O documento descreve a história inicial da ocupação do território de Santa Catarina pelos portugueses a partir de 1500. Fala sobre os primeiros contatos com os povos indígenas que viviam na região, como os carijós, e a fundação dos primeiros povoados por bandeirantes paulistas no século XVII. Também aborda a imigração de açorianos para a região no século XVIII e a disputa territorial com os espanhóis até a definição das fronteiras no século XVIII.
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HISTÓRIA DE SANTA CATARINA
O início da ocupação
Nas primeiras décadas após a chegada dos
portugueses ao Brasil, em 1500, o território que
viria a ser Santa Catarina se resumia à condição de
local de passagem, uma base de apoio para os
interesses dos portugueses e dos espanhóis na
região do rio do Prata. As exceções eram alguns
poucos integrantes das expedições pioneiras, que
acabaram por permanecer no litoral catarinense. O
mesmo aconteceu com náufragos, como os 11
sobreviventes do afundamento da embarcação
comandada pelo espanhol Juan Días de Solís, em
1512, nas proximidades da Ilha de Santa Catarina,
que ainda não tinha esse nome. Desse grupo fazia
parte Aleixo Garcia, futuro protagonista de uma
história fantástica: foi levado pelos índios a
percorrer o Caminho de Peabiru, trilha que ligava o
litoral catarinense à civilização Inca, nos Andes.
Além dos portugueses e dos espanhóis,
aventureiros de outras procedências passaram pelo
litoral catarinense naquele período.
Em 1504, o francês Binot Paulmier de
Gonneville chegou à Baía da Babitonga a bordo da
embarcação L’Espoir, avariada por uma
tempestade. Após permanecer seis meses na ilha
que mais tarde viria a sediar São Francisco do Sul,
Gonneville voltou à Europa levando um jovem índio,
Essemeric, filho do cacique local. Moldado ao estilo
de vida do homem branco, o índio viria a se casar
com a filha do navegador francês, Susana. O
povoado de Nossa Senhora das Graças do Rio de
São Francisco seria oficialmente fundado por
bandeirantes em 1658, tornando-se o primeiro
núcleo populacional catarinense.
Chegada dos navegadores franceses, Kurt G. Hermann
Museu Histórico Municipal de São Francisco do Sul
Os guaranis que viviam no litoral
catarinense – chamados pelos europeus de carijós
– eram amigáveis e se habituaram rapidamente a
esses contatos, que se tornaram mais frequentes
com a chegada de catequizadores jesuítas, a partir
de 1549. Já os dois outros grupos indígenas
catarinenses – os kaingangs, que ocupavam os
campos de cima da Serra, e os xoklengs, na região
entre o litoral e o planalto – só viveriam
experiências semelhantes quase 200 anos depois
da chegada dos europeus ao litoral. Esses índios
descendiam de povos que já circulavam pela região
pelo menos 10.000 anos antes, de acordo com
registros arqueológicos e inscrições rupestres
encontradas em vários pontos do Estado. Hoje há
cerca de 10.000 remanescentes indígenas vivendo
em Santa Catarina, a maior parte em reservas
instituídas oficialmente para proteção desses
grupos.
A homenagem a Santa Catarina
É comum afirmar que nome Ilha de Santa
Catarina foi ideia do navegador italiano Sebastião
Caboto – que, a serviço do reino espanhol, passou
pelo litoral catarinense em 1526. A ilha havia sido
chamada de diferentes formas até então. Para os
índios carijós que a ocupavam antes da chegada
dos europeus, o nome era Meiembipe, que significa
“lugar acima do rio”. Em 1514, os navegadores
portugueses Nuno Manoel e Cristóvão de Haro a
batizaram de Ilha dos Patos. Em 1516, depois do
naufrágio do barco de Juan Días de Solís, houve
quem tenha chamado a região de Baía dos
Perdidos, em referência aos 11 tripulantes que se
salvaram e passaram a viver na ilha, junto com os
índios. Mas o nome que se consolidou e se tornou o
definitivo foi mesmo o escolhido por Caboto,
registrado pela primeira vez em um mapa
desenhado por Diego Ribeiro em 1529. Especula-se
que Caboto pode ter aproveitado a oportunidade
para fazer um agrado à esposa, Catarina Medrano.
O fato inegável é que, de qualquer forma, a
homenageada é mesmo a santa, cuja memória é
celebrada em 25 de novembro.
