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C615p Claudio, Lorreine Agostinho
Projetos urbanos: sobre a inclusăo socioespacial. / Lorreine
Agostinho Claudio – 2013.
208 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) -
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.
Bibliografia: f. 193-198.
1. Projeto urbano. 2. Inclusão social. 3. St. Jean. 4. Maas-
tricht. 5. Bicocca. 6. Céramique. I. Título.
CDD 711.4
Banca Examinadora
Qualificação de dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apre-
sentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Professor Dr. Abilio Guerra
Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Julgamento:.....................................................
Assinatura:.......................................................
Professor Dra. Eunice Helena Abascal
Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Julgamento:.....................................................
Assinatura:.......................................................
Professor Dra. Mônica Junqueira de Camargo
Instituição: Universidade São Paulo.
Julgamento:...................................................
Assinatura:.....................................................
Créditos
Capa: (de cima para baixo) 1. Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o
conceito detalhado do projeto de St. Jean. Fonte: Arquivo do arquiteto; 2. Cro-
qui do projeto urbano Céramique. Fonte: Revista Óculum p.04/05; 3. Imagem
pertencente do projeto vencedor de autoria de Gregotti, onde a Viale Sarca já
aparece gradeada. Fonte: Arquivo Prelios.
Arte da Capa: André Marques e Fernanda Critelli.
Projeto Gráfico: Fernanda Critelli.
Fontes: Neutra Text Book e Bold (capítulo e título); Futura Md BT Bold (sub-
título); Futura Bk BT Book (corpo texto, nota de rodapé, bibliografia e lista de
imagens); Neutra Text Light (legenda de imagens).
5
RESUMO
A presente dissertação analisa três Projetos Urbanos – Céramique, na cidade
de Maastricht, Holanda; St. Jean, na cidade de Genebra, Suíça; Bicocca, na ci-
dade de Milão, Itália –, implantados em áreas com problemas de degradação
decorrentes da obsolescência industrial e da presença de infraestrutura pesada
de transporte.
Neste trabalho, entende-se como Projetos Urbanos as iniciativas de
recuperação urbana concentradas em trechos específicos da cidade, com a par-
ticipação do poder público, da iniciativa privada e dos usuários, com o intuito de
maximizar e compatibilizar os esforços e investimentos que norteiam a implemen-
tação integrada de ações e projetos a curto, médio e longo prazos.
As intervenções selecionadas foram examinadas não apenas em seus proje-
tos urbanos e arquitetônicos, mas também em dois outros aspectos fundamentais:
a) os processos de projeto e gestão, incluindo os aspectos legais e normativos,
que tornaram possível sua implantação; b) a realidade atual pós-uso, consideran-
do seus objetivos iniciais, verificando se eles conseguiram melhorar a qualidade
não só do espaço, mas da vida dos seus habitantes.
6
This dissertation analyzes three Urban Projects - Céramique in the city of
Maastricht, Netherlands; St. Jean, in Geneva, Switzerland; Bicocca in Milan, Italy
- deployed in areas with problems of degradation resulting from industrial obso-
lescence and the presence of heavy transport infrastructure.
In this work, Urban Projects mean urban regeneration initiatives focused on
specific parts of the city, with the participation of government, private sector and
users, in order to maximize and harmonize efforts and investments that guide the
implementation integrated projects and actions in the short, medium and long
term.
The interventions examined were selected not only for their architectural and
urban projects, but also in two other aspects: a) the processes of design and man-
agement, including the legal and regulatory aspects, which made possible its
implementation b) the current reality post -use, considering its initial objectives,
checking checking if they accurately improved not only the quality of the urban
space, but the lives of its inhabitants.
ABSTRACT
SUMÁRIO
RESUMO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO: AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE CONTEMPORÂNEA
Áreas em processo de obsolescência e vazios urbanos 		
Os grandes desafios: os limites e barreiras urbanas				
Planejamento estratégico e Projetos Urbanos					
		
CAPÍTULO 1: ST-JEAN DE GENEBRA - SUÍÇA (1992-2002)
Antecedentes e problemática urbana
Processo de Projeto e construção
Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias
Realidade atual pós-uso
Balanço
CAPÍTULO 2: MAASTRITCH - HOLANDA (1987-1998)
Antecedentes e problemática urbana
Processo de Projeto e construção
Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias
Realidade atual pós-uso
Balanço
5
9
19
24
32
36
51
57
61
75
77
82
85
90
93
114
118
128
CAPÍTULO 3: BICOCCA DE MILÃO - ITÁLIA (1985-2000)
Antecedentes e problemática urbana
Processo de Projeto e construção
Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias
Realidade atual pós-uso
Balanço
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA	
LISTA DE IMAGENS
131
136
146
178
181
183
187
193
199
9
Durante os vinte anos vividos no bairro residencial do Pari, a 700 metros
de uma ferrovia localizada no centro de São Paulo, senti na pele os resultados
do processo de desindustrialização paulistana: abandono, instalações industriais
desocupadas, ruas vazias e muitas vezes sem saída e por isso perigosas.
Este bairro, ilhado entre a ferrovia, o rio Tamanduateí e o rio Tietê, tem conta-
das ruas de entrada e saída e, nestes pontos, antigamente havia frequentes con-
gestionamentos. Ao mesmo tempo em que esta situação garantia certa preser-
vação, também carregava a sensação de isolamento, pois, apesar de muito
próximos do centro, estávamos sempre “do lado de lá”.
Como residente na cidade de Eindhoven na condição de aluna em intercâm-
bio no período da graduação, eu conheci cidades na Holanda e em outros países
europeus que, ao contrário de São Paulo, conseguiram através de projetos ur-
banos enfrentar seus problemas de conexão e reinserir de formas diversas antigas
áreas fabris às novas realidades e necessidades urbanas.
Exemplo disso é o caso de Roterdã, onde a antiga área portuária e industrial
de Kop van Zuid foi regenerada e conectada ao tecido urbano do centro da ci-
dade. Para isso foi vital a construção da ponte Erasmus que permitiu a automóveis,
bondes, pedestres e ciclistas passassem sobre o rio. No caso, foi essencial uma
forte presença do Estado na elaboração do projeto e no processo e gestão.
Aguçada a curiosidade, conclui minha formação universitária com a pesquisa
que tinha como tema a revitalização de entornos ferroviários urbanos, que causou
grandes discussões durante a banca final sobre o viver ou trabalhar ao lado da
estrada de ferro.
Hoje, olhando retrospectivamente, entendo que esta vivência pessoal – no
meu bairro, durante a infância e adolescência; no exterior, como jovem estudante
– me motivou, como estudante de arquitetura e como arquiteta-urbanista, a bus-
car no planejamento urbano as respostas para as questões dos vazios industriais
e das barreiras urbanas, tanto no entendimento do que está em jogo no âmbito
social, como nas respostas projetuais que a contemporaneidade tem dado em
situações análogas.
APRESENTAÇÃO
10
No mestrado me deparei com a possibilidade de me aprofundar no tema
dos Projetos Urbanos, inicialmente motivada pela busca das razões dos fracassos
no seu processo de implantação em São Paulo. A pesquisa mostrou-se complexa,
difícil e, em alguma medida estéril, pois é muito difícil entender uma não implan-
tação devido o número enorme de variáveis, que se estende desde o processo
falho no âmbito público até a ação da iniciativa privada, em geral voltada para a
produção de territórios que não passam de meros empreendimentos imobiliários.
Assim, fui buscar repostas em projetos efetivamente implantados.
A existência de projetos urbanos emblemáticos me levou à Europa ocidental,
região que abrigou importantes projetos urbanos desde o início de sua concei-
tuação e experimentação. O critério principal da minha seleção de projetos a
estudar era a efetiva melhoria da qualidade não só do espaço, mas da vida dos
seus habitantes. Projetos que, no mesmo processo, conseguiram em alguma me-
dida conter o processo de gentrificação e melhorar a qualidade socioambiental.
A ideia seria entender como foi o processo e a gestão que tornou possível a im-
plantação dos projetos e qual seria a realidade hoje nestes locais, dez, vinte ou
trinta anos depois de implantados. Acredito que seja possível e necessário refletir
sobre o que aconteceu depois que os responsáveis pelos famosos projetos ur-
banos foram para suas casas.
É claro que o primeiro país a ser escrutinado tinha que ser a Holanda, onde
aprendi durante o período de intercâmbio como a coletividade cultua a civilidade,
a cidadania, o controle estético da cidade e demais aspectos ligados ao interesse
social. Não me seria possível falar destes valores sem começar por este país. A
escolha inicial da intervenção em Maastricht – o projeto Céramique, coordenado
pelo arquiteto Jo Coenen – cumpre esta demanda pessoal, com o benefício de
ser uma intervenção de porte considerável, tanto para o padrão holandês, como
para o brasileiro.
Inspirada por uma das apresentações do Fórum de Debates da 5ª Bienal
Internacional de Arquitetura de São Paulo, escolhi o projeto de Pierre Bonnet para
o bairro de St. Jean, em Genebra, onde uma cobertura sobre uma linha férrea
reconectou dois bairros. A intervenção atendia a solicitação popular que, incomo-
dada com o barulho do trem, solicitou ao governo uma solução. A opção neste
caso foi pela criação de um parque com equipamentos e áreas de lazer voltadas
para os moradores locais, sem projeto âncora ou grande divulgação.
Nas muitas conversas com meu orientador sobre a escolha dos projetos, ficou
clara a importância de um terceiro projeto, permitindo uma comparação entre
realidades distintas, em cidades e países distintos. O eleito para fechar a série
11
foi a renovação urbana de Bicocca, em Milão, de autoria do arquiteto Vittorio
Gregotti e um dos primeiros grandes projetos urbanos na Europa. Considerado
uma referência na área, sua gestão foi conduzida pela iniciativa privada, o que
seria um bom contraponto à forte gestão do Estado nos outros dois casos.
Selecionados os projetos, fui me encontrar com os arquitetos responsáveis: o
holandês Jo Coenen, o suíço Pierre Bonnet e o italiano Vittorio Gregotti. E posso
adiantar que foi uma canseira, mas valeu a pena! Foram demoradas conver-
sações com os staffs dos escritórios ao longo de mais de seis meses: após vai e
vem de e-mails, telefonemas, insistência e muita paciência, consegui estabelecer
um contato frutífero com todos os escritórios, de alguns obtendo entrevistas por
escrito, e de todos a promessa que os titulares me receberiam pessoalmente em
seus escritórios.
E foi assim que viabilizei a viagem que enriqueceria minha pesquisa. E segui
para a Europa em pleno mês de abril, uma vez que os próprios arquitetos me
sugeriram que não fosse durante o inverno rigoroso, estação que não favoreceria
seus projetos. E, realmente, a primavera melhora tudo!
Após diversos ajustes e algumas ligações para acertar o horário, a primeira
entrevista aconteceu em uma manhã chuvosa na cidade de Maastricht. Em um
animado mas barulhento café no coração de Céramique me encontrei com o
arquiteto Jo Coenen. Teríamos disponível o tempo contado entre sua chegada de
Amsterdam e a ida ao dentista. E depois não poderíamos nos encontrar, pois ele
estava ansioso com a tão esperada inauguração do Museu Rijksmuseum, que de-
pois de dez anos fechado abriria suas portas com um novo anexo, de sua autoria.
Mesmo assim, sua simpatia pessoal e paciência de docente experiente me
deliciaram com explicações sobre o conceito do projeto e a cultura da cidade,
seguidos pelas tão esperadas respostas às perguntas que me intrigavam e que
me permitiram preencher algumas lacunas. A conversa seguiu enquanto cruzá-
vamos a área de intervenção, com Coenen empurrando sua bicicleta até che-
garmos ao escritório, situado em Céramique. Coenen se despediu e partiu, me
deixando aos cuidados de uma solícita engenheira espanhola, que me mostrou o
escritório-sede, que conta com filiais em diferentes cidades holandesas além de
Alemanha, Suíça e Itália. Localizado em edifício de uso misto, o escritório ocupa
boa parte do térreo que, com dois níveis, tem vista para uma das verdes praças
triangulares. Fiquei sabendo que, após a crise ainda em voga na Europa, Coenen
estava agora dividindo seu espaço com um pequeno escritório de um amigo.
12
EntrevistacomJoCoenennocaféCoffeLovers,emCéramique
Depois de uma inundação de novos conhecimentos e inspirada nas histórias
de Jo Coenen, passei mais um dia no antigo centro histórico de Maastricht para
conferir pessoalmente tudo que ele me explicou, em especial o valor simbólico
das três tradicionais praças da cidade, a dinâmica da cidade antiga e os trechos
preservados dos antigos muros medievais. Pude atravessar o rio Maas pela ponte
antiga e pela nova, parte do projeto urbano de Coenen, passear pelas praças de
chegada e saída e conhecer o parque Stadspark – antigo e tradicional parque da
cidade voltado para o rio, ao lado do centro histórico – usado como inspiração
para Coenen desenhar o Parque Charles Eyk, em Céramique.
Em outro dos dias de andança pela área, uma feliz coincidência me per-
mitiu ver a finalização de montagem de uma exposição na biblioteca do Centre
Céramique. A mostra era sobre a antiga fábrica e os utensílios que fabricava;
assim pude ver as mais diferentes peças cerâmicas, de louças sanitárias a louças
pintadas à mão. Com a guia, eu descobri uma série de curiosidade de sua história
– por exemplo, o trabalho infantil em túneis subterrâneos durante a época onde a
tubulação de gás da cidade era feita de cerâmica produzida pela fábrica.
Da Holanda segui para Genebra, Suíça, onde tinha uma reunião – com
horário confirmado há mais de um mês – com Pierre Bonnet. Após uma caminha-
da de quase 30 minutos por um bairro arborizado, me encontrei com o arquiteto
em seu escritório. Como, segundo ele, seu inglês não era muito bom, contamos
com a ajuda de seu assistente, também suíço, mas que falava um português in-
crivelmente bom, melhor que a maioria dos brasileiros, e que nos ajudou com as
perguntas em português e as respostas em francês. Com croquis e muita empatia
a entrevista transcorreu tranquilamente no calmo escritório, que ocupa o térreo de
um pequeno edifício comercial. Lá estão expostas maquetes e pranchas de vários
outros projetos, que me foram cuidadosamente explicados em português sob o
acompanhamento de Bonnet. Um dos projetos expostos - e que o arquiteto me
sugeriu visitar após St. Jean – era uma de suas obras em fase de acabamento:
um conjunto habitacional de interesse social subsidiado pelo governo, com singe-
los apartamentos a partir de 80 m², que seriam entregues com áreas molhadas
prontas, piso de madeiras nas demais áreas e paredes e caixilhos com proteção
térmica e acústica. Simples na forma e muito bem projetados.
13
Imagem 1 - Entrevista com Jo Coenen
em Céramique. Em caminhada pela área,
cafeteria Coffe Lovers e livro autografado.
Fotos da autora em abril de 2013.
14
Entrevista com Pierre Bonnet em seu escritório de Genebra
Apesar de ter prometido me acompanhar na visita a St. Jean, isso não foi
possível devido a uma queda de bicicleta sofrida por Bonnet na semana anterior.
Sébastian – o solícito assistente-tradutor do arquiteto e que, coincidentemente,
morava com a família a apenas um quarteirão de nossa área de estudo – foi meu
guia e com ele pude tirar todas as dúvidas sobre a vizinhança, o uso dos espaços,
a freqüência das pessoas e as alterações que ocorreram após a implantação,
sempre guardadas as devidas diferenças culturais entre a Suíça e o Brasil, claro.
Sempre de olho nos e-mails, foi apenas em Genebra que eu consegui – de-
pois de mais algumas solicitações e muita perseverança – confirmar a visita ao
escritório Gregotti Associati. E lá fui eu rumo a Milão de trem, seguindo um lindo
caminho contornando o lago suíço Léman, rumo à fronteira italiana.
O escritório – muito bem localizado no centro de Milão e extremamente si-
lencioso – tinha suas paredes repletas de projetos e fotos de obras realizadas, em
especial de Bicocca. Aparentemente, nada era muito novo. Com seus 86 anos, a
conversa com Vittorio Gregotti foi bastante curiosa. Primeiro porque, mesmo após
meses de e-mails com sua equipe, ele não sabia o motivo da minha visita. Depois
de optarmos pelo inglês, após as cinco opções de línguas que ele me ofereceu
para guiar a entrevista, o diálogo que começou atribulado foi se soltando aos
pouco, surgindo respostas surpreendentes, em especial nas questões acerca do
patrimônio histórico. Assim, logo após o primeiro ou segundo olhar direcionado
por ele ao seu próprio relógio de pulso, concluí a entrevista muito agradecida por
sua atenção e tempo.
15
Imagem 2 - Entrevista com Pierre Bonnet em
seu escritório de Genebra. Fotos da autora
em abril de 2013.
16
Entrevista com Gregotti, em seu escritório de Milão
Após entrevistar Gregotti, parti para uma reunião em Bicocca, mais especifi-
camente na empresa Prelios Property & Project Management S.p.A., incorpora-
dora e gestora atual da área, antiga Pirelli Real State. Em uma sala de reunião
para vinte pessoas, três executivos esperavam pela minha chegada: Livia Piperno,
Head of Urban Planning and Building Permits, Michele Lodigiani e Paolo Micucci,
ambos Sales Manager, como consta nos cartões de visita.
A reunião transcorreu animada e cheia de dúvidas de ambos os lados, minhas
e deles. Pude entender o outro lado da moeda: questões sobre investimentos, ven-
das, uso e ocupação do solo, implantação de linhas de transportes entre outros.
Após a reunião, fui guiada em visita pela área pelos dois gerentes de vendas. Um
longo dia percorrendo os quase 1.000.000 m² de Bicocca! Durante o passeio,
em conversa mais informal, pude trocar ideias sobre o funcionamento do local,
as sensações da população moradora e até de quem vai lá somente a trabalho,
além da visão bastante crítica que os próprios italianos têm em relação à Bicocca.
No retorno ao Brasil, conferindo o material coletado – fotos, desenhos, de-
poimentos etc. – e me recordando das conversas e visitas, constatei o quanto
foi extremamente produtivo e interessante observar como as diferenças culturais
produzem visões tão diferentes sobre o espaço construído. Da mesma forma, me
dei conta de como as diferentes visões de mundo e o jeito de ser de cada um dos
arquitetos se refletem claramente em seus projetos. Consequentemente, comecei
a entender como antigas instalações fabris como Céramique e Bicocca podem se
traduzir em projetos urbanos tão diferentes.
Para a análise destes projetos, foi essencial o suporte fornecido pelas
estimulantes disciplinas cursadas no mestrado, onde gostaria de destacar Pro-
jetos urbanos e desenvolvimento local, dirigida pelas professoras Angélica Alvim
e Gilda Bruna que trouxe base para entender muitas das questões urbanas e
sua gestão, Tópicos especiais em arquitetura e urbanismo com a professora Eu-
nice Abascal que nos trouxe material para reflexões sobre projetos urbanos da
atualidade dentro e fora do Brasil, Mutações urbanas do professor Carlos Leite de
Souza onde tivemos grandes conversas em busca de uma cidade mais inteligente
e democrática com novos enfoques à questão do meio urbano. E por último, mas
não menos importante, O edifício e a cidade: produção, planejamento e projeto,
coordenada pelos professores Abílio Guerra e Nádia Somekh, onde sua vasta ex-
periência nos introduziu ao mundo de David Harvey e nos proporcionou uma rica
17
Imagem 3 - Entrevista com Gregotti, em seu
escritório de Milão. Fotos da autora em abril
de 2013.
18
troca de experiências entre professores e colegas. Aos mesmos, agradeço pelas
rápidas conversas e pelo material essencial disponibilizado.
Também agradeço os comentários dos companheiros do grupo de pesqui-
sa e, em especial, da professora Nádia Somekh, com intervenções precisas e
sugestões fornecidas naquela oportunidade, que enriqueceram minha formação
profissional e cultural.
O processo de qualificação tornou-se de grande importância na medida em
que as críticas construtivas somadas às apuradas observações da banca examina-
dora intermediária, formada pelas professoras Eunice Helena Abascal e Mônica
Junqueira de Camargo, nortearam-me no desenvolvimento de um trabalho mais
focado e preciso.
Permito-me neste momento agradecer ao orientador desta dissertação pelas
enriquecedoras e preciosas horas de conversa – encaixadas em sua pequena e
recheada agenda – que tanto me fizeram refletir, questionar e buscar respostas,
tornando-me cada dia mais apaixonada pelo meu tema. Ao meu guia nesta em-
preitada, os mais entusiásticos votos de agradecimento pelo apoio, admiração e
apreço.
Assim se desenvolveu esta dissertação, em um processo árduo mas praze-
roso, fruto de uma experiência com dados coletados direto nas fontes e cheias
de informações de processos de projeto e gestão, de participação dos diversos
agentes na construção do território, com diferentes graus de sucesso. Experiência
à qual se somaram impressões pessoais que só uma visita ao local pode trazer, as
interlocuções com professores e colegas da pós-graduação e a precisa interferên-
cia dos professores convidados para minha banca de qualificação.
INTRODUÇÃO
21
AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE CONTEMPORÂNEA
A crise de 1973 seguida pela reestruturação do capitalismo põe fim ao pro-
cesso fordista, as estratégias desenvolvimentistas e ao Estado Keynesiano, que
agia fortemente ao lado da política do bem-estar social. Neste momento, per-
cebe-se a baixa do consumo, a queda da produtividade e o aumento da inter-
nacionalização do capital produtivo através das multinacionais. Este processo,
chamado genericamente de globalização, se materializa também com a flexi-
bilização do mercado de trabalho ligado às altas taxas de desemprego geradas
pela desindustrialização e à reestruturação política promovida pelo monetarismo
e pelo neoliberalismo econômico.
Tal reestruturação do sistema capitalista é chamada por David Harvey como
acumulação flexível do capital, que em oposição à rigidez do fordismo, se apoiaria
na “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos pro-
dutos e padrões de consumo” e “caracteriza-se pelo surgimento de setores de
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços finan-
ceiros, novos mercado e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional”.1
Este processo fundamentalmente econômico e social se reflete também nas
estruturas urbanas de algumas cidades, que sofrem profundas mudanças. Com a
chamada globalização assiste-se a uma progressiva abertura comercial e finan-
ceira das economias nacionais, a intensificação dos fluxos de capitais e a reestru-
turação dos processos produtivos. A onda de inovações tecnológicas, o aumento
do custo da terra urbana e dos impostos implicam na realocação espacial de
inúmeros setores industriais para a periferia – ou até mesmo para fora da cidade,
para outros Estados ou para outros países, antigamente denominados de terceiro
mundo e onde os custos gerais são mais baixos –, com consequente agravamen-
to dos desequilíbrios urbanos. Apesar de geral, este processo se desenvolveu de
forma específica em cada cidade.
1. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo,
Loyola, 1992, p. 121.
22
Com a desindustrialização nas grandes metrópoles do mundo inteiro,
constata-se um processo de obsolescência de plantas industriais e de sistemas de
infraestrutura; o conseqüente abandono destas áreas origina os vazios urbanos,
processo econômico e urbano que se inicia nos centros mais desenvolvidos – em
especial, nas grandes cidades industriais dos Estados Unidos, Canadá e Europa
ocidental – e depois vai se espalhando pelos países periféricos, com uma de-
calagem temporal de décadas em alguns casos. Estas grandes áreas obsoletas,
resultantes dos processos de mudanças social e econômica das últimas décadas,
não eram apenas antigas zonas industriais, mas também áreas ferroviárias e
portuárias.
Nos portos, a alteração do sistema de transporte e armazenamento com o
advento do contêiner vai transformar todos os portos do globo em obsoletos;
a implantação de plataformas e gruas para deslocar os contêineres transforma
cada antigo galpão em um estorvo.
No caso das ferrovias não temos uma uniformidade tão grande no processo,
sendo particular em cada região. Na Europa, por exemplo, ela nasceu para car-
regar passageiros enquanto no Brasil ela foi criada para o transporte de carga,
o que consequentemente acarreta orlas com ocupações diferentes. Estradas de
ferro destinadas a transportar cargas possuem em seu entorno mais galpões de
armazenamento, assemelhando-se às áreas portuárias.
Neste processo internacional, a produção do espaço passa a ser um ele-
mento estratégico para a acumulação do capital, processo que se iniciou com a
mercantilização da terra, passa pelo seu parcelamento, pela verticalização e, no
período contemporâneo, pela financeirização dos ativos imobiliários, em con-
sonância com a própria financeirização da economia capitalista contemporânea,
quase uma dependência do capitalismo em relação à produção e ao consumo do
espaço. Segundo Henri Lefebvre,
“O capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento
na conquista do espaço, em termos triviais na especulação
imobiliária, nas grandes obras (dentro e fora das cidades),
na compra e venda do espaço. E isso à escala mundial. [...]
A estratégia vai mais longe que a simples venda, pedaço por
pedaço, do espaço. Ela não só faz o espaço entrar na produção
Imagem 4 - Ruína industriais em Montreal, Canadá.
23
da mais-valia, ela visa uma reorganização completa da produção
subordinada aos centros de informação e decisão”.2
O meio urbano torna-se assim o espaço chave para determinadas inter-
venções, somada a necessidade de reconstruir trechos urbanos dilacerados: ora
devastados por ataques entre nações (como no caso das cidades destruídas na
durante a II Guerra), ora destruídos por desastres naturais, ora gerados pelo
mencionado processo de obsolescência. As áreas destes últimos não são degra-
dadas só urbanisticamente, mas também social e ambientalmente – como são os
casos de zonas portuárias e ferroviárias (em processo descrito acima) e de áreas
que passam por mecanismos de modernização da infraestrutura de transporte.
Nos Estados Unidos também aparecem processos de renovação devido ao
seu crescimento econômico e populacional, uma vez que começaram a surgir e a
se desenvolver novas áreas no subúrbio das cidades, com conseqüente processo
de descentralização, como aconteceu em cidades como Boston, Baltimore e São
Francisco.
Estes processos de mudança possibilitaram o aumento da acessibilidade a
novas regiões e a exploração de espaços urbanos disponíveis a serem encarados
como áreas de oportunidades e que, em geral, geram problemas de conexão,
criando barreiras à circulação que, quando esvaziadas do uso original, acarre-
tam grandes vazios urbanos impactantes para a cidade. Sendo encarada, a partir
deste momento, como áreas propícias a urbanização nas grandes metrópoles
mundiais.
2. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, UFMG, 1999, p. 142.
24
Áreas em processo de obsolescência e vazios urbanos
Além dos aspectos socioeconômicos discutidos acima, a cidade, enquanto
objeto urbanístico, pode ser compreendida também por sua morfologia urbana.
A morfologia aqui tratada é entendida como instrumento de análise para estudar
a forma do espaço urbano, o modo como passado e presente se fundem em de-
terminado momento, revelando as possibilidades e os limites do uso do espaço
por seus habitantes, conforme nos ensina Aldo Rossi.3
Irena Fialová, por sua vez, afirma que devemos entender o lugar, sua espe-
cificidade cultural e as causas pelas quais determinadas zonas se convertem em
terrains vagues, visto serem sempre consequência de sua história, memória e
identidade que guarda uma relação com o passado.4
No âmbito internacional, o debate sobre os espaços vazios na cidade tem
como referência o Congresso da União Internacional de Arquitetos, realizado em
Barcelona, 1996, intitulado Presente y futuros: arquitectura em las ciudades. Acon-
tecimento importante, que objetivou analisar a realidade urbana contemporânea
e sua relação com a cultura arquitetônica, na justificativa de as cidades estarem
constituídas por práticas fragmentadas, carentes de reflexão e de processo críti-
co.5
Nesse congresso utilizou-se a expressão francesa terrain vague, como uma
das cinco categorias fundamentais para abordar traços da nova realidade urba-
na, ao lado dos conceitos mutações, fluxos, habitações e contenedores.
Nos anais do congresso, Joan Busquets destaca a importância dos vazios
para a análise da situação, para os projetos urbanísticos e para a gestão urba-
na contemporâneos. O autor comenta ainda o grande número de projetos em
grande escala, de propostas de infill, de reciclagem e reabilitação destes espaços
interseccionais.6
3. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
4. FIALOVÁ, Irena. Terrain Vague: Um caso de memória. Presente y futuros. Arquitectura en las ciudades. In:
Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona: Collegi d’Arquitectes
de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996.
5. SOLÀ-MORALES RUBIÓ, Ignasi de. La arquitectura en las ciudades. Presente y futuros. Arquitectura en las
ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona: Collegi
d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, p.10-23.
6. BUSQUETS, Joan. Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. Presente y Futuros.
Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales
Barcelona. Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996.
Imagem 5 - Degradação do bairro industrial do
Raval em Barcelona, Espanha.
25
Em sua tese de doutorado, Carlos Leite de Souza, ao comentar as característi-
cas atuais e as possibilidades dos vazios urbanos na cidade de São Paulo, ele as
descreve como sendo uma
“Área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil apreensão
na percepção coletiva dos cidadãos, normalmente constituindo
uma ruptura no tecido urbano. Fratura urbana. Mas também área
disponível, cheia de expectativas, com forte memória urbana,
a memória de seu uso anterior parece maior que a presença
atual, potencialmente única, o espaço do possível, do futuro. A
possibilidade do novo território metropolitano”.7
Os vazios urbanos são, dentro desta perspectiva operativa, caracterizados
como espaços remanescentes, áreas ociosas, como oportunidades. Os terrain
vague de Solá-Morales podem ser estruturadores do espaço urbano em forma
de massa construída (como os edifícios) ou como um simples vazio de qualidade
(praças, parques, quadras, espaços públicos ou as áreas de respiro), funcionan-
do como um complemento dos espaços cheios, tendo um equilíbrio destas duas
condições e criando assim o desenho da cidade. Podem até se caracterizar como
espaços livres para receber atividades efêmeras ou temporárias como feiras,
eventos, encontros, entre outros, atendendo à flexibilidade temporal necessária e
trazendo para o território um valor não apenas como localização estratégica na
cidade, mas sim dos fatos ocorridos ali.
Um espaço aberto e público que por si só é um potencializador da vida em
cidadania. Nos vazios de qualidade – como as grandes piazzas italianas, os bule-
vares parisienses ou squares londrinenses –, as áreas de respiro parecem essen-
ciais. Ainda que façam parte de contextos diferentes, esses vazios configuram a
malha urbana e agregam a população com seus usos diferenciados. O equilíbrio
na ocupação entre os espaços cheios, os vazios qualitativos e os territórios de usos
temporários acabam por evidenciar o espaço construído de forma significativa-
mente coerente – pela repetição, densidade, percepção de escalas e proporções.
São relações talvez indissociáveis.
7. SOUZA, Carlos Leite de. Fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas territorialidades
metropolitanas: a orla ferroviária paulistana. Tese de doutorado. Orientador Gian Carlo Gasperini. São
Paulo, FAU USP, 2002, p. 10.
26
Assim, dentro desta perspectiva os antigos territórios em desuso terão que
ser pensados como um ponto de partida para a resolução dos problemas, em
especial os que dizem respeito à requalificação e revitalização de cada cidade.
A ação não pode ser baseada na especulação imobiliária e econômica, mas sim
em uma visão sustentável da urbe. Talvez o caso mais insólito da presença de
vazios urbanos seja a cidade de Berlim com seus terrain vague que emergiram
após a queda do muro, após a reunificação das duas Alemanhas em 1987. Ali
ocorreu uma profusão de grandes projetos e de processos de intervenção e de
ocupação desses vazios. No entanto, dentre vários exemplos na Europa, na Ásia
e nas Américas, a cidade de Barcelona costuma ser tomada como o exemplo pre-
cursor e paradigmático da boa intervenção.
Tomando como base as proposições de Joan Busquets, podemos identificar
três principais áreas que passaram por processo de transformação e que geraram
projetos urbanos com esboços similares dentro de cada bloco temático: a. As orlas
ferroviárias e os antigos complexos desindustrializados; b. A transformação das
antigas orlas portuárias; c. As estações ferroviárias e seus espaços de serviços.8
As Orlas Ferroviárias e os Antigos Complexos Desindustrializados
A partir da década de 1950 as orlas ferroviárias urbanas no mundo inteiro
têm entrado – algumas mais, outras menos – em decadência. Paralelamente à
desindustrialização iniciou-se a desativação de pátios ferroviários centrais, ramais
industriais e estações de cargas nas regiões centrais de muitas metrópoles.
Em geral as cidades europeias, sendo mais concentradas e próximas, têm
condições favoráveis para exploração de transporte de passageiros sobre trilhos.
Mas, nesses casos, os equipamentos de manutenção, oficinas e pátios de mano-
bra centrais têm sido sistematicamente transferidos para áreas periféricas, devido
ao alto custo e potencial desses locais centrais.
Este processo de desindustrialização deixou para trás espaços vazios ociosos
e degradados não só urbanisticamente como também social e ambientalmente.
Tal processo de esvaziamento das zonas industriais se acentuou no hemisfério
norte a partir dos anos 1970, verificando-se os casos mais agudos, em cidades
industriais emblemáticas, Detroit, Pittsburgh, Lille e Bilbao (até a década de 1970
era considerada a região mais industrializada da Espanha9
e chamada de “ci-
8. BUSQUETS, Joan. Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. Presente y Futuros.
Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de La unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales
Barcelona. Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996.
9. Dados obtidos em: www.pt.wikipedia.org/wiki/Bilbau.
27
dade do ferro” devido às indústrias metalúrgicas). Além de centros de produção
como o Lingotto, da Fiat, em Turim, o Boulogne-Billancourt, da Renault, em
Paris ou a La Bicocca, da Pirelli, em Milão, são paradigmas de um processo mais
geral, a recuperação destes enclaves em suas respectivas cidades significa su-
perar a queda da obsolescência, porém também a possibilidade de recuperação
da base econômica da cidade e de sua população. Mesmo com a desativação de
áreas da orla, muitas vezes a linha férrea continua funcionando e sendo o eixo
de transporte. Ou seja, ocorre apenas uma perda parcial da função anterior, que
pode aproveitar, ou não, a infraestrutura pesada e as edificações locais, típicos
da ferrovia.
Em paralelo, na década de 1970 observa-se também o incremento do
transporte ferroviário de passageiros na Europa Ocidental devido ao cresci-
mento populacional das cidades e da necessidade de transporte de massa. À
necessária modernização das vias e da sinalização segue-se a implantação do
trem de alta velocidade, inicialmente na França, depois na Espanha, espalhan-
do-se depois para outras capitais.10
A própria instalação do TGV (Train à Grande
Vitesse), primeiro trem rápido europeu, acarretou áreas de obsolescência devido
à alteração do modal – para que o trem atinja alta velocidade, a via precisa
atender necessidades específicas, como a baixa inclinação e curvas de raio muito
grande, por exemplo. Segundo Orlando Nunes, somente a América Latina ain-
da não se utiliza deste tipo de transporte.11
Ou seja, apesar da ociosidade das
antigas orlas ferroviárias advinda da desindustrialização, assiste-se na Europa a
investimentos maciços no sistema de transporte de passageiros.
No caso do Brasil desde a década de 1950 este sistema foi preterido em
relação ao transporte rodoviário, deixando de receber investimentos públicos e
privados. Sem a devida modernização e manutenção, teve muito de suas linhas
desativadas e sucateadas.
A Transformação das Antigas Orlas Portuárias
A partir dos anos 1970, graças ao estágio globalizado da economia mundial,
as áreas portuárias tornam-se obsoletas, em especial pelas novas tecnologias de
transporte marítimo e armazenamento – a conteinerização –, realidade vivencia-
da por todas as cidades portuárias do globo terrestre.
10. Dados encontrados em: www.portogente.com.br/portopedia/Transporte_Ferroviario.
11. NUNES, Orlando Augusto. Transporte ferroviário. Disponível em: <www.artigos.netsaber.com.br/
resumo_artigo_1761/artigo_sobre_transporte_ferroviario>.
Página anterior:
Imagem 6 - Ruínas industriais na Barra Funda, São
Paulo.
Imagem 7 - Planta industrial abandonada na divisa
de São Paulo e São Caetano do Sul.
28
As antigas áreas portuárias surgiam então como uma grande oportunidade
de ocupar uma área bem localizada, em geral próxima ao centro da cidade,
expandir a urbanidade e a economia, além da oportunidade de retomar o water-
front. Através de planos de renovação urbana, buscava-se restaurar a relação do
centro com a água e estabelecer uma nova centralidade urbana.
As cidades que primeiro iniciaram os processos de recuperação serviram de
exemplo para as demais que se seguiam, demonstrando que a globalização se
dava também na forma do pensamento urbanístico contemporâneo. Baltimore e
Boston foram as primeiras cidades a desenvolver planos para recuperação destas
áreas ainda na década de 1970 e em Nova York toda a costa marítima nas duas
margens do rio Hudson passou por renovações urbanas. Inspirado nas experiên-
cias norte-americanas, em 1985 foi elaborado o plano urbano para o porto de
Roterdã, o pioneiro deste tipo na Europa na Europa.12
Kop van Zuid, em relação
ao centro, do outro lado do Rio Maas, sendo o lado menos desenvolvido do rio.
Por isso o projeto previa a ampliação do centro na direção sul ultrapassando o
rio e criando ali um anova centralidade, além de restabelecer uma relação mais
harmônica entre o centro da cidade e o rio Maas.
Em seu processo de transformação, as antigas áreas portuárias passaram
por reconversões de suas atividades com a implantação de novos usos urbanos e
atividades do terciário – empreendimentos residenciais e corporativos, atividades
culturais, comerciais etc. A integração de equipamentos de alto nível que visam
reforçar a nova centralidade é um forte argumento nestas operações, pois não se
trata apenas de integrar a respectiva quota de equipamentos de nível municipal,
mas também de integrar equipamentos estratégicos na escala do município ou
até da cidade ou região.13
Com o incremento de uma grande circulação de pessoas nestas áreas pode
surgir problemas de acesso, como aconteceu nas Docklands de Londres e em
Barcelona. Na opinião de Riek Bakker, paisagista que coordenou a requalificação
portuária de Kop van Zuid em Roterdã, o projeto não teria sido tão bem-sucedido
sem a construção da ponte Erasmus, que facilitou o acesso de pedestres, diminu-
indo muito o percurso até a nova área urbanizada.
12. BAKKER, Riek. Kop van Zuid. O desenvolvimento de uma área portuária degradada. In GUERRA, Abilio
(org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo,
Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 54-59.
13. COELHO, Carlos Francisco Lucas Dias; COSTA, João Pedro Teixeira de Abreu. A renovação urbana de
frentes de água: infraestrutura, espaço público e estratégia de cidade como dimensões urbanísticas de um
território pós-industrial. Artitexto. Lisboa, CEFA/CIAUD, n. 2, set. 2006, p. 37-60.
Imagem 8 - Porto Madero antes da reciclagem de
uso, Buenos Aires.
29
A gestão das áreas portuárias também pode influenciar as suas transfor-
mações. O modelo centralizador é mais comum na Europa, caso das distintas
administrações nas Docklands de Londres, coordenada pela empresa pública
London Docklands Development Corporation – LDDC, e da intervenção em Kop
van Zuid de Roterdã, com forte presença do governo. A intervenção mais frag-
mentada é mais comum nos Estados Unidos, onde há uma forte tendência de
utilização intensiva do “velho porto” como espaços de festivais, mercados, mari-
nas e restaurantes, como acontecem em cidades como Baltimore, Seattle, Boston,
Manhattan e São Francisco.14
As Estações Ferroviárias e seus Espaços de Serviços
Existe ainda outro espaço de oportunidade a ser comentado: as áreas fer-
roviárias internas às cidades, onde a estação deixa de ser o espaço apenas de
chegada/saída e se converte em ponto de intercâmbio entre modos de transporte
de âmbito e escalas diferentes. Nestes locais, desenvolve-se uma nova central-
idade, como é o caso de Berlim. Após a queda do muro a cidade passou por
uma fase de grande desenvolvimento urbano. O intuito era não só reunificar a
capital alemã, mas reconstruir a cidade e sua imagem: concebeu-se um plano
para que as fraturas do tecido urbano cicatrizassem rapidamente. Esta recon-
strução fazia parte de um projeto muito ambicioso para transformar a cidade em
um nó de transportes entre Europa ocidental e oriental e reconstruir a imagem
da cidade, agora associada a um centro cultural e de negócios europeu. Além
da recuperação do tecido urbano existente, também previa ocupação das áreas
industriais abandonadas e orlas ferroviárias. Dentro deste espírito, Berlim pro-
gramou três grandes projetos urbanos de intervenção em torno da linha férrea,
na área de Gleisdreieck, Ostbahnhof e Lehrter Stadtkwartier, além de vários out-
ros projetos menores.15
Em 2004 a companhia alemã de transportes Deutsche Bahn (DB), já
registrava mais de 20 milhões m² de área de requalificação imobiliárias em orlas
ferroviárias. Um exemplo já realizado é o Karlsruhe City Park, com uma área de
330.000 m².16
Entre os projetos há grande diversidade de morfologia, arquitetu-
ra, uso do solo, futuro uso da ferrovia no local, questões de patrimônio e partici-
14. VAZ, Lilian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos.
Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7, jul./dez. 1999, p. 51-66.
15. NEFS, Merten. Re-qualificação de orlas ferroviárias – o caso de Berlim, 2004. Disponível em: <www.fec.
unicamp.br/~parc/vol1/n1/parc01nefs.pdf>.
16. Idem, ibidem.
30
pação da comunidade nos planos.
Na Europa, no inicio dos anos 1990, houve uma valorização do transporte
sobre trilhos, em especial dos trens interregionais de grande velocidade, como
meio alternativo de mobilidade nos grandes centros. Berlim, por exemplo, é hoje
o centro para conexões ferroviárias com todas as partes da Alemanha e Europa
Central.
O resultado foi a valorização das terras em voltas das estações e do
reconhecimento do potencial imobiliário para a instalação de comércio, escritórios
e residências. Além do potencial construtivo, também os valores cultural, histórico,
arquitetônico e ambiental estão sendo reconhecidos internacionalmente. Algumas
estações pelo mundo já foram transformadas também em pontos turísticos e rece-
beram museus importantes, como o Museu da Língua Portuguesa na Estação da
Luz em São Paulo (que ainda funciona também como estação), o Museu D’Orsay
na gare de mesmo nome em Paris, e o Museum für Gegenwart (Museu de Arte
Contemporânea) na Hamburger Bahnhof (Estação de Trem Hamburguer) de Ber-
lim.
Em alguns casos, como em Paris e Londres, as transformações nas estações
vão além de se converterem em ponto de intercâmbio entre modos de transporte
de âmbito e escalas diferentes; nelas desenvolve-se uma nova centralidade que
tende a ser aproveitada pela criação de serviços e escritórios nos terrenos baldios
liberados pelo antigo uso ferroviário. Trata-se de uma reestruturação funcional
e as estações tornam-se novos objetos urbanos com a valorização dos novos
espaços centrais. Dos muitos projetos que foram executados e que se tornaram
novas centralidades adotando zonas de usos mistos – residenciais, comerciais,
culturais e de lazer –, parques em geral, parques tecnológicos, parques temáticos,
áreas de exposições e de eventos, entre outros, podem ser destacados como bem
sucedidos os exemplos de Paris, em especial La Villette e Rive Gauche.17
As linhas férreas têm suas próprias peculiaridades. Em muitos dos projetos
urbanos os trilhos continuam funcionando como barreiras urbanas (assim como
era o Rio Maas para Roterdã), dividindo o território e dificultando a integração
dos lados no tecido urbano existente, como é o caso também do centro de Berlim.
Dificulta, mas não impede. Na capital da Alemanha estas áreas centrais são, em
geral, bem valorizadas por serem ocupadas com uso misto e garantirem, graças
à ferrovia, fácil acesso a todas as regiões da cidade. A decisão da cidade em in-
17. VAZ, Lilian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos.
Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7, jul./dez. 1999, p. 51-66.
31
vestir nestas áreas e transformá-las em espaços planejados e de qualidade para a
população residente foi essencial para a viabilidade e o sucesso da requalificação
da orla berlinense. Este fato prova que a cidade pode melhorar sem a necessidade
de investimentos maciços focados na retirada ou enterramento da linha férrea.
Página anterior:
Imagens 9 e 10 - Museu D’Orsay, Paris.
Imagens 11 e 12 - Museum für Gegenwart, Berlim.
32
Os Grandes Desafios: Os Limites e Barreiras Urbanas
Assim como os vazios urbanos, as barreiras são resultados das transfor-
mações das cidades. Originalmente elas determinam o sentido de expansão do
espaço urbano, forçam contornos, fluxos e direção além de influenciar ações dos
conflitos de classes que vão à busca das vantagens e desvantagens do espaço
urbano. Estas barreiras podem ser entendidas como um bloqueador de expansão
de crescimento, não podendo o tecido urbano se expandir para todos os lados.
