coletivamente pela mudança do lado da bola. A jogada começa em um corredor (direito, esquerdo ou central) e termina em outro. Essas trocas podem acontecer com circulação de bola - trocas de passes curtos e médios - ou com viradas longas:
  • 22. 22 Troca de corredor pode ser feita de pé em pé, com passes curtos, ou então com uma inversão longa, fazendo a bola chegar mais rápido do outro lado do campo E a intenção é induzir o adversário a adotar o comportamento desejado. Jogar a isca. Falaremos a seguir do “balanço defensivo”, quando a equipe sem a bola movimenta-se na direção do corredor atacado, em bloco. Sabendo disso, um time treinado para se utilizar da troca de corredor pode propositalmente levar a bola para um lado - enquanto posiciona outro jogador bem aberto na direção oposta - forçar o adversário a se compactar neste setor, e inverter a bola rapidamente até o outro corredor, liberado em razão do balanço defensivo rival. - Avançando um pouco mais na importância da circulação de bola (girar a bola e rodar a bola são sinônimos ao termo circular a bola), a velocidade com a qual ela é executada ajuda a definir a proposta da equipe. Circulação rápida, com poucos toques na bola (domina e passa), e passes verticais (para frente, entrelinhas) apresenta um
  • 23. 23 time mais objetivo, mais agressivo, mais contundente. Circulação lenta, com trocas de passes dentro do setor, revela um time disposto a diminuir a velocidade do jogo. Os dois comportamentos podem ser utilizados até mesmo dentro de um jogo, conforme as ambições da equipe em questão - imprime velocidade até marcar o gol, depois segura a posse e diminui a rotação da partida. Circula a bola, desorganiza o adversário, e imprime objetividade para definir o lance no momento certo. - Ser agressivo, contundente e objetivo também significa ser vertical, ou seja, arriscar passes à frente da linha da bola, procurar opções próximas ao gol, ocupar espaços adiantados e levar a bola até lá. - Sobre as trocas de passe, é de conhecimento notório a busca pela criação de triângulos, o que nada mais são do que duas opções próximas. Na Espanha estes triângulos chamam-se “pequenas sociedades”, e integram o conceito de “tática de grupo”: Cada cor configura um triângulo diferente; jogadores participam de mais de um triângulo, e não foram assinalados todos os triângulos possíveis neste contexto
  • 24. 24 São jogadores treinados para cooperar entre si conforme o contexto da jogada. Obviamente, cada jogador participa de mais do que apenas um triângulo. Exemplo simples, no 4-3-3 com um volante e dois meias, sistema pródigo na formação de triângulos: o meia-esquerda participa, pensando superficialmente, de triangulações com lateral e ponta do setor; com meia-direita e centroavante; com ponta do setor e centroavante; com meia-direita e volante; com lateral e volante. E por aí vai. A referência para a formação do triângulo é a bola. - As movimentações dos jogadores, sempre procurando ocupar espaços relevantes de forma inteligente e, acima de tudo, oferecendo linhas de passe ao homem da bola, modificam a estrutura. Eles realizam, muitas vezes, trocas ofensivas, principalmente pelos lados. Também é importante salientar que os mesmos triângulos servem à organização defensiva, seja na fase sem bola, seja na de transição (veremos a seguir). - Superioridade numérica é um contexto muito procurado. Criar situações nas quais seu time tenha mais jogadores que o adversário no setor onde está a bola, possibilitando linhas de passe que levem o oponente a criar um efeito dominó de coberturas apressadas, improvisadas. Mas os treinadores também preparam combinações na situação contrária, quando há inferioridade numérica. - Nestes casos, a vitória pessoal é importante. É o drible, o momento que o jogador com a bola tenta o 1x1, ou no popular: “vai dentro do cara”. Os momentos de vitória pessoal mais desejados são geralmente pelo lado do campo, sobre a última linha do adversário, tentando quebra-la para conquistar campo em profundidade e criar uma situação de gol iminente.
  • 25. 25 - Integram este contexto ofensivo, ainda, a amplitude e a profundidade. Amplitude é a tentativa de abrir as linhas adversárias, distribuindo jogadores de uma ponta a outra do campo ofensivo, o que oferece linhas de passe longas para inversões e lançamentos diagonais, dificultando a marcação. Abrir o campo para facilitar a criação de espaços e a consequente articulação ofensiva; Profundidade é a oferta de opções de passe à frente, na direção da linha de fundo, com maior possibilidade, portanto, de se chegar ao gol. Laterais e pontas oferecem amplitude total ao homem da bola, abrem o campo Os conceitos de amplitude e profundidade são bastante utilizados em sistemas com duas linhas, ou no 4-2-3-1, fazendo os pontas “abrir o campo”, e consequentemente abrir a defesa.
  • 26. 26 - Com o time distribuído de forma “larga”, essas equipes recorrem muitas vezes à diagonal longa. O time trabalha a bola, faz a circulação com passes de pé em pé, induz o adversário a fazer o balanço defensivo (como descrito na parte sobre a troca de corredor) na direção desejada, e inverte a bola em lançamento para o ponta oposto. Este movimento, em especial, tem exigido a qualificação de zagueiros e volantes na precisão do passe longo. Jogadores destas posições capazes de acionar diretamente um ponta em diagonal, encontrando o passe certo e colocando a bola no espaço certo são artigos de luxo no futebol europeu. Zagueiro e volante moderno precisam disso para se destacar hoje. - Futebol é movimento, e acima de tudo “a ocupação dos espaços importantes de forma inteligente”. Na fase de organização ofensiva, a equipe planeja maneiras de abrir espaços no campo de ataque e causar desordem no sistema defensivo adversário. Criados os espaços importantes e desorganizada a marcação, o time pode progredir e finalizar ocupando-os de maneira inteligente e organizada. Cada jogador precisa, a cada lance, saber para onde ir, quando ir e o que fazer, o que configura a tomada de decisão como um dos elementos mais importantes entre as virtudes de um atleta: é preciso que eles tenham inteligência de jogo para identificar os espaços certos e os momentos oportunos para ocupa-los, além da perícia técnica na execução das ações com bola. O analista pode incluir em suas observações destaques ou ressalvas a jogadores que tenham ou não esta capacidade. Voltando à analogia bélica, é como dizem os generais históricos: “dividir para conquistar”. Um time precisa desorganizar o adversário (dividir, quebrar suas linhas de marcação, abrir espaços) para conquistar (ocupar os espaços criados e finalizar marcando gols).
  • 27. 27 4.4.2-Organização defensiva é a fase de posse de bola do adversário. Quando os jogadores retornam aos seus posicionamentos e iniciam o combate visando à recuperação da bola, impedindo que os oponentes avancem no campo e criem oportunidades de gol, e ao mesmo tempo desorganizando-se o mínimo possível. Boa parte das equipes defende-se de forma “mista”, combinando movimentos diversos, ou então combinando comportamentos diferentes em cada setor. É importante saber se a equipe faz defesa de zona, encaixe individual dentro do setor ou por função; se a defesa mantém uma linha com sistemas de cobertura em diagonal, ou se mantém um zagueiro um passo atrás formando sobra. - A marcação individual é um caso de exceção, pois se torna muito difícil exercê-la em todo o campo. Mas - aumentando a incidência de times com marcação mista, principalmente no Brasil - ela ocorre em um alvo específico do adversário: nove jogadores da equipe marcam da mesma forma, e um persegue a referência técnica oponente. A intenção é anular um jogador-chave, impedi-lo de jogar, mesmo que para isso o seu jogador - o marcador escolhido - também acabe “saindo do jogo”, por se omitir de todas as ações que não tenham relação direta com o combate a este rival específico. - Na defesa de zona (marcação zonal, marcação por zona...) a principal referência do jogador é o espaço que deve ser ocupado, e ele se posiciona em função da bola, e também dos demais companheiros. Em resumo, os jogadores se movimentam organizadamente para ocupar os espaços mais importantes - os mais próximos da bola - de
  • 28. 28 forma inteligente, criando uma sucessão de coberturas. É uma proposta usual na Europa e em países inspirados no futebol do Velho Continente: defesa de zona tendo o espaço, a bola e os companheiros como referências. Com a bola como referência, a equipe não se desorganiza perseguindo adversários sem ela, e sim os impede de ingressar em “espaços valiosos”. O jogador do setor onde está a bola pressiona o adversário com ela, os demais aproximam-se, fechando os espaços e induzindo o adversário a errar, ou a voltar, ou a se movimentar na direção que o marcador deseja, para haver o desarme: Jogador do time branco pressiona a bola em seu setor (referências são o espaço e a bola); demais companheiros ocupam seus setores, sem desorganizar A partir da ocupação inteligente dos espaços próximos à bola, a equipe fecha as linhas de passe adversárias, ou seja, impede que os oponentes também próximos consigam espaço para ser vistos e acionados pelo homem com a bola.