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A capitania de Santa Catarina
Em 1534, o território brasileiro foi dividido
em 12 capitanias hereditárias, entregues à
administração de homens de confiança da coroa
portuguesa. Os principais objetivos eram incentivar
a ocupação das terras e fomentar atividades
econômicas que pudessem se desenvolver sem a
interferência direta de um governo central. A
Capitania de São Vicente, abrangendo partes dos
atuais territórios do Paraná e de São Paulo, foi
entregue a Martim Afonso de Sousa. As Terras de
Sant’Anna, mais ao sul – se estendiam de Laguna
até a Baía de Paranaguá, no atual Estado do Paraná
– ficaram com seu irmão, Pero Lopes de Sousa.
Com a morte de Pero, seis anos depois, em um
naufrágio em Madagascar, iniciou-se um período de
marasmo para a capitania e também uma disputa
entre os herdeiros da família. A questão se arrastou
por quase dois séculos e só foi resolvida com a
recompra da área pelo império, em 1711. A decisão
de retomar a administração do território era uma
consequência do aumento das tensões entre
Portugal e Espanha desde o rompimento da União
Ibérica, em 1640, momento em que os reinos se
tornaram inimigos. Portugal acreditava que
precisava estruturar melhor o povoamento de Santa
Catarina, ponto crítico de uma região sob disputa.
Fez parte dessa mesma estratégia a fundação do
povoado de Nossa Senhora do Desterro (atual
cidade de Florianópolis), em 1672, por Francisco
Dias Velho. Tratava-se do segundo núcleo
populacional do Estado – São Francisco havia sido
fundado 15 anos antes. Dias Velho chegou à Ilha de
Santa Catarina acompanhado da mulher, duas
filhas, três filhos, uma família de empregados, dois
padres e 500 índios domesticados. Numa colina em
frente ao mar, ergueu uma capela consagrada a
Nossa Senhora do Desterro – referência à fuga de
Maria para o Egito, com o pequeno Jesus, para
escapar da perseguição de Herodes. O local é hoje
ocupado pela Catedral Metropolitana.
O bandeirante paulista Francisco Dias Velho
Estátua existente em Florianópolis
Em 1689, a vila foi invadida por piratas, que
dominaram seus habitantes e cometeram uma série
de atrocidades. Dias Velho buscou refúgio dentro da
capela, mas foi descoberto e morto. O povoado só
não foi extinto pela perseverança de alguns
integrantes do grupo, que se recusaram a
abandonar o local. Nesse meio tempo, surgiu o
terceiro núcleo habitacional do litoral catarinense –
a vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna, mais
tarde conhecida apenas como Laguna, fundada em
1676, com a chegada do bandeirante Domingos de
Brito Peixoto. Em 1738, Santa Catarina foi
desmembrada de São Paulo, tornando-se capitania
autônoma. O império português nomeou para o
cargo de governador o brigadeiro José da Silva
Paes. Ele recebeu a missão de planejar um sistema
de fortalezas que protegesse a Ilha de Santa
Catarina de possíveis invasões. O brigadeiro
providenciou os projetos e iniciou a construção de
quatro fortalezas, posicionadas para estabelecer
um sistema de fogo cruzado.
Imigração açoriana
Outro ponto importante da estratégia de
ocupação do litoral catarinense traçada pelo reino
português viria a ser a imigração de açorianos.
Como o Arquipélago dos Açores enfrentava uma
série de dificuldades – excesso populacional,
escassez de alimentos e ocorrência de terremotos –
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enviar parte dos habitantes ao Brasil seria uma
forma de amenizar dois problemas ao mesmo
tempo. O alistamento foi aberto em 1746 e, ao
longo da década seguinte, Santa Catarina recebeu
5.500 açorianos e também moradores da Ilha de
Madeira, o que fez triplicar sua população. Os
imigrantes se instalaram nos núcleos populacionais
já existentes e fundaram outros, tanto na Ilha de
Santa Catarina quanto na área continental. Uma
das primeiras atividades econômicas exercidas
pelos açorianos em Santa Catarina foi a pesca da
baleia – o óleo extraído do animal era usado como
combustível de iluminação, entre outras aplicações.
Algumas “armações”, complexos construídos para
viabilizar a pesca de baleia e a transformação de
sua carne em óleo, foram instaladas em diferentes
partes do litoral catarinense.
Outras heranças dos açorianos são a renda
de bilro, a produção de cerâmica utilitária e a
fabricação de farinha de mandioca em engenhos.
No campo da religião e do folclore, há as
benzedeiras, a devoção ao Divino Espírito Santo e
ao Senhor dos Passos, o terno de reis e as lendas
de bruxas. Na culinária, peixe com pirão é um
clássico prato açoriano. Há que se mencionar ainda
o sotaque típico dos descendentes, marcado pelo
jeito “apressado” de falar e pela sonoridade que
remete à forma como o idioma é praticado em
Portugal. A arquitetura também é uma das heranças
trazidas dos Açores.