Para compreensão do significado de barreiras no desenho urbano, utiliza-se
de conceitos como os empregados por Flávio Villaça,18
que analisa como as bar-
reiras urbanas caracterizam o crescimento de metrópoles, e por Kevin Lynch em
seu já lendário livro de 1997.19
Com o intuito de explanar sobre a imagem das
cidades em geral, Lynch analisa três cidades norte-americanas – Boston, Los An-
geles e Jersey City – utilizando-se dos conceitos que cria: vias, limites, bairros,
pontos nodais, marcos. Para o urbanista, limites são os elementos lineares que
não são usados ou entendidos com via pelo observador. São as fronteiras entre
duas faces, quebras de continuidade lineares como praias, margens de rios, la-
gos, cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. São referências
laterais, mais que eixos coordenados. Esses limites podem ser barreiras mais ou
menos penetráveis que separam uma região de outra, mas também podem ser
costuras, linhas ao longo das quais duas regiões se relacionam e se encontram.
Quando se diz que um determinado local de uma cidade é uma barreira físi-
ca para seu desenvolvimento, refere-se ao arranjo espacial do crescimento, não
atribuindo a causa de um crescimento desordenado ao local em específico, e sim
na organização espacial que a cidade seguiu a partir da locação deste espaço
(seja ele um parque, uma via, uma ferrovia ou uma área de preservação).
No contexto do desenvolvimento das cidades, as barreiras apresentam em
comum os aspectos relativos ao funcionamento do mercado imobiliário, por onde
as classes sociais disputam as melhores localizações que são definidas por custos
e tempos de deslocamentos ao centro da cidade distintos. Seguido pela atrativi-
dade do sítio em si.20
18. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp, 1998.
19. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa, Edições 70, 1960.
20. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp, 1998, p. 130.
33
Imagem 4 - Vista aérea da Ponte Erasmus, ligando
as 2 margens do rio Maas em Roterdã.
No caso de São Paulo, por exemplo, a barreira vale-rio-ferrovia que a define,
tendo o centro da cidade como referência: o lado de lá (oposto ao centro) e o
lado de cá (onde está o centro), divide o espaço urbano em duas partes distintas,
que tem diferenciados custos e tempos de deslocamento ao centro, uma vez que
restringem os fluxos de transporte apenas aos trajetos que se utilizam dos pontos
de transposição da barreira. Define-se então, um lado do espaço urbano mais
vantajoso que o outro, do ponto de vista da acessibilidade ao centro. Por essa
razão, as áreas além das barreiras são rejeitadas pela classe de mais alta renda e
seus terrenos consequentemente barateiam. Quando a cidade atinge dimensões
metropolitanas esta divisão já não é tão clara e a valorização do território pode
ter novas peculiaridades com a criação que pequenos centros, nas áreas além
das barreiras, provocando também variações nos valores imobiliários.
Semelhante a São Paulo, em Roterdã, antes do projeto urbano de Kop van
Zuid, o rio Maas dividia a cidade de forma assimétrica sob o ponto de vista de seu
desenvolvimento. Nas palavras de Riek Bakker:
“O rio constitui o essencial da cidade. Mas também existe o
inverso, como podemos observar nas cidades portuárias. O rio
também separa a vida nas duas margens. O desenvolvimento
em uma margem se dá mais rápido, enquanto a outra margem
fica para trás. Essa separação pode ser vista em muitos aspectos
– no sentido político e gerencial, no treinamento e educação de
grupos da população e até mesmo na apreciação diversificada
das pessoas”.21
As barreiras – seja ferrovia ou rio – que fazem parte dos estudos de casos do
próximo capítulo demonstram que elas não precisam deixar de existir, desde que
sejam bem costuradas no contexto da cidade.
Nos dias de hoje discute-se muito sobre o enterramento das ferrovias, pro-
cesso caríssimo para as cidades. Porém, devemos refletir se vale mesmo a pena
este investimentos ou se podemos recorrer a soluções alternativas que apenas
suavizem a sensação das barreiras, como podemos ver em soluções encontradas
com a Ponte Erasmus em Roterdã, no Hackeschef Markt e nas ferrovias do centro,
ambos em Berlim, e no edifício do MIT, em Chicago, onde a solução dada por
21. BAKKER, Riek. Kop van Zuid. O desenvolvimento de uma área portuária degradada. In GUERRA, Abilio
(org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo,
Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 55.
34
Página seguinte:
Imagem 15 - Vista aérea do Hackeschef Markt, em
Berlim.
Imagem 16 - Ocupação comercial sob a linha férrea
próxima a Hackeschef, em Berlim.
Imagem 17 - Edifício do MIT, em Chicago,
construído integrando a linha férrea já existente.
Imagem 14 - Passagens sob a linha férrea próximo a
Hackeschef, em Berlim.
35
Rem Koolhaas é “abraçar” a linha férrea.
Estes usos comerciais e de lazer se estendem também às áreas próximas
a Alexanderplatz, criando grandes eixos comerciais ligados à rua e ao passeio
público. Apesar de áreas privadas, é quase sempre possível enxergar através de
suas fachadas de vidro, tanto de dentro para fora como de fora para dentro, o
que acontece do outro lado da ferrovia, abrindo visuais. A transparência visual, a
diferenciação de usos e em diversos horários, mantém o território constantemente
ativo.
A queda de uma barreira urbana pode significar uma faca de dois gumes.
Se por um lado a retirada de uma barreira urbana pode significar a revitalização
de um bairro abandonado reconectando-o com a cidade, por outro pode des-
truir uma vizinhança. A segregação pode resguardar bairros tradicionalmente
resguardados preservando-os por mais tempo. Neste caso a queda de uma im-
portante barreira pode significar, em alguns casos, a morte de uma região ou de
um bairro.
Um exemplo disso é o que está acontecendo no bairro da Pompeia, em São
Paulo. Com o aumento da circulação no bairro as antigas construções passam a
serem substituídas por grandes empreendimentos imobiliários, normalmente de
maior custo agregado, o que vai valorizando a área e aos poucos expulsando os
antigos moradores. Este processo de valorização está acontecendo também na
Praça Roosevelt, em São Paulo, que após ser valorizada começa a expulsar os
antigos teatros e os vizinhos indesejados e, com isso, valorizando novamente as
empreiteiras e a iniciativa privada.
É parte integrante de um Projeto urbano pesar as diferentes interferências
para a construção de um território comunitário de qualidade, preservando em
alguns casos e inovando em outros.
36
Planejamento estratégico e Projetos Urbanos	
Na atuação urbanística contemporânea as mudanças ocorrem em uma ve-
locidade sem controle, alterando tanto a forma de projetar como a gestão urba-
na. É necessário compreender a cidade como um conjunto de dados e elementos
urbanos que devem se articular com o tecido existente em uma cidade consoli-
dada, revalorizando o locus e o patrimônio histórico, pois segundo Aldo Rossi “a
própria cidade é a memória coletiva dos povos e como a memória está ligada
a fatos e lugares, a cidade é o locus da memória coletiva”22
– conceito retoma-
do na Itália pós-segunda guerra, num ambiente intelectual de nostalgia, como
proposição de uma tipologia urbanística que poderia recuperar qualidades per-
didas pelas cidades.
Integrador e abrangente, o modelo da revitalização distancia-se tanto dos
projetos de renovação modernistas traumáticos de tábula-rasa quanto das ati-
tudes exageradamente conservacionistas, mas incorpora e excede as práticas ur-
banísticas anteriores na busca pelo renascimento econômico, social e cultural das
áreas centrais esvaziadas, decadentes e subutilizadas.
A partir da década de 1980, como resposta aos impactos do processo
de reestruturação produtiva e ao reencontro com a cidade existente com a neces-
sidade de reconstruir os tecidos obsoletos, foram implantadas novas experiências
através dos Projetos Urbanos, destinados a recuperar centros históricos, áreas
industriais, ferroviárias e portuárias e outras centralidades vinculadas aos modos
de produção ou transporte a serem atualizadas, para então transformá-los em
novas centralidades, em sua maioria cultural ou tecnológica.
Para tanto, através de um planejamento estratégico entre poder público (via-
bilizadores), poder privado (investidores) e comunidades (usuários), identifica-se
planos e programas que maximizam e compatibilizam os esforços e investimentos
e norteia-se a implementação integrada de ações e projetos a curto, médio e lon-
go prazos. Os resultados positivos, por sua vez, realimentam o processo, atraindo
novos investidores, novos moradores e novos consumidores e gerando o novo.
O planejamento estratégico funciona assim, como um instrumento que traz
abordagens de atuação sobre o espaço urbano, baseado em gestão, partici-
pação de diferentes fatores sociais e um projeto global de cidade, que passou a
aparecer de forma proeminente entre as políticas urbanas empregadas por mu-
22. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 19.
37
nicipalidades europeias.
Sob a gestão da administração pública, a viabilidade destas transformações
se dá via investimentos provenientes da combinação de forças do poder público
com a atuação da iniciativa privada para a criação de novas condições urbanas
em um território específico, voltadas para a reconstrução física e social de partes
da cidade, seguindo um plano urbanístico especifico e normas legais gerais e, em
alguns casos, específicas para determinada área de intervenção.
Adotado em maior ou menor grau em diversas cidades no mundo, o movi-
mento na direção deste novo modelo destacou-se a partir das experiências con-
sideradas de forma geral como bem sucedidas, sob o ponto de vista de terem,
com sua implantação, possibilitado a criação de novos territórios urbanos, es-
paços públicos e uma nova imagem às antigas áreas degradadas. Entre as ci-
dades pioneiras destacam-se: Boston, com a Harbourfront Project; Baltimore,
com o Inner Harbour; Nova York, com o Battery Park. Ao lado destes exemplos
norte-americanos podemos incluir a cidade de Londres, com as Docklands.
Battery Park, Nova York
O Battery Park é um empreendimento localizado na baixa Manhattan, em
um aterro executado em 1972 sobre o rio Hudson, em uma área antigamente
ocupada por docas de 37 hectares.
A partir dos anos 1960 foi desenvolvida pelo Departamento de Planejamento
da Prefeitura de Nova York uma série de projetos para a reestruturação urbana da
área, com a inclusão de múltiplas atividades. Dentre os muitos projetos propostos
com o passar dos anos, quase nada foi construído.23
Porém, em face da crise fiscal nova-iorquina dos anos 1970 e a falta de
interesse da iniciativa privada na participação do empreendimento, a saída en-
contrada foi a abertura da iniciativa ao mercado. Sob a coordenação da Cor-
poração de Desenvolvimento Urbano do Estado de Nova York um novo plano
geral elaborado por Cooper & Eckstut foi adotado e, com a propriedade do
solo, a BPC Authority adota o aproveitamento imobiliário concebido por Cesar
Pelli. A construtora Olympia & York Properties, contratante do arquiteto argenti-
no, ganhou a licitação para construção de todos os edifícios comerciais com a
proposta de construí-los de uma só vez. Toda a infraestrutura foi bancada pelo
23. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. Renovação urbana em Battery Park City. Disponível em: <www.usp.br/
fau/docentes/depprojeto/e_nobre/battery_park.pdf>.Imagem 18 - Mapa geral de Battery Park.
38
pode público e o restante pelos empreendedores.24
Hoje é deste local que partem as balsas que transportam os turistas para a
Estátua da Liberdade.
Assim, construíram-se também complexos de torres corporativas e condomí-
nios residenciais verticais, numa sequência de empreendimentos de alto nível ou
high-profile. Além do World Financial Center, do Jardim Botânico e do Winter
Garden, temos espaços públicos e promenades na orla do rio Hudson também
sob a produção da O&Y.
A Olympia & York Properties25
, também chamada de O&Y, foi a maior em-
preendedora de prédios do mundo daquele período, com seu auge na década
de 1980, período onde a empresa cresceu em mais de dez vezes. Nesta época
foi contratada para a construção do Battery Park, projeto que se tornou o World
Financial Center de Nova York, grande sucesso da empresa. Após uma séria de
aquisições, a O&Y comprou a English Property Corp, uma das maiores incorpo-
radoras britânicas, que atuou no desenvolvimento das propriedades do Canary
Wharf, em Londres, parte do projeto geral de renovação das Docklands londrinas.
Docklands, Londres
Tendo como inspiração estas iniciativas nova-iorquinas, do outro lado do
Atlântico se dá início à recuperação das antigas docas do porto de Londres, em
especial na região de armazéns abandonados ou subutilizados, do outro lado do
Tâmisa, bem em frente à City, na região leste da cidade, conhecida como East
End.
As Docklands foram fechadas nos anos 1970 em função da conjugação de
diversos fatores: diminuição de sua importância devido a ampliação do calado
dos navios e da “conteinerização” dos portos, aprovação de legislação ambiental
restritiva e construção do porto de Tilburg, 40 km rio abaixo. Nas docas londrinas,
a perda de colocações de trabalho foi vertiginosa e, em poucos anos, as 30.000
vagas existentes em 1950 se reduziram para apenas 2.000 vagas em 1981.26
Nesta conjuntura surge uma série de planos que propunham a revitalização
da área com o intuito de construir habitações, inclusive as preferencialmente
subsidiadas, para pessoas de baixa renda, mas, por não estarem disponíveis os
recursos necessários, o projeto não saiu do papel. As áreas de intervenção pos-
24. GORDON, David L. A. Financing waterfront regenaration. Jornal of American Planning Association,
Chicago, v. 63, n. 2, primavera, p. 244-265.
25. Dados obtidos em: www.en.wikipedia.org/wiki/Olympia_and_York.
26. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 415-416.
Imagem 19 - Vista aérea de Battery Park.
Imagem 20 - Promenade de Battery Park.
39
suíam aproximadamente 2.200ha ao longo de 12 km rio abaixo, desde o centro
de Londres. O plano dividia a área em 15 zonas.
Dada a grande escala da intervenção e do volume de recursos a ser aplica-
do, o governo Thatcher entendeu ser essencial a parceria com o setor privado. A
solução foi constituir uma agência com grande conhecimento do mercado imo-
biliário e capacitada a atrair investimentos privados e que pudesse gerenciar, mais
eficazmente que os órgãos locais, o empreendimento.27
Assim, nasceu em 1981
a London Docklands Development Corporation (LDDC), entidade autônoma que
passou a dispor de poderes sobre o planejamento da região em detrimento dos
governos locais. Como 80% da área pertencia a agentes públicos como a auto-
ridade portuária, a autoridade metropolitana, as empresas de gás e eletricidade
e a British Rail, houve uma maior facilidade para a implementação do projeto.28
Em 1982 a LDDC encomendou um plano para a área aos urbanistas Gordon
Cullen e David Gosling. O plano elaborado previa a valorização das águas dos
diques como componente paisagístico e para usos de lazer com ancoradouro
para veleiros e a criação de um circuito público através da conexão dos principais
nós da ilha, ligados ao monotrilho proposto pela LDDC. Porém, na reta final, o
plano de Cullen foi descartado, pois a LDDC optou por não colocar nenhum em-
pecilho aos empreendimentos futuros nas Docklands.29
A intervenção foi dividida em quatro grandes áreas. Por meio de uma impor-
tante intervenção governamental posterior, foi acrescida ao plano a região da Isle
of Dogs. Para os investidores, além das vantagens fiscais passou a ser oferecido
um zoneamento flexível, diferente da City, tornando o investimento nas Docklands
muito mais atrativos e impulsionando o progresso do plano.
Em 1987 a maior construtora comercial do mundo na época, a Olympia &
York Properties (O&Y), apresentou uma proposta para a região de Canary Wharf,
no extremo superior da Ilha, com projeto de implantação executado pelo famoso
escritório norte-americano Skidmore, Owens & Merrill (SOM). Nesta área seriam
ocupados 29 hectares do antigo cais através de um projeto que previa quase
um milhão de metros quadrados de escritórios, divididos em nove blocos de oito
27. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas
em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006.
28. SOMEKH, Nadia. Reconversão industrial e projetos urbanos: a experiência internacional e o caso da área
do Brás, em São Paulo. São Paulo, 2007. Disponível em: <www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FAU/
Publicacoes/PDF_IIIForum_a/mack_III_forum_nadia_somekh.pdf>.
29. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. O projeto das London Docklands. Disponível em: <www.usp.br/fau/
docentes/depprojeto/e_nobre/docklands.pdf>.
40
pavimentos e uma torre de cinquenta andares, que seria o edifício mais alto de
Londres, o One Canada Square. Com este projeto as Docklands se tornariam o
segundo centro financeiro da cidade. O projeto da O&Y contrariava os pontos
definidos por Cullen e Gosling, principalmente nos eixos visuais e espaços públi-
cos, uma vez que criava obstáculos ao eixo visual proposto. O empreendimento
ocuparia parte das águas do dique existente, além disso, os blocos fechavam-se
sobre si mesmos, criando espaços internos, negando o contexto urbano exterior e
principalmente o potencial paisagístico das águas.
Segundo Maria do Carmo Vilarino, o projeto da Canary Wharf foi fundamen-
tal para finalmente dar início ao boom imobiliário nas Docklands, incentivando o
uso terciário. Com o mesmo intuito, a LDDC propôs a criação de um aeroporto
para uso doméstico que atendesse esta nova área financeira.30
O London City
Airport, financiado pela própria LDDC, foi construído em 1985, desenvolvendo o
setor menos privilegiado da operação.
30. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas
em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006.p.162-
163.
41
Nas Docklands, mesmo que a intenção inicial fosse utilizar investimentos
oriundos em sua maioria do setor privado, o governo precisou intervir posterior-
mente, em especial na construção de infraestrutura de transportes de massa como
metrô e trem.
Hoje o local da intervenção se caracteriza pelo centro empresarial, sede das
grandes corporações e de boa parte da mídia, dos altos serviços e das habitações
de altíssimo padrão, com direito a estações de metrô projetadas por grandes ar-
quitetos como Norman Foster.
Dentre as críticas a este projeto destaca-se que, como resultado do neo-
liberalismo, foi feito o loteamento da área em imensas glebas, entre diversos
empreendedores, sem a implantação de um projeto unificado, resultando em um
projeto fragmentado, com espaços privilegiados e que acabam gerando gentrifi-
cação através de espaço altamente qualificado e diferenciado.31
Para Otília Arantes, esta falta de estratégia pública fez da LDDC um órgão
que “não tinha por função senão impedir qualquer regulamentação restritiva ao
mercado. O resultado é conhecido: especulação imobiliária desenfreada, toman-
do o local um reduto de yuppies nos anos 1980, com os preços dos terrenos
valorizados em até 2.000%”.32
Por outro lado, segundo Kenneth Powell33
, a renovação das Docklands é
considerada um sucesso pelos seus idealizadores, pois, mesmo com as críticas
referentes ao volume de recursos públicos investido, a urbanização fragmentada
e a gentrificação, a intervenção alcançou os objetivos propostos.
Battery Park e London Docklands, ambos do mesmo período histórico
neoliberal das décadas de 1970 a 1990, apresentam grandes semelhanças no
conceito de projeto e gestão que influenciaram o mundo todo. Nos dois casos
houve um projeto inicial voltado para o uso do espaço público que não foi usa-
do e a execução do plano urbano foi feita através de outro projeto com foco no
aproveitamento do espaço pela iniciativa privada. Em ambos, com participação
de arquitetos renomados, sob o comando da mesma construtora Olympia & York
Properties. Não é coincidência, portanto, a construção de grandes complexos
31. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. O projeto das London Docklands. Disponível em: <www.usp.br/fau/
docentes/depprojeto/e_nobre/docklands.pdf>.
32. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São
Paulo, Vozes, 2002, p. 35.
33. POWELL, Kenneth. La transformación de la ciudad: 25 proyectos internacionales de arquitectura urbana
a principios del siglo XXI. Buenos Aires, Blume, La Islã, 2000.Imagem 22 - Vista aérea das Docklands.
Página anterior:
Imagem 21 - Mapa das Docklands.
42
administrativos que, inspirada nas palavras de Susan Fainstein34
, caracterizou es-
tes trechos de ambas as cidades como cidades privadas bem planejadas.
A história épica da O&Y teve fim com sua falência, como muitas outras em-
presas dentro do panorama de recessão da Grã-Bretanha e posterior quebra da
Bolsa de Nova Iorque. Com o início da recessão na Grã-Bretanha, as empresas
britânicas não estavam dispostas a mudar do centro financeiro para a nova área,
ainda mais pelo fato da extensão da Linha Jubilee do metrô de Londres –promes-
sa pessoal de Margaret Thatcher – ter sido adiada (a linha já em construção de-
veria abrir no ano de 2000).
Assim, o espaço destinado aos escritórios em Canary Wharf permaneceu
praticamente vazio e Olympia & York começou a ficar sem recursos. Ao mesmo
tempo, o mercado imobiliário de Nova York começou uma recessão profunda e a
Olympia & York, que agora era o detentor da maior propriedade em Manhattan,
ressentiu-se dos problemas de fluxo de caixa, que afetaram profundamente a es-
tratégia de financiamento adotada pelos irmãos Reichmann, fundadores da O&Y.
Assim, em maio de 1992 – com uma dívida de mais de 20 milhões de dólares
para vários bancos e investidores – a empresa pediu concordata.35
ZACs, Paris
As chamadas ZACs (Zone d’Aménagement Concerte / Zona de Planejamento
Negociado) são áreas onde o poder público define como possíveis de intervenção
para a realização de melhorias. Porém em Paris, com um Estado forte, verifica-se
que a esfera pública funciona efetivamente como a reguladora do projeto urbano.
Os recursos, provenientes das vendas dos projetos prontos, financiarão os
próximos objetivos propostos pela operação. As ZACs constam do código de
obras de Paris de 1967, também no código de Urbanismo de 1985 e funcionam
da seguinte forma:
34. FAINSTEIN, Susan. Promoting Economic Development: Urban Planning in the United States and Great
Britain. Journal of the American planning Association, v. 57 n. 1, inverno, p. 29.
35. A empresa foi finalmente desmembrada em fevereiro de 1993 e os Reichmanns ficaram com apenas
uma pequena parte, conhecida como Olympia & York Properties Corporation. A nova empresa cresceu
novamente em vários bilhões de dólares, graças à retenção de uma grande participação do projeto agora
próspero de Canary Wharf, bem como do First Canadian Place (outro grande projeto urbano da O&Y) em
Toronto, Ontário. No entanto hoje eles não possuem grandes explorações na cidade de Nova York, pois
muitas das propriedades que eram desta cidade estão agora com Brookfield Properties Corporation.
43
“O Estado adquire as terras em áreas degradadas (por direito
de preempção ou por simples desapropriação), faz as melhorias
de infraestrutura e decide o uso para cada lote resultante de
sua intervenção, realizando inclusive o projeto arquitetônico
do edifício a ser construído no local, em alguns casos. Vende
as áreas e os projetos destinados a equipamento públicos aos
respectivos órgãos responsáveis (ministério da educação para
escolas, da saúde para hospitais, setor de parque para praças,
etc.) e as áreas destinadas a escritórios e outros estabelecimentos
comerciais (também com os projetos prontos) à iniciativa privada.