  • 29. 29 Há um pequeno avanço neste conceito que é a zona pressionante, uma reunião da defesa zonal com a pressão sobre a bola (falaremos em breve sobre o tema). Além de fechar as linhas de passe próximas, o marcador responsável pela zona onde está o homem da bola exerce pressão para que ele não realize qualquer passe, forçando-o a retornar, errar, perder a bola...ou cometendo falta. - No encaixe individual dentro do setor a principal referência é o adversário, depois a bola, depois o espaço. Cada atleta da equipe “encaixa” e acompanha um adversário nos setores próximos à bola – mesmo que ele esteja sem ela - dentro dos limites da sua zona (ou seja, existem limites “geográficos” para persegui-lo): A bola está próxima do setor esquerdo defensivo: um jogador pressiona a bola, e os jogadores próximos encaixam os adversários dentro de seus setores Notem que neste caso, ao contrário da marcação individual, o jogador não persegue sempre o mesmo adversário. Ele se responsabiliza pelo encaixe no primeiro que ingressar em sua zona, até o final da jogada. Se o adversário de referência no momento sair
  • 30. 30 daquele setor, ou se no movimento seguinte outro oponente por ali passar, o marcador troca o alvo. É uma espécie de zona mista. Este modelo de marcação é bastante comum na América do Sul, especialmente no Brasil. Criam-se algumas compensações, porque ele provoca desorganização do desenho inicial da equipe. Enquanto na defesa de zona a distribuição dos jogadores permanece uniforme - tendo a ocupação de espaços como referência - no encaixe individual ele se molda à organização ofensiva do adversário, e força a trocas momentâneas – volante protegendo o espaço do lateral que saiu, lateral no espaço do volante aguardando o momento certo para voltarem ao modelo original, por exemplo. Se o jogador rival sai demasiadamente de uma zona, seu perseguidor o abandona e o “entrega” a outro companheiro, voltando ao seu setor e encaixando-se a novo adversário. Também é habitual do encaixe de marcação no setor a formação de uma sobra defensiva. Se o adversário tem dois atacantes, por exemplo, dois integrantes da defesa encaixam-se a eles, e outro fica mais atrás. Tendo o outro time como referência, a ideia é sempre formar superioridade numérica de um jogador na defesa, para que ele faça a sobra. - O encaixe individual por função é típico dos sistemas com três zagueiros utilizados na América do Sul. Enquanto no modelo acima - o encaixe por setor - cada marcador varia seu alvo conforme o jogador adversário que ingressa em sua zona de atuação, no encaixe individual por função o que vale é o “número da camisa”. Cada jogador tem um alvo específico a seguir, sem espaço delimitado, encaixando-se a ele até o final da jogada não importando necessariamente o setor onde está a bola.
  • 31. 31 No 3-5-2 e suas variações é comum dizer que o “ala bate com o lateral”, traduzindo, o ala marca individualmente o lateral adversário (encaixe por função); zagueiros “batem” com atacantes - um sobra, volantes com meias, meias com volantes e atacantes com zagueiros. É o famoso “cada um pega o seu”, modelo mais vulnerável às movimentações dos adversários - pois se desorganiza em função deles - e também mais dependente das vitórias pessoais dos marcadores, que estão sempre no 1x1 – fato que não tem acontecido nos recentes sistemas “5-3-2”, com alas alinhados aos zagueiros na fase defensiva. Ao invés do encaixe individual por função, a linha defensiva realiza balanço. Mudando um pouco de assunto, independentemente do sistema de marcação, as equipes podem combater em “alturas” diferentes. - O bloco alto é com início da pressão no campo ofensivo, adiantando os setores com a defesa posicionada na altura da divisa de campo, e com atacantes combatendo a saída de bola adversária:
  • 32. 32 - O bloco médio posiciona a equipe entre as intermediárias: - E o bloco baixo põe a equipe da intermediária defensiva para trás:
  • 33. 33 Outros conceitos importantes aplicados aos sistemas de marcação são a pressão sobre a bola, o estreitamento, a compactação e o balanço defensivo. - Pressão sobre a bola refere-se à intensidade do combate realizado pelo jogador. Nada tem a ver com a altura da pressão coletiva (os já citados blocos alto, médio ou baixo). Seja na defesa de zona, seja no encaixe individual por setor, pressionar a bola hoje é fundamental. A ideia é tirar o adversário com a bola da zona de conforto e evitar que ele tenha tempo/espaço para achar bons passes. Sob pressão do seu marcador ele obriga-se a sair dali, podendo sofrer o desarme, errar o passe ou voltar a jogada. Este comportamento é ainda importante para minimizar os riscos da amplitude ofensiva do adversário, como vimos no item acima, evitando a diagonal longa. Mesmo que o oponente abra jogadores pelos dois lados e ambicione balançar sua defesa para acionar o ponta oposto, a pressão sobre a bola impede que o jogador com ela consiga tempo e espaço para acertar o lançamento. Sob pressão, precisa definir rápido o lance, diminuindo a precisão da bola longa. O contrário da pressão sobre a bola é a defesa passiva, em qualquer dos modelos de marcação. Seja na defesa de zona, seja nos encaixes individuais ou por função, o jogador apenas ocupa o espaço, ou apenas acompanha o adversário, sem lhe incomodar, sem lhe forçar a tomar uma decisão precipitada, o que permite ao oponente encontrar tempo e espaço para tomar boas decisões - com drible, passe curto ou longo. Além do modelo de marcação, portanto, é importante ao analista diagnosticar o comportamento dos jogadores sem a bola, se pressionam os adversários, ou permitem que tomem decisões.
  • 34. 34 - Estreitamento é a distância entre as pontas laterais do time. Sem a bola as equipes não se espalham em campo, mas sim estreitam-se no setor atacado. Com os jogadores próximos, fecham-se as linhas de passe, proporcionando melhor ocupação dos espaços valiosos e, consequentemente, dificultando a movimentação ofensiva do adversário: Equipe com pouco espaço entre as linhas – ou setores (compactação); e também com pouco espaço entre os jogadores (estreitamento) - Compactação é a distância entre os setores do time. Da mesma forma que o estreitamento, a compactação das linhas é importante para fechar as linhas de passe e ocupar os espaços valiosos de forma inteligente, sem permitir ao adversário que encontre caminhos desimpedidos para progredir. É preciso manter uma distância curta entre defesa, meio e ataque, impedindo que o adversário encontre espaço para trabalhar a bola entrelinhas.
  • 35. 35 - Balanço defensivo é o movimento coletivo de basculação do time na direção da bola. É como se os jogadores estivessem conectados através de cordas, levando à obrigatória movimentação coletiva por estarem amarrados uns aos outros. Popularmente conhecido por “gangorra” ou por “rodar a marcação”, o balanço defensivo tem como referência a bola: Linhas de defesa movimentam-se na direção do setor atacado – fazem o balanço Primeiro os jogadores esperam o adversário definir por onde sairá jogando: corredor direito, corredor esquerdo ou corredor central. Definido o caminho - e as boas equipes trabalham com a ideia de induzir o adversário a escolher o caminho no qual a própria defesa é mais forte, conduzindo-o sorrateiramente à armadilha - todo o time movimenta-se naquela direção, obedecendo aos critérios definidos pelo sistema, seja defesa de zona, seja encaixe.