Caminho das tropas
Por volta de 1720, Portugal determinou a
abertura de um caminho para o transporte de gado
entre o Rio Grande do Sul e São Paulo. Seria uma
forma de ocupar e desenvolver o interior da região
Sul, motivo de disputas com a Espanha, e também
de levar os animais até Minas Gerais, que vivia uma
fase de franco desenvolvimento decorrente da
exploração do ouro. Dos povoados à beira desse
caminho se originaram cidades como Lages,
oficialmente fundada em 1766. Antônio Correa
Pinto foi quem organizou a povoação, pertencente
no início a São Paulo, sendo que apenas em 1820
seria incorporada a Santa Catarina. Para
estabelecer uma ligação entre o planalto e o litoral,
criou-se um caminho até Laguna – essa é a origem
da estrada da Serra do Rio do Rastro, hoje um dos
pontos turísticos mais conhecidos do Estado. O
tropeirismo foi um ciclo importante, também, para
viabilizar a ocupação do Oeste catarinense –
realizada em grande parte por gaúchos e
paranaenses descendentes de imigrantes
europeus. Quando outras regiões do país
começaram a explorar a pecuária, já no início do
século 20, a utilização do antigo caminho das
tropas perdeu força, restando a cultura do
tropeirismo como uma permanência dessa época.
A disputa pelo território
Demorou um bom tempo até que Portugal e
Espanha se entendessem sobre as fronteiras do
“Novo Mundo”. De certa forma, a disputa começou
ainda em 1494, antes mesmo da chegada dos
portugueses ao Brasil, quando o Tratado de
Tordesilhas estabeleceu previamente, com base em
referenciais já conhecidos, uma regra para a divisão
das terras que viessem a ser descobertas por
ambas as potências. A aplicação dessa regra ao
território brasileiro resultou no traçado de uma linha
imaginária que cortava o país desde Belém, no
Pará, até Laguna, em Santa Catarina. A faixa
litorânea pertenceria a Portugal e o interior do
continente à Espanha. O problema é que o extremo
sul do território destinado a Portugal era uma faixa
muito estreita de terra, correspondente ao atual
litoral catarinense. A Espanha passou a cobiçar
aquele território, que poderia aumentar seu acesso
ao mar, e traçou uma estratégia de ocupação.
Sebastião Caboto, italiano a serviço da Espanha,
permaneceu na costa catarinense por cinco meses
entre 1526 e 1527, com o objetivo de conhecer
melhor o terreno – foi nesse período que ele batizou
a Ilha de Santa Catarina.
Em 1541, Dom Alvar Nuñez Cabeza de Vaca
chegou à ilha, junto com 400 homens,
representando o rei da Espanha, com a missão de
tomar posse das terras. A disputa ficou adormecida
no período entre 1580 e 1640, em que vigorou a
União Ibérica. Voltou à tona, porém, após o
rompimento. Em 1750 foi assinado o Tratado de
Madri, que estabelecia com precisão a linha da
fronteira. Pelo acordo, Portugal abria mão da
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Colônia de Sacramento (atual Uruguai), que vinha
cobiçando, e ficava com os Sete Povos das Missões
(atual oeste do Rio Grande do Sul). Para que o
acordo fosse concretizado, contudo, as populações
das áreas envolvidas teriam que se tornar súditas
da realeza rival, condição que gerou muita revolta e
fez com que o acordo fosse anulado. As duas
potências se lançaram então à Guerra dos Sete
Anos na Europa, com Portugal aliado à Inglaterra e a
Espanha, da França. A Espanha passou a preparar
em segredo uma grande esquadra para invadir a
Ilha de Santa Catarina.