Cobrando desta última a plus-valia produzida pela valorização
da intervenção. Consegue recursos para amortizar a operação
como um todo e garantir a oferta de moradias”.36
Entre as ZACs mais conhecidas está a chamada Seine-Rive Gauche. Iniciada
em 1977, trata-se de uma operação de 130ha em uma área de antiga ocupação
industrial, entre a margem esquerda do rio Sena e a Ferrovia, sendo 26ha do
território ocupado pela antiga linha férrea.37
Os projetos arquitetônicos erguidos
na área foram realizados por reconhecidos arquitetos, com destaque para Domi-
nique Perraut, autor da Biblioteca Nacional da França (Très Grande Bibliopthèque
ou TGB), projeto que lhe valeu o Prêmio Mies van der Rohe de 1996. Excedendo
o gabarito de altura padrão de Paris, a biblioteca foi a grande âncora de atração
para investidores, pois, a partir da sua construção, foi possível viabilizar a exten-
são do metrô e a construção das primeiras unidades habitacionais.38
Outros exemplos de empreendimentos realizados através das ZACs são o
La Villette (onde a Cidade da Música servia como chamariz), o Parque Citroen,
Les Halles e Bercy. Tais intervenções tiveram como antecedente o projeto urbano
para o Bairro de Beaubourg, no 4º distrito de Paris, realizado em grande parte
36. MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação Urbana Consorciada: diversificação
urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In OSÓRIO, Letícia Marques (Org.), Estatuto
da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre/São Paulo, Sergio
Antônio Fabris Editor, 2002, p. 5-6.
37. DITTMAR, Adriana Cristina Corsico. Paisagem e morfologia de vazios urbanos. Análise das transformações
dos espaços residuais e remanescentes urbanos ferroviários em Curitiba. Dissertação de mestrado. Orientadora
Letícia Peret Antunes Hardt. Curitiba, PUC-PR, 2006.
38. MALERONKA, Camila. Projeto e gestão na metrópole contemporânea: um estudo sobre as potencialidades
do instrumento: operação urbana consorciada à luz da experiência paulistana. Tese de doutorado. Orientadora
Marta Dora Grostein. São Paulo, FAU USP, 2010, p. 62.
Imagem 23 - Mapa Zac Seine Rive Gauche.
Imagem 24 - Trecho Tolbiac da ZAC Seine Rive
Gauche, copm a biblioteca Nacional da França.
44
durante o governo de Georges Pompidou, e que teve como chamariz cultural a
construção do Beaubourg – inaugurado em 1977 e batizado como Centre Pom-
pidou em homenagem ao seu promotor. Projetado pelos arquitetos Renzo Piano
e Richard Rogers, o centro cultural foi responsável pela regeneração de todo um
distrito localizado junto ao primeiro anel da capital francesa. Com revalorização
destas áreas centrais, assistiu-se a reocupação do espaço pelas camadas mais
abastadas, ocupando coração da cidade.39
Diferente das intervenções urbanas de Battery Park e das Docklands, onde o
chamariz é o enfoque nas áreas financeiras e de escritório, no caso de Paris fica
claro que os projetos âncora baseiam-se em espaços voltados à cultura e ao lazer.
Quando a cidade é conduzida por um Estado mais forte, que traz para si a fun-
ção de regulador do plano urbano, parece ser possível, apesar da gentrificação,
construir equipamentos e espaços públicos mais democráticos e, através deles
melhorar a vida da comunidade, favorecer linhas de desenvolvimento sustentável,
criar empregos, entre outras virtudes.
Cidades como Bilbao, Barcelona e até a capital da Alemanha unificada viriam
a servir este modelo de desenvolvimento com a promoção de âncoras culturais.
Críticas ao Planejamento Estratégico
Mesmo tendo viabilizado espaços atrativos que agregaram uma série de
qualidades a estas novas áreas, o planejamento estratégico recebe duras críticas
de diversos autores, como Otília Arantes, Ermínia Maricato e Peter Hall, entre
outros. O ponto comum da objeção ao modelo é que, em geral, a intervenção
acaba sendo focada na produção dos locais de sucesso para escoamento do
excesso de capital, com o intuito de trazer novos negócios e oportunidades finan-
ceiras. Os benefícios sociais, segundo estes autores, não entram na equação.
Peter Hall afirma que em muitos casos – Boston e Baltimore, em especial – as
intervenções urbanas foram coordenadas por uma nova e radical elite financeira
(proprietários imobiliários e seus derivados) que se apossa da cidade, lideran-
do uma coalisão pró-crescimento e que astutamente combina fundos públicos e
privados para promover uma urbanização em grande escala.40
Esta elite, formada
por segmentos com acesso aos promotores das medidas urbanas, dá livre curso
ao seu objetivo de expandir a economia local e aumentar a riqueza, sem grandes
39. Dados obtidos em: www.parisrivegauche.com/Projets-et-realisations/Le-secteur-Tolbiac/Equipements-
publics
40. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 413. Imagem 25 - Centro George Pompidou.
45
preocupações sociais. Pode-se detectar também um aspecto simbólico no proces-
so. A aspiração de projetar a cidade no novo mapa mundial é perseguida por
hábeis gestores do city marketing, que fabricam também uma nova cidadania,
um novo modo de ser e viver na cidade. Este processo é o que Fernanda Sanchez
chama de cidade-espetáculo.41
Focados em atrair investidores, os gestores adotam uma postura competitiva
e empresarial, fundamentalmente preocupada com a atração de investimentos via
eventos e turismo, com a imagem urbana e com a inserção otimizada da cidade
no panorama mundial. Os valores voltados para o bem-estar da população estão
ausentes.42
Identificando o fenômeno como indissociavelmente vinculado à condição
pós-moderna, David Harvey denomina este processo de empresariamento urba-
no, onde as cidades passam a ser concebidas como mercadorias, ajustadas à
nova ordem econômica mundial.43
O caso de Baltimore, com a espetacularização
de Harbor Place, é um espelho deste processo.
Neste contexto surge o que Peter Hall chama de cidade-empreendimento,
onde o planejamento urbano torna-se o alvo predileto da ofensiva liberal-conser-
vadora sem controle. Segundo Peter Hall, escrevendo nos anos 1970:
“O planejamento convencional, a utilização de planos e
regulamentos para guiar o uso do solo, pareciam cada vez mais
desacreditados. Em vez disso o planejamento deixou de controlar
o crescimento urbano e passou a encorajá-lo por todos os meios
possíveis e inimagináveis. Cidades, a nova mensagem soou em
alto e bom som, eram máquinas de produzir riqueza; o primeiro
e principal objetivo do planejamento devia ser o de azeitar a
máquina. O planejador foi se confundindo cada vez mais com
o seu tradicional adversário, o empreendedor (manager); o
guarda-caça transformava-se em caçador furtivo”.44
41. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea.
Veredas, Rio de Janeiro, 1999, v. 41, p. 26-29.
42. VAINER, Carlos Bernardo. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do
planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do
pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000.
43. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo,
Loyola, 1992, p. 88-92.
44. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 407.
46
No intuito de trazer novos negócios e oportunidades financeiras são realiza-
dos grandes eventos internacionais como a Baltimore City Fair – que nos anos
1980 promoveu diversas intervenções urbanas na área portuária da cidade – e
as Olimpíadas de Barcelona em 1992. Nestes casos, a adoção do planejamento
estratégico regido pelo conceito de city marketing, proporcionou imensas opor-
tunidades de promoção das cidades, renovações e melhorias urbanas. A eficácia
decorrente desse processo sob o ponto de vista da reestruturação econômica des-
pertou o grande interesse, transformando estes tipos de intervenções em modelo
que será seguido por eventos posteriores, como a Expo 98 de Lisboa, a 1º Bienal
de Berlim de 1998 – que teve como tema a própria cidades de Berlim – e o Fórum
Mundial das Culturas de 2004 em Barcelona, entre muitos outros.
O modelo disseminado tem como premissa sua execução em tecidos ur-
banos centrais que se encontram – ou são assim denominados – como espaços
degradados, sejam eles áreas portuárias, áreas industriais obsoletas ou áreas
abandonadas que, em determinado momento são, ou se tornam, barreiras ao
crescimento da área. O que se visa, porém, é o grande potencial de valorização
gerado pela mudança da função original da área.
São diversas as estratégias utilizadas para estes fins, que podem ser clas-
sificadas na sua nova vocação em dois grupos. O primeiro privilegia um mix
de atividades e procedimentos, com implantação de sedes corporativas, parques
tecnológicos, recuperação do patrimônio histórico. Há uma aposta em imaginar
estas áreas como centro cultural urbano, priorizando o lazer e o consumo de alta
renda, como aconteceu nas intervenções de Paris, Bilbao, Berlim e Barcelona.
O segundo grupo aposta na produção de grandes centros financeiros, com ar-
ranha-céus imponentes, sempre acompanhados de uma arquitetura de renome
graças à contratação de um arquiteto do jet set internacional para alavancar e
carimbar o local. Como exemplo, temos as Docklands em Londres e o Battery
Park em Nova Iorque. Em ambos os casos temos um esvaziamento prévio desses
núcleos e a migração habitacional para bairros residenciais sob o pretexto da
“requalificação” do lugar.
Nas palavras de Otília Arantes:
“Aí o embrião de uma mudança emblemática: à medida que a
cultura passava a ser o principal negócio das cidades em vias
de gentrificação, ficava cada vez mais evidente para os agentes
envolvidos na operação que era ela, a cultura, um dos mais
Imagem 26 - Complexo House of World Cultures.
Construído para sediar, junto com outros dois
edifícios, a 1º Bienal de Berlim. Foto de Christian
Beirle González.
Imagem 27 - Vista geral do zona central da
EXPO’98.
47
poderosos meios de controle urbano no atual momento de
reestruturação da dominação mundial”.45
Tais transformações urbanas focadas na cultura traziam uma significativa
mudança nas formas de uso e de usuários desses espaços: a gentrificação. Justi-
fica-se a “revitalização” usando o mesmo discurso dos planejadores, que defende
a recriação da vida social em um espaço onde aquela estaria ausente. Dessa
forma, as dinâmicas transformadoras são ativadas e é encoberta a verdadeira
intenção de expulsar incômodas formas de habitar o espaço, distantes do novo
objetivo proposto para aquele local e “incompatíveis com a nova semântica dos
espaços renovados”.46
O processo de gentrificação converge cultura e capital, o que Otília Arantes
chama de culturalismo de mercado,47
onde o fator cultural funciona como chama-
riz dentro de uma lógica mercadológica estruturadora das políticas de renovação
do espaço urbano. Na semântica que lhe é particular, defende que o image-mak-
ing reinventará a identidade da cidade, que será explorada pelo city marketing. O
novo valor simbólico aportado nos espaços urbanos reestruturados acaba por in-
fluenciar as novas avaliações que serão veiculadas pela mídia, valorizando cada
vez mais o local, induzindo à especulação imobiliária. Intencional ou não, este é
o ciclo criado pelo planejamento estratégico.
Como exemplos destas tramas estratégicas que geraram gentrificação, po-
demos citar dois exemplos em Nova York: o Soho e, posteriormente, o Battery Park.
No Soho, a partir dos anos 1970, iniciou-se o incentivo de reciclagem dos antigos
lofts pela comunidade de artistas locais, convertendo-os em galerias, boutiques,
residência de artistas, restaurantes sofisticados etc. A chegada de novos padrões
de consumo trouxe também uma nova vanguarda da burguesia e consequente-
mente a expulsão da antiga população moradora. Esta, que não conseguia mais
arcar com o aumento de preços que acompanharam as melhorias, acabou se
mudando para áreas periféricas menos valorizadas e menos beneficiadas.
Nesta linha, Otília Arantes afirma que o urbanismo não veio mais para
corrigir, como acreditava ser possível os urbanistas modernos, mas “para in-
crementar a proliferação urbana e aperfeiçoar a competitividade das cidades”.
45. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São
Paulo, Vozes, 2002, p. 33.
46. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Rio
de Janeiro, Veredas, 1999, p. 26-29.
47. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São
Paulo, Vozes, 2002.
Imagem 28 - Capa do catálogo da 1º Bienal de
Berlim.
48
Neste contexto, teríamos “trocado a máquina de morar moderna pela máqui-
na de crescimento atual”. E, abandonando o ideal do movimento moderno, os
benefícios do que foi produzido já é – nem mesmo como retórica – destinados
à maioria da população; afinal, não era essa a prioridade, o que acarreta um
“impacto nulo sobre a pobreza e demais déficits sociais”.48
Nos quatro planos estudados, Seine-Rive Gauche, Battery Park, Soho e Lon-
don Docklands pode-se verificar o de sempre: planos urbanos que privilegiam
direta ou indiretamente a iniciativa privada; a presença de projeto arquitetônico
assinado por arquiteto famoso, usado como chamariz; e, intencional ou não, a
expulsão da antiga população para a criação de ilhas qualificadas que vão se
expandindo por toda a cidade e promovendo sua fragmentação social. No caso
de Seine-Rive Gauche, graças à forte regulação estatal, garantiu-se ao menos
um maior retorno financeiro para o Estado, que foi reinvestido na própria área.
Nestes casos acima descritos, planejamento estratégico ou a falta dele, pode ser
confundido com uma gentrificação estratégica.
Dentre os muitos efeitos da globalização a espetacularização das cidades,
considerada como bem sucedida pelos empreendedores, nasce da mesma
fórmula que busca resultados rentáveis e resulta em cidades cada vez mais
semelhantes, que muitas vezes desconsideram aspectos regionais de cada uma
delas.
A estética urbana pós-moderna produz elementos como a fragmentação,
a efemeridade, o ecletismo, a valorização da forma (contra o funcionalismo
moderno) e o triunfo da imagem. Contudo, apesar do discurso ser contra a uni-
formização pregada pela arquitetura moderna, é comum a criação de paisagens
urbanas muito semelhantes, resultando na uniformização tão criticada. A arquite-
tura pós-moderna, dessa vez uniformizada através das torres de vidro, busca por
meio da imagem e monumentalidade apresentar o poder das grandes empresas
que geralmente estão presentes nas cidades globais.
Segundo Arantes, há uma “falsa ruptura dos pós-modernos, cuja oposição
de fachada mal escondia o seu vínculo com o formalismo do ciclo anterior”.49
Mantém-se a continuidade, inclusive no chamado novo planejamento estratégico.
A chamada terceira geração urbanística não representa nenhuma ruptura maior
de continuidade com a anterior. “Se há novidade, ela se resume ao gerenciamen-
48. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annalume,
2012, p. 15-17.
49. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São
Paulo, Vozes, 2002, p. 11.
49
to”, onde o planejamento estratégico é antes de tudo um empreendimento de
comunicação e promoção.50
Apesar da oposição ampla e radical de Otília Arantes e outros teóricos, talvez
seja possível verificar cidades onde os projetos urbanos acabaram resultando
em situações que não se resumem à especulação imobiliária em detrimento dos
interesses da comunidade local. O estudo dos três projetos urbanos a seguir –
Céramique, em Maastricht, Holanda; St. Jean, em Genebra, Suíça; e Bicocca, em
Milão, Itália – tentam verificar esta hipótese.
Três Projetos Urbanos em Três Países Europeus
Apesar da oposição ampla e radical de Otília Arantes e outros teóricos, talvez
seja possível verificar cidades onde os projetos urbanos acabaram resultando
em situações que não se resumem à especulação imobiliária em detrimento dos
interesses da comunidade local. O estudo dos três projetos urbanos a seguir –
Céramique, em Maastricht, Holanda; St. Jean, em Genebra, Suíça; e Bicocca, em
Milão, Itália – tentam verificar esta hipótese.
Nos três capítulos que se seguem serão apresentados estes três exemplos
internacionais de projetos urbanos implantados que, total ou parcialmente, al-
cançaram seus objetivos propostos através de qualidades diferenciadas, seja em
projeto, seja em gestão. Para que possa se estabelecer comparações entre os pro-
jetos e sejam possíveis algumas leituras e conclusões, foram estabelecidos alguns
critérios de verificação dos projetos: a) antecedentes e problemática urbana; b)
processo de projeto e construção; c) leis e regulamentações; d) viabilidade insti-
tucional e econômica, gestão, investidores e parcerias; e) realidade atual pós-uso;
f) balanço.
Em uma aproximação preliminar, é possível dizer que os três projetos selecio-
nados reconectaram as áreas de intervenção aos tecidos urbanos circundantes e
promoveram o desenvolvimento local com inclusão social: onde o espaço público
é trabalhado de maneira central, preservam o patrimônio histórico e oferecem
novas maneiras de trabalho e renda, em diferentes escalas de atuação.
É possível também adiantar, após o estudo sistemático de exemplos implan-
tados em três países diferentes, que, do ponto de vista das formas de gestão,
não existe uma única fórmula para a parceria público-privado. Ao contrário,
são múltiplas as possibilidades, sendo que algumas delas garantem benefícios
50. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São
Paulo, Vozes, 2002, p. 11.
50
mínimos para todos os protagonistas envolvidos, tendo como fim uma cidade
mais democrática.
Apesar da evidente diferença econômica, social e principalmente
territorial entre os países estudados com a realidade brasileira, estudamos estas
intervenções por acreditar que o aprendizado com as experiências felizes nos traz
subsídios para executarmos os nossos projetos urbanos de forma mais adequada
nos seus fins de benefícios coletivos, indo além das práticas de especularizacão
ao estilo anos 1980 e que influenciaram muito as formas praticadas em São Pau-
lo (ou, ao menos, as que se tentou praticar em nossa cidade).
capítulo 1
Capa:
Imagem 29 - Croqui desenvolvido por Pierre
Bonnet com o conceito detalhado do projeto de
St. Jean.
53
COBERTURA DA VIA FÉRREA EM ST-JEAN,GENEBRA, SUÍÇA (1992-2002)
A Suíça é um país pequeno população de aproximadamente 7,8 milhões de
habitantes e área de 41.285 km², dos quais cerca de dois terços são cobertos
de florestas, montanhas e lagos. Faz fronteira com a Alemanha, França, Itália,
Áustria e com o Principado de Liechtenstein. Razões históricas resultaram em um
país constituído por quatro principais regiões linguísticas e culturais: alemão,
francês, italiano e romanche. Neste sentido, os suíços não conformam uma nação
no sentido de uma identidade comum étnica ou linguística.
De uma maneira geral, pode-se dividir a Suíça em três regiões geográficas:
os Alpes, o planalto e o Jura. O planalto suíço, ocupa um terço da área do país
e aí mora cerca de dois terços da população. Nesta área estão localizadas as
maiores cidades do país. Entre elas estão seu maiores centros econômicos, suas
duas cidades globais: Zurique e Genebra. A Suíça é um dos países mais ricos do
mundo relativamente ao PIB per capita calculado em 75.835 de dólares ameri-
canos em 2011.1
Genebra é a segunda mais populosa cidade suíça com uma população de
183.287 hab. (em janeiro de 2009) e densidade populacional de 11.710 hab./
km².2
Em comparação, os bairros de São Paulo com densidade mais parecida
são o Tatuapé, com 11.180 hab./km², e a Consolação, com 15.504 hab./km²,
segundo o IBGE de 2010.3
Genebra é, ao lado de Nova York, o centro mais importante da diplomacia
e da cooperação internacional em razão da presença de inúmeras organizações
internacionais, fazendo de Genebra sede de diversos departamentos e filiais das
Nações Unidas, da Cruz Vermelha e da Unesco. A cidade é considerada um dos
mais importantes centros financeiros do mundo, estando, segundo a financeira
Global Index, em terceiro lugar na Europa, depois de Londres e Zurique. Um
exame feito pela Consultoria de Investimentos Mercear em 2009 a classifica como
a terceira cidade com maior qualidade de vida no mundo (e na Suíça, superada
1. Dados obtidos no website Wikipedia, verbete “Suíça”. Visitado em 25/10/2012.
2. Dados obtidos no website www.citypopulation.de. Visitado em 25/10/2012.
3. Dados obtidos no website da Prefeitura de São Paulo, no link www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/
subprefeituras/subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758. Visitado em 26/10/2012.
54
55
Imagem 29 - Croqui desenvolvido por Pierre
Bonnet com o conceito detalhado do projeto de
St. Jean.
56
somente por Zurique). Em 2011, foi considerada a quinta cidade mais cara para
se viver no mundo. E é considerada pela pesquisa mundial de qualidade de vida
a segunda melhor do planeta (atrás da também suíça Zurique) e subiu a uma
posição, em relação ao ranking do ano passado em função do seu sistema esco-
lar, considerado o melhor do mundo.4
A arquitetura o país tem grandes nomes, como Mario Botta, Luigi Snozzi,
Aurelio Galfetti, Bernard Tschumi, Jacques Herzog e Pierre de Meuron, e Peter
Zumthor (os dois últimos, a dupla Herzog & De Meuron e Zumthor ganharam o
Prêmio Pritzker em 2001 e 2009) e entre outros grandes e expressivos arquitetos.
Porém, sendo um país pequeno e muito limitado geograficamente por sua nature-
za, em geral apresenta uma arquitetura de baixo impacto e sem grandes projetos
urbanos ou intervenções de porte.
Neste contexto, o projeto urbano do arquiteto suíço Pierre Bonnet para o
bairro de St. Jean, em Genebra, se destaca dos demais, com seus 800 metros
de extensão. Mesmo se compararmos com São Paulo, não temos nenhum pro-
jeto urbano efetivamente implantado com esta extensão ou qualidade em nossa
cidade.5
Na Operação Urbana Faria Lima, por exemplo, foram reconstruídas
apenas as duas extremidades da avenida.
O caso de St. Jean foi escolhido por ser uma experiência que consideramos
bem sucedida por ter alcançado seus objetivos iniciais de priorizar a população
local, sem o intuito direto de promoção da cidade e de atração de investidores
através de um projeto âncora. Por ser um projeto inédito no desenvolvimento ur-
bano da cidade, seu estudo torna-se ainda mais interessante.
4. Dados obtidos no website www.mercer.com/qualityofliving. Visitado em 26/10/2012.
5. Segundo informação de Abilio Guerra, esta observação foi feita pelo arquiteto José Magalhães durante o
debate que se seguiu à apresentação de Pierre Bonnet no Fórum de Debates da 5ª Bienal Internacional de
Arquitetura de São Paulo, em 2003.
57
Antecedentes e problemática urbana
No fim dos anos 1980 foi iniciado em Genebra um programa de desenvolvi-
mento urbano dentro da própria cidade, em oposição à urbanização difusa fora
da área urbanizada ocorrida entre os anos de 1945 a 1970.
Desde os meados do século 19, o bairro de St. Jean se desenvolveu condicio-
nado pelo traçado da linha férrea e seu crescimento se deu por sucessivas oper-
ações, condicionadas pelas ideias hegemônicas nas diferentes épocas: quadras,
casas isoladas, lâminas etc.