  • 36. 36 Este conceito anula a interjeição muito ouvida em arquibancadas ou na frente das tevês quando o adversário tem a bola na direita e aparece um jogador livre lá na esquerda. Totalmente desmarcado. O torcedor se assusta e grita: “olha o cara livre, ninguém vai marcar?”. Resposta: não. Trabalha-se a pressão sobre a bola exatamente para dar suporte ao estreitamento, à compactação e ao balanço defensivo. Pois vejamos: se o adversário está marcado por um jogador que o combate com intensidade, sem passividade – com pressão; se todo o time movimentou-se na direção daquele setor; se as linhas de passe próximas estão fechadas, ocupadas por defensores inteligentemente posicionados...como ele conseguirá acertar uma virada? Mesmo assim, se ele tiver vitória pessoal, ou seja, se ele conseguir sob pressão desvencilhar-se do marcador e assim ganhar espaço/tempo para achar o passe longo, o time está preparado para agilizar o balanço defensivo naquela posição, cada qual com suas coberturas/compensações combinadas. - As equipes também ambicionam a superioridade numérica. Dobrar, ou até triplicar a marcação sobre o adversário no setor atacado. É uma forma, qualquer que seja o sistema adotado, de manter pelo menos um jogador pressionando o adversário com a bola, e outro imediatamente próximo, em diagonal ao lance, na cobertura, sem contar todas as demais linhas de passe bloqueadas. Dessa maneira, mesmo que o oponente tenha vitória pessoal no 1x1, é possível combatê-lo com a subida de pressão daquele que estava na cobertura diagonal, evitando uma desorganização prematura da estrutura defensiva. Ao analista, na fase de organização defensiva cabe, portanto, especial atenção no diagnóstico de todos estes pontos listados:
  • 37. 37 sistema de marcação (por zona, com encaixe no setor ou por função, com uso de marcação individual, com uso de mais de um modelo - misto, portanto); altura de bloco (alto, médio e baixo) e eventuais alternâncias entre eles; estreitamento no setor atacado; balanço defensivo; compactação entre as linhas; superioridade numérica; e intensidade da pressão sobre a bola no combate. 4.4.3-Transição ofensiva - contra-ataque, o que o time faz quando rouba a bola. A ideia é identificar e explorar os aspectos vulneráveis do oponente em combinação com as próprias virtudes. É possível acelerar a saída, seja no setor onde a bola foi roubada, seja trocando o corredor com objetividade para definir o lance - ou manter a posse. Aspectos individuais, como a procura de um jogador específico para coordenar a transição, ou então para receber os lançamentos e tentar a vitória pessoal com velocidade e drible, também são importantes. Assim como a intensidade da aproximação de apoio ofensivo - velocidade com a qual o time sai da defesa: Contra-ataque para definição rápida com três opções de passe ao homem da bola
  • 38. 38 Existem equipes cuja proposta de jogo é o contra-ataque, abdicando da fase de organização ofensiva - cede posse ao adversário - e baixando estrategicamente o bloco de defesa para ganhar campo. É o “jogo de transição”. Geralmente, estes times procuram definir rápido os lances, em contra-ataques verticais e objetivos: sai rápido, e em dois ou três toques já finaliza a gol. Enquanto o oponente pode pensar que seu rival está acuado, na verdade está apenas induzindo-o a avançar, desorganizar-se, e dar espaço à saída rápida. Considero importante que o analista saiba diferenciar quando uma equipe está sendo empurrada pelo adversário, enclausurando-se na defesa, ou quando ela está oferecendo posse e campo para jogar em transição ofensiva. Nos contra-ataques é preciso identificar a mudança de comportamento da equipe, ou seja, a partir da roubada da bola os jogadores que estavam em comportamento defensivo precisam imediatamente assumir o comportamento ofensivo. Outro aspecto interessante é identificar se o time sabe explorar o lado fraco do adversário. Em um contra-ataque vertical, este é o objetivo: encontrar o caminho mais curto para o gol, onde o oponente – que tinha a bola – está momentaneamente vulnerável. E, caso não dê para agredi-lo, manter a posse, esperar os demais companheiros sair detrás e entrar em organização ofensiva. São propostas muito diferentes e relevantes para o contexto do jogo. Fazer o diagnóstico correto da proposta ajuda a julgar, no final, se a equipe teve êxito. É bastante comum, sem fazer essa diferenciação, criticar uma equipe por estar “demasiadamente recuada” ou “sem posse” quando na verdade esta é exatamente sua intenção. 4.4.4-Transição defensiva é a recomposição, o contra-ataque adversário, o que o time faz quando perde a bola. E a análise
  • 39. 39 começa na fase de organização ofensiva. Quando tem a posse, toda equipe mantém um número determinado de jogadores atrás da linha da bola. Geralmente, em uma equipe com linha defensiva, ficam o lateral oposto ao lado da bola, mais os dois zagueiros e eventualmente ainda um volante. Eles se encaixam aos adversários que estão posicionados para oferecer-se ao contra-ataque, na maioria das vezes com uma sobra, e sempre priorizando a superioridade numérica. Formam, na prática, uma espécie de “losango defensivo”. O time tem a bola, mas mantém lateral oposto, zagueiros e um volante à espera Mas essa é só uma parte. A outra parte, ainda mais importante para o contexto da análise, é o comportamento dos jogadores que estão participando da organização ofensiva. É importante verificar se o jogador que perde a bola é o primeiro a combater para retomar, por exemplo.
  • 40. 40 Da mesma forma como na transição ofensiva, é importante avaliar se os jogadores fazem a mudança de comportamento na recomposição, se eles passam do comportamento ofensivo para o comportamento defensivo imediatamente. Está se utilizando bastante a transição defensiva intensa, com a equipe agressivamente atacando a bola de forma compacta e estreita, contando com o comprometimento de todos no retorno imediato em direção à bola e às linhas de passe próximas do adversário, para recuperá-la o quanto antes. Neste caso, o jogador que perde a bola deve ser o primeiro a tentar recuperá-la, enquanto os companheiros próximos o ajudam a sufocar o adversário e a fechar os espaços próximos a ele. Noutros casos, menos comuns no futebol dito moderno, poucos jogadores atacam a bola com a intenção de atrasar a saída do adversário, enquanto os demais recuam para se reposicionar, organizando a equipe ao invés de buscar o desarme. A ideia é apenas tirar a velocidade do lance, “temporizar” a jogada. É importante, ainda, reconhecer se a equipe contra-atacada consegue induzir o adversário a tomar o caminho mais difícil. Se quando o time contra-ataca precisa identificar o lado vulnerável do oponente, da mesma forma quando perde a bola precisa fazer com que ele se dirija ao setor mais protegido. Na transição defensiva aparece também a tão famosa falta tática, recurso utilizado para interromper o contra-ataque adversário quando não se exerce boa pressão sobre a bola, a formação da espera atrás da linha se desorganiza ou se vê em igualdade/inferioridade numérica. Ver se o time “mata a jogada” na transição defensiva integra as prerrogativas da análise.
