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“Uma televisão pública que dê ‘voz’ a todos, e cujo conteúdo melhore
a qualidade da ‘cola’ que nosune, será uma mídia pública promotora
de capitalsocial e capitalcomunicacional.”
HELOIZA MATOS E NOBRE
Patrícia GuimarãesGil1
A relação entre comunicação pública e engajamento cívico
marca pesquisa e vida da professora Dra. Heloiza Matos e
Nobre (PPGCOM-USP). Nessa entrevista, ela apresenta seu
olhar crítico para uma mídia pública em sua missão de
incluir e defender o direito à expressão dos cidadãos. É
jornalista, mestre e doutora em Ciências da Comunicação
pela USP, e com estágios pós-doutorais junto ao GRESEC
(Groupe de Recherche sur lês Enjeux de la
Communication), na Université Stendhal. Entre diversas
obras, é autora de “Capital Social e Comunicação” (2009) e
co-organizadora da coletânea “Comunicação e política:
capital social, reconhecimento e deliberação pública”
(2011), com a Profª Drª Ângela Marques (UFMG). Suas
reflexões sobre a comunicação, capital social e capital
comunicacional enriquecem esses campos de estudos.
Qual a importância da televisão pública para a sociedade?
O papel da televisão pública, de maneira geral, deve estar relacionado à inclusão
dos cidadãos como sujeitos de direito e expressão de suas demandas às esferas
formais de poder. Reside aí sua importância. Ela está diretamente relacionada
com o aprofundamento da qualidade democrática. Cabe à televisão pública
prover as redes sociais dispersas na esfera pública de informações que favoreçam
seu engajamento coletivo na busca de soluções para os problemas no mundo da
vida. A televisão pública deve ser entendida dentro do conceito maior de
comunicação pública, portanto, e não dentro do escopo de uma comunicação
governamental – uma confusão histórica na prática e nos estudos desse campo no
Brasil. Mais do que prover e transmitir informação, a TV pública deve
comunicar-se na e com a sociedade, inserindo-se nas redes de conversação e nos
movimentos cívicos, para que as questões problematizadas no cotidiano do
brasileiro possam ganhar visibilidade e expressão. Em outra ponta, a importância
da TV pública está em articular formas de capacitação do cidadão para o exercício
da palavra política.
Quais as fragilidades da televisão pública?
No Brasil, avalio que a primeira fragilidade é histórica e se refere à confusão entre
comunicação pública, incluindo a TV pública, e comunicação governamental. A
temática da comunicação pública ficou às sombras de um contexto de disputa por
concessões de televisão e rádio, em meio às barganhas políticas que acabaram
travando discussões mais profundas sobre a diferenciação entre as duas áreas e
conceitos. Em meio a essa problemática, o sucateamento das emissoras estatais
(porque se tratava de considerá-las assim) era insistentemente avaliado em
função das dificuldades de investimento do Estado. Por outro lado, o discurso do
mercado pressionava os profissionais e gestores das televisões em função da
baixa audiência de seus programas. Com a formação da Empresa Brasileira de
Comunicação e com a TV Brasil, as fragilidades financeiras não cessaram, com
árduas lutas pelo recebimento dos recursos esperados (do Fistel – Fundo de
Fiscalização das Telecomunicações, por exemplo). Além disso, em termos
institucionais, as investidas políticas sobre a pauta, a programação e o
aparelhamento da TV pública tentaram, a todo tempo, fazer dela uma extensão
dos gabinetes partidários e governamentais.
Sempre faltou considerar a comunicação pública em sua essência, ou seja: aquela
que trata do que é do interesse público; que é apartidária; que possui caráter
educativo-político; e que almeja uma generalização deliberativa.
Como a televisão pública deve se sustentar?
O financiamento da televisão pública deve ser definido de acordo com um modelo
escolhido em cada país, conforme sua cultura política e as necessidades do
contexto local. Há uma série de mídias públicas que, num conceito mais aberto,
podem assim ser consideradas e que não possuem capital estatal. Na América
Latina, “canais” ligados a organizações não-governamentais e a movimentos na
sociedade civil encontraram formas de se estabelecer e perdurar, enquanto a
própria televisão pública (uma exceção é o Chile) sempre esteve ligada aos
governos (desde seus tempos mais sombrios). Nos Estados Unidos, não houve
conflitos entre interesses públicos e comerciais nas emissoras públicas, que
continuam prestando um serviço adicional ao da iniciativa privada. Já na Europa (o
caso da BBC é sempre o mais citado), o Estado dificilmente abriu mão do controle
de propriedade, apesar da forte desregulamentação que marcou os serviços
públicos nos anos 80 e 90. Mas o espírito democrático se manteve por lá em
nome da proteção de uma esfera pública livre da dominação do mercado.
De maneira geral, a mídia pública deve ser livre para pautar-se pelo cidadão. Se o
investimento for público, a influência política deve ser bravamente combatida. Se
o investimento for privado, os interesses comerciais precisam ser mantidos à
distância.
Quais as relações que a televisão pública deve manter com o Estado?