Com o crescimento da cidade em meados dos anos 1980, a passagem de
trens se intensifica especialmente nesta região devido ao desvio do terminal da
estação do centro para o aeroporto de Genebra. Assim, a ferrovia por onde
circulam trens de carga e vagões de passageiros de alta velocidade passa a ser
causa de incômodo, tanto como geradora de um barulho inconveniente como por
se tratar de um obstáculo entre os bairros de St. Jean e Charmilles, que juntos já
somavam uma população de 5.000 habitantes.
A iniciativa para o tamponamento da ferrovia partiu da população residente
através de uma petição popular que posteriormente foi assumida pela adminis-
tração pública. Desta forma “não se trata de uma operação especulativa, pois,
devido a uma vontade popular dos habitantes, os poderes públicos instauraram
uma operação de valorização destes bairros residenciais”.6
Assim, a cobertura sobre a linha férrea tinha como objetivo diminuir os distúr-
bios sonoros oriundos da passagem dos trens e a religar dois bairros através de
um espaço público com equipamentos socioculturais.
Antes de ser determinado o projeto ou os usos específicos deste platô, foram
contratados engenheiros civis para conceber a cobertura com comprimento de
825m e uma largura de 25m, com duas pontes cruzando.7
Uma obra de arte da
engenharia que se viabilizou sobre a antiga trincheira ferroviária.
O platô construído tem diversos níveis que variam de 0,50m a 1,60m defini-
dos por critérios impositivos – gabarito do trem, altura estática dos pilares e
passagem dos fluídos para as construções – o que posteriormente influenciará
6. BONNET, Pierre. Sob o condicionamento do solo. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum
de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal,
2003, p. 41.
7. Em caso de dados conflitantes entre as bibliografias foram considerados os dados obtidos através de
entrevista com o autor do projeto.
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  • 4. Banca Examinadora Qualificação de dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apre- sentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor Dr. Abilio Guerra Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Julgamento:..................................................... Assinatura:....................................................... Professor Dra. Eunice Helena Abascal Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Julgamento:..................................................... Assinatura:....................................................... Professor Dra. Mônica Junqueira de Camargo Instituição: Universidade São Paulo. Julgamento:................................................... Assinatura:.....................................................
  • 5. Créditos Capa: (de cima para baixo) 1. Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do projeto de St. Jean. Fonte: Arquivo do arquiteto; 2. Cro- qui do projeto urbano Céramique. Fonte: Revista Óculum p.04/05; 3. Imagem pertencente do projeto vencedor de autoria de Gregotti, onde a Viale Sarca já aparece gradeada. Fonte: Arquivo Prelios. Arte da Capa: André Marques e Fernanda Critelli. Projeto Gráfico: Fernanda Critelli. Fontes: Neutra Text Book e Bold (capítulo e título); Futura Md BT Bold (sub- título); Futura Bk BT Book (corpo texto, nota de rodapé, bibliografia e lista de imagens); Neutra Text Light (legenda de imagens).
  • 6. 5 RESUMO A presente dissertação analisa três Projetos Urbanos – Céramique, na cidade de Maastricht, Holanda; St. Jean, na cidade de Genebra, Suíça; Bicocca, na ci- dade de Milão, Itália –, implantados em áreas com problemas de degradação decorrentes da obsolescência industrial e da presença de infraestrutura pesada de transporte. Neste trabalho, entende-se como Projetos Urbanos as iniciativas de recuperação urbana concentradas em trechos específicos da cidade, com a par- ticipação do poder público, da iniciativa privada e dos usuários, com o intuito de maximizar e compatibilizar os esforços e investimentos que norteiam a implemen- tação integrada de ações e projetos a curto, médio e longo prazos. As intervenções selecionadas foram examinadas não apenas em seus proje- tos urbanos e arquitetônicos, mas também em dois outros aspectos fundamentais: a) os processos de projeto e gestão, incluindo os aspectos legais e normativos, que tornaram possível sua implantação; b) a realidade atual pós-uso, consideran- do seus objetivos iniciais, verificando se eles conseguiram melhorar a qualidade não só do espaço, mas da vida dos seus habitantes.
  • 7. 6 This dissertation analyzes three Urban Projects - Céramique in the city of Maastricht, Netherlands; St. Jean, in Geneva, Switzerland; Bicocca in Milan, Italy - deployed in areas with problems of degradation resulting from industrial obso- lescence and the presence of heavy transport infrastructure. In this work, Urban Projects mean urban regeneration initiatives focused on specific parts of the city, with the participation of government, private sector and users, in order to maximize and harmonize efforts and investments that guide the implementation integrated projects and actions in the short, medium and long term. The interventions examined were selected not only for their architectural and urban projects, but also in two other aspects: a) the processes of design and man- agement, including the legal and regulatory aspects, which made possible its implementation b) the current reality post -use, considering its initial objectives, checking checking if they accurately improved not only the quality of the urban space, but the lives of its inhabitants. ABSTRACT
  • 8. SUMÁRIO RESUMO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO: AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE CONTEMPORÂNEA Áreas em processo de obsolescência e vazios urbanos Os grandes desafios: os limites e barreiras urbanas Planejamento estratégico e Projetos Urbanos CAPÍTULO 1: ST-JEAN DE GENEBRA - SUÍÇA (1992-2002) Antecedentes e problemática urbana Processo de Projeto e construção Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias Realidade atual pós-uso Balanço CAPÍTULO 2: MAASTRITCH - HOLANDA (1987-1998) Antecedentes e problemática urbana Processo de Projeto e construção Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias Realidade atual pós-uso Balanço 5 9 19 24 32 36 51 57 61 75 77 82 85 90 93 114 118 128
  • 9. CAPÍTULO 3: BICOCCA DE MILÃO - ITÁLIA (1985-2000) Antecedentes e problemática urbana Processo de Projeto e construção Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias Realidade atual pós-uso Balanço CONSIDERAÇÕES FINAIS BIBLIOGRAFIA LISTA DE IMAGENS 131 136 146 178 181 183 187 193 199
  • 10. 9 Durante os vinte anos vividos no bairro residencial do Pari, a 700 metros de uma ferrovia localizada no centro de São Paulo, senti na pele os resultados do processo de desindustrialização paulistana: abandono, instalações industriais desocupadas, ruas vazias e muitas vezes sem saída e por isso perigosas. Este bairro, ilhado entre a ferrovia, o rio Tamanduateí e o rio Tietê, tem conta- das ruas de entrada e saída e, nestes pontos, antigamente havia frequentes con- gestionamentos. Ao mesmo tempo em que esta situação garantia certa preser- vação, também carregava a sensação de isolamento, pois, apesar de muito próximos do centro, estávamos sempre “do lado de lá”. Como residente na cidade de Eindhoven na condição de aluna em intercâm- bio no período da graduação, eu conheci cidades na Holanda e em outros países europeus que, ao contrário de São Paulo, conseguiram através de projetos ur- banos enfrentar seus problemas de conexão e reinserir de formas diversas antigas áreas fabris às novas realidades e necessidades urbanas. Exemplo disso é o caso de Roterdã, onde a antiga área portuária e industrial de Kop van Zuid foi regenerada e conectada ao tecido urbano do centro da ci- dade. Para isso foi vital a construção da ponte Erasmus que permitiu a automóveis, bondes, pedestres e ciclistas passassem sobre o rio. No caso, foi essencial uma forte presença do Estado na elaboração do projeto e no processo e gestão. Aguçada a curiosidade, conclui minha formação universitária com a pesquisa que tinha como tema a revitalização de entornos ferroviários urbanos, que causou grandes discussões durante a banca final sobre o viver ou trabalhar ao lado da estrada de ferro. Hoje, olhando retrospectivamente, entendo que esta vivência pessoal – no meu bairro, durante a infância e adolescência; no exterior, como jovem estudante – me motivou, como estudante de arquitetura e como arquiteta-urbanista, a bus- car no planejamento urbano as respostas para as questões dos vazios industriais e das barreiras urbanas, tanto no entendimento do que está em jogo no âmbito social, como nas respostas projetuais que a contemporaneidade tem dado em situações análogas. APRESENTAÇÃO
  • 11. 10 No mestrado me deparei com a possibilidade de me aprofundar no tema dos Projetos Urbanos, inicialmente motivada pela busca das razões dos fracassos no seu processo de implantação em São Paulo. A pesquisa mostrou-se complexa, difícil e, em alguma medida estéril, pois é muito difícil entender uma não implan- tação devido o número enorme de variáveis, que se estende desde o processo falho no âmbito público até a ação da iniciativa privada, em geral voltada para a produção de territórios que não passam de meros empreendimentos imobiliários. Assim, fui buscar repostas em projetos efetivamente implantados. A existência de projetos urbanos emblemáticos me levou à Europa ocidental, região que abrigou importantes projetos urbanos desde o início de sua concei- tuação e experimentação. O critério principal da minha seleção de projetos a estudar era a efetiva melhoria da qualidade não só do espaço, mas da vida dos seus habitantes. Projetos que, no mesmo processo, conseguiram em alguma me- dida conter o processo de gentrificação e melhorar a qualidade socioambiental. A ideia seria entender como foi o processo e a gestão que tornou possível a im- plantação dos projetos e qual seria a realidade hoje nestes locais, dez, vinte ou trinta anos depois de implantados. Acredito que seja possível e necessário refletir sobre o que aconteceu depois que os responsáveis pelos famosos projetos ur- banos foram para suas casas. É claro que o primeiro país a ser escrutinado tinha que ser a Holanda, onde aprendi durante o período de intercâmbio como a coletividade cultua a civilidade, a cidadania, o controle estético da cidade e demais aspectos ligados ao interesse social. Não me seria possível falar destes valores sem começar por este país. A escolha inicial da intervenção em Maastricht – o projeto Céramique, coordenado pelo arquiteto Jo Coenen – cumpre esta demanda pessoal, com o benefício de ser uma intervenção de porte considerável, tanto para o padrão holandês, como para o brasileiro. Inspirada por uma das apresentações do Fórum de Debates da 5ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, escolhi o projeto de Pierre Bonnet para o bairro de St. Jean, em Genebra, onde uma cobertura sobre uma linha férrea reconectou dois bairros. A intervenção atendia a solicitação popular que, incomo- dada com o barulho do trem, solicitou ao governo uma solução. A opção neste caso foi pela criação de um parque com equipamentos e áreas de lazer voltadas para os moradores locais, sem projeto âncora ou grande divulgação. Nas muitas conversas com meu orientador sobre a escolha dos projetos, ficou clara a importância de um terceiro projeto, permitindo uma comparação entre realidades distintas, em cidades e países distintos. O eleito para fechar a série
  • 12. 11 foi a renovação urbana de Bicocca, em Milão, de autoria do arquiteto Vittorio Gregotti e um dos primeiros grandes projetos urbanos na Europa. Considerado uma referência na área, sua gestão foi conduzida pela iniciativa privada, o que seria um bom contraponto à forte gestão do Estado nos outros dois casos. Selecionados os projetos, fui me encontrar com os arquitetos responsáveis: o holandês Jo Coenen, o suíço Pierre Bonnet e o italiano Vittorio Gregotti. E posso adiantar que foi uma canseira, mas valeu a pena! Foram demoradas conver- sações com os staffs dos escritórios ao longo de mais de seis meses: após vai e vem de e-mails, telefonemas, insistência e muita paciência, consegui estabelecer um contato frutífero com todos os escritórios, de alguns obtendo entrevistas por escrito, e de todos a promessa que os titulares me receberiam pessoalmente em seus escritórios. E foi assim que viabilizei a viagem que enriqueceria minha pesquisa. E segui para a Europa em pleno mês de abril, uma vez que os próprios arquitetos me sugeriram que não fosse durante o inverno rigoroso, estação que não favoreceria seus projetos. E, realmente, a primavera melhora tudo! Após diversos ajustes e algumas ligações para acertar o horário, a primeira entrevista aconteceu em uma manhã chuvosa na cidade de Maastricht. Em um animado mas barulhento café no coração de Céramique me encontrei com o arquiteto Jo Coenen. Teríamos disponível o tempo contado entre sua chegada de Amsterdam e a ida ao dentista. E depois não poderíamos nos encontrar, pois ele estava ansioso com a tão esperada inauguração do Museu Rijksmuseum, que de- pois de dez anos fechado abriria suas portas com um novo anexo, de sua autoria. Mesmo assim, sua simpatia pessoal e paciência de docente experiente me deliciaram com explicações sobre o conceito do projeto e a cultura da cidade, seguidos pelas tão esperadas respostas às perguntas que me intrigavam e que me permitiram preencher algumas lacunas. A conversa seguiu enquanto cruzá- vamos a área de intervenção, com Coenen empurrando sua bicicleta até che- garmos ao escritório, situado em Céramique. Coenen se despediu e partiu, me deixando aos cuidados de uma solícita engenheira espanhola, que me mostrou o escritório-sede, que conta com filiais em diferentes cidades holandesas além de Alemanha, Suíça e Itália. Localizado em edifício de uso misto, o escritório ocupa boa parte do térreo que, com dois níveis, tem vista para uma das verdes praças triangulares. Fiquei sabendo que, após a crise ainda em voga na Europa, Coenen estava agora dividindo seu espaço com um pequeno escritório de um amigo.
  • 13. 12 EntrevistacomJoCoenennocaféCoffeLovers,emCéramique Depois de uma inundação de novos conhecimentos e inspirada nas histórias de Jo Coenen, passei mais um dia no antigo centro histórico de Maastricht para conferir pessoalmente tudo que ele me explicou, em especial o valor simbólico das três tradicionais praças da cidade, a dinâmica da cidade antiga e os trechos preservados dos antigos muros medievais. Pude atravessar o rio Maas pela ponte antiga e pela nova, parte do projeto urbano de Coenen, passear pelas praças de chegada e saída e conhecer o parque Stadspark – antigo e tradicional parque da cidade voltado para o rio, ao lado do centro histórico – usado como inspiração para Coenen desenhar o Parque Charles Eyk, em Céramique. Em outro dos dias de andança pela área, uma feliz coincidência me per- mitiu ver a finalização de montagem de uma exposição na biblioteca do Centre Céramique. A mostra era sobre a antiga fábrica e os utensílios que fabricava; assim pude ver as mais diferentes peças cerâmicas, de louças sanitárias a louças pintadas à mão. Com a guia, eu descobri uma série de curiosidade de sua história – por exemplo, o trabalho infantil em túneis subterrâneos durante a época onde a tubulação de gás da cidade era feita de cerâmica produzida pela fábrica. Da Holanda segui para Genebra, Suíça, onde tinha uma reunião – com horário confirmado há mais de um mês – com Pierre Bonnet. Após uma caminha- da de quase 30 minutos por um bairro arborizado, me encontrei com o arquiteto em seu escritório. Como, segundo ele, seu inglês não era muito bom, contamos com a ajuda de seu assistente, também suíço, mas que falava um português in- crivelmente bom, melhor que a maioria dos brasileiros, e que nos ajudou com as perguntas em português e as respostas em francês. Com croquis e muita empatia a entrevista transcorreu tranquilamente no calmo escritório, que ocupa o térreo de um pequeno edifício comercial. Lá estão expostas maquetes e pranchas de vários outros projetos, que me foram cuidadosamente explicados em português sob o acompanhamento de Bonnet. Um dos projetos expostos - e que o arquiteto me sugeriu visitar após St. Jean – era uma de suas obras em fase de acabamento: um conjunto habitacional de interesse social subsidiado pelo governo, com singe- los apartamentos a partir de 80 m², que seriam entregues com áreas molhadas prontas, piso de madeiras nas demais áreas e paredes e caixilhos com proteção térmica e acústica. Simples na forma e muito bem projetados.
  • 14. 13 Imagem 1 - Entrevista com Jo Coenen em Céramique. Em caminhada pela área, cafeteria Coffe Lovers e livro autografado. Fotos da autora em abril de 2013.
  • 15. 14 Entrevista com Pierre Bonnet em seu escritório de Genebra Apesar de ter prometido me acompanhar na visita a St. Jean, isso não foi possível devido a uma queda de bicicleta sofrida por Bonnet na semana anterior. Sébastian – o solícito assistente-tradutor do arquiteto e que, coincidentemente, morava com a família a apenas um quarteirão de nossa área de estudo – foi meu guia e com ele pude tirar todas as dúvidas sobre a vizinhança, o uso dos espaços, a freqüência das pessoas e as alterações que ocorreram após a implantação, sempre guardadas as devidas diferenças culturais entre a Suíça e o Brasil, claro. Sempre de olho nos e-mails, foi apenas em Genebra que eu consegui – de- pois de mais algumas solicitações e muita perseverança – confirmar a visita ao escritório Gregotti Associati. E lá fui eu rumo a Milão de trem, seguindo um lindo caminho contornando o lago suíço Léman, rumo à fronteira italiana. O escritório – muito bem localizado no centro de Milão e extremamente si- lencioso – tinha suas paredes repletas de projetos e fotos de obras realizadas, em especial de Bicocca. Aparentemente, nada era muito novo. Com seus 86 anos, a conversa com Vittorio Gregotti foi bastante curiosa. Primeiro porque, mesmo após meses de e-mails com sua equipe, ele não sabia o motivo da minha visita. Depois de optarmos pelo inglês, após as cinco opções de línguas que ele me ofereceu para guiar a entrevista, o diálogo que começou atribulado foi se soltando aos pouco, surgindo respostas surpreendentes, em especial nas questões acerca do patrimônio histórico. Assim, logo após o primeiro ou segundo olhar direcionado por ele ao seu próprio relógio de pulso, concluí a entrevista muito agradecida por sua atenção e tempo.
  • 16. 15 Imagem 2 - Entrevista com Pierre Bonnet em seu escritório de Genebra. Fotos da autora em abril de 2013.
  • 17. 16 Entrevista com Gregotti, em seu escritório de Milão Após entrevistar Gregotti, parti para uma reunião em Bicocca, mais especifi- camente na empresa Prelios Property & Project Management S.p.A., incorpora- dora e gestora atual da área, antiga Pirelli Real State. Em uma sala de reunião para vinte pessoas, três executivos esperavam pela minha chegada: Livia Piperno, Head of Urban Planning and Building Permits, Michele Lodigiani e Paolo Micucci, ambos Sales Manager, como consta nos cartões de visita. A reunião transcorreu animada e cheia de dúvidas de ambos os lados, minhas e deles. Pude entender o outro lado da moeda: questões sobre investimentos, ven- das, uso e ocupação do solo, implantação de linhas de transportes entre outros. Após a reunião, fui guiada em visita pela área pelos dois gerentes de vendas. Um longo dia percorrendo os quase 1.000.000 m² de Bicocca! Durante o passeio, em conversa mais informal, pude trocar ideias sobre o funcionamento do local, as sensações da população moradora e até de quem vai lá somente a trabalho, além da visão bastante crítica que os próprios italianos têm em relação à Bicocca. No retorno ao Brasil, conferindo o material coletado – fotos, desenhos, de- poimentos etc. – e me recordando das conversas e visitas, constatei o quanto foi extremamente produtivo e interessante observar como as diferenças culturais produzem visões tão diferentes sobre o espaço construído. Da mesma forma, me dei conta de como as diferentes visões de mundo e o jeito de ser de cada um dos arquitetos se refletem claramente em seus projetos. Consequentemente, comecei a entender como antigas instalações fabris como Céramique e Bicocca podem se traduzir em projetos urbanos tão diferentes. Para a análise destes projetos, foi essencial o suporte fornecido pelas estimulantes disciplinas cursadas no mestrado, onde gostaria de destacar Pro- jetos urbanos e desenvolvimento local, dirigida pelas professoras Angélica Alvim e Gilda Bruna que trouxe base para entender muitas das questões urbanas e sua gestão, Tópicos especiais em arquitetura e urbanismo com a professora Eu- nice Abascal que nos trouxe material para reflexões sobre projetos urbanos da atualidade dentro e fora do Brasil, Mutações urbanas do professor Carlos Leite de Souza onde tivemos grandes conversas em busca de uma cidade mais inteligente e democrática com novos enfoques à questão do meio urbano. E por último, mas não menos importante, O edifício e a cidade: produção, planejamento e projeto, coordenada pelos professores Abílio Guerra e Nádia Somekh, onde sua vasta ex- periência nos introduziu ao mundo de David Harvey e nos proporcionou uma rica
  • 18. 17 Imagem 3 - Entrevista com Gregotti, em seu escritório de Milão. Fotos da autora em abril de 2013.
  • 19. 18 troca de experiências entre professores e colegas. Aos mesmos, agradeço pelas rápidas conversas e pelo material essencial disponibilizado. Também agradeço os comentários dos companheiros do grupo de pesqui- sa e, em especial, da professora Nádia Somekh, com intervenções precisas e sugestões fornecidas naquela oportunidade, que enriqueceram minha formação profissional e cultural. O processo de qualificação tornou-se de grande importância na medida em que as críticas construtivas somadas às apuradas observações da banca examina- dora intermediária, formada pelas professoras Eunice Helena Abascal e Mônica Junqueira de Camargo, nortearam-me no desenvolvimento de um trabalho mais focado e preciso. Permito-me neste momento agradecer ao orientador desta dissertação pelas enriquecedoras e preciosas horas de conversa – encaixadas em sua pequena e recheada agenda – que tanto me fizeram refletir, questionar e buscar respostas, tornando-me cada dia mais apaixonada pelo meu tema. Ao meu guia nesta em- preitada, os mais entusiásticos votos de agradecimento pelo apoio, admiração e apreço. Assim se desenvolveu esta dissertação, em um processo árduo mas praze- roso, fruto de uma experiência com dados coletados direto nas fontes e cheias de informações de processos de projeto e gestão, de participação dos diversos agentes na construção do território, com diferentes graus de sucesso. Experiência à qual se somaram impressões pessoais que só uma visita ao local pode trazer, as interlocuções com professores e colegas da pós-graduação e a precisa interferên- cia dos professores convidados para minha banca de qualificação.
  • 21.