Em novembro de 1776, nada menos que
116 embarcações, com 920 canhões no total e
quase 16.000 soldados e marinheiros, partiu rumo
ao Brasil, sob o comando de Dom Pedro de Cevallos
– que já havia visitado a Ilha de Santa Catarina e
conhecia bem o sistema local de defesa. Quando a
esquadra espanhola chegou à Ilha, em fevereiro de
1777, as fortalezas se demonstraram incapazes de
conter os avanços de invasores tão numerosos e
potentes. Alguns disparos até foram realizados pela
fortaleza de São José da Ponta Grossa, no Norte da
Ilha, mas sem qualquer efeito prático. Os espanhóis
desembarcaram tranquilamente na praia de
Canasvieiras e as autoridades locais assinaram sem
resistência o termo de rendição. A Ilha de Santa
Catarina passava naquele momento ao comando da
Espanha. Com a morte do rei de Portugal, Dom José
I, e a consequente queda do Marquês de Pombal,
em março de 1777, as negociações evoluíram até
chegarem ao Tratado de Santo Ildefonso, assinado
em outubro daquele mesmo ano. Por esse novo
acordo, Portugal receberia de volta a Ilha de Santa
Catarina, comprometendo-se a não utilizá-la como
base de navios de guerra ou porto de comércio com
outros países. Era o início de uma nova fase para
Santa Catarina. Em 1800, sua população chegou a
21.000 pessoas, com divisão mais ou menos
proporcional entre os três principais núcleos –
Desterro, São Francisco e Laguna –, cada um com
cerca de 4.000 habitantes.
Brasil logo após a Independência (1822)
No destaque, a Província de Santa Catarina
Colonização alemã
A primeira colônia alemã em Santa Catarina
foi instalada em São Pedro de Alcântara, em 1829.
Esse grupo pioneiro, de 523 pessoas, vindas de
Bremen, enfrentou todo tipo de problemas, desde a
falta de pagamento na íntegra das diárias
combinadas até as dificuldades de adaptação ao
clima tropical. Como se não bastasse, temporais
destruíram suas primeiras plantações. Muitos
persistiram, enquanto outros decidiram tentar a
sorte em outra região, o Vale do Itajaí. O
farmacêutico alemão Hermann Bruno Otto
Blumenau, que veio ao Brasil em 1846 contratado
pela Sociedade de Proteção aos Emigrantes
Alemães, para desenvolver um projeto de
colonização, também escolheu o Vale do Itajaí.
Enquanto os trâmites burocráticos eram
encaminhados, Blumenau recebeu a notícia de que
a instituição que ele representava fechara as
portas. Mesmo assim, decidiu tocar adiante o
projeto por conta própria. Associou-se ao
comerciante Fernando Hackradt e voltou à
Alemanha para recrutar colonos – os primeiros 17
chegaram em agosto de 1850. Eram quase todos
artesãos – carpinteiros, marceneiros, funileiros,
ferreiros –, contra apenas dois lavradores. Essa
seria uma tendência dos grupos seguintes de
colonos alemães.
Diversas novas levas de imigrantes
chegariam nos anos seguintes. No final dessa
década, a população já estava próxima de 1.000
pessoas – e a cidade foi batizada de Blumenau. Já
Joinville surgiu de um processo oficial de
colonização. Em 1829, a Sociedade Colonizadora
de Hamburgo comprou 81 léguas de terras em
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Santa Catarina, pertencentes ao príncipe francês
François Ferdinand Philippe. Ele havia recebido as
terras como dote ao se casar com Francisca, irmã
de Dom Pedro II. A colônia foi batizada de Dona
Francisca, mas, quando virou cidade, ganhou o
nome de Joinville em homenagem a François, que
ostentava o título nobre de Príncipe de Joinville, um
vilarejo medieval francês. Em 1851 chegou o
primeiro grupo de 192 imigrantes alemães, suíços e
noruegueses. Nas levas seguintes, predominaram
os alemães. Entre as influências mais marcantes da
colonização alemã estão a arquitetura enxaimel –
construções cuja estrutura combina madeira e
tijolos aparentes – e a culinária, com pratos como
chucrute e eisbein, o joelho de porco. Nas colônias
alemãs, a cerveja é até hoje fabricada com os
requintes ensinados pelos pioneiros. A cultura
deixada pelos antepassados é celebrada
anualmente com a realização de diversas festas
típicas no território catarinense, das quais a mais
famosa é a Oktoberfest de Blumenau.
Colonização italiana
Dois europeus que viviam em Desterro – o
italiano Carlo Demaria e o suíço Henrique Schutel –
se uniram para fundar uma empresa de
colonização, Demaria & Schutel. Em 1835, pediram
à província uma série de benefícios para instalar
grupos de lavradores a serem trazidos da Itália.
Assim, em março de 1836, chegaram ao porto de
Desterro 186 colonos, quase todos oriundos da Ilha
da Sardenha. O governo de Santa Catarina cedeu
uma área no município de São Miguel e a colônia foi
denominada “Nova Itália”, atual município de São
João Batista. Novas colônias italianas só viriam a
ser criadas em Santa Catarina bem mais tarde, em
consequência do contrato estabelecido em 1874
entre o Império brasileiro e o empreendedor
Joaquim Caetano Pinto Jr.. Eram instaladas em
áreas periféricas das colônias alemãs, a exemplo de
Rio dos Cedros, Rodeio, Ascurra, Botuverá e Nova
Trento, organizadas em torno de Blumenau e
Brusque. O Sul do Estado também se tornou destino
a partir de 1877, com o desembarque de 291
colonos vênetos em Laguna, para ocupar o Núcleo
de Azambuja e o Núcleo Urussanga.