  • 41. 41 4.4.5-Bola parada é um capítulo que começa a ser aceito na teoria tática do futebol como o 5º momento do jogo. É preciso observar como as equipes se posicionam nas cobranças ofensivas e defensivas de faltas laterais, faltas diretas e escanteios. Existem tantas formações táticas para bola parada quanto para bola rolando. É muito grande o número de variações possíveis. Nos escanteios defensivos, por exemplo, três são os principais pilares: primeira trave, marcação na área e rebote. Varia entre um e até três jogadores na primeira trave; a marcação dentro da área pode ser por zona - sim, faz-se zona em bola parada - ou individual (cada um pega o seu); o rebote pode ter um, dois ou até três jogadores próximos; existem ainda treinadores que posicionam um jogador na segunda trave. Também varia o posicionamento do goleiro, e a maneira como o adversário cobra – com jogador de pé aberto, ou de pé fechado – ajuda a definir onde o camisa 1 fica, assim como o número de jogadores na primeira trave. Nos escanteios defensivos, geralmente, as equipes sobem com cinco jogadores para a área e mais um ou dois no rebote. As cobranças podem alternar pé aberto ou fechado. A distribuição destes cinco jogadores varia também, assim como o local onde a bola é cruzada. O posicionamento dos jogadores que ficam para o rebote - ofensivo, evitando contra-ataques, ou defensivo, armando as transições rápidas - também é importante, assim como a reposição do goleiro é planejada para determinados espaços. Os treinadores estudam muito a bola parada adversária antes dos jogos, e é comum adaptarem-se a ela, fazendo pequenas alterações de seu modelo em função das características do oponente.
  • 42. 42 5. SISTEMAS TÁTICOS A organização tática das equipes está intrinsicamente ligada à organização do futebol como um esporte coletivo, desde seus primórdios. A partir do momento no qual definiram-se parâmetros para a disputa - dimensões do campo, número de participantes, ações permitidas e ações proibidas, entre outros - passou-se a pensar na melhor ocupação de espaços. E a coisa começou a ficar séria no final do século 19, na Inglaterra. Após ser praticamente banido no país em razão da violência exagerada entre praticantes e entusiastas, o futebol voltou com tudo quando o governo local entendeu que esportes coletivos eram importantes para manter jovens sob controle, incluindo-o como atividade física prevista nos currículos escolares. Mas cada escola passou a praticá-lo de uma forma, variando desde os componentes até - e principalmente - as ações de condução da bola. Isso impedia que as instituições de ensino realizassem confrontos entre si, pois as regras não eram uniformes. Em 1848 as escolas inglesas interessadas reuniram-se, e discutiram a unificação das leis do futebol. Algumas propostas foram vetadas, como a do uso das mãos colocada em pauta pela Rugby School - cujo representante não concordou com os termos, retirou-se e precipitou a criação do rugby. Outras tantas, a “lei 6” entre elas - curiosamente também proposta pela Rugby School - foram aprovadas, e formaram o primeiro livro de regras do futebol. A lei 6 colocava em impedimento qualquer jogador à frente da linha da bola. Como acontece, ainda hoje, no rugby. Portanto, a gênese da organização tática teria de atender a esta demanda legal. Assim nasceu o 1-2-7, primeiro estágio da evolução tática do futebol.
  • 43. 43 1-2-7 Um zagueiro, dois meios-campos e sete atacantes em linha foi a primeira formação conhecida. Como curiosidade, nos colégios os veteranos ocupavam as funções ofensivas, pois marcar os gols conferia status - principalmente entre as torcedoras, no que talvez seja registrado como o primeiro movimento não menos organizado das marias-chuteiras - enquanto os calouros ficavam lutando em absoluta inferioridade numérica na zaga. A proposta, entretanto, tornava o futebol um esporte chato. Pois, se não é possível passar a bola para ninguém à frente da linha dela, obriga-se algum jogador a tomar a iniciativa pessoal de conduzi-la até o gol. E assim, ao invés de coletivo, o futebol começou quase como um esporte individual. Quem pegava a bola dava um bico para frente e corria atrás dela, sem trocas de passes.
  • 44. 44 2-3-5 Dezoito anos depois, a monotonia fazia despencar o interesse pelo futebol. E os cartolas da federação inglesa buscaram correções. A principal foi, em 1866, modificar a regra original do impedimento, até então inspirada no rugby: agora, bastaria ter pela frente três adversários (o goleiro e mais dois, por exemplo) para legalizar a posição de um jogador. Estava liberada a linha de passe objetiva. O impacto na organização tática foi imediato. Criou-se o 2-3-5, sistema denominado “pirâmide”. O mais importante foi o surgimento do “centromédio”, jogador colocado entre os dois volantes, responsável pela armação das jogadas. Era ele quem recebia a saída de bola e fazia os lançamentos para os atacantes. A curiosidade deste sistema foi a numeração das camisas, em cronologia posicional obrigatória pela federação inglesa, assim como a identificação dos jogadores de 1 a 11. E a ordem era crescente: 1 para o goleiro; 2 e 3 para os zagueiros; 4, 5 e 6 para os meios- campos; 7, 8, 9, 10 e 11 para os atacantes.
  • 45. 45 Notem que o centromédio herdou a 5, assim como o centroavante a 9, os pontas a 7 e a 11, e os meias armadores - que seriam recuados poucos anos depois - ficaram com a 8 e a 10. Números que se tornaram verdadeiras descrições de cada função, marcas registradas, até hoje relacionados às características dos jogadores que os ostentam nas camisas. O 2-3-5 disseminou-se pelo mundo em amistosos disputados pelas equipes inglesas na Europa, e também pelos amistosos disputados lá e aqui entre sul-americanos e europeus. Sem circulação ostensiva de jornais, tevês ou internet, a notícia se espalhava pelo contato. Excursionar era a melhor maneira de se atualizar. Muitas equipes e seleções daqui passavam mais de um mês em navios para jogar no Velho Continente, retornando com novas ideias. E assim o 2-3-5 chegou a 1930 sendo o sistema utilizado por todas as seleções que disputaram a primeira Copa do Mundo, no Uruguai. W.M
  • 46. 46 Pouco antes da Copa, entretanto, uma nova formação surgiu na Inglaterra, transformando-se em tendência anos depois. Foi com o técnico Herbert Chapman, no Arsenal. O embrião está em nova mudança da regra do impedimento, ocorrida em 1925: os jogadores estariam legalizados tendo dois oponentes - um defensor e o goleiro - à frente, e não mais três. Isso porque, apesar da alteração anterior, as partidas continuavam arrastadas e sem grande marcação de gols. Em apenas uma tacada, a partir da nova regra, Chapman testou duas variações significativas: recuou o centromédio para a faixa dos zagueiros, centralizando-o; e baixou dois atacantes para uma segunda linha de meio-campo. Formava-se o W.M, assim descrito pela disposição dos jogadores lembrando a escrita destas letras, na prática um 3-4-3 com o meio-campo em quadrado. Enfrentando o 2-3-5, o W.M deixava defesa e meio-campo em superioridade numérica, com o objetivo de trabalhar melhor a bola, aumentar a posse e criar mais chances de gols. Deu tão certo que o Arsenal começou a enfileirar títulos, levando a coletividade europeia ao uso do mesmo sistema. Na época, Chapman também desenvolveu a marcação individual. Era o “cada um pega o seu”. Agora, sugiro o exercício de imaginação: sobreponham duas equipes em W.M. Viram? Fica um espelhamento perfeito: três zagueiros contra três atacantes, dois volantes contra dois meias, e assim sucessivamente. A marcação era praticamente pelo número da camisa. O 5, antes centromédio, agora o “zagueiro central” - termo até hoje utilizado - marcava o 9, o 2 e 3 pegavam o 7 e o 11, o 5 e o 6 combatiam o 8 e o 10, ainda forçando o futebol a ser um jogo de vitória pessoal, apesar de coletivo. Era preciso driblar o marcador para desorganizar o adversário.