  • 22. 21 AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE CONTEMPORÂNEA A crise de 1973 seguida pela reestruturação do capitalismo põe fim ao pro- cesso fordista, as estratégias desenvolvimentistas e ao Estado Keynesiano, que agia fortemente ao lado da política do bem-estar social. Neste momento, per- cebe-se a baixa do consumo, a queda da produtividade e o aumento da inter- nacionalização do capital produtivo através das multinacionais. Este processo, chamado genericamente de globalização, se materializa também com a flexi- bilização do mercado de trabalho ligado às altas taxas de desemprego geradas pela desindustrialização e à reestruturação política promovida pelo monetarismo e pelo neoliberalismo econômico. Tal reestruturação do sistema capitalista é chamada por David Harvey como acumulação flexível do capital, que em oposição à rigidez do fordismo, se apoiaria na “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos pro- dutos e padrões de consumo” e “caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços finan- ceiros, novos mercado e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”.1 Este processo fundamentalmente econômico e social se reflete também nas estruturas urbanas de algumas cidades, que sofrem profundas mudanças. Com a chamada globalização assiste-se a uma progressiva abertura comercial e finan- ceira das economias nacionais, a intensificação dos fluxos de capitais e a reestru- turação dos processos produtivos. A onda de inovações tecnológicas, o aumento do custo da terra urbana e dos impostos implicam na realocação espacial de inúmeros setores industriais para a periferia – ou até mesmo para fora da cidade, para outros Estados ou para outros países, antigamente denominados de terceiro mundo e onde os custos gerais são mais baixos –, com consequente agravamen- to dos desequilíbrios urbanos. Apesar de geral, este processo se desenvolveu de forma específica em cada cidade. 1. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola, 1992, p. 121.
  • 23. 22 Com a desindustrialização nas grandes metrópoles do mundo inteiro, constata-se um processo de obsolescência de plantas industriais e de sistemas de infraestrutura; o conseqüente abandono destas áreas origina os vazios urbanos, processo econômico e urbano que se inicia nos centros mais desenvolvidos – em especial, nas grandes cidades industriais dos Estados Unidos, Canadá e Europa ocidental – e depois vai se espalhando pelos países periféricos, com uma de- calagem temporal de décadas em alguns casos. Estas grandes áreas obsoletas, resultantes dos processos de mudanças social e econômica das últimas décadas, não eram apenas antigas zonas industriais, mas também áreas ferroviárias e portuárias. Nos portos, a alteração do sistema de transporte e armazenamento com o advento do contêiner vai transformar todos os portos do globo em obsoletos; a implantação de plataformas e gruas para deslocar os contêineres transforma cada antigo galpão em um estorvo. No caso das ferrovias não temos uma uniformidade tão grande no processo, sendo particular em cada região. Na Europa, por exemplo, ela nasceu para car- regar passageiros enquanto no Brasil ela foi criada para o transporte de carga, o que consequentemente acarreta orlas com ocupações diferentes. Estradas de ferro destinadas a transportar cargas possuem em seu entorno mais galpões de armazenamento, assemelhando-se às áreas portuárias. Neste processo internacional, a produção do espaço passa a ser um ele- mento estratégico para a acumulação do capital, processo que se iniciou com a mercantilização da terra, passa pelo seu parcelamento, pela verticalização e, no período contemporâneo, pela financeirização dos ativos imobiliários, em con- sonância com a própria financeirização da economia capitalista contemporânea, quase uma dependência do capitalismo em relação à produção e ao consumo do espaço. Segundo Henri Lefebvre, “O capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento na conquista do espaço, em termos triviais na especulação imobiliária, nas grandes obras (dentro e fora das cidades), na compra e venda do espaço. E isso à escala mundial. [...] A estratégia vai mais longe que a simples venda, pedaço por pedaço, do espaço. Ela não só faz o espaço entrar na produção Imagem 4 - Ruína industriais em Montreal, Canadá.
  • 24. 23 da mais-valia, ela visa uma reorganização completa da produção subordinada aos centros de informação e decisão”.2 O meio urbano torna-se assim o espaço chave para determinadas inter- venções, somada a necessidade de reconstruir trechos urbanos dilacerados: ora devastados por ataques entre nações (como no caso das cidades destruídas na durante a II Guerra), ora destruídos por desastres naturais, ora gerados pelo mencionado processo de obsolescência. As áreas destes últimos não são degra- dadas só urbanisticamente, mas também social e ambientalmente – como são os casos de zonas portuárias e ferroviárias (em processo descrito acima) e de áreas que passam por mecanismos de modernização da infraestrutura de transporte. Nos Estados Unidos também aparecem processos de renovação devido ao seu crescimento econômico e populacional, uma vez que começaram a surgir e a se desenvolver novas áreas no subúrbio das cidades, com conseqüente processo de descentralização, como aconteceu em cidades como Boston, Baltimore e São Francisco. Estes processos de mudança possibilitaram o aumento da acessibilidade a novas regiões e a exploração de espaços urbanos disponíveis a serem encarados como áreas de oportunidades e que, em geral, geram problemas de conexão, criando barreiras à circulação que, quando esvaziadas do uso original, acarre- tam grandes vazios urbanos impactantes para a cidade. Sendo encarada, a partir deste momento, como áreas propícias a urbanização nas grandes metrópoles mundiais. 2. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, UFMG, 1999, p. 142.
  • 25. 24 Áreas em processo de obsolescência e vazios urbanos Além dos aspectos socioeconômicos discutidos acima, a cidade, enquanto objeto urbanístico, pode ser compreendida também por sua morfologia urbana. A morfologia aqui tratada é entendida como instrumento de análise para estudar a forma do espaço urbano, o modo como passado e presente se fundem em de- terminado momento, revelando as possibilidades e os limites do uso do espaço por seus habitantes, conforme nos ensina Aldo Rossi.3 Irena Fialová, por sua vez, afirma que devemos entender o lugar, sua espe- cificidade cultural e as causas pelas quais determinadas zonas se convertem em terrains vagues, visto serem sempre consequência de sua história, memória e identidade que guarda uma relação com o passado.4 No âmbito internacional, o debate sobre os espaços vazios na cidade tem como referência o Congresso da União Internacional de Arquitetos, realizado em Barcelona, 1996, intitulado Presente y futuros: arquitectura em las ciudades. Acon- tecimento importante, que objetivou analisar a realidade urbana contemporânea e sua relação com a cultura arquitetônica, na justificativa de as cidades estarem constituídas por práticas fragmentadas, carentes de reflexão e de processo críti- co.5 Nesse congresso utilizou-se a expressão francesa terrain vague, como uma das cinco categorias fundamentais para abordar traços da nova realidade urba- na, ao lado dos conceitos mutações, fluxos, habitações e contenedores. Nos anais do congresso, Joan Busquets destaca a importância dos vazios para a análise da situação, para os projetos urbanísticos e para a gestão urba- na contemporâneos. O autor comenta ainda o grande número de projetos em grande escala, de propostas de infill, de reciclagem e reabilitação destes espaços interseccionais.6 3. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995. 4. FIALOVÁ, Irena. Terrain Vague: Um caso de memória. Presente y futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona: Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996. 5. SOLÀ-MORALES RUBIÓ, Ignasi de. La arquitectura en las ciudades. Presente y futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona: Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, p.10-23. 6. BUSQUETS, Joan. Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. Presente y Futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona. Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996. Imagem 5 - Degradação do bairro industrial do Raval em Barcelona, Espanha.
  • 26. 25 Em sua tese de doutorado, Carlos Leite de Souza, ao comentar as característi- cas atuais e as possibilidades dos vazios urbanos na cidade de São Paulo, ele as descreve como sendo uma “Área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil apreensão na percepção coletiva dos cidadãos, normalmente constituindo uma ruptura no tecido urbano. Fratura urbana. Mas também área disponível, cheia de expectativas, com forte memória urbana, a memória de seu uso anterior parece maior que a presença atual, potencialmente única, o espaço do possível, do futuro. A possibilidade do novo território metropolitano”.7 Os vazios urbanos são, dentro desta perspectiva operativa, caracterizados como espaços remanescentes, áreas ociosas, como oportunidades. Os terrain vague de Solá-Morales podem ser estruturadores do espaço urbano em forma de massa construída (como os edifícios) ou como um simples vazio de qualidade (praças, parques, quadras, espaços públicos ou as áreas de respiro), funcionan- do como um complemento dos espaços cheios, tendo um equilíbrio destas duas condições e criando assim o desenho da cidade. Podem até se caracterizar como espaços livres para receber atividades efêmeras ou temporárias como feiras, eventos, encontros, entre outros, atendendo à flexibilidade temporal necessária e trazendo para o território um valor não apenas como localização estratégica na cidade, mas sim dos fatos ocorridos ali. Um espaço aberto e público que por si só é um potencializador da vida em cidadania. Nos vazios de qualidade – como as grandes piazzas italianas, os bule- vares parisienses ou squares londrinenses –, as áreas de respiro parecem essen- ciais. Ainda que façam parte de contextos diferentes, esses vazios configuram a malha urbana e agregam a população com seus usos diferenciados. O equilíbrio na ocupação entre os espaços cheios, os vazios qualitativos e os territórios de usos temporários acabam por evidenciar o espaço construído de forma significativa- mente coerente – pela repetição, densidade, percepção de escalas e proporções. São relações talvez indissociáveis. 7. SOUZA, Carlos Leite de. Fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas territorialidades metropolitanas: a orla ferroviária paulistana. Tese de doutorado. Orientador Gian Carlo Gasperini. São Paulo, FAU USP, 2002, p. 10.
  • 27. 26 Assim, dentro desta perspectiva os antigos territórios em desuso terão que ser pensados como um ponto de partida para a resolução dos problemas, em especial os que dizem respeito à requalificação e revitalização de cada cidade. A ação não pode ser baseada na especulação imobiliária e econômica, mas sim em uma visão sustentável da urbe. Talvez o caso mais insólito da presença de vazios urbanos seja a cidade de Berlim com seus terrain vague que emergiram após a queda do muro, após a reunificação das duas Alemanhas em 1987. Ali ocorreu uma profusão de grandes projetos e de processos de intervenção e de ocupação desses vazios. No entanto, dentre vários exemplos na Europa, na Ásia e nas Américas, a cidade de Barcelona costuma ser tomada como o exemplo pre- cursor e paradigmático da boa intervenção. Tomando como base as proposições de Joan Busquets, podemos identificar três principais áreas que passaram por processo de transformação e que geraram projetos urbanos com esboços similares dentro de cada bloco temático: a. As orlas ferroviárias e os antigos complexos desindustrializados; b. A transformação das antigas orlas portuárias; c. As estações ferroviárias e seus espaços de serviços.8 As Orlas Ferroviárias e os Antigos Complexos Desindustrializados A partir da década de 1950 as orlas ferroviárias urbanas no mundo inteiro têm entrado – algumas mais, outras menos – em decadência. Paralelamente à desindustrialização iniciou-se a desativação de pátios ferroviários centrais, ramais industriais e estações de cargas nas regiões centrais de muitas metrópoles. Em geral as cidades europeias, sendo mais concentradas e próximas, têm condições favoráveis para exploração de transporte de passageiros sobre trilhos. Mas, nesses casos, os equipamentos de manutenção, oficinas e pátios de mano- bra centrais têm sido sistematicamente transferidos para áreas periféricas, devido ao alto custo e potencial desses locais centrais. Este processo de desindustrialização deixou para trás espaços vazios ociosos e degradados não só urbanisticamente como também social e ambientalmente. Tal processo de esvaziamento das zonas industriais se acentuou no hemisfério norte a partir dos anos 1970, verificando-se os casos mais agudos, em cidades industriais emblemáticas, Detroit, Pittsburgh, Lille e Bilbao (até a década de 1970 era considerada a região mais industrializada da Espanha9 e chamada de “ci- 8. BUSQUETS, Joan. Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. Presente y Futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de La unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona. Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996. 9. Dados obtidos em: www.pt.wikipedia.org/wiki/Bilbau.
  • 28. 27 dade do ferro” devido às indústrias metalúrgicas). Além de centros de produção como o Lingotto, da Fiat, em Turim, o Boulogne-Billancourt, da Renault, em Paris ou a La Bicocca, da Pirelli, em Milão, são paradigmas de um processo mais geral, a recuperação destes enclaves em suas respectivas cidades significa su- perar a queda da obsolescência, porém também a possibilidade de recuperação da base econômica da cidade e de sua população. Mesmo com a desativação de áreas da orla, muitas vezes a linha férrea continua funcionando e sendo o eixo de transporte. Ou seja, ocorre apenas uma perda parcial da função anterior, que pode aproveitar, ou não, a infraestrutura pesada e as edificações locais, típicos da ferrovia. Em paralelo, na década de 1970 observa-se também o incremento do transporte ferroviário de passageiros na Europa Ocidental devido ao cresci- mento populacional das cidades e da necessidade de transporte de massa. À necessária modernização das vias e da sinalização segue-se a implantação do trem de alta velocidade, inicialmente na França, depois na Espanha, espalhan- do-se depois para outras capitais.10 A própria instalação do TGV (Train à Grande Vitesse), primeiro trem rápido europeu, acarretou áreas de obsolescência devido à alteração do modal – para que o trem atinja alta velocidade, a via precisa atender necessidades específicas, como a baixa inclinação e curvas de raio muito grande, por exemplo. Segundo Orlando Nunes, somente a América Latina ain- da não se utiliza deste tipo de transporte.11 Ou seja, apesar da ociosidade das antigas orlas ferroviárias advinda da desindustrialização, assiste-se na Europa a investimentos maciços no sistema de transporte de passageiros. No caso do Brasil desde a década de 1950 este sistema foi preterido em relação ao transporte rodoviário, deixando de receber investimentos públicos e privados. Sem a devida modernização e manutenção, teve muito de suas linhas desativadas e sucateadas. A Transformação das Antigas Orlas Portuárias A partir dos anos 1970, graças ao estágio globalizado da economia mundial, as áreas portuárias tornam-se obsoletas, em especial pelas novas tecnologias de transporte marítimo e armazenamento – a conteinerização –, realidade vivencia- da por todas as cidades portuárias do globo terrestre. 10. Dados encontrados em: www.portogente.com.br/portopedia/Transporte_Ferroviario. 11. NUNES, Orlando Augusto. Transporte ferroviário. Disponível em: <www.artigos.netsaber.com.br/ resumo_artigo_1761/artigo_sobre_transporte_ferroviario>. Página anterior: Imagem 6 - Ruínas industriais na Barra Funda, São Paulo. Imagem 7 - Planta industrial abandonada na divisa de São Paulo e São Caetano do Sul.
  • 29. 28 As antigas áreas portuárias surgiam então como uma grande oportunidade de ocupar uma área bem localizada, em geral próxima ao centro da cidade, expandir a urbanidade e a economia, além da oportunidade de retomar o water- front. Através de planos de renovação urbana, buscava-se restaurar a relação do centro com a água e estabelecer uma nova centralidade urbana. As cidades que primeiro iniciaram os processos de recuperação serviram de exemplo para as demais que se seguiam, demonstrando que a globalização se dava também na forma do pensamento urbanístico contemporâneo. Baltimore e Boston foram as primeiras cidades a desenvolver planos para recuperação destas áreas ainda na década de 1970 e em Nova York toda a costa marítima nas duas margens do rio Hudson passou por renovações urbanas. Inspirado nas experiên- cias norte-americanas, em 1985 foi elaborado o plano urbano para o porto de Roterdã, o pioneiro deste tipo na Europa na Europa.12 Kop van Zuid, em relação ao centro, do outro lado do Rio Maas, sendo o lado menos desenvolvido do rio. Por isso o projeto previa a ampliação do centro na direção sul ultrapassando o rio e criando ali um anova centralidade, além de restabelecer uma relação mais harmônica entre o centro da cidade e o rio Maas. Em seu processo de transformação, as antigas áreas portuárias passaram por reconversões de suas atividades com a implantação de novos usos urbanos e atividades do terciário – empreendimentos residenciais e corporativos, atividades culturais, comerciais etc. A integração de equipamentos de alto nível que visam reforçar a nova centralidade é um forte argumento nestas operações, pois não se trata apenas de integrar a respectiva quota de equipamentos de nível municipal, mas também de integrar equipamentos estratégicos na escala do município ou até da cidade ou região.13 Com o incremento de uma grande circulação de pessoas nestas áreas pode surgir problemas de acesso, como aconteceu nas Docklands de Londres e em Barcelona. Na opinião de Riek Bakker, paisagista que coordenou a requalificação portuária de Kop van Zuid em Roterdã, o projeto não teria sido tão bem-sucedido sem a construção da ponte Erasmus, que facilitou o acesso de pedestres, diminu- indo muito o percurso até a nova área urbanizada. 12. BAKKER, Riek. Kop van Zuid. O desenvolvimento de uma área portuária degradada. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 54-59. 13. COELHO, Carlos Francisco Lucas Dias; COSTA, João Pedro Teixeira de Abreu. A renovação urbana de frentes de água: infraestrutura, espaço público e estratégia de cidade como dimensões urbanísticas de um território pós-industrial. Artitexto. Lisboa, CEFA/CIAUD, n. 2, set. 2006, p. 37-60. Imagem 8 - Porto Madero antes da reciclagem de uso, Buenos Aires.
  • 30. 29 A gestão das áreas portuárias também pode influenciar as suas transfor- mações. O modelo centralizador é mais comum na Europa, caso das distintas administrações nas Docklands de Londres, coordenada pela empresa pública London Docklands Development Corporation – LDDC, e da intervenção em Kop van Zuid de Roterdã, com forte presença do governo. A intervenção mais frag- mentada é mais comum nos Estados Unidos, onde há uma forte tendência de utilização intensiva do “velho porto” como espaços de festivais, mercados, mari- nas e restaurantes, como acontecem em cidades como Baltimore, Seattle, Boston, Manhattan e São Francisco.14 As Estações Ferroviárias e seus Espaços de Serviços Existe ainda outro espaço de oportunidade a ser comentado: as áreas fer- roviárias internas às cidades, onde a estação deixa de ser o espaço apenas de chegada/saída e se converte em ponto de intercâmbio entre modos de transporte de âmbito e escalas diferentes. Nestes locais, desenvolve-se uma nova central- idade, como é o caso de Berlim. Após a queda do muro a cidade passou por uma fase de grande desenvolvimento urbano. O intuito era não só reunificar a capital alemã, mas reconstruir a cidade e sua imagem: concebeu-se um plano para que as fraturas do tecido urbano cicatrizassem rapidamente. Esta recon- strução fazia parte de um projeto muito ambicioso para transformar a cidade em um nó de transportes entre Europa ocidental e oriental e reconstruir a imagem da cidade, agora associada a um centro cultural e de negócios europeu. Além da recuperação do tecido urbano existente, também previa ocupação das áreas industriais abandonadas e orlas ferroviárias. Dentro deste espírito, Berlim pro- gramou três grandes projetos urbanos de intervenção em torno da linha férrea, na área de Gleisdreieck, Ostbahnhof e Lehrter Stadtkwartier, além de vários out- ros projetos menores.15 Em 2004 a companhia alemã de transportes Deutsche Bahn (DB), já registrava mais de 20 milhões m² de área de requalificação imobiliárias em orlas ferroviárias. Um exemplo já realizado é o Karlsruhe City Park, com uma área de 330.000 m².16 Entre os projetos há grande diversidade de morfologia, arquitetu- ra, uso do solo, futuro uso da ferrovia no local, questões de patrimônio e partici- 14. VAZ, Lilian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos. Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7, jul./dez. 1999, p. 51-66. 15. NEFS, Merten. Re-qualificação de orlas ferroviárias – o caso de Berlim, 2004. Disponível em: <www.fec. unicamp.br/~parc/vol1/n1/parc01nefs.pdf>. 16. Idem, ibidem.
  • 31. 30 pação da comunidade nos planos. Na Europa, no inicio dos anos 1990, houve uma valorização do transporte sobre trilhos, em especial dos trens interregionais de grande velocidade, como meio alternativo de mobilidade nos grandes centros. Berlim, por exemplo, é hoje o centro para conexões ferroviárias com todas as partes da Alemanha e Europa Central. O resultado foi a valorização das terras em voltas das estações e do reconhecimento do potencial imobiliário para a instalação de comércio, escritórios e residências. Além do potencial construtivo, também os valores cultural, histórico, arquitetônico e ambiental estão sendo reconhecidos internacionalmente. Algumas estações pelo mundo já foram transformadas também em pontos turísticos e rece- beram museus importantes, como o Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz em São Paulo (que ainda funciona também como estação), o Museu D’Orsay na gare de mesmo nome em Paris, e o Museum für Gegenwart (Museu de Arte Contemporânea) na Hamburger Bahnhof (Estação de Trem Hamburguer) de Ber- lim. Em alguns casos, como em Paris e Londres, as transformações nas estações vão além de se converterem em ponto de intercâmbio entre modos de transporte de âmbito e escalas diferentes; nelas desenvolve-se uma nova centralidade que tende a ser aproveitada pela criação de serviços e escritórios nos terrenos baldios liberados pelo antigo uso ferroviário. Trata-se de uma reestruturação funcional e as estações tornam-se novos objetos urbanos com a valorização dos novos espaços centrais. Dos muitos projetos que foram executados e que se tornaram novas centralidades adotando zonas de usos mistos – residenciais, comerciais, culturais e de lazer –, parques em geral, parques tecnológicos, parques temáticos, áreas de exposições e de eventos, entre outros, podem ser destacados como bem sucedidos os exemplos de Paris, em especial La Villette e Rive Gauche.17 As linhas férreas têm suas próprias peculiaridades. Em muitos dos projetos urbanos os trilhos continuam funcionando como barreiras urbanas (assim como era o Rio Maas para Roterdã), dividindo o território e dificultando a integração dos lados no tecido urbano existente, como é o caso também do centro de Berlim. Dificulta, mas não impede. Na capital da Alemanha estas áreas centrais são, em geral, bem valorizadas por serem ocupadas com uso misto e garantirem, graças à ferrovia, fácil acesso a todas as regiões da cidade. A decisão da cidade em in- 17. VAZ, Lilian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos. Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7, jul./dez. 1999, p. 51-66.
  • 32. 31 vestir nestas áreas e transformá-las em espaços planejados e de qualidade para a população residente foi essencial para a viabilidade e o sucesso da requalificação da orla berlinense. Este fato prova que a cidade pode melhorar sem a necessidade de investimentos maciços focados na retirada ou enterramento da linha férrea. Página anterior: Imagens 9 e 10 - Museu D’Orsay, Paris. Imagens 11 e 12 - Museum für Gegenwart, Berlim.