A região se tornaria destino preferencial dos
italianos, com novas levas de imigrantes instalando-
se em Criciúma, Pedras Grandes, Treze de Maio,
Acioli de Vasconcelos (atual Cocal), Grão-Pará
(atuais municípios de Orleans, Grão-Pará, São
Ludgero e Braço do Norte) e Nova Veneza
(municípios de Nova Veneza e Siderópolis). Essas
colônias se especializaram desde o início na
produção agrícola, com o uso de técnicas trazidas
da terra natal para o cultivo de uva, milho e arroz.
Os italianos se espalharam por boa parte dos
municípios catarinenses – cerca de 220, bem mais
do que qualquer outro grupo de imigrantes. Estima-
se que quatro em cada dez catarinenses tenham
ascendência italiana. Essa tradição se manifesta na
culinária – polenta e vinho são presenças
constantes na mesa dos descendentes –, nas
vocações econômicas desenvolvidas no Sul de
Santa Catarina, como a produção cerâmica, e até
em atividades de lazer, a exemplo do jogo de bocha.
Outras nacionalidades
Dos poloneses aos gregos, dos africanos
aos japoneses, descendentes dos mais diversos
povos se fazem presentes em Santa Catarina.
Marcante também é a presença austríaca em Santa
Catarina. Imigrantes oriundos da região do Tirol
fundaram, em 1933, a cidade de Treze Tílias, numa
região cuidadosamente escolhida pelo governo da
Áustria pela semelhança com as paisagens
originais. O país havia perdido território após a
derrota na Primeira Guerra Mundial e já não havia
lugar para todos. Hoje Treze Tílias mantém muitas
das tradições trazidas pelos colonizadores, como as
casas em estilo alpino e a prática de esculturas em
madeira. Santa Catarina tem também influência
árabe. Sírios e libaneses chegaram a partir de 1885
a cidades como Florianópolis, Biguaçu, Caçador,
Canoinhas, Criciúma e Lages, dedicando-se,
sobretudo, ao comércio. Já os japoneses vieram em
pequenos grupos, na primeira metade do século 20,
e se instalaram especialmente no atual município
de Frei Rogério, no Meio-Oeste, e em São Joaquim,
na Serra, onde contribuíram para o aprimoramento
da produção de maçãs com a introdução de novas
variedades.
Não se pode deixar de citar a presença e a
influência marcante dos africanos, que na maior
parte dos casos, chegaram a Santa Catarina como
escravos. Em 1810, dos 30.000 habitantes de
Santa Catarina, 7.000 eram escravos negros, quase
sempre descendentes de bantos e sudaneses que
desembarcavam nas regiões Nordeste e Sudeste do
país e desciam por terra rumo ao Sul, com o tráfico
interno. Em 1872, a proporção havia caído para
10% dos 158.000 habitantes, mas ainda assim sua
cultura permaneceu presente, como se pode
constatar pelas práticas religiosas – a umbanda e o
candomblé – e culturais, a exemplo do carnaval e
do samba. O Estado mantém várias áreas
quilombolas, originalmente ocupadas por ex-
escravos, como o Sertão do Valongo, em Porto Belo,
e a Lagoa de Acaraí, em São Francisco do Sul. O
maior nome da nossa literatura catarinense era
negro: o poeta João da Cruz e Sousa.
A imigração polonesa é possivelmente a
mais relevante depois da açoriana, da alemã e da
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italiana. Em 1871, o primeiro grupo chegou a
Brusque. Em 1882, foi a vez de Jacinto Machado,
no Sul do Estado. Em 1889, o entusiasmo com a
perspectiva de uma nova vida no Sul do Brasil
tomou conta de muitos poloneses. No ano seguinte,
nada menos que 29.200 vieram ao país, contra não
mais de 4.500 ao longo dos 15 anos anteriores. A
maior parte eram agricultores. Os poloneses se
alojaram especialmente no Sul, nos vales dos rios
Urussanga, Tubarão e Araranguá, com maior
concentração na cidade de Criciúma, e também nos
vales do Itajaí e do Itapocu, ao norte, em cidades
como Mafra, Itaiópolis, Canoinhas, São Bento do Sul
e Brusque. Após a Segunda Guerra Mundial, novas
levas chegaram a Mondaí e Pouso Redondo.