De independência. Cabe ao Estado democrático prover a sociedade com
informação de boa qualidade. Deve manter-se aberto ao escrutínio da imprensa
livre – incluindo a televisão pública. Estruturas próprias de comunicação nos
governos (como a Secom, presente no governo federal, e todos os órgãos
semelhantes nos estados, municípios, autarquias e outros) têm funções
específicas, como prestar contas de contratos publicitários, campanhas públicas
de informação e também como órgão responsável por prestar esclarecimentos
quando solicitados. Sua propaganda política é outro “departamento”. Mas a
missão original da TV pública não se mistura com essas outras funções.
Como a televisão pública deve dialogarcom a sociedade?
Diretamente e de maneira inclusiva. Não é função da televisão pública, dentro de
um espírito democrático mais exigente, apenas transmitir dados. Não deve
também apenas apresentar o cidadão nas telas. Teve incorporá-lo na definição de
uma agenda de interesse público, de maneira que possa colaborar para a
tematização dos problemas em seus contextos de vida.
Como deve ser desenvolvida a grade da televisão pública?
A definição da programação na televisão pública deve, assim como seu modelo de
financiamento, respeitar os modelos culturais em que ela nasce. É preciso ter
cuidado com essa ideia porque, levada às últimas consequências, a defesa de um
modelo nesses termos pode levar à reprodução de estruturas viciadas de poder.
Mas considerando que estamos tratando aqui de propostas ideais, a discussão
deliberada sobre o conteúdo da grade na televisão pública ainda parece-me a
mais indicada. Os conselhos devem ser independentes, formados por
representantes da sociedade com o mesmo poder de decisão que eventuais
membros indicados pelo governo. Sua estrutura de funcionamento deve ser
aberta e dinâmica.
Qual a importância da audiência para a televisão pública?
Essa questão muitas vezes tem sido usada para diminuir ou desviar o papel da
televisão pública. A audiência, em seu sentido comercial, não deve ter
importância para a televisão pública. Mas ela também não pode ser negada, à
medida que a TV, idealmente, é produzida para os cidadãos, de forma geral. Se,
por ventura, eles continuarem desinformados sobre as ofertas da TV pública ou
desinteressados na programação, certamente haverá ali um problema. E esse é
um sinal para se refletir se a televisão pública está realmente pautando-se pelo
que interessa ao cidadão em termos de solução para seus problemas. Há vários
estudiosos e jornalistas de altíssima capacidade pensando esses conteúdos no
Brasil e lá fora.
Penso haver dois grandes desafios que relacionam essa questão ao conceito de
comunicação pública: 1) compreender mais profundamente como outros países
(além da Europa, cujo modelo é tratado como o ideal) estão pensando e
programando suas emissoras públicas; 2) desenvolver um olhar brasileiro para
nossos desafios. O que parece importar nessa tarefa é avaliar em que medida a
televisão pública se afasta ou se aproxima do diálogo com o cidadão.
Na própria Inglaterra e na França, por exemplo, os esquemas de comunicação
pública voltaram-se para uma ênfase da organização criteriosa das mensagens e
das mídias púbicas, tentando adequar a fala do Estado à compatibilidade entre
as expectativas do cidadão e às necessidades de apoio político aos governos.
Aquela foi uma fase importante. Mas agora as necessidades e os problemas são
outros.
O cidadão continua vendo programas humorísticos e noticiários empacotados. No
entanto, nos últimos anos, acontecimentos políticos e políticas públicas
(disponibilizadas em apoio às necessidades do cidadão, especialmente os mais
vulneráveis) mudaram a configuração das demandas e das formas de
organizá-las. Hoje temos uma parcela de cidadãos que está cada vez mais
presente nas redes sociais, fazendo uso de suas câmeras portáteis e com ideias de
justiça a serem reportadas. Eles são capazes de filmar cenas de desrespeito ao
cidadão, de encaminhá-las à divulgação na mídia tradicional e de mobilizar
milhões de pessoas em seus próprios canais. Há ainda as rádios comunitárias, o
YouTube, blogs e vlogs que continuam registrando demandas e denúncias em
todos os setores da vida pública. É preciso olhar para essas experiências nos locais
mais pobres e desemparados do País para ver o que pensam e o que estão
dizendo os cidadãos – como se organizam, como se reúnem, como usam o funk
para estruturar uma fala de apoio à Jesus e ao crime organizado, como ocupam a
escola com o apoio dos pais (e antes dos professores). É desse sentido de
audiência que estou tratando. Se essa audiência não existir na televisão pública,
cabe perguntar qual é o tipo de comunicação que ela realmente está fazendo
(entendendo comunicação enquanto interação).
O que quero dizer é que a vida e o viver comunicativo do cidadão estão mudando
radicalmente e que para pensar a comunicação pública e a comunicação
política, precisamos olhar além da militância (que continua tendo uma função
importante nas transformações que estão ocorrendo) e sentir quem é esse
cidadão considerado pela comunicação pública.
Você assiste à televisão pública? Cite um programa e explique.
Não com muita frequência, mas assisto Sem censura, os filmes brasileiros do Cine
Nacional e o Roda Viva na TV Cultura. Não tenho interesse pelos programas
infantis que ocupam grande parte da manhã e alguns programas que são
apresentados depois das 23 horas.