  • 47. 47 Na Inglaterra, a tendência era sempre a mesma: cria-se um sistema, todos copiam e ninguém o desenvolve. Mas no restante do continente a moda era pegar uma ideia e adaptar as características locais a ela. Foi o que aconteceu com o 1-2-7, que na Escócia virou 2-2-6 com a tentativa de, mesmo sem poder passar para frente, criar linhas de passe laterais mais próximas. Este modelo chegou, à época, aos países do Danúbio - Áustria e Hungria, principalmente - influenciando na criação de uma escola mais voltada à posse ofensiva, contrariando a genética inglesa de lançamentos longos e correria individual pelas pontas. Com o W.M, os húngaros encontraram o ponto certo do tempero que impulsionou a geração de Puskas. O modelo era o mesmo - três zagueiros, dois volantes, dois meias e três atacantes. Mas não havia no elenco da seleção um centroavante alto, que pudesse aparar de cabeça os cruzamentos e balões para o alto que já eram típicos do futebol inglês. Atento à característica local, o técnico Gusztav Sebes criou o falso- nove, mesmo que na época não fosse assim chamado. Hidegkuti, centroavante baixinho e movediço, passou a sair da referência do ataque, arrastando consigo o camisa 5 - seu marcador individual, lembram? - e abrindo espaço às infiltrações dos pontas e dos meias, entre eles Puskas. Assim conquistaram a medalha de ouro na Olimpíada de 1949, e foram vices do Mundial de 1954, perdendo para a Alemanha Ocidental em partida de marcação muito violenta - na época ainda não haviam substituições, e os jogadores húngaros, após 36 jogos invictos, sucumbiram às faltas rotineiras com as quais os adversários tentavam pará-los, sofrendo a virada após abrir 2 a 0.
  • 48. 48 4-2-4 Eis que o dito país do futebol, pentacampeão mundial, entra na ciranda de inovações táticas mundiais. Em razão da Segunda Guerra, e da expansão comunista no Leste Europeu, muitos técnicos húngaros precisaram se exilar. E vieram ao Brasil, onde seguiram atuando na mesma função. O intercâmbio entre estes húngaros - Fleitas Solich e Bélla Guttman, por exemplo - com brasileiros do naipe de Flávio Costa, Zezé Moreira e Martim Francisco, prestou-se à correção de um problema até hoje reclamado pelo público daqui: a indisciplina tática. Segundo consta nos registros históricos, os húngaros tentaram implantar o W.M no Brasil. Mas os jogadores brasileiros não os obedeciam integralmente. Um dos volantes costumava se adiantar mais para jogar, assim como um dos meias tirava férias no ataque e não voltava. Eles foram adaptando variações até formar o W.M com duas diagonais no meio-campo, formando um paralelogramo, e não
  • 49. 49 um quadrado: estas “diagonais” levaram ao surgimento do 4-2-4, com o qual Vicente Feola conquistou a Copa de 1958. Bastou recuar um pouco o primeiro volante, tornando-o o “quarto zagueiro” - nomenclatura até hoje conhecida - e adiantar um pouco o meia. Do Brasil saiu a primeira linha defensiva de quatro jogadores que se tem notícia. E, imediatamente, a variação da variação, com o ponta- esquerda Zagallo retornando para compensar a brusca queda de quatro para dois homens no meio-campo, na gênese do 4-3-3. 4-3-3 Com os mundiais de seleções, e com o desenvolvimento das comunicações, não se precisava mais apenas excursionar de navio para aprender novidades. Cada país, cada clube, passou a desenvolver suas variações, disseminando sistemas com peculiaridades locais, adaptando modelos a características próprias.
  • 50. 50 O 4-3-3, por exemplo, passou por inúmeras variações. E ele abriu o que pode se considerar a “Era Moderna” do futebol, integrada pelos sistemas ainda utilizados. Hoje ele conta com dois desenhos básicos: um volante e dois meias (um triângulo com a base alta no meio-campo), ou dois volantes e um meia (triângulo de base baixa), que por vezes é confundido com o 4-2-3-1, sistema do qual falaremos depois. Nos anos 70 ele foi a principal fonte de inspiração dos treinadores, beneficiando no Brasil a qualidade individual dos pontas na velocidade e no drible, dos meias na articulação das jogadas, dos centroavantes na definição dentro da área e dos laterais no apoio ofensivo. Não existe grande clube no Brasil - ou, talvez, pequeno também - que não registre em sua história uma vitoriosa e nostálgica formação no 4-3-3. 4-4-2 Já em 1966 a Inglaterra de Sir Alf Ramsey seria campeã mundial sob a égide do 4-4-2, sistema que mais desenhos proporcionou - e ainda proporciona - na história do futebol. O início teve um volante e três meias (4-1-3-2), modelo que imediatamente originou o losango de meio-campo desenvolvido com grande êxito - título mundial de 78 - na Argentina: um volante; dois médio-apoiadores, lá chamados carrilleros por fazerem o vai-vem sobre trilhos (carris, em espanhol) imaginários; e um meia armador, o enganche, responsável pela articulação, pela ligação do setor com os atacantes. Mais recentemente, o losango tem se transformado em 4-3-1-2, com os médio-apoiadores transformados em volantes alinhados ao antigo centromédio.
  • 51. 51 No Brasil o losango, à época, não pegou. Foi o quadrado (4-2-2-2), consagrado por Telê Santana na Copa de 1982, que tomou conta:
  • 52. 52 O 4-4-2 também permite assimetrias, ou seja, uma distribuição de jogadores no meio-campo que não forme desenho algum, com o primeiro volante pouco mais recuado, um dos meias aberto, o outro centralizado...enfim, ao gosto do freguês. Paralelamente aos desenvolvimentos do losango na Argentina e do quadrado no Brasil, em 1977 novamente a Inglaterra capitaneou uma revolução tática. Foi na rouparia de Anfield Road, estádio do Liverpool, que planejou-se o 4-4-2 em duas linhas, sistema originalmente elaborado para beneficiar o controle da posse de bola com as linhas de passe proporcionadas pela sobreposição de dois pelotões de quatro jogadores cada. Por uns considerado obsoleto, por outros ainda um tabu - é raríssimo no Brasil - o 4-4-2 em duas linhas tem variações, ou com um volante entre as linhas (4-1-4-1), ou com um meia à frente da segunda linha
  • 53. 53 (4-4-1-1). Seu sucesso precisa da conexão do sistema com a marcação por zona com pressão sobre a bola, além da compactação e do estreitamento das linhas, e de jogadores com intensidade para atacar e defender com o mesmo vigor pelos lados. 3-5-2 Foi na Copa de 1986 - alguns atribuem à Dinamarca, mas a maioria “põe a culpa” em Carlos Bilardo e sua Argentina campeã - que o mundo conheceu os sistemas com três zagueiros. Na verdade, falamos da versão moderna do trio defensivo, pois o W.M era na prática um 3-4-3. Nem mesmo o líbero era uma novidade, pois a sobra defensiva já havia aparecido no 4-3-3 do “catenaccio” da Inter de Milão, com um jogador atrás de outros três zagueiros; e o “carrossel holandês” das copas de 74 e 78, iniciado com Rinus Michels no Ajax de Cruyff, também contava com um líbero no 4-3-3.