Os franceses, além de terem sido uns dos
primeiros europeus a conhecer Santa Catarina, em
1504, quando Binot Paulmier de Gonneville chegou
à futura cidade de São Francisco do Sul, viveram
outra experiência marcante por aqui, na mesma
região. Foi a instalação, em 1841, de um
experimento socialista, a Colônia Industrial da Barra
do Saí. Idealizado por um médico homeopata,
Benoit Joseph Mure, o projeto contou com o apoio e
a simpatia da monarquia brasileira. Mais de 400
franceses se estabeleceram na colônia, que tinha
como princípio a inexistência da propriedade
privada – tudo era comum e o resultado do trabalho
seria desfrutado igualmente por todos. A colônia
alcançou rápido desenvolvimento, com uma olaria e
uma forja que ganharam muitos clientes na região.
Essas notícias chegavam à França e em 1844 havia
milhares de pessoas interessadas em integrar a
célebre colônia. Contudo, não tiveram vida longa,
em razão das dificuldades de comercializar o que
produziam, dada a baixa densidade demográfica da
região naqueles anos.
Revolução Farroupilha
O período regencial, entre 1831 e 1840 –
desde a renúncia de Dom Pedro I até a ascensão ao
trono de seu filho Dom Pedro II –, viu surgir uma
série de revoltas no país. A mais significativa foi a
Revolução Farroupilha, que eclodiu em 1835 no Rio
Grande do Sul e se prolongou por dez anos. Foi um
movimento impulsionado por ideais republicanos e
pela insatisfação com os altos impostos cobrados
pela Monarquia sobre produtos típicos do Sul, a
exemplo do charque e da erva-mate. Essa ideologia
encontrou muitos apoiadores no território
catarinense, que também seria palco do conflito.
Depois de tomarem Porto Alegre em 1835 e terem
sido repelidos pelas forças do governo, os
revoltosos, conhecidos como “farrapos”, dirigiram-
se a outros pontos de interesse, como Bagé, no
território gaúcho, Lages, na Serra catarinense, e
Laguna, no litoral Sul de Santa Catarina. Laguna foi
tomada em 1839, num esforço conjunto das forças
de terra, lideradas por Davi Canabarro, e de mar,
sob comando do italiano Giuseppe Garibaldi. Na
pacata cidade catarinense foi proclamada a
República Juliana, em 29 de julho de 1839 – nome
que fazia referência ao mês em que ocorria aquele
episódio histórico. O interesse dos farrapos era
obter uma saída para o mar, visto que o litoral
gaúcho estava tomado pelas forças do governo.
A presença dos farrapos em Laguna se
prolongou por seis meses, até que o governo se
reorganizou para retomar a cidade, obrigando os
revoltosos a escapar de volta para o Rio Grande do
Sul. O movimento continuaria até 1845, quando
chegou ao fim por meio de um acordo em que o
governo concordava em reduzir substancialmente
os impostos cobrados sobre o charque. Mas a
permanência em Laguna foi suficiente para que
Garibaldi se apaixonasse pela catarinense Ana
Maria de Jesus Ribeiro e se unisse à jovem – que
dali em diante ficaria conhecida como Anita
Garibaldi. Depois de lutar no Brasil, o casal partiu
para o Uruguai e, de lá, para a Itália, onde Garibaldi
foi o grande líder do processo de Unificação do país,
que se encontrava esfacelado e submetido ao
controle de diversos governos estrangeiros. Anita foi
companheira inseparável, inclusive nos campos de
batalha, do chamado Herói dos Dois Mundos – até
morrer em 1849, aos 28 anos, quando adoeceu em
meio à perseguição pelos austríacos. Tornou-se
sinônimo de mulher destemida e é uma figura
heroicizada tanto na Itália quanto no Brasil,
especialmente na cidade de Laguna.
A Guerra do Contestado
Ao mesmo tempo em que a Primeira Guerra
Mundial agitava o mundo, o conflito do Contestado
abalava a paz em território catarinense. Ocorrido
numa zona de disputa por terras entre Paraná e
Santa Catarina – 48.000 km² no Meio-Oeste e
Oeste catarinenses –, durou de 1912 a 1916 e
vitimou, estima-se, pelo menos 20.000 pessoas. Foi
provocado por uma conjunção de fatores que se
somaram às incertezas causadas pela longa disputa
judicial entre os dois Estados. Um desses fatores foi
a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio
Grande, entre 1907 e 1910, pela Brazil Railway
Company. Os objetivos da obra eram dar saída à
produção de madeira e iniciar ao redor da ferrovia
um processo consistente de ocupação – para isso,
a empresa receberia 6.000 km² de terras como
parte do pagamento, com a possibilidade de
explorar toda a madeira existente ali e a obrigação
de assentar imigrantes estrangeiros. O problema é
que as famílias que ocupavam esse território – uma
faixa de 15 km em cada lado da ferrovia – foram
simplesmente expulsas e não tinham para onde ir.