  • 33. 32 Os Grandes Desafios: Os Limites e Barreiras Urbanas Assim como os vazios urbanos, as barreiras são resultados das transfor- mações das cidades. Originalmente elas determinam o sentido de expansão do espaço urbano, forçam contornos, fluxos e direção além de influenciar ações dos conflitos de classes que vão à busca das vantagens e desvantagens do espaço urbano. Estas barreiras podem ser entendidas como um bloqueador de expansão de crescimento, não podendo o tecido urbano se expandir para todos os lados. Para compreensão do significado de barreiras no desenho urbano, utiliza-se de conceitos como os empregados por Flávio Villaça,18 que analisa como as bar- reiras urbanas caracterizam o crescimento de metrópoles, e por Kevin Lynch em seu já lendário livro de 1997.19 Com o intuito de explanar sobre a imagem das cidades em geral, Lynch analisa três cidades norte-americanas – Boston, Los An- geles e Jersey City – utilizando-se dos conceitos que cria: vias, limites, bairros, pontos nodais, marcos. Para o urbanista, limites são os elementos lineares que não são usados ou entendidos com via pelo observador. São as fronteiras entre duas faces, quebras de continuidade lineares como praias, margens de rios, la- gos, cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. São referências laterais, mais que eixos coordenados. Esses limites podem ser barreiras mais ou menos penetráveis que separam uma região de outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo das quais duas regiões se relacionam e se encontram. Quando se diz que um determinado local de uma cidade é uma barreira físi- ca para seu desenvolvimento, refere-se ao arranjo espacial do crescimento, não atribuindo a causa de um crescimento desordenado ao local em específico, e sim na organização espacial que a cidade seguiu a partir da locação deste espaço (seja ele um parque, uma via, uma ferrovia ou uma área de preservação). No contexto do desenvolvimento das cidades, as barreiras apresentam em comum os aspectos relativos ao funcionamento do mercado imobiliário, por onde as classes sociais disputam as melhores localizações que são definidas por custos e tempos de deslocamentos ao centro da cidade distintos. Seguido pela atrativi- dade do sítio em si.20 18. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp, 1998. 19. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa, Edições 70, 1960. 20. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp, 1998, p. 130.
  • 34. 33 Imagem 4 - Vista aérea da Ponte Erasmus, ligando as 2 margens do rio Maas em Roterdã. No caso de São Paulo, por exemplo, a barreira vale-rio-ferrovia que a define, tendo o centro da cidade como referência: o lado de lá (oposto ao centro) e o lado de cá (onde está o centro), divide o espaço urbano em duas partes distintas, que tem diferenciados custos e tempos de deslocamento ao centro, uma vez que restringem os fluxos de transporte apenas aos trajetos que se utilizam dos pontos de transposição da barreira. Define-se então, um lado do espaço urbano mais vantajoso que o outro, do ponto de vista da acessibilidade ao centro. Por essa razão, as áreas além das barreiras são rejeitadas pela classe de mais alta renda e seus terrenos consequentemente barateiam. Quando a cidade atinge dimensões metropolitanas esta divisão já não é tão clara e a valorização do território pode ter novas peculiaridades com a criação que pequenos centros, nas áreas além das barreiras, provocando também variações nos valores imobiliários. Semelhante a São Paulo, em Roterdã, antes do projeto urbano de Kop van Zuid, o rio Maas dividia a cidade de forma assimétrica sob o ponto de vista de seu desenvolvimento. Nas palavras de Riek Bakker: “O rio constitui o essencial da cidade. Mas também existe o inverso, como podemos observar nas cidades portuárias. O rio também separa a vida nas duas margens. O desenvolvimento em uma margem se dá mais rápido, enquanto a outra margem fica para trás. Essa separação pode ser vista em muitos aspectos – no sentido político e gerencial, no treinamento e educação de grupos da população e até mesmo na apreciação diversificada das pessoas”.21 As barreiras – seja ferrovia ou rio – que fazem parte dos estudos de casos do próximo capítulo demonstram que elas não precisam deixar de existir, desde que sejam bem costuradas no contexto da cidade. Nos dias de hoje discute-se muito sobre o enterramento das ferrovias, pro- cesso caríssimo para as cidades. Porém, devemos refletir se vale mesmo a pena este investimentos ou se podemos recorrer a soluções alternativas que apenas suavizem a sensação das barreiras, como podemos ver em soluções encontradas com a Ponte Erasmus em Roterdã, no Hackeschef Markt e nas ferrovias do centro, ambos em Berlim, e no edifício do MIT, em Chicago, onde a solução dada por 21. BAKKER, Riek. Kop van Zuid. O desenvolvimento de uma área portuária degradada. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 55.
  • 35. 34 Página seguinte: Imagem 15 - Vista aérea do Hackeschef Markt, em Berlim. Imagem 16 - Ocupação comercial sob a linha férrea próxima a Hackeschef, em Berlim. Imagem 17 - Edifício do MIT, em Chicago, construído integrando a linha férrea já existente. Imagem 14 - Passagens sob a linha férrea próximo a Hackeschef, em Berlim.
  • 36. 35 Rem Koolhaas é “abraçar” a linha férrea. Estes usos comerciais e de lazer se estendem também às áreas próximas a Alexanderplatz, criando grandes eixos comerciais ligados à rua e ao passeio público. Apesar de áreas privadas, é quase sempre possível enxergar através de suas fachadas de vidro, tanto de dentro para fora como de fora para dentro, o que acontece do outro lado da ferrovia, abrindo visuais. A transparência visual, a diferenciação de usos e em diversos horários, mantém o território constantemente ativo. A queda de uma barreira urbana pode significar uma faca de dois gumes. Se por um lado a retirada de uma barreira urbana pode significar a revitalização de um bairro abandonado reconectando-o com a cidade, por outro pode des- truir uma vizinhança. A segregação pode resguardar bairros tradicionalmente resguardados preservando-os por mais tempo. Neste caso a queda de uma im- portante barreira pode significar, em alguns casos, a morte de uma região ou de um bairro. Um exemplo disso é o que está acontecendo no bairro da Pompeia, em São Paulo. Com o aumento da circulação no bairro as antigas construções passam a serem substituídas por grandes empreendimentos imobiliários, normalmente de maior custo agregado, o que vai valorizando a área e aos poucos expulsando os antigos moradores. Este processo de valorização está acontecendo também na Praça Roosevelt, em São Paulo, que após ser valorizada começa a expulsar os antigos teatros e os vizinhos indesejados e, com isso, valorizando novamente as empreiteiras e a iniciativa privada. É parte integrante de um Projeto urbano pesar as diferentes interferências para a construção de um território comunitário de qualidade, preservando em alguns casos e inovando em outros.
  • 37. 36 Planejamento estratégico e Projetos Urbanos Na atuação urbanística contemporânea as mudanças ocorrem em uma ve- locidade sem controle, alterando tanto a forma de projetar como a gestão urba- na. É necessário compreender a cidade como um conjunto de dados e elementos urbanos que devem se articular com o tecido existente em uma cidade consoli- dada, revalorizando o locus e o patrimônio histórico, pois segundo Aldo Rossi “a própria cidade é a memória coletiva dos povos e como a memória está ligada a fatos e lugares, a cidade é o locus da memória coletiva”22 – conceito retoma- do na Itália pós-segunda guerra, num ambiente intelectual de nostalgia, como proposição de uma tipologia urbanística que poderia recuperar qualidades per- didas pelas cidades. Integrador e abrangente, o modelo da revitalização distancia-se tanto dos projetos de renovação modernistas traumáticos de tábula-rasa quanto das ati- tudes exageradamente conservacionistas, mas incorpora e excede as práticas ur- banísticas anteriores na busca pelo renascimento econômico, social e cultural das áreas centrais esvaziadas, decadentes e subutilizadas. A partir da década de 1980, como resposta aos impactos do processo de reestruturação produtiva e ao reencontro com a cidade existente com a neces- sidade de reconstruir os tecidos obsoletos, foram implantadas novas experiências através dos Projetos Urbanos, destinados a recuperar centros históricos, áreas industriais, ferroviárias e portuárias e outras centralidades vinculadas aos modos de produção ou transporte a serem atualizadas, para então transformá-los em novas centralidades, em sua maioria cultural ou tecnológica. Para tanto, através de um planejamento estratégico entre poder público (via- bilizadores), poder privado (investidores) e comunidades (usuários), identifica-se planos e programas que maximizam e compatibilizam os esforços e investimentos e norteia-se a implementação integrada de ações e projetos a curto, médio e lon- go prazos. Os resultados positivos, por sua vez, realimentam o processo, atraindo novos investidores, novos moradores e novos consumidores e gerando o novo. O planejamento estratégico funciona assim, como um instrumento que traz abordagens de atuação sobre o espaço urbano, baseado em gestão, partici- pação de diferentes fatores sociais e um projeto global de cidade, que passou a aparecer de forma proeminente entre as políticas urbanas empregadas por mu- 22. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 19.
  • 38. 37 nicipalidades europeias. Sob a gestão da administração pública, a viabilidade destas transformações se dá via investimentos provenientes da combinação de forças do poder público com a atuação da iniciativa privada para a criação de novas condições urbanas em um território específico, voltadas para a reconstrução física e social de partes da cidade, seguindo um plano urbanístico especifico e normas legais gerais e, em alguns casos, específicas para determinada área de intervenção. Adotado em maior ou menor grau em diversas cidades no mundo, o movi- mento na direção deste novo modelo destacou-se a partir das experiências con- sideradas de forma geral como bem sucedidas, sob o ponto de vista de terem, com sua implantação, possibilitado a criação de novos territórios urbanos, es- paços públicos e uma nova imagem às antigas áreas degradadas. Entre as ci- dades pioneiras destacam-se: Boston, com a Harbourfront Project; Baltimore, com o Inner Harbour; Nova York, com o Battery Park. Ao lado destes exemplos norte-americanos podemos incluir a cidade de Londres, com as Docklands. Battery Park, Nova York O Battery Park é um empreendimento localizado na baixa Manhattan, em um aterro executado em 1972 sobre o rio Hudson, em uma área antigamente ocupada por docas de 37 hectares. A partir dos anos 1960 foi desenvolvida pelo Departamento de Planejamento da Prefeitura de Nova York uma série de projetos para a reestruturação urbana da área, com a inclusão de múltiplas atividades. Dentre os muitos projetos propostos com o passar dos anos, quase nada foi construído.23 Porém, em face da crise fiscal nova-iorquina dos anos 1970 e a falta de interesse da iniciativa privada na participação do empreendimento, a saída en- contrada foi a abertura da iniciativa ao mercado. Sob a coordenação da Cor- poração de Desenvolvimento Urbano do Estado de Nova York um novo plano geral elaborado por Cooper & Eckstut foi adotado e, com a propriedade do solo, a BPC Authority adota o aproveitamento imobiliário concebido por Cesar Pelli. A construtora Olympia & York Properties, contratante do arquiteto argenti- no, ganhou a licitação para construção de todos os edifícios comerciais com a proposta de construí-los de uma só vez. Toda a infraestrutura foi bancada pelo 23. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. Renovação urbana em Battery Park City. Disponível em: <www.usp.br/ fau/docentes/depprojeto/e_nobre/battery_park.pdf>.Imagem 18 - Mapa geral de Battery Park.
  • 39. 38 pode público e o restante pelos empreendedores.24 Hoje é deste local que partem as balsas que transportam os turistas para a Estátua da Liberdade. Assim, construíram-se também complexos de torres corporativas e condomí- nios residenciais verticais, numa sequência de empreendimentos de alto nível ou high-profile. Além do World Financial Center, do Jardim Botânico e do Winter Garden, temos espaços públicos e promenades na orla do rio Hudson também sob a produção da O&Y. A Olympia & York Properties25 , também chamada de O&Y, foi a maior em- preendedora de prédios do mundo daquele período, com seu auge na década de 1980, período onde a empresa cresceu em mais de dez vezes. Nesta época foi contratada para a construção do Battery Park, projeto que se tornou o World Financial Center de Nova York, grande sucesso da empresa. Após uma séria de aquisições, a O&Y comprou a English Property Corp, uma das maiores incorpo- radoras britânicas, que atuou no desenvolvimento das propriedades do Canary Wharf, em Londres, parte do projeto geral de renovação das Docklands londrinas. Docklands, Londres Tendo como inspiração estas iniciativas nova-iorquinas, do outro lado do Atlântico se dá início à recuperação das antigas docas do porto de Londres, em especial na região de armazéns abandonados ou subutilizados, do outro lado do Tâmisa, bem em frente à City, na região leste da cidade, conhecida como East End. As Docklands foram fechadas nos anos 1970 em função da conjugação de diversos fatores: diminuição de sua importância devido a ampliação do calado dos navios e da “conteinerização” dos portos, aprovação de legislação ambiental restritiva e construção do porto de Tilburg, 40 km rio abaixo. Nas docas londrinas, a perda de colocações de trabalho foi vertiginosa e, em poucos anos, as 30.000 vagas existentes em 1950 se reduziram para apenas 2.000 vagas em 1981.26 Nesta conjuntura surge uma série de planos que propunham a revitalização da área com o intuito de construir habitações, inclusive as preferencialmente subsidiadas, para pessoas de baixa renda, mas, por não estarem disponíveis os recursos necessários, o projeto não saiu do papel. As áreas de intervenção pos- 24. GORDON, David L. A. Financing waterfront regenaration. Jornal of American Planning Association, Chicago, v. 63, n. 2, primavera, p. 244-265. 25. Dados obtidos em: www.en.wikipedia.org/wiki/Olympia_and_York. 26. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 415-416. Imagem 19 - Vista aérea de Battery Park. Imagem 20 - Promenade de Battery Park.
  • 40. 39 suíam aproximadamente 2.200ha ao longo de 12 km rio abaixo, desde o centro de Londres. O plano dividia a área em 15 zonas. Dada a grande escala da intervenção e do volume de recursos a ser aplica- do, o governo Thatcher entendeu ser essencial a parceria com o setor privado. A solução foi constituir uma agência com grande conhecimento do mercado imo- biliário e capacitada a atrair investimentos privados e que pudesse gerenciar, mais eficazmente que os órgãos locais, o empreendimento.27 Assim, nasceu em 1981 a London Docklands Development Corporation (LDDC), entidade autônoma que passou a dispor de poderes sobre o planejamento da região em detrimento dos governos locais. Como 80% da área pertencia a agentes públicos como a auto- ridade portuária, a autoridade metropolitana, as empresas de gás e eletricidade e a British Rail, houve uma maior facilidade para a implementação do projeto.28 Em 1982 a LDDC encomendou um plano para a área aos urbanistas Gordon Cullen e David Gosling. O plano elaborado previa a valorização das águas dos diques como componente paisagístico e para usos de lazer com ancoradouro para veleiros e a criação de um circuito público através da conexão dos principais nós da ilha, ligados ao monotrilho proposto pela LDDC. Porém, na reta final, o plano de Cullen foi descartado, pois a LDDC optou por não colocar nenhum em- pecilho aos empreendimentos futuros nas Docklands.29 A intervenção foi dividida em quatro grandes áreas. Por meio de uma impor- tante intervenção governamental posterior, foi acrescida ao plano a região da Isle of Dogs. Para os investidores, além das vantagens fiscais passou a ser oferecido um zoneamento flexível, diferente da City, tornando o investimento nas Docklands muito mais atrativos e impulsionando o progresso do plano. Em 1987 a maior construtora comercial do mundo na época, a Olympia & York Properties (O&Y), apresentou uma proposta para a região de Canary Wharf, no extremo superior da Ilha, com projeto de implantação executado pelo famoso escritório norte-americano Skidmore, Owens & Merrill (SOM). Nesta área seriam ocupados 29 hectares do antigo cais através de um projeto que previa quase um milhão de metros quadrados de escritórios, divididos em nove blocos de oito 27. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006. 28. SOMEKH, Nadia. Reconversão industrial e projetos urbanos: a experiência internacional e o caso da área do Brás, em São Paulo. São Paulo, 2007. Disponível em: <www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FAU/ Publicacoes/PDF_IIIForum_a/mack_III_forum_nadia_somekh.pdf>. 29. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. O projeto das London Docklands. Disponível em: <www.usp.br/fau/ docentes/depprojeto/e_nobre/docklands.pdf>.
  • 41. 40 pavimentos e uma torre de cinquenta andares, que seria o edifício mais alto de Londres, o One Canada Square. Com este projeto as Docklands se tornariam o segundo centro financeiro da cidade. O projeto da O&Y contrariava os pontos definidos por Cullen e Gosling, principalmente nos eixos visuais e espaços públi- cos, uma vez que criava obstáculos ao eixo visual proposto. O empreendimento ocuparia parte das águas do dique existente, além disso, os blocos fechavam-se sobre si mesmos, criando espaços internos, negando o contexto urbano exterior e principalmente o potencial paisagístico das águas. Segundo Maria do Carmo Vilarino, o projeto da Canary Wharf foi fundamen- tal para finalmente dar início ao boom imobiliário nas Docklands, incentivando o uso terciário. Com o mesmo intuito, a LDDC propôs a criação de um aeroporto para uso doméstico que atendesse esta nova área financeira.30 O London City Airport, financiado pela própria LDDC, foi construído em 1985, desenvolvendo o setor menos privilegiado da operação. 30. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006.p.162- 163.
  • 42. 41 Nas Docklands, mesmo que a intenção inicial fosse utilizar investimentos oriundos em sua maioria do setor privado, o governo precisou intervir posterior- mente, em especial na construção de infraestrutura de transportes de massa como metrô e trem. Hoje o local da intervenção se caracteriza pelo centro empresarial, sede das grandes corporações e de boa parte da mídia, dos altos serviços e das habitações de altíssimo padrão, com direito a estações de metrô projetadas por grandes ar- quitetos como Norman Foster. Dentre as críticas a este projeto destaca-se que, como resultado do neo- liberalismo, foi feito o loteamento da área em imensas glebas, entre diversos empreendedores, sem a implantação de um projeto unificado, resultando em um projeto fragmentado, com espaços privilegiados e que acabam gerando gentrifi- cação através de espaço altamente qualificado e diferenciado.31 Para Otília Arantes, esta falta de estratégia pública fez da LDDC um órgão que “não tinha por função senão impedir qualquer regulamentação restritiva ao mercado. O resultado é conhecido: especulação imobiliária desenfreada, toman- do o local um reduto de yuppies nos anos 1980, com os preços dos terrenos valorizados em até 2.000%”.32 Por outro lado, segundo Kenneth Powell33 , a renovação das Docklands é considerada um sucesso pelos seus idealizadores, pois, mesmo com as críticas referentes ao volume de recursos públicos investido, a urbanização fragmentada e a gentrificação, a intervenção alcançou os objetivos propostos. Battery Park e London Docklands, ambos do mesmo período histórico neoliberal das décadas de 1970 a 1990, apresentam grandes semelhanças no conceito de projeto e gestão que influenciaram o mundo todo. Nos dois casos houve um projeto inicial voltado para o uso do espaço público que não foi usa- do e a execução do plano urbano foi feita através de outro projeto com foco no aproveitamento do espaço pela iniciativa privada. Em ambos, com participação de arquitetos renomados, sob o comando da mesma construtora Olympia & York Properties. Não é coincidência, portanto, a construção de grandes complexos 31. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. O projeto das London Docklands. Disponível em: <www.usp.br/fau/ docentes/depprojeto/e_nobre/docklands.pdf>. 32. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 35. 33. POWELL, Kenneth. La transformación de la ciudad: 25 proyectos internacionales de arquitectura urbana a principios del siglo XXI. Buenos Aires, Blume, La Islã, 2000.Imagem 22 - Vista aérea das Docklands. Página anterior: Imagem 21 - Mapa das Docklands.
  • 43. 42 administrativos que, inspirada nas palavras de Susan Fainstein34 , caracterizou es- tes trechos de ambas as cidades como cidades privadas bem planejadas. A história épica da O&Y teve fim com sua falência, como muitas outras em- presas dentro do panorama de recessão da Grã-Bretanha e posterior quebra da Bolsa de Nova Iorque. Com o início da recessão na Grã-Bretanha, as empresas britânicas não estavam dispostas a mudar do centro financeiro para a nova área, ainda mais pelo fato da extensão da Linha Jubilee do metrô de Londres –promes- sa pessoal de Margaret Thatcher – ter sido adiada (a linha já em construção de- veria abrir no ano de 2000). Assim, o espaço destinado aos escritórios em Canary Wharf permaneceu praticamente vazio e Olympia & York começou a ficar sem recursos. Ao mesmo tempo, o mercado imobiliário de Nova York começou uma recessão profunda e a Olympia & York, que agora era o detentor da maior propriedade em Manhattan, ressentiu-se dos problemas de fluxo de caixa, que afetaram profundamente a es- tratégia de financiamento adotada pelos irmãos Reichmann, fundadores da O&Y. Assim, em maio de 1992 – com uma dívida de mais de 20 milhões de dólares para vários bancos e investidores – a empresa pediu concordata.35 ZACs, Paris As chamadas ZACs (Zone d’Aménagement Concerte / Zona de Planejamento Negociado) são áreas onde o poder público define como possíveis de intervenção para a realização de melhorias. Porém em Paris, com um Estado forte, verifica-se que a esfera pública funciona efetivamente como a reguladora do projeto urbano. Os recursos, provenientes das vendas dos projetos prontos, financiarão os próximos objetivos propostos pela operação. As ZACs constam do código de obras de Paris de 1967, também no código de Urbanismo de 1985 e funcionam da seguinte forma: 34. FAINSTEIN, Susan. Promoting Economic Development: Urban Planning in the United States and Great Britain. Journal of the American planning Association, v. 57 n. 1, inverno, p. 29. 35. A empresa foi finalmente desmembrada em fevereiro de 1993 e os Reichmanns ficaram com apenas uma pequena parte, conhecida como Olympia & York Properties Corporation. A nova empresa cresceu novamente em vários bilhões de dólares, graças à retenção de uma grande participação do projeto agora próspero de Canary Wharf, bem como do First Canadian Place (outro grande projeto urbano da O&Y) em Toronto, Ontário. No entanto hoje eles não possuem grandes explorações na cidade de Nova York, pois muitas das propriedades que eram desta cidade estão agora com Brookfield Properties Corporation.