Como a audiência não é a medida adequada para uma televisão pública,
reconheço, na programação apresentada, um reflexo das dificuldades técnicas e
financeiras da TV pública brasileira.
Qual a relação da televisão pública com a comunicação pública em termos
conceituais e históricos?
De forma geral, as mídias públicas (dentre as quais a televisão pública) podem ser
ou não exemplos de comunicação pública. Há três modos simples de entender as
mídias públicas: na origem, a quem pertencem; no destino, a quem se dirigem; e
nos processos, como atuam. Por exemplo, pode-se dizer que toda mídia estatal é
pública, pela simples razão da propriedade pública do “bem”. Por outro lado,
pode-se chamar de pública toda mídia democrática, quer dizer, orientada a todos
os segmentos da sociedade – sem exclusão. Por fim, independentemente de a
quem pertence e a quem se dirige, pode-se ressaltar o caráter público da mídia: é
pública a mídia que veicula conteúdo e forma que privilegiam temas e assuntos
que possuam relevância pública, e que o façam de modo a estimular o acesso, a
inclusão e a participação de todos os extratos sociais. Seu objetivo é estimular a
deliberação pública (isto é, o debate democrático e a eleição conjunta de cursos
de ação na polis). Se a televisão pública se colocar neste último critério, o do
caráter público da mídia, então poderá ser considerada como modalidade de
comunicação pública.
Considerando o histórico da comunicação pública no Brasil (suas problemáticas
e estruturas de funcionamento, bem como suas matrizes discursivas), que
desafios você identifica para a constituição desse campo hoje? E qual é o lugar
da televisão pública nesse projeto?
Há dois principais desafios para a comunicação pública no Brasil. O primeiro é
consolidar o entendimento de que a comunicação pública difere da comunicação
governamental, da comunicação estatal, do marketing político, e, em certa
extensão, da comunicação política. Já há avanços neste sentido, mas é possível
identificar na produção científica recente ao menos uma dessas confusões. O
segundo desafio, sempre que o primeiro tenha sido conceitualmente claro, é
ajudar a construir o futuro desta área. Por exemplo, o futuro da pesquisa em
comunicação pública deverá incluir estudos do engajamento e participação dos
cidadãos nas questões públicas, pelas práticas deliberativas na sociedade, pela
capacitação ampliada em cidadania, para reivindicar seus direitos como cidadão
portador do direito de escolha. Neste sentido, a televisão pública pode colaborar
com a produção e veiculação de conteúdos que tematizem a cidadania engajada e
a democracia participativa, que valorizem a educação formal continuada e
também a riqueza cultural, que informem e reconheçam o acesso à informação
que gerou o debate e deliberar sobre as pautas do conflito, com suas possíveis
soluções.
Quais são os elementos centrais pelos quais a comunicação pública – e em
específico, a televisão pública – se relaciona com critérios de qualidade
democrática?
O caráter fundamental da comunicação pública está na universalidade de sua
razão: é pública porque diz respeito a todos, sem exceção. Uma comunicação
pública é a que considera, entre os assuntos de interesse geral, aqueles que
aproximam os cidadãos das esferas públicas onde o conflito e a controvérsia estão
presentes, que apresentam proposições para os problemas, sempre mantendo em
mente o bem comum como objetivo último. Neste sentido, a comunicação pública
é o vetor comunicativo da democracia, pois nela convergem, em teoria e em
prática, os valores da vida em comum, e é através dela, enquanto negociação de
sentidos e conflitos, que a sociedade busca instituir-se como unidade identitária.
Assim, a comunicação pública é o antídoto contra interesses, expressões,
atividades, e propostas particulares ou mesmo públicas que se colocam, em
alguma medida, como questões urgentes e inegociáveis em detrimento da “coisa
pública”. Uma televisão pública que abrace os valores da comunicação pública
estará, em princípio, sintonizada com os ideais democráticos.
Como ocorre a formação de capital social a partir da comunicaçãopública?
O capital social é o valor de nossas relações, não medido em unidades, e relações
que vão muito além de qualquer caráter utilitarista. Assim, o capital social pode
ser entendido como a qualidade da “cola” que nos mantém juntos, naquele
sentimento de pertencer a um bairro, a uma cidade, a uma região, a um estado ou
a um país. É o capital social que nos faz importar com uns problemas e não com
outros, que leva a nos indignarmos com o noticiário, que nos impele a fazer algo
concreto acerca de problemas comunitários – como participar de campanhas de
solidariedade a pessoas ou grupos feridos em sua dignidade, apoiar movimentos
das ruas, a postar nas mídia sociais, a voluntariar em ONGs etc. Já o capital
comunicacional é o poder da “voz” que temos, que nos permitiram e que nos
permitimos. Construída ao longo do tempo e através de toda a rede de nossas
relações, é essa “voz” que nos institui como pessoas privadas e públicas, por
exemplo, como cidadãos; que nos defende e promove enquanto agentes sociais.
Uma televisão pública que dê “voz” a todos, e cujo conteúdo melhore a qualidade
da “cola” que nos une, será, sem dúvidas, uma mídia pública promotora de capital
social e capital comunicacional.