  • 54. 54 O que inspirou Bilardo foi a disseminação do 4-4-2. Ele pensou: porque marcar com linha defensiva de quatro jogadores se acabaram os pontas, e todos jogam com apenas dois atacantes? Então desenvolveu a ideia de encaixar dois zagueiros nos atacantes, tendo uma sobra, e adiantar os laterais - tornando-os alas. Esta proposta de jogo ainda é muito forte na América do Sul, principalmente no Brasil, na Argentina e no Equador. A Itália voltou a utilizá-la recentemente, mas não com marcações encaixadas, e sim com uma curiosa defesa de setor em linha de cinco. As variações são inúmeras: um volante à frente do trio defensivo com alas mais adiantados (3-1-4-2), um meia à frente dos volantes com alas mais recuados (3-4-1-2), dois meias à frente dos volantes (3-4- 2-1), um volante com alas mais recuados (3-3-2-2), três atacantes com meio em linha ou em losango (3-4-3), alas transformados em laterais na linha dos zagueiros (5-3-2)... 4-2-3-1
  • 55. 55 Quando o filho é bonito, todo mundo quer embalar a criança e assumir a paternidade - raras exceções são aquelas que envolvem pagamento de pensão. Mas, como o 4-2-3-1 não exige remuneração mensal do progenitor, muita gente ergue os braços e pede o crédito: “fui eu, fui eu!”. As referências teóricas não conseguem identificar o pai, nem mesmo a naturalidade do 4-2-3-1. Teria ele se iniciado na Espanha, ou na França, em algum ponto da linha do tempo entre as Eurocopas de 1996 e 2000. É fato, entretanto, que o verdadeiro pai é quem cria. Nada mais justo, portanto, que registrarmos esta bela criança em nome do francês Arsene Wenger, técnico do Arsenal. Parece óbvio que este sistema, hoje um dos mais corriqueiros no Brasil após se tornar tendência entre as seleções do Mundial de 2010, desenvolveu-se a partir do 4-4-2 em duas linhas, com o avanço dos meias-extremos e o recuo de um dos atacantes pelo centro. Com ele, Wenger fez do Arsenal com Bergkamp, Ljungberg, Henry, Vieira, Pires, Gilberto Silva, Anelka, Overmars - entre outros - uma equipe praticamente imbatível na Inglaterra. E suas vitórias, como no título nacional invicto de 2004, disseminaram o sistema. Porém, o 4-2-3-1 mostra sua cara em diversas equipes muito anteriores à década de 90, em épocas nas quais estas sutilezas modernas proporcionadas pelo desdobramento do meio-campo em duas faixas inexistiam. Chamava-se por outro nome, mas na prática eram 4-2-3-1’s embrionários. O Brasil campeão mundial de 1970, por exemplo, tinha Clodoaldo e Gérson na primeira linha do meio-campo, Rivelino e Jairzinho pelos lados, e a dupla Tostão-Pelé revezando-se pela faixa central - ora um
  • 56. 56 na referência e outro na articulação, ora o inverso. Não seria um 4-2- 3-1? Talvez. Eram tantas movimentações e compensações que até hoje não se chegou a um consenso sobre a formação tricampeã - uns falam 4-3-3, outros 4-2-4, e o 4-2-3-1 também parece-me uma hipótese bastante aceitável. E o Flamengo de 1981, com Adílio e Andrade na primeira linha, mais Tita e Lico pelas pontas, Zico centralizado e Nunes à frente? E o Grêmio de Felipão, com Carlos Miguel e Paulo Nunes nas pontas, Arílson centralizado, e Jardel na referência? O primeiro tido por 4-3- 3, o segundo por 4-4-2 quadrado, mas ambos com momentos, com ações bem nítidas, do que viria a ser chamado de 4-2-3-1, anos depois. 4-3-2-1
  • 57. 57 Para encerrar o levantamento de sistemas táticos, desde os históricos já relegados até os modernos e ainda utilizados, há o 4-3- 2-1 carinhosamente chamado de “Christmas Tree” (árvore de natal, em inglês), em razão do desenho que sugere o sistema tático. Não encontrei referências históricas sobre o desenvolvimento deste sistema, que parece ser uma variação do 4-4-2 losango a partir do recuo de um atacante à região de articulação, mantendo-se o tripé à frente da linha defensiva. Mas, parece, tudo começou no início da década de 90 com o Tottenham. Este sistema é pouco usual, restringindo-se quase exclusivamente ao técnico italiano Carlo Ancelotti - é quase uma assinatura de seu trabalho. Foi assim no Milan, no Chelsea, e no início de sua recente passagem pelo PSG. Ancelotti aplica a este 4-3-2-1 um conceito interessante: o “playmaker”, ou seja, o armador, é na verdade o primeiro volante; e as posições de meias ofensivos são ocupadas por dois atacantes, utilizando bastante o recurso da bola longa saindo do primeiro volante na direção dos meias-atacantes que abrem pelos lados na fase de organização ofensiva para receber. Tendências Especular talvez não seja preciso, mas é possível. Talvez o próximo passo da evolução tática, desta linha do tempo de variações apropriadas a cada geração, a cada contexto temporal do futebol, não esteja especificamente ligada à distribuição dos jogadores em campo. A organização moderna parece estar cada vez mais ligada aos movimentos, e consequentemente às propostas de jogo. Como sempre, é o modelo vitorioso do momento quem dita as regras. No caso do século 21, o Barcelona. E como defini-lo? Ele parte de uma base estruturada no 4-3-3, mas com liberdade para variações na coluna central, envolvendo o volante e o centroavante,
  • 58. 58 a exemplo do que já se fazia no “Carrossel Holandês” - trocas de posição verticais, e não dentro dos setores, como é usual. Se o primeiro volante recua, e empurra os laterais, vira um 3-4-3 em linha. Ele pode ainda recuar e o centroavante vir para trás junto, em 3-5-2. Se o volante ficar no setor, e quem recuar for apenas o centroavante, vira 4-4-2 losango. Ou então, ainda mais complexo, um lateral vira ponta, empurra o atacante do setor para o meio-campo, e o lateral oposto torna-se zagueiro, em 3-4-3 com meio-campo em losango. São variações treinadas e executadas à exaustão pelo Barcelona e sua escola holandesa, inspirada nos laranjas mecânicos de Cruyff, utilizadas também pelos treinadores argentinos com trabalhos marcantes no Chile, Marcelo Bielsa e Jorge Sampaoli. Esta nova tendência, camaleônica, de mutações estruturais constantes exigindo alta complexidade de movimentos - e, consequentemente, jogadores inteligentes o suficiente para compreender as variações táticas e saber executá-las quando for necessário - deixa em aberto o próximo espaço da linha do tempo. Qual seria o modelo a seguir no futuro? Qualquer um, desde que nele constem mobilidade, complexidade tática e intensidade. Figuras como o falso-nove - centroavante que ora agride, ora arma; e o líbero em linha de quatro - zagueiro-volante capaz de atuar nas duas funções são importantes constatações dessa tendência. Isso pode eliminar, por exemplo, a exigência do porte físico na escolha do defensor e do centroavante. Para acompanhar a mobilidade, a agilidade e a intensidade de falsos-noves, os zagueiros não precisariam mais ser valentões fortes e carrancudos, mas sim jogadores com velocidade e capacidade de reação. Da mesma forma, com bola no pé e muitas variações sincronizadas, os
  • 59. 59 centroavantes precisariam ser rápidos, habilidosos e técnicos, não mais trombadores especializados no uso do corpo. É tudo conjectura. Afinal, o sucesso dita a tendência. Pode ser que tudo isso aconteça: um futuro próximo com sistemas indefinidos, variações, rotações constantes de posicionamento e função, jogadores ágeis, intensos e móveis. Mas o eventual surgimento de um sistema novamente voltado ao tamanho e à força, com capacidade de bloquear os espaços desejados pelos atacantes de mobilidade, e com imposição para vencer pelo alto as defesas formadas por jogadores mais baixos e velozes, poderia modificar tudo de novo. Ou não? Melhor esperar. 6. MÉTODO DE ANÁLISE Esta espécie de “passo a passo” que proponho é fruto dos quatro anos nos quais, entre 2008 e 2012, mantive na imprensa online espaços exclusivos para a análise tática. Por acreditar que o estabelecimento de critérios é importantíssimo na observação de um jogo, desenvolvi um processo adaptado a esta minha necessidade, que é: organizar-se para capturar a organização em campo. Nem preciso reiterar que este método não é a verdade absoluta, tampouco é acadêmico ou dogmático. Utilizo-o para organizar as ideias enquanto assisto aos jogos, tentando minimizar erros e maximizar a percepção do maior número de movimentos e posicionamentos. Algo importante é destacar que pressa e análise não andam juntas. Embora raros jogos possibilitem exceções, é muito difícil chegar a conclusões nos minutos iniciais das partidas. Assisto a jogos sem nenhuma pressa para determinar posicionamentos e movimentos.