  • 44. 43 “O Estado adquire as terras em áreas degradadas (por direito de preempção ou por simples desapropriação), faz as melhorias de infraestrutura e decide o uso para cada lote resultante de sua intervenção, realizando inclusive o projeto arquitetônico do edifício a ser construído no local, em alguns casos. Vende as áreas e os projetos destinados a equipamento públicos aos respectivos órgãos responsáveis (ministério da educação para escolas, da saúde para hospitais, setor de parque para praças, etc.) e as áreas destinadas a escritórios e outros estabelecimentos comerciais (também com os projetos prontos) à iniciativa privada. Cobrando desta última a plus-valia produzida pela valorização da intervenção. Consegue recursos para amortizar a operação como um todo e garantir a oferta de moradias”.36 Entre as ZACs mais conhecidas está a chamada Seine-Rive Gauche. Iniciada em 1977, trata-se de uma operação de 130ha em uma área de antiga ocupação industrial, entre a margem esquerda do rio Sena e a Ferrovia, sendo 26ha do território ocupado pela antiga linha férrea.37 Os projetos arquitetônicos erguidos na área foram realizados por reconhecidos arquitetos, com destaque para Domi- nique Perraut, autor da Biblioteca Nacional da França (Très Grande Bibliopthèque ou TGB), projeto que lhe valeu o Prêmio Mies van der Rohe de 1996. Excedendo o gabarito de altura padrão de Paris, a biblioteca foi a grande âncora de atração para investidores, pois, a partir da sua construção, foi possível viabilizar a exten- são do metrô e a construção das primeiras unidades habitacionais.38 Outros exemplos de empreendimentos realizados através das ZACs são o La Villette (onde a Cidade da Música servia como chamariz), o Parque Citroen, Les Halles e Bercy. Tais intervenções tiveram como antecedente o projeto urbano para o Bairro de Beaubourg, no 4º distrito de Paris, realizado em grande parte 36. MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação Urbana Consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In OSÓRIO, Letícia Marques (Org.), Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre/São Paulo, Sergio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 5-6. 37. DITTMAR, Adriana Cristina Corsico. Paisagem e morfologia de vazios urbanos. Análise das transformações dos espaços residuais e remanescentes urbanos ferroviários em Curitiba. Dissertação de mestrado. Orientadora Letícia Peret Antunes Hardt. Curitiba, PUC-PR, 2006. 38. MALERONKA, Camila. Projeto e gestão na metrópole contemporânea: um estudo sobre as potencialidades do instrumento: operação urbana consorciada à luz da experiência paulistana. Tese de doutorado. Orientadora Marta Dora Grostein. São Paulo, FAU USP, 2010, p. 62. Imagem 23 - Mapa Zac Seine Rive Gauche. Imagem 24 - Trecho Tolbiac da ZAC Seine Rive Gauche, copm a biblioteca Nacional da França.
  • 45. 44 durante o governo de Georges Pompidou, e que teve como chamariz cultural a construção do Beaubourg – inaugurado em 1977 e batizado como Centre Pom- pidou em homenagem ao seu promotor. Projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, o centro cultural foi responsável pela regeneração de todo um distrito localizado junto ao primeiro anel da capital francesa. Com revalorização destas áreas centrais, assistiu-se a reocupação do espaço pelas camadas mais abastadas, ocupando coração da cidade.39 Diferente das intervenções urbanas de Battery Park e das Docklands, onde o chamariz é o enfoque nas áreas financeiras e de escritório, no caso de Paris fica claro que os projetos âncora baseiam-se em espaços voltados à cultura e ao lazer. Quando a cidade é conduzida por um Estado mais forte, que traz para si a fun- ção de regulador do plano urbano, parece ser possível, apesar da gentrificação, construir equipamentos e espaços públicos mais democráticos e, através deles melhorar a vida da comunidade, favorecer linhas de desenvolvimento sustentável, criar empregos, entre outras virtudes. Cidades como Bilbao, Barcelona e até a capital da Alemanha unificada viriam a servir este modelo de desenvolvimento com a promoção de âncoras culturais. Críticas ao Planejamento Estratégico Mesmo tendo viabilizado espaços atrativos que agregaram uma série de qualidades a estas novas áreas, o planejamento estratégico recebe duras críticas de diversos autores, como Otília Arantes, Ermínia Maricato e Peter Hall, entre outros. O ponto comum da objeção ao modelo é que, em geral, a intervenção acaba sendo focada na produção dos locais de sucesso para escoamento do excesso de capital, com o intuito de trazer novos negócios e oportunidades finan- ceiras. Os benefícios sociais, segundo estes autores, não entram na equação. Peter Hall afirma que em muitos casos – Boston e Baltimore, em especial – as intervenções urbanas foram coordenadas por uma nova e radical elite financeira (proprietários imobiliários e seus derivados) que se apossa da cidade, lideran- do uma coalisão pró-crescimento e que astutamente combina fundos públicos e privados para promover uma urbanização em grande escala.40 Esta elite, formada por segmentos com acesso aos promotores das medidas urbanas, dá livre curso ao seu objetivo de expandir a economia local e aumentar a riqueza, sem grandes 39. Dados obtidos em: www.parisrivegauche.com/Projets-et-realisations/Le-secteur-Tolbiac/Equipements- publics 40. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 413. Imagem 25 - Centro George Pompidou.
  • 46. 45 preocupações sociais. Pode-se detectar também um aspecto simbólico no proces- so. A aspiração de projetar a cidade no novo mapa mundial é perseguida por hábeis gestores do city marketing, que fabricam também uma nova cidadania, um novo modo de ser e viver na cidade. Este processo é o que Fernanda Sanchez chama de cidade-espetáculo.41 Focados em atrair investidores, os gestores adotam uma postura competitiva e empresarial, fundamentalmente preocupada com a atração de investimentos via eventos e turismo, com a imagem urbana e com a inserção otimizada da cidade no panorama mundial. Os valores voltados para o bem-estar da população estão ausentes.42 Identificando o fenômeno como indissociavelmente vinculado à condição pós-moderna, David Harvey denomina este processo de empresariamento urba- no, onde as cidades passam a ser concebidas como mercadorias, ajustadas à nova ordem econômica mundial.43 O caso de Baltimore, com a espetacularização de Harbor Place, é um espelho deste processo. Neste contexto surge o que Peter Hall chama de cidade-empreendimento, onde o planejamento urbano torna-se o alvo predileto da ofensiva liberal-conser- vadora sem controle. Segundo Peter Hall, escrevendo nos anos 1970: “O planejamento convencional, a utilização de planos e regulamentos para guiar o uso do solo, pareciam cada vez mais desacreditados. Em vez disso o planejamento deixou de controlar o crescimento urbano e passou a encorajá-lo por todos os meios possíveis e inimagináveis. Cidades, a nova mensagem soou em alto e bom som, eram máquinas de produzir riqueza; o primeiro e principal objetivo do planejamento devia ser o de azeitar a máquina. O planejador foi se confundindo cada vez mais com o seu tradicional adversário, o empreendedor (manager); o guarda-caça transformava-se em caçador furtivo”.44 41. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Veredas, Rio de Janeiro, 1999, v. 41, p. 26-29. 42. VAINER, Carlos Bernardo. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000. 43. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola, 1992, p. 88-92. 44. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 407.
  • 47. 46 No intuito de trazer novos negócios e oportunidades financeiras são realiza- dos grandes eventos internacionais como a Baltimore City Fair – que nos anos 1980 promoveu diversas intervenções urbanas na área portuária da cidade – e as Olimpíadas de Barcelona em 1992. Nestes casos, a adoção do planejamento estratégico regido pelo conceito de city marketing, proporcionou imensas opor- tunidades de promoção das cidades, renovações e melhorias urbanas. A eficácia decorrente desse processo sob o ponto de vista da reestruturação econômica des- pertou o grande interesse, transformando estes tipos de intervenções em modelo que será seguido por eventos posteriores, como a Expo 98 de Lisboa, a 1º Bienal de Berlim de 1998 – que teve como tema a própria cidades de Berlim – e o Fórum Mundial das Culturas de 2004 em Barcelona, entre muitos outros. O modelo disseminado tem como premissa sua execução em tecidos ur- banos centrais que se encontram – ou são assim denominados – como espaços degradados, sejam eles áreas portuárias, áreas industriais obsoletas ou áreas abandonadas que, em determinado momento são, ou se tornam, barreiras ao crescimento da área. O que se visa, porém, é o grande potencial de valorização gerado pela mudança da função original da área. São diversas as estratégias utilizadas para estes fins, que podem ser clas- sificadas na sua nova vocação em dois grupos. O primeiro privilegia um mix de atividades e procedimentos, com implantação de sedes corporativas, parques tecnológicos, recuperação do patrimônio histórico. Há uma aposta em imaginar estas áreas como centro cultural urbano, priorizando o lazer e o consumo de alta renda, como aconteceu nas intervenções de Paris, Bilbao, Berlim e Barcelona. O segundo grupo aposta na produção de grandes centros financeiros, com ar- ranha-céus imponentes, sempre acompanhados de uma arquitetura de renome graças à contratação de um arquiteto do jet set internacional para alavancar e carimbar o local. Como exemplo, temos as Docklands em Londres e o Battery Park em Nova Iorque. Em ambos os casos temos um esvaziamento prévio desses núcleos e a migração habitacional para bairros residenciais sob o pretexto da “requalificação” do lugar. Nas palavras de Otília Arantes: “Aí o embrião de uma mudança emblemática: à medida que a cultura passava a ser o principal negócio das cidades em vias de gentrificação, ficava cada vez mais evidente para os agentes envolvidos na operação que era ela, a cultura, um dos mais Imagem 26 - Complexo House of World Cultures. Construído para sediar, junto com outros dois edifícios, a 1º Bienal de Berlim. Foto de Christian Beirle González. Imagem 27 - Vista geral do zona central da EXPO’98.
  • 48. 47 poderosos meios de controle urbano no atual momento de reestruturação da dominação mundial”.45 Tais transformações urbanas focadas na cultura traziam uma significativa mudança nas formas de uso e de usuários desses espaços: a gentrificação. Justi- fica-se a “revitalização” usando o mesmo discurso dos planejadores, que defende a recriação da vida social em um espaço onde aquela estaria ausente. Dessa forma, as dinâmicas transformadoras são ativadas e é encoberta a verdadeira intenção de expulsar incômodas formas de habitar o espaço, distantes do novo objetivo proposto para aquele local e “incompatíveis com a nova semântica dos espaços renovados”.46 O processo de gentrificação converge cultura e capital, o que Otília Arantes chama de culturalismo de mercado,47 onde o fator cultural funciona como chama- riz dentro de uma lógica mercadológica estruturadora das políticas de renovação do espaço urbano. Na semântica que lhe é particular, defende que o image-mak- ing reinventará a identidade da cidade, que será explorada pelo city marketing. O novo valor simbólico aportado nos espaços urbanos reestruturados acaba por in- fluenciar as novas avaliações que serão veiculadas pela mídia, valorizando cada vez mais o local, induzindo à especulação imobiliária. Intencional ou não, este é o ciclo criado pelo planejamento estratégico. Como exemplos destas tramas estratégicas que geraram gentrificação, po- demos citar dois exemplos em Nova York: o Soho e, posteriormente, o Battery Park. No Soho, a partir dos anos 1970, iniciou-se o incentivo de reciclagem dos antigos lofts pela comunidade de artistas locais, convertendo-os em galerias, boutiques, residência de artistas, restaurantes sofisticados etc. A chegada de novos padrões de consumo trouxe também uma nova vanguarda da burguesia e consequente- mente a expulsão da antiga população moradora. Esta, que não conseguia mais arcar com o aumento de preços que acompanharam as melhorias, acabou se mudando para áreas periféricas menos valorizadas e menos beneficiadas. Nesta linha, Otília Arantes afirma que o urbanismo não veio mais para corrigir, como acreditava ser possível os urbanistas modernos, mas “para in- crementar a proliferação urbana e aperfeiçoar a competitividade das cidades”. 45. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 33. 46. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Rio de Janeiro, Veredas, 1999, p. 26-29. 47. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002. Imagem 28 - Capa do catálogo da 1º Bienal de Berlim.
  • 49. 48 Neste contexto, teríamos “trocado a máquina de morar moderna pela máqui- na de crescimento atual”. E, abandonando o ideal do movimento moderno, os benefícios do que foi produzido já é – nem mesmo como retórica – destinados à maioria da população; afinal, não era essa a prioridade, o que acarreta um “impacto nulo sobre a pobreza e demais déficits sociais”.48 Nos quatro planos estudados, Seine-Rive Gauche, Battery Park, Soho e Lon- don Docklands pode-se verificar o de sempre: planos urbanos que privilegiam direta ou indiretamente a iniciativa privada; a presença de projeto arquitetônico assinado por arquiteto famoso, usado como chamariz; e, intencional ou não, a expulsão da antiga população para a criação de ilhas qualificadas que vão se expandindo por toda a cidade e promovendo sua fragmentação social. No caso de Seine-Rive Gauche, graças à forte regulação estatal, garantiu-se ao menos um maior retorno financeiro para o Estado, que foi reinvestido na própria área. Nestes casos acima descritos, planejamento estratégico ou a falta dele, pode ser confundido com uma gentrificação estratégica. Dentre os muitos efeitos da globalização a espetacularização das cidades, considerada como bem sucedida pelos empreendedores, nasce da mesma fórmula que busca resultados rentáveis e resulta em cidades cada vez mais semelhantes, que muitas vezes desconsideram aspectos regionais de cada uma delas. A estética urbana pós-moderna produz elementos como a fragmentação, a efemeridade, o ecletismo, a valorização da forma (contra o funcionalismo moderno) e o triunfo da imagem. Contudo, apesar do discurso ser contra a uni- formização pregada pela arquitetura moderna, é comum a criação de paisagens urbanas muito semelhantes, resultando na uniformização tão criticada. A arquite- tura pós-moderna, dessa vez uniformizada através das torres de vidro, busca por meio da imagem e monumentalidade apresentar o poder das grandes empresas que geralmente estão presentes nas cidades globais. Segundo Arantes, há uma “falsa ruptura dos pós-modernos, cuja oposição de fachada mal escondia o seu vínculo com o formalismo do ciclo anterior”.49 Mantém-se a continuidade, inclusive no chamado novo planejamento estratégico. A chamada terceira geração urbanística não representa nenhuma ruptura maior de continuidade com a anterior. “Se há novidade, ela se resume ao gerenciamen- 48. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annalume, 2012, p. 15-17. 49. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 11.
  • 50. 49 to”, onde o planejamento estratégico é antes de tudo um empreendimento de comunicação e promoção.50 Apesar da oposição ampla e radical de Otília Arantes e outros teóricos, talvez seja possível verificar cidades onde os projetos urbanos acabaram resultando em situações que não se resumem à especulação imobiliária em detrimento dos interesses da comunidade local. O estudo dos três projetos urbanos a seguir – Céramique, em Maastricht, Holanda; St. Jean, em Genebra, Suíça; e Bicocca, em Milão, Itália – tentam verificar esta hipótese. Três Projetos Urbanos em Três Países Europeus Apesar da oposição ampla e radical de Otília Arantes e outros teóricos, talvez seja possível verificar cidades onde os projetos urbanos acabaram resultando em situações que não se resumem à especulação imobiliária em detrimento dos interesses da comunidade local. O estudo dos três projetos urbanos a seguir – Céramique, em Maastricht, Holanda; St. Jean, em Genebra, Suíça; e Bicocca, em Milão, Itália – tentam verificar esta hipótese. Nos três capítulos que se seguem serão apresentados estes três exemplos internacionais de projetos urbanos implantados que, total ou parcialmente, al- cançaram seus objetivos propostos através de qualidades diferenciadas, seja em projeto, seja em gestão. Para que possa se estabelecer comparações entre os pro- jetos e sejam possíveis algumas leituras e conclusões, foram estabelecidos alguns critérios de verificação dos projetos: a) antecedentes e problemática urbana; b) processo de projeto e construção; c) leis e regulamentações; d) viabilidade insti- tucional e econômica, gestão, investidores e parcerias; e) realidade atual pós-uso; f) balanço. Em uma aproximação preliminar, é possível dizer que os três projetos selecio- nados reconectaram as áreas de intervenção aos tecidos urbanos circundantes e promoveram o desenvolvimento local com inclusão social: onde o espaço público é trabalhado de maneira central, preservam o patrimônio histórico e oferecem novas maneiras de trabalho e renda, em diferentes escalas de atuação. É possível também adiantar, após o estudo sistemático de exemplos implan- tados em três países diferentes, que, do ponto de vista das formas de gestão, não existe uma única fórmula para a parceria público-privado. Ao contrário, são múltiplas as possibilidades, sendo que algumas delas garantem benefícios 50. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 11.
  • 51. 50 mínimos para todos os protagonistas envolvidos, tendo como fim uma cidade mais democrática. Apesar da evidente diferença econômica, social e principalmente territorial entre os países estudados com a realidade brasileira, estudamos estas intervenções por acreditar que o aprendizado com as experiências felizes nos traz subsídios para executarmos os nossos projetos urbanos de forma mais adequada nos seus fins de benefícios coletivos, indo além das práticas de especularizacão ao estilo anos 1980 e que influenciaram muito as formas praticadas em São Pau- lo (ou, ao menos, as que se tentou praticar em nossa cidade).
  • 53. Capa: Imagem 29 - Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do projeto de St. Jean.
  • 54. 53 COBERTURA DA VIA FÉRREA EM ST-JEAN,GENEBRA, SUÍÇA (1992-2002) A Suíça é um país pequeno população de aproximadamente 7,8 milhões de habitantes e área de 41.285 km², dos quais cerca de dois terços são cobertos de florestas, montanhas e lagos. Faz fronteira com a Alemanha, França, Itália, Áustria e com o Principado de Liechtenstein. Razões históricas resultaram em um país constituído por quatro principais regiões linguísticas e culturais: alemão, francês, italiano e romanche. Neste sentido, os suíços não conformam uma nação no sentido de uma identidade comum étnica ou linguística. De uma maneira geral, pode-se dividir a Suíça em três regiões geográficas: os Alpes, o planalto e o Jura. O planalto suíço, ocupa um terço da área do país e aí mora cerca de dois terços da população. Nesta área estão localizadas as maiores cidades do país. Entre elas estão seu maiores centros econômicos, suas duas cidades globais: Zurique e Genebra. A Suíça é um dos países mais ricos do mundo relativamente ao PIB per capita calculado em 75.835 de dólares ameri- canos em 2011.1 Genebra é a segunda mais populosa cidade suíça com uma população de 183.287 hab. (em janeiro de 2009) e densidade populacional de 11.710 hab./ km².2 Em comparação, os bairros de São Paulo com densidade mais parecida são o Tatuapé, com 11.180 hab./km², e a Consolação, com 15.504 hab./km², segundo o IBGE de 2010.3 Genebra é, ao lado de Nova York, o centro mais importante da diplomacia e da cooperação internacional em razão da presença de inúmeras organizações internacionais, fazendo de Genebra sede de diversos departamentos e filiais das Nações Unidas, da Cruz Vermelha e da Unesco. A cidade é considerada um dos mais importantes centros financeiros do mundo, estando, segundo a financeira Global Index, em terceiro lugar na Europa, depois de Londres e Zurique. Um exame feito pela Consultoria de Investimentos Mercear em 2009 a classifica como a terceira cidade com maior qualidade de vida no mundo (e na Suíça, superada 1. Dados obtidos no website Wikipedia, verbete “Suíça”. Visitado em 25/10/2012. 2. Dados obtidos no website www.citypopulation.de. Visitado em 25/10/2012. 3. Dados obtidos no website da Prefeitura de São Paulo, no link www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ subprefeituras/subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758. Visitado em 26/10/2012.
  • 55. 54
  • 56. 55 Imagem 29 - Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do projeto de St. Jean.
  • 57. 56 somente por Zurique). Em 2011, foi considerada a quinta cidade mais cara para se viver no mundo. E é considerada pela pesquisa mundial de qualidade de vida a segunda melhor do planeta (atrás da também suíça Zurique) e subiu a uma posição, em relação ao ranking do ano passado em função do seu sistema esco- lar, considerado o melhor do mundo.4 A arquitetura o país tem grandes nomes, como Mario Botta, Luigi Snozzi, Aurelio Galfetti, Bernard Tschumi, Jacques Herzog e Pierre de Meuron, e Peter Zumthor (os dois últimos, a dupla Herzog & De Meuron e Zumthor ganharam o Prêmio Pritzker em 2001 e 2009) e entre outros grandes e expressivos arquitetos. Porém, sendo um país pequeno e muito limitado geograficamente por sua nature- za, em geral apresenta uma arquitetura de baixo impacto e sem grandes projetos urbanos ou intervenções de porte. Neste contexto, o projeto urbano do arquiteto suíço Pierre Bonnet para o bairro de St. Jean, em Genebra, se destaca dos demais, com seus 800 metros de extensão. Mesmo se compararmos com São Paulo, não temos nenhum pro- jeto urbano efetivamente implantado com esta extensão ou qualidade em nossa cidade.5 Na Operação Urbana Faria Lima, por exemplo, foram reconstruídas apenas as duas extremidades da avenida. O caso de St. Jean foi escolhido por ser uma experiência que consideramos bem sucedida por ter alcançado seus objetivos iniciais de priorizar a população local, sem o intuito direto de promoção da cidade e de atração de investidores através de um projeto âncora. Por ser um projeto inédito no desenvolvimento ur- bano da cidade, seu estudo torna-se ainda mais interessante. 4. Dados obtidos no website www.mercer.com/qualityofliving. Visitado em 26/10/2012. 5. Segundo informação de Abilio Guerra, esta observação foi feita pelo arquiteto José Magalhães durante o debate que se seguiu à apresentação de Pierre Bonnet no Fórum de Debates da 5ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2003.
  • 58. 57 Antecedentes e problemática urbana No fim dos anos 1980 foi iniciado em Genebra um programa de desenvolvi- mento urbano dentro da própria cidade, em oposição à urbanização difusa fora da área urbanizada ocorrida entre os anos de 1945 a 1970. Desde os meados do século 19, o bairro de St. Jean se desenvolveu condicio- nado pelo traçado da linha férrea e seu crescimento se deu por sucessivas oper- ações, condicionadas pelas ideias hegemônicas nas diferentes épocas: quadras, casas isoladas, lâminas etc. Com o crescimento da cidade em meados dos anos 1980, a passagem de trens se intensifica especialmente nesta região devido ao desvio do terminal da estação do centro para o aeroporto de Genebra. Assim, a ferrovia por onde circulam trens de carga e vagões de passageiros de alta velocidade passa a ser causa de incômodo, tanto como geradora de um barulho inconveniente como por se tratar de um obstáculo entre os bairros de St. Jean e Charmilles, que juntos já somavam uma população de 5.000 habitantes. A iniciativa para o tamponamento da ferrovia partiu da população residente através de uma petição popular que posteriormente foi assumida pela adminis- tração pública. Desta forma “não se trata de uma operação especulativa, pois, devido a uma vontade popular dos habitantes, os poderes públicos instauraram uma operação de valorização destes bairros residenciais”.6 Assim, a cobertura sobre a linha férrea tinha como objetivo diminuir os distúr- bios sonoros oriundos da passagem dos trens e a religar dois bairros através de um espaço público com equipamentos socioculturais. Antes de ser determinado o projeto ou os usos específicos deste platô, foram contratados engenheiros civis para conceber a cobertura com comprimento de 825m e uma largura de 25m, com duas pontes cruzando.7 Uma obra de arte da engenharia que se viabilizou sobre a antiga trincheira ferroviária. O platô construído tem diversos níveis que variam de 0,50m a 1,60m defini- dos por critérios impositivos – gabarito do trem, altura estática dos pilares e passagem dos fluídos para as construções – o que posteriormente influenciará 6. BONNET, Pierre. Sob o condicionamento do solo. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 41. 7. Em caso de dados conflitantes entre as bibliografias foram considerados os dados obtidos através de entrevista com o autor do projeto.