Você vem trabalhando em torno do conceito de capital comunicacional. Como
articulá-lo com a mídia pública?
Pois bem, então chegamos na questão do capital comunicacional. Esse é um
conceito muito novo e ainda dependente de sistematização. Ele consiste no
conjunto de ativos tangíveis e intangíveis que favorecem as trocas comunicativas
em organizações e grupos sociais. Esses ativos permitem então a formação de
conhecimento e o desenvolvimento de competências nesses meios. É fácil então
imaginar o enorme potencial da televisão pública no fornecimento desses
“insumos”, por assim dizer, aos grupos sociais. Ela amplia e dirige o uso público de
suas estruturas digitais e analógicas. Ela fornece produtos informativos
identificados com alto valor de uso pelos grupos concernidos.
Mas isso ainda indica uma resposta instrumental e funcionalista. Avalio que
devemos entender a mídia pública como um sujeito em comunicação que,
articulado com as redes múltiplas da esfera pública, mantém uma relação de
reciprocidade no interior de seus públicos. Nessa mútua contribuição, dentro de
uma comunicação responsiva, ela amplia o giro do capital comunicacional, se
usarmos uma linguagem econômica, aumentando exponencialmente o valor
desse ativo pela capacidade que tem de engendrar conexões.
Imaginemos agora a falta que faz uma mídia e uma televisão pública
independente e tudo o que ela deixa de produzir a favor das relações sociais, da
produção de confiança e da estabilidade econômica e política que esses capitais
favorecem, segundo conceituados estudos disponíveis. Pensar sua ausência é a
melhor forma de compreender sua importância.
Qual o papel da televisão pública dentro do composto das mídias (públicas ou
privadas), e como todas essas mídias fazem sentido dentro de uma comunicação
pública estruturada?
As mídias públicas se compõem de todos os meios de expressão, ampliados pela
mídia tradicional – rádios, televisões, jornais, revistas, livros, ou pela voz ampliada
pela tecnologia –, internet, smartphones, tablets etc. Mídias públicas disponíveis
para o ato da expressão pública do cidadão que se comportam como
comunicadores públicos, cujos processos de produção e distribuição incorporam o
espírito público, pertencem a uma categoria especial. No caso da televisão, uma
mídia pública que adota a comunicação pública como princípio, pode ser: (1) de
propriedade parcial ou total do Estado, como a EBC, a BBC, e outras (questão de
“público” enquanto propriedade de quem); (2) destinada ao público em geral,
sem outro objetivo senão promover a qualidade da cidadania e da democracia,
como a TV Futura, TV SESC etc. (questão de “público” enquanto eleição de
interlocutores); e (3) dedicada aos valores comunitários e à coesão social,
promovendo processos inclusivos, lutando contra a desigualdade, estimulando a
paz e a tolerância, como a TV ONU, rádio ONU etc. (questão de “pública”
enquanto rol de valores e comportamentos benéficos a todos). Logo, uma
comunicação pública estruturada implica um composto de mídias (estatais,
privadas ou do terceiro setor) que promovam a qualidade da cidadania e da
democracia, dedicado aos valores comunitários e à coesão social – e a televisão
pública é fundamental neste mix.
Dentro de uma perspectiva da comunicação pública, é possível conceber
televisão pública não-governamental, por exemplo, do terceiro setor e das
organizações?
Sim, no caso do terceiro setor, a TV ONU, a Greenpeace TV, e um sem número de
canais “televisivos” disponíveis na Internet (por exemplo, no YouTube); no caso do
segundo setor, a TV Futura, a TV SESC, e o mesmo para a oferta via Internet. Com
o advento da responsabilidade social no mundo corporativo, muitas organizações
investiram na produção de conteúdo televisivo (tradicional ou via Internet) com
diferenciado grau de aderência ao conceito de “comunicação pública”. Temos, por
exemplo, a Vale do Rio Doce veiculando peças de respeito ao meio Ambiente, o
McDonald’s promovendo a luta contra o câncer, a Rede Globo arrecadando
dinheiro com o Criança Esperança (em parceria com a UNESCO), entre tantos
outros exemplos de projetos com nítido caráter de “responsabilidade social”, mas
não necessariamente endossados pelo cidadão na esfera pública. Não se trata de
recusar a participação da esfera privada. Embora representem algum avanço,
fruto de aumento da sensibilidade das organizações privadas, não
necessariamente nascem das decisões tomadas na esfera pública e se apresentam
em contradições com as expectativas formuladas, nos aspectos relativos à
projetos de sustentabilidade e respeito ao meio ambiente, a saúde pública e a
proteção às crianças em situação vulnerável.
Contudo, é na sociedade civil que se observa o maior avanço no uso das mídias
audiovisuais (caso da televisão) para o exercício da comunicação pública. A
convergência de várias mídias no smartphone tem permitido a pessoas comuns
funcionarem como repórteres (e redes) de televisão, ao mesmo tempo
registrando a notícia, analisando, comentando, editando (ou não), e veiculando
via Internet. Uma cena gravada com o celular que mostra violência policial, um
latrocínio, uma vala na rua, uma tentativa de extorsão envolvendo agentes
públicos e outras pautas, quando postada na Internet para acesso universal, pode
caracterizar os critérios que definem o fazer “televisão pública”, e que o definem
na perspectiva da comunicação pública.