  • 60. 60 Pelo contrário: quase sempre com papel e caneta às mãos, vou desenhando e anotando tudo o que percebo, seguindo a linha de raciocínio, sempre cruzando informações e dando tempo para identificar o que realmente é um padrão de comportamento. E, se um padrão de comportamento é uma ação que se repete, precisamos de tempo para diagnosticá-lo reiteradas vezes, e assim incluí-lo na análise. Também serve dizer que a cronologia do processo não é rígida. Conforme o desenvolvimento da partida volta-se a passos iniciais, ou então pula-se etapas e depois se retorna a elas. O importante é responder às questões listadas pelo método. 6.1-Identificar o posicionamento inicial de cada jogador A “fórmula mágica” para isso é aguardar o momento de organização defensiva. De preferência, em um tiro de meta adversário, quando os jogadores retornam a seus posicionamentos iniciais e, nas transmissões de tevê (principalmente as europeias, em especial as inglesas) o enquadramento da imagem abre e abraça todo o campo do alto. Assim é possível observar cada jogador em sua respectiva zona original de ação 6.2-Estabelecer o sistema tático base Na teoria, basta somar os posicionamentos iniciais identificados no primeiro passo da análise e chegar ao sistema tático. Você desenha um campinho e vai marcando, com xis, bolinha, numeração da camisa ou o símbolo que mais lhe agradar, onde está cada jogador. Feito isso, chega-se à base tática da equipe, correto? Quase sempre, mas nem sempre. Concordo que a fase de organização defensiva, em especial os tiros de meta do oponente, é propícia à verificação dos sistemas. Mas essa premissa não se adapta a alguns casos de equipes cujas estruturas ficam mais nítidas na fase de organização ofensiva.
  • 61. 61 Por isso a pressa atrapalha, e muitas vezes confunde o observador quando se observam equipes com padrões distintos com e sem bola. Nestes casos excepcionais, o melhor a se fazer é cruzar informações com os passos a seguir descritos - principalmente as funções, as regiões do campo pelas quais cada jogador se movimenta. Sei que exemplos atuais arriscam tornar o material datado, mas leitores futuros podem “jogar no Google” as equipes e as temporadas citadas, e assim conferir em vídeos do que estou falando. Quem acompanhou a Taça Libertadores 2013 tem pelo menos três exemplos claros destas exceções nas quais o posicionamento inicial não é determinante para a configuração dos sistemas táticos. O Vélez Sarsfield defendeu-se em duas linhas, assim como o Millonarios, e por vezes até o Grêmio - nos dois primeiros casos era um padrão de comportamento defensivo; no último as duas linhas alternaram-se com outras configurações. Mas nenhuma destas equipes jogou - ou seja, organizou-se com a bola - seguindo os princípios do 4-4-2 britânico. Na Argentina, o Vélez atuou na temporada 2013 tendo o 4-4-2 losango como sistema base. Sem a bola, o enganche Insúa recuava pela esquerda, empurrando para o outro lado o tripé de volantes, e dando uma cara de duas linhas; já o colombiano Millonarios jogava no 4-4-2 quadrado, e sem a bola os dois meias abriam pelos lados - situação observada invariavelmente em partidas do Grêmio, outra equipe então adepta do 4-2-2-2. Como definir, então, qual momento é o mais importante? Afinal, futebol é movimento, e praticamente todas as equipes assumem formas diferentes na comparação entre as fases ofensivas e defensivas. Para mim, o melhor é cruzar estes dados com as funções dos jogadores, como disse antes, com suas áreas de movimentação preferenciais, para então diagnosticar se primeiro os jogadores estão voltando para defender, ou se primeiro estão saindo para atacar.
  • 62. 62 É tudo comportamento. O habitual é ver jogadores saindo para atacar, ou seja, partindo de seus posicionamentos iniciais em direção a espaços no campo ofensivo. Assim que o 4-4-2 em duas linhas assume forma de 4-2-4, quando seus meias-extremos se adiantam. Não há dúvida, por mais que os pontas sejam agressivos com a bola, que o ponto de partida é a referência para definir o sistema, e o ponto de chegada dos jogadores mais ofensivos faz parte do cumprimento de suas funções. Mas não acredito que a referência posicional seja a mais relevante na análise de equipes com preferência pela posse de bola ofensiva. Se eles permanecem tão pouco tempo nas regiões de atribuição defensiva, o mais importante é diagnosticar os espaços que eles preferem ocupar com a bola. É o caso, por exemplo, do 4-3-3 com um volante e dois meias. Sem a bola, é possível que os pontas recuem para combater laterais, alinhando-se aos meias e configurando um 4-1-4-1. Mas este recuo para defender é da função do ponta, o mais importante neste caso é o espaço por maior volume de tempo ocupado - no caso, o ofensivo, fazendo valer o 4-3-3. Minha dica é anotar os dois diagramas táticos, caso a equipe sob análise apresente figuras distintas na fase de organização ofensiva, e na fase defensiva. A partir daí, verificar o cumprimento das funções dos jogadores para reconhecer quais espaços são mais relevantes - os ocupados com a bola, ou sem ela. Isso acontecerá poucas vezes, porque realmente a soma dos posicionamentos iniciais dos jogadores é suficiente. Estamos falando sobre exceções. E, vale lembrar, que se faça isso seguindo sempre o mesmo critério: se o analista determinar que só vale o posicionamento inicial, sem exceções, não estará errado. Poderá se discutir o critério, mas não a análise. Da mesma forma, se o analista adotar como critério o
  • 63. 63 posicionamento inicial, mas realizar a verificação dos espaços mais relevantes para eliminar dúvidas em casos de exceção, também estará certo. Falarão ambos, enfim, sobre a mesma coisa sob perspectivas diferentes. 6.3-Descrever as funções dos jogadores Talvez seja esta a parte mais importante do processo. Futebol é movimento. Os jogadores, ao contrário do pinogol e do pebolim, não ficam parados, não são peças estáticas. Suas funções, suas táticas individuais, são as atribuições a eles transmitidas nas quatro (ou cinco) fases do jogo. Com o bloco e a caneta, essa é a hora das flechas. O melhor, entretanto, acredito que seja descrever o que eles estão realmente fazendo, pois o simples diagrama recheado de flechas e apontamentos desenhados pode mais confundir do que esclarecer. É um complemento, não o principal. Além das táticas individuais, neste passo surgem diante de nossos olhos as táticas de grupo, os movimentos coordenados entre jogadores próximos - os triângulos, tão badalados - e entre setores. Nos treinos, os jogadores sincronizam diversas maneiras de abrir espaços e desorganizar o sistema defensivo adversário. A ideia é criar espaços e ocupá-los de forma inteligente. Um movimenta, arrasta a marcação, o outro infiltra-se e ocupa aquele espaço para receber...e por aí vai. Realizam trocas. Lembram-se dessa? Dividir para conquistar. Desorganizar para ocupar espaços. É isso. São tantas combinações, tantas possibilidades proporcionadas em cada sistema, de acordo com cada estratégia singular, que seria absolutamente impossível enumerá-las por inteiro. Mas é possível exemplificar com algumas, bem simples: em um 4-2-3-1 com meias- extremos de “pés invertidos” (não são o Curupira e o Caipora, mas sim um canhoto na direita e um destro na esquerda) é comum
  • 64. 64 vermos o ponta puxar a marcação para dentro do campo enquanto o lateral avança para receber no corredor aberto (chama-se troca ofensiva). Neste caso, o jornalista diz que o meia-extremo parte do lado do campo (localizou o posicionamento à audiência) e protege o lateral defendendo também pelo lado sem a bola (identificou a função cumprida na fase de organização defensiva), mas com ela ataca em diagonal para o centro, ou conduzindo a bola ou arrastando a marcação para a ultrapassagem do lateral, sem realizar jogadas de profundidade (descreveu um movimento que integra a função do jogador em fase de organização ofensiva). E ainda acrescenta que o mesmo acontece com o outro meia- extremo, ambos atuando com pés invertidos (estratégia, estilo de jogo) dentro de um 4-2-3-1 (sistema tático). É possível ainda desdobrar este método conforme as preferências do analista. Pode dividir a abordagem nos quatro (ou cinco) momentos do jogo, como itens separados; ou então fazer uma análise única, na qual fala sobre todos os momentos simultaneamente. Prefiro a abordagem “corrida”, pegando como “gancho” algum aspecto diferente, alguma curiosidade tática que sirva de costura ao restante da análise, partindo dela para falar de todas as ações que considerar relevantes. O importante é escrever da forma que mais lhe proporcionar segurança na transmissão de uma mensagem clara e articulada. 6.4-Identificar o sistema de marcação Como disse há pouco (ou melhor, escrevi) os passos confundem-se, misturam-se, é um constante vai-vem de verificações e cruzamentos de dados. Identificar o sistema de marcação é um processo que se inicia antes, na descrição das funções de cada jogador.