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Para tornar a situação ainda mais complexa, cerca
de 8.000 operários trazidos para a obra ficaram
sem o ganha-pão assim que a ferrovia ficou pronta.
Essa multidão de pessoas encontrou nos diversos
líderes religiosos que apareceram na região as
palavras de fé que precisavam para seguir adiante.
Em 1912, o monge-curandeiro José Maria
arrebanhou milhares de seguidores, multidão que
assustava os poderes constituídos. Os governos de
Santa Catarina e Paraná deram uma trégua na
disputa que travavam entre si para enfrentar juntos
o movimento, contando ainda com a ajuda do
Governo Federal. O conflito foi desigual. De um lado,
metralhadoras, canhões e até aviões. De outro,
paus e facões. Mesmo assim, foi preciso mobilizar
grande parte do exército brasileiro ao longo de
quatro anos para abafar de vez o Contestado. Do
ponto de vista social, a guerra não trouxe solução
alguma – só agravou o sentimento de revolta da
população e os problemas da região. Mas serviu, ao
menos, para pôr fim à disputa entre os dois
Estados, que firmaram um acordo em 1916,
estabelecendo os limites que permanecem até hoje.
Com isso, surgiram municípios como Mafra (nome
dado em homenagem ao Conselheiro Mafra,
defensor de Santa Catarina na disputa judicial),
Porto União, Joaçaba e Chapecó.
Em 1943, Santa Catarina sofreu uma
modificação geográfica, que se mostrou temporária,
com a criação do Território do Iguaçu pelo governo
Getúlio Vargas, abrangendo a região Oeste dos
Estados do Paraná e de Santa Catarina. No lado de
Santa Catarina, o novo território incluía cidades
como Chapecó, Concórdia, Caçador, Joaçaba,
Xanxerê e São Miguel d’Oeste. Os objetivos eram
fortalecer a ocupação da fronteira depois da
entrada do Brasil na Segunda Guerra e ao mesmo
tempo dar autonomia a uma região que se sentia
distanciada do poder estabelecido no Litoral. A
mudança durou apenas três anos, sendo revogada
pela Constituição de 1946.
Santa Catarina na Era Republicana
A proclamação da República e o
consequente fim da Monarquia, em 15 de
novembro de 1889, marcariam um novo período
para o Brasil e para todas as suas províncias, que
passaram a ser chamadas de Estados. O presidente
de Santa Catarina, Luís Alves Leite de Oliveira Bello,
foi pacificamente destituído e muitos deputados
monarquistas aderiram espontaneamente ao novo
regime. Lauro Müller tornou-se o primeiro
governador de Santa Catarina na era republicana. A
Constituição Federal de 1891 estabeleceu eleições
diretas e Gustavo Richard foi o escolhido.
O Estado se viu involuntariamente envolvido
na Revolta da Armada, que eclodiu no Rio de
Janeiro em 1893. A Marinha, em parte por ter
resquícios monarquistas em seus quadros, e
também insatisfeita pelo fato de que apenas
representantes do Exército estavam assumindo o
governo do país após a proclamação da República,
revoltou-se sob a liderança do almirante Custódio
de Melo. Os navios rebeldes bombardearam o Rio
de Janeiro e, atacados pelas forças
governamentais, escaparam rumo ao Sul do país,
onde se juntaram aos revoltosos da Revolução
Federalista e invadiram a pacata e indefesa capital
catarinense, Desterro. Floriano Peixoto adquiriu
novos navios e retomou a cidade, com forte
repressão – incluindo quase duas centenas de
fuzilamentos e enforcamentos realizados na Ilha de
Anhatomirim, sob comando do temido coronel
Moreira Cesar. As vítimas foram não apenas
membros comprovados do movimento original, mas
também simples moradores de Desterro que teriam,
na avaliação do governo, colaborado de alguma
forma com os revoltosos. Santa Catarina entraria no
século 20 com muitos traumas a superar e uma
nova identidade para a capital, cujo nome foi
trocado de Desterro para Florianópolis.