Qual o papel das mídias públicas (e da televisão pública) na capacitação para a
cidadania, e que importância tal capacitação tem para a comunicação pública?
A comunicação pública envolve habilidades técnicas específicas e mídias cuja
manipulação exige conhecimentos cada vez mais difundidos, especialmente entre
os jovens. No entanto, ao lado do conhecimento técnico, para entender o alcance
dos dispositivos tecnológicos, é preciso capacitar o cidadão para expressar e atuar
nas esferas públicas. Ambas as coisas demandam tanto educação formal, quanto
estágios de “mão na massa” para manipular e entender o alcance e a repercussão
da tecnologia quando é veículo de expressão da palavra pública. Por outro lado, a
preparação de comunicadores públicos envolve uma mudança cultural e política,
que valoriza cada pessoa humana, a ponto de que todos se deem o direito de se
expressarem; cada agrupamento humano, a ponto de que nenhuma expressão
comunitária tenha mais validade do que outras; cada aspecto técnico, pois a
oratória é tão importante quanto a mídia; cada fase do processo, pois há regras
para debater e deliberar; e, por fim, que valoriza o respeito e a civilidade no trato,
a que todos têm direito e dever. Todas as mídias públicas podem e devem
contribuir para a formação de mais e melhores comunicadores públicos, o mesmo
valendo para a televisão pública. Afinal, não há cidadania sem comunicadores
públicos, pois todos os cidadãos têm de saber e poder se expressar nas esferas
públicas; de fazer serem ouvidas as suas “vozes”.
Rádios cidadãs e TVs cidadãs, criadas e gerenciadas pela própria sociedade e
levadas ao ar via internet, por exemplo, são consideradas comunicação pública?
Qual sua relação com a mobilização e o engajamento cidadão?
Sempre que preencherem os requisitos do conceito de comunicação pública (por
exemplo, escolha de assuntos de interesse público, universalmente debatidos e
cuja deliberação envolva processos legitimamente democráticos), toda e qualquer
mídia (seja estatal, privada ou do terceiro setor) poderá ser considerada
“comunicadora pública”. Em teoria, rádios e TVs cidadãs teriam uma maior
vocação para isso, mas nada impede que programas televisivos emanando de
organizações privadas, só para citar um setor social, não possam cumprir o
mesmo papel e com a mesma qualidade. O que está em jogo, de fato, é o
incentivo que os atores sociais têm para promoverem a cultura do “espírito
público”, ao mesmo tempo investindo nas habilidades técnicas e humanas
requeridas para o bom desempenho da cidadania, e mobilizando recursos (tempo,
financeiro, pessoal etc.) para “disseminar” esses ativos (capital social e capital
comunicacional) na sociedade. Assim, o capital social tem recursos para mobilizar
as pessoas em torno de um objetivo comum, ao passo que o capital
comunicacional permite engajar aqueles que tomam a palavra para defender o
bem público. No limite, um grupo de jovens reunidos numa “ocupação” ou numa
comunidade vulnerável pode, com pouco mais que um celular e acesso à Internet,
produzir conteúdo propício a uma televisão pública de qualidade.
Um outro exemplo de compatibilidade entre as causas defendidas pelos cidadão ,
com a participação de mídias públicas, pode ser encontrado na TV Ninja que tem
feito a cobertura de manifestações públicas desde 2013, sinalizando para os
governantes a força das ruas e, muitas vezes, a truculência da polícia no combate
às manifestações de repúdio às ações do governo.
Desde um ponto de vista da comunicação pública, como a televisão pública
contribui para processos deliberativos democráticos e inclusivos (ou ainda são
aparatos monológicos de manutençãodo status quo)?
Por mais avançada que esteja a tecnologia (e ela está, vale dizer), a mídia
televisiva parece resistir enquanto aparato monológico de um para muitos .
Todavia, com a queda nos preços de aparelhos multimídia, como o smartphone,
houve uma massificação da distribuição de verdadeiros “mini estúdios de
televisão”, já que um celular com acesso à internet permite criar e socializar
conteúdo audiovisual (quase ou totalmente) compatível ao que se vê nas
televisões tradicionais. Daí que se pode notar uma evolução, já que agora a fala
do cidadão assume o caráter de muitos para muitos. Mas, infelizmente, essa nova
realidade evoluiu mais para uma cacofonia de monólogos do que para um
ambiente permeado de diálogos. Novamente, a mídia televisiva parece ser
refratária à interação dialógica, a despeito das tentativas de permitir intervenções
externas via telefone, chat, email, whatsapp etc. e de pautarem entrevistas e
debates de especialistas em seus programas (como forma de simular um diálogo
que inclui a assistência) A despeito deste traço constituinte da mídia televisiva, é
preciso defender sua importância na produção e distribuição de conteúdo na
sociedade – especialmente agora com a parcial democratização dos meios
técnicos de produção e distribuição via internet; especialmente de conteúdos que
possam promover a democracia e a cidadania, e que possam participar na
capacitação de comunicadores públicos cada vez mais aptos a defenderem os
interesses da comunidade onde vivem de forma direta e ativa – para além da
representação delegada.
Entender a televisão pública a partir dos contornos da democracia requer uma
reflexão sobre qual (ou como) é a democracia que temos hoje. Os estudos sobre
qualidade democrática no mundo todo passaram a avaliar o aprofundamento do
regime em várias dimensões substantivas e também procedimentais. Uma delas,
por exemplo, é a accountability eleitoral e horizontal (entre as instituições). Ou
seja, pergunta-se como os líderes são responsivos aos programas pelos quais
foram eleitos e quanto realmente atendem aos interesses da população. E como
podem ser monitorados e cobrados por suas decisões. A discussão da deliberação
pode ser feita nesse contexto, à medida que ela deve ser entendida como um
processo comunicativo baseado na troca argumentativa racional de forma
cooperada entre os públicos concernidos que, assim, tomam decisões sobre seus
problemas reais. Quanto mais esses processos comunicativos são estimulados,
conectando a base da sociedade e as esferas decisórias, mais qualidade nossa
democracia terá nesse quesito. Acredito que esta deveria ser uma missão da
televisão pública. Para tanto, ela precisaria sair de uma condição meramente
transmissiva, aos estilos dos pronunciamentos políticos. Um controle de agenda
na televisão pública instrumentalizada pela política oficial cria o que Habermas
chama de comunicação distorcida. Isso implode uma proposta de imprensa livre
(que está nos procedimentos elementares da democracia). Além disso, embaralha
perigosamente as noções do que é público. A deliberação pública só pode assim
ser chamada porque ocorre no meio da sociedade, representando direitos
diversos, oferecendo espaços de reconhecimento a demandas sociais,
econômicas, culturais, políticas, ambientais (entre tantas outras). A ideia de
deliberação pública, portanto, é primordialmente inclusiva. Como afirma a
professora Ângela Cristina Marques, da Universidade Federal de Minas Gerais, a
deliberação envolve aqueles processos comunicativos que são capazes de
articular as mais diversas arenas da esfera pública. A televisão pública deve ser
capaz de compreender o que se passa nas diferentes arenas que compõem essa
enorme malha social que é a esfera pública. Ela deve possibilitar canais de
expressão, além de favorecer uma leitura crítica das demandas que estão sendo
processadas ali, no mundo da vida. Mas também fornecem uma via – ou um
atalho, poderíamos pensar assim – para que esses grupos sociais alcancem as
esferas formais de poder – o Legislativo e o Executivo, especialmente. Enquanto a
televisão pública for usada para disseminar discursos e ideologias de governos,
não haverá livre trânsito nesse atalho. Será apenas uma via de mão única, estreita
e lenta.
Considerações finais
Agradeço as interlocuções com o prof. Dr. Guilherme Nobre com quem compartilhei
artigos sobre comunicação pública e capital social. E também não deixarei de
homenagear os membros grupo de pesquisa - COMPOL, a maior parte deles meus
orientandos, em atividade na pós graduação da ECA, sob minha coordenação, desde
2011. Também sou grata ao meu orientando do Mestrado e Doutorado do
PPGCOM/USP, Jorge Pereira, dedicado pesquisador da televisão pública com quem
divergi, aprendi e compartilhei a minha produção acadêmica recente no campo da
comunicação pública.
1
Patrícia Guimarães Gil é professora da ESPM-SP. Jornalista pela UFPR, mestre e
doutoranda em Ciências da Comunicação pela USP. Integra o grupo de pesquisa
Comunicação Pública e Comunicação Política (Compol), na Escola de Comunicações e
Artes da USP. É pesquisadora nas áreas de comunicação pública, organizacional e estudos
deliberativos,entre outrostemas.E-mail:pgil1976@gmail.com

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Heloiza Matos em defesa da tv publica final

  • 1. “Uma televisão pública que dê ‘voz’ a todos, e cujo conteúdo melhore a qualidade da ‘cola’ que nosune, será uma mídia pública promotora de capitalsocial e capitalcomunicacional.” HELOIZA MATOS E NOBRE Patrícia GuimarãesGil1 A relação entre comunicação pública e engajamento cívico marca pesquisa e vida da professora Dra. Heloiza Matos e Nobre (PPGCOM-USP). Nessa entrevista, ela apresenta seu olhar crítico para uma mídia pública em sua missão de incluir e defender o direito à expressão dos cidadãos. É jornalista, mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela USP, e com estágios pós-doutorais junto ao GRESEC (Groupe de Recherche sur lês Enjeux de la Communication), na Université Stendhal. Entre diversas obras, é autora de “Capital Social e Comunicação” (2009) e co-organizadora da coletânea “Comunicação e política: capital social, reconhecimento e deliberação pública” (2011), com a Profª Drª Ângela Marques (UFMG). Suas reflexões sobre a comunicação, capital social e capital comunicacional enriquecem esses campos de estudos. Qual a importância da televisão pública para a sociedade? O papel da televisão pública, de maneira geral, deve estar relacionado à inclusão dos cidadãos como sujeitos de direito e expressão de suas demandas às esferas formais de poder. Reside aí sua importância. Ela está diretamente relacionada com o aprofundamento da qualidade democrática. Cabe à televisão pública prover as redes sociais dispersas na esfera pública de informações que favoreçam seu engajamento coletivo na busca de soluções para os problemas no mundo da vida. A televisão pública deve ser entendida dentro do conceito maior de comunicação pública, portanto, e não dentro do escopo de uma comunicação governamental – uma confusão histórica na prática e nos estudos desse campo no Brasil. Mais do que prover e transmitir informação, a TV pública deve
  • 2. comunicar-se na e com a sociedade, inserindo-se nas redes de conversação e nos movimentos cívicos, para que as questões problematizadas no cotidiano do brasileiro possam ganhar visibilidade e expressão. Em outra ponta, a importância da TV pública está em articular formas de capacitação do cidadão para o exercício da palavra política. Quais as fragilidades da televisão pública? No Brasil, avalio que a primeira fragilidade é histórica e se refere à confusão entre comunicação pública, incluindo a TV pública, e comunicação governamental. A temática da comunicação pública ficou às sombras de um contexto de disputa por concessões de televisão e rádio, em meio às barganhas políticas que acabaram travando discussões mais profundas sobre a diferenciação entre as duas áreas e conceitos. Em meio a essa problemática, o sucateamento das emissoras estatais (porque se tratava de considerá-las assim) era insistentemente avaliado em função das dificuldades de investimento do Estado. Por outro lado, o discurso do mercado pressionava os profissionais e gestores das televisões em função da baixa audiência de seus programas. Com a formação da Empresa Brasileira de Comunicação e com a TV Brasil, as fragilidades financeiras não cessaram, com árduas lutas pelo recebimento dos recursos esperados (do Fistel – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, por exemplo). Além disso, em termos institucionais, as investidas políticas sobre a pauta, a programação e o aparelhamento da TV pública tentaram, a todo tempo, fazer dela uma extensão dos gabinetes partidários e governamentais. Sempre faltou considerar a comunicação pública em sua essência, ou seja: aquela que trata do que é do interesse público; que é apartidária; que possui caráter educativo-político; e que almeja uma generalização deliberativa. Como a televisão pública deve se sustentar? O financiamento da televisão pública deve ser definido de acordo com um modelo escolhido em cada país, conforme sua cultura política e as necessidades do contexto local. Há uma série de mídias públicas que, num conceito mais aberto, podem assim ser consideradas e que não possuem capital estatal. Na América Latina, “canais” ligados a organizações não-governamentais e a movimentos na sociedade civil encontraram formas de se estabelecer e perdurar, enquanto a própria televisão pública (uma exceção é o Chile) sempre esteve ligada aos governos (desde seus tempos mais sombrios). Nos Estados Unidos, não houve conflitos entre interesses públicos e comerciais nas emissoras públicas, que continuam prestando um serviço adicional ao da iniciativa privada. Já na Europa (o caso da BBC é sempre o mais citado), o Estado dificilmente abriu mão do controle de propriedade, apesar da forte desregulamentação que marcou os serviços
  • 3. públicos nos anos 80 e 90. Mas o espírito democrático se manteve por lá em nome da proteção de uma esfera pública livre da dominação do mercado. De maneira geral, a mídia pública deve ser livre para pautar-se pelo cidadão. Se o investimento for público, a influência política deve ser bravamente combatida. Se o investimento for privado, os interesses comerciais precisam ser mantidos à distância. Quais as relações que a televisão pública deve manter com o Estado? De independência. Cabe ao Estado democrático prover a sociedade com informação de boa qualidade. Deve manter-se aberto ao escrutínio da imprensa livre – incluindo a televisão pública. Estruturas próprias de comunicação nos governos (como a Secom, presente no governo federal, e todos os órgãos semelhantes nos estados, municípios, autarquias e outros) têm funções específicas, como prestar contas de contratos publicitários, campanhas públicas de informação e também como órgão responsável por prestar esclarecimentos quando solicitados. Sua propaganda política é outro “departamento”. Mas a missão original da TV pública não se mistura com essas outras funções. Como a televisão pública deve dialogarcom a sociedade? Diretamente e de maneira inclusiva. Não é função da televisão pública, dentro de um espírito democrático mais exigente, apenas transmitir dados. Não deve também apenas apresentar o cidadão nas telas. Teve incorporá-lo na definição de uma agenda de interesse público, de maneira que possa colaborar para a tematização dos problemas em seus contextos de vida. Como deve ser desenvolvida a grade da televisão pública? A definição da programação na televisão pública deve, assim como seu modelo de financiamento, respeitar os modelos culturais em que ela nasce. É preciso ter cuidado com essa ideia porque, levada às últimas consequências, a defesa de um modelo nesses termos pode levar à reprodução de estruturas viciadas de poder. Mas considerando que estamos tratando aqui de propostas ideais, a discussão deliberada sobre o conteúdo da grade na televisão pública ainda parece-me a mais indicada. Os conselhos devem ser independentes, formados por representantes da sociedade com o mesmo poder de decisão que eventuais membros indicados pelo governo. Sua estrutura de funcionamento deve ser aberta e dinâmica. Qual a importância da audiência para a televisão pública? Essa questão muitas vezes tem sido usada para diminuir ou desviar o papel da televisão pública. A audiência, em seu sentido comercial, não deve ter
  • 4. importância para a televisão pública. Mas ela também não pode ser negada, à medida que a TV, idealmente, é produzida para os cidadãos, de forma geral. Se, por ventura, eles continuarem desinformados sobre as ofertas da TV pública ou desinteressados na programação, certamente haverá ali um problema. E esse é um sinal para se refletir se a televisão pública está realmente pautando-se pelo que interessa ao cidadão em termos de solução para seus problemas. Há vários estudiosos e jornalistas de altíssima capacidade pensando esses conteúdos no Brasil e lá fora. Penso haver dois grandes desafios que relacionam essa questão ao conceito de comunicação pública: 1) compreender mais profundamente como outros países (além da Europa, cujo modelo é tratado como o ideal) estão pensando e programando suas emissoras públicas; 2) desenvolver um olhar brasileiro para nossos desafios. O que parece importar nessa tarefa é avaliar em que medida a televisão pública se afasta ou se aproxima do diálogo com o cidadão. Na própria Inglaterra e na França, por exemplo, os esquemas de comunicação pública voltaram-se para uma ênfase da organização criteriosa das mensagens e das mídias púbicas, tentando adequar a fala do Estado à compatibilidade entre as expectativas do cidadão e às necessidades de apoio político aos governos. Aquela foi uma fase importante. Mas agora as necessidades e os problemas são outros. O cidadão continua vendo programas humorísticos e noticiários empacotados. No entanto, nos últimos anos, acontecimentos políticos e políticas públicas (disponibilizadas em apoio às necessidades do cidadão, especialmente os mais vulneráveis) mudaram a configuração das demandas e das formas de organizá-las. Hoje temos uma parcela de cidadãos que está cada vez mais presente nas redes sociais, fazendo uso de suas câmeras portáteis e com ideias de justiça a serem reportadas. Eles são capazes de filmar cenas de desrespeito ao cidadão, de encaminhá-las à divulgação na mídia tradicional e de mobilizar milhões de pessoas em seus próprios canais. Há ainda as rádios comunitárias, o YouTube, blogs e vlogs que continuam registrando demandas e denúncias em todos os setores da vida pública. É preciso olhar para essas experiências nos locais mais pobres e desemparados do País para ver o que pensam e o que estão dizendo os cidadãos – como se organizam, como se reúnem, como usam o funk para estruturar uma fala de apoio à Jesus e ao crime organizado, como ocupam a escola com o apoio dos pais (e antes dos professores). É desse sentido de audiência que estou tratando. Se essa audiência não existir na televisão pública, cabe perguntar qual é o tipo de comunicação que ela realmente está fazendo (entendendo comunicação enquanto interação). O que quero dizer é que a vida e o viver comunicativo do cidadão estão mudando radicalmente e que para pensar a comunicação pública e a comunicação
  • 5. política, precisamos olhar além da militância (que continua tendo uma função importante nas transformações que estão ocorrendo) e sentir quem é esse cidadão considerado pela comunicação pública. Você assiste à televisão pública? Cite um programa e explique. Não com muita frequência, mas assisto Sem censura, os filmes brasileiros do Cine Nacional e o Roda Viva na TV Cultura. Não tenho interesse pelos programas infantis que ocupam grande parte da manhã e alguns programas que são apresentados depois das 23 horas. Como a audiência não é a medida adequada para uma televisão pública, reconheço, na programação apresentada, um reflexo das dificuldades técnicas e financeiras da TV pública brasileira. Qual a relação da televisão pública com a comunicação pública em termos conceituais e históricos? De forma geral, as mídias públicas (dentre as quais a televisão pública) podem ser ou não exemplos de comunicação pública. Há três modos simples de entender as mídias públicas: na origem, a quem pertencem; no destino, a quem se dirigem; e nos processos, como atuam. Por exemplo, pode-se dizer que toda mídia estatal é pública, pela simples razão da propriedade pública do “bem”. Por outro lado, pode-se chamar de pública toda mídia democrática, quer dizer, orientada a todos os segmentos da sociedade – sem exclusão. Por fim, independentemente de a quem pertence e a quem se dirige, pode-se ressaltar o caráter público da mídia: é pública a mídia que veicula conteúdo e forma que privilegiam temas e assuntos que possuam relevância pública, e que o façam de modo a estimular o acesso, a inclusão e a participação de todos os extratos sociais. Seu objetivo é estimular a deliberação pública (isto é, o debate democrático e a eleição conjunta de cursos de ação na polis). Se a televisão pública se colocar neste último critério, o do caráter público da mídia, então poderá ser considerada como modalidade de comunicação pública. Considerando o histórico da comunicação pública no Brasil (suas problemáticas e estruturas de funcionamento, bem como suas matrizes discursivas), que desafios você identifica para a constituição desse campo hoje? E qual é o lugar da televisão pública nesse projeto? Há dois principais desafios para a comunicação pública no Brasil. O primeiro é consolidar