  • 65. 65 Isso porque, ao observar os padrões de comportamento individuais na fase de organização defensiva, automaticamente se percebe os movimentos coletivos sem a bola. Mas não basta apenas determinar o sistema, é importante para agregar valor perceber peculiaridades de cada equipe. O modelo de marcação é a defesa de zona? Tudo bem. Mas algum jogador pode apresentar um padrão dissonante, saindo da zona para atacar o adversário antes da hora, ou sendo passivo no combate enquanto todos os demais estão pressionando a bola com intensidade. Pode haver cuidado especial sobre um determinado oponente, considerado jogador-chave. Também pode haver mudanças de comportamento, com momentos de bloco alto, outros de bloco baixo, variando conforme a intenção da equipe na partida. Pode muita coisa, e nós podemos - e devemos - ver todas elas acontecerem. São estas características próprias de cada time que, se percebidas, tornam-se diferenciais na análise, pois explicam ações contundentes (lances de gol, por exemplo) e até mesmo resultados das partidas. 6.5-Diagnosticar o estilo do time O sistema tático e a estratégia nele aplicada - onde constam as táticas individuais e de grupo, o sistema de marcação, os comportamentos em cada fase da partida - são letras que formam uma frase interessante de ser traduzida. Ela deixa claro qual o “estilo” do time, o que ele propõe na partida. Disse antes, o analista precisa estar atento, para saber - entre outras coisas - quando uma equipe está acuada, sendo empurrada pela agressividade ofensiva do oponente, ou quando ela está em bloco baixo na verdade para atrair o adversário, ganhando espaço para contra-atacar. No primeiro caso é circunstância da partida, no segundo é estratégia, o que pode configurar um estilo de jogo.
  • 66. 66 Modernamente tem se falado do “jogo de transição”, das equipes com predileção pela intensidade nas fases de perda da bola e de recuperação da mesma: reagrupam-se rapidamente e combatem com intensidade, e saem com extrema velocidade para o contra- ataque. Isso é um estilo de jogo, que pode ser analisado pelo jornalista como o guarda-chuva do texto, abrigando todas as funções e movimentos observados. Outras equipes gostam de jogar com a bola: algumas trabalhando uma posse coletiva, com linhas de passe curtas, aproximações e ultrapassagens; outras valorizando a figura do articulador central, o jogador que recebe os primeiros passes e distribui o jogo. Qualquer delas pode ainda propor uma posse objetiva e agressiva, com profundidade, buscando finalizações, ou então organizar uma posse paciente, paralela ao gol, sem pressa para concluir. Estilos. 6.6-Recorrer a ferramentas de auxílio Estatísticas e mapas de calor são as principais ferramentas de auxílio que o analista tático pode encontrar, principalmente na internet. Nenhuma, entretanto, substitui a observação do jogo. Não é possível falar taticamente de algo em cima apenas de números e diagramas frios. Como afirma o subtítulo, eles auxiliam, agregam valor, esclarecem ações, tiram dúvidas, mas não falam sozinhos. A imagem em movimento é o principal. Todo dia surgem empresas especializadas em fornecer estatísticas de jogos. E os números abrangem um universo cada vez mais amplo. Não basta, entretanto, apenas divulgá-los. É preciso interpretá-los, aplicar a estatística no contexto da análise dos movimentos, da forma como as equipes ocuparam os espaços, dos estilos de jogo propostos. Gosto muito das estatísticas com “fluxo de passes”. Além do total de passes executados, e do consequente percentual de acertos,
  • 67. 67 algumas empresas esmiúçam quantos passes certos cada jogador deu, e quais foram os companheiros de destino. Isso ajuda a ver se a articulação do time é descentralizada - coletiva, portanto, com todos participando - ou se é centralizada em algum jogador-chave; se há um setor concentrando as ações ofensivas, ou se elas estão bem distribuídas; para quem os zagueiros oferecem o primeiro passe - saem jogando curto com os volantes e/ou laterais, ou apelam para a ligação direta nos atacantes? Um fluxo de passes completo é excelente ferramenta de auxílio. Outro incremento tecnológico é o heat map, o “mapa de calor” que realiza um monitoramento das regiões do campo nas quais os jogadores mais tocaram na bola. E assim ele apresenta um diagrama colorido de cada atleta. O heat map é criado a partir de câmeras distribuídas pelo alto dos estádios, capazes de reconhecer jogadores e sinalizar os caminhos que percorrem quando estão com a bola. Esta ferramenta é de grande ajuda para tirar dúvidas sobre posicionamentos iniciais e comportamentos de jogadores cujas dúvidas perduram após a observação das partidas. Certa vez assisti a um jogo do Boca Juniors, e achei diferente o comportamento ofensivo do Riquelme. Embora enganche no 4-4-2 losango, ele foi visto poucas vezes na região central, aparecendo mais na esquerda. Fiz as anotações, mas no dia seguinte procurei estatísticas e heat map’s do confronto. Lá estava no mapa de calor a cor vermelha sinalizando no lado esquerdo a região do campo na qual o camisa 10 xeneize mais havia circulado com a bola. E o fluxo de passes, além de mostrar Riquelme como o principal alvo dos companheiros (foi o jogador que mais bolas recebeu, obviamente, confirmando ser o jogador-chave), também mostrou o lateral-esquerdo Clemente Rodriguez, o médio-
  • 68. 68 apoiador Erviti e o atacante canhoto Mouche como principais receptores de passes do enganche. Em contrapartida, o mapa de calor do lateral-direito praticamente não contava com pigmentação no campo ofensivo. Feita a observação da partida, anotados os movimentos, o fluxo de passes e o heat map reforçaram as informações transmitidas. A conclusão foi a seguinte: Riquelme gosta do jogo curto, do passa e movimenta para receber de novo - o “toco y me voy” daquele famoso narrador; seu estilo o imantou ao lado esquerdo, onde transitavam um lateral apoiador, um meio-campista e um atacante, ou seja, três opções de passe próximas. Do meio para a direita, sem alternativas - a não ser alguma bola longa de surpresa - Riquelme não teria como “carimbar” a bola a todo o momento. Números e mapas, interpretados, servindo de auxílio e agregando valor à observação da partida. Artigos da imprensa especializada - principalmente a internacional (Inglaterra, Espanha, Itália e Argentina) - escritos por jornalistas cujas análises táticas são referências pelo conteúdo e credibilidade também ajudam, ou para confirmações, ou para correções, ou apenas para se observar outros métodos e outros conceitos de análise. 7. CONTEXTOS COMPLEMENTARES DO JOGO É óbvio, mas por vezes o óbvio precisa ser dito, que o jogo não se resume à tática. Considero a organização o aspecto mais importante, mas está longe de ser o único. E por mais que o analista/jornalista não acompanhe treinos, ou então não tenha acesso a informações de bastidores sobre comportamento e comprometimento, é bom estar atento ao contexto do jogo.