Em 1900, Santa Catarina somava 320.300
habitantes. Florianópolis e Blumenau eram as
maiores cidades, com cerca de 31.000 habitantes
cada. O Estado consolidava o modelo de ocupação
por pequenas propriedades agrícolas, de
administração familiar, sem latifúndios e sem uma
metrópole predominante. Com o passar das
décadas, esse se tornaria um dos principais
diferenciais de Santa Catarina em relação à maioria
dos Estados brasileiros. As limitações econômicas
do início do século foram sendo gradualmente
superadas. A pauta de exportações, antes limitada
às madeiras, à erva-mate e à farinha de mandioca,
foi reforçada pelo gado e o arroz.
Com o advento da industrialização no
Estado, processo iniciado ainda na década de
1880, com a fundação de uma fábrica de camisetas
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em Blumenau pelos irmãos Hermann e Bruno
Hering, Santa Catarina passou a ter produção
relevante também de tecidos e fios, camisas,
bordados e meias de algodão. Impulsionado pelo
desenvolvimento da indústria têxtil, Blumenau logo
se tornaria o maior município catarinense – em
1920, a cidade somava 68.000 habitantes,
enquanto nenhuma outra do Estado chegava a
40.000.
Fábrica de Tecidos Carlos Renaux
Primeira indústria têxtil de Brusque
Florianópolis, a capital, vivia isolada pela
inexistência de uma ligação da Ilha de Santa
Catarina com o continente. O governador Hercílio
Luz resolveu enfrentar esse problema ao
providenciar a construção, entre 1922 e 1926, da
ponte que seria batizada com o seu nome. O
desenvolvimento trazido pela obra foi inegável,
assim como o endividamento do Estado, que
precisou fazer um empréstimo de 20.000 contos
(quantia equivalente a 5 milhões de dólares) para
executar essa e outras obras de infraestrutura. O
valor correspondia a quase quatro anos de receita.
Em 1955, o lageano Nereu Ramos, que
havia sido governador de Santa Catarina entre
1935 e 1945 (e era filho do também ex-governador
Vidal Ramos), tornou-se o político mais importante
da história catarinense ao assumir a Presidência da
República por um período de três meses, após o
suicídio de Getúlio Vargas. Ramos era o primeiro
vice-presidente do Senado Federal e foi alçado ao
cargo após o impedimento do vice de Getúlio, Café
Filho, e do presidente da Câmara dos Deputados,
Carlos Luz. Conduziu o governo até a posse de
Juscelino Kubitschek, tornando-se a partir daí
ministro da Justiça. Nereu Ramos morreria num
acidente aéreo, em 1958, que vitimou também o
então governador de Santa Catarina, Jorge Lacerda,
e outro importante político do Estado, Leoberto Leal.
O golpe militar de 1964 impôs um período
de duas décadas de ditadura no Brasil. Santa
Catarina teve um papel destacado no processo de
redemocratização do país ao desencadear um
movimento popular que entrou para a história como
Novembrada, referência ao mês de 1979 em que o
episódio ocorreu em Florianópolis. Durante visita do
presidente João Figueiredo à cidade, estava prevista
a inauguração de uma placa em homenagem a
Floriano Peixoto – contestada por boa parte da
população em decorrência da memória dos
acontecimentos que haviam culminado com a troca
do nome da cidade para Florianópolis, em 1894. Os
protestos se transformaram em tumulto e a
população arrancou à força a placa recém-instalada
na Praça 15 de Novembro, manifestação que foi
interpretada como sinal do enfraquecimento do
governo militar e contribuiu para o advento do
processo de abertura política que se daria dali em
diante.
Em 1983, o voto voltou a ser direto para a
escolha de governadores. Em Santa Catarina, foram
eleitos sucessivamente Esperidião Amin (1983-
1987), Pedro Ivo Campos (para o mandato entre
1987 e 1990, com o vice Casildo Maldaner
assumindo por pouco mais de um ano após a morte
do governador), Vilson Kleinübing (para o período
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entre 1991 e 1995, com seu vice Antônio Carlos
Konder Reis também assumindo por quase um ano
em decorrência do titular ter concorrido ao Senado),
Paulo Afonso Vieira (1995-1999), novamente
Esperidião Amin (1999-2003), Luiz Henrique da
Silveira (que cumpriu dois mandatos, entre 2003 e
2010, com o vice Leonel Pavan assumindo por
quase um ano, ao final do período, para que o
governador se candidatasse ao Senado) e
Raimundo Colombo, a partir de 2011.
Adaptado de:
Dia de Santa Catarina, Florianópolis: Insular, 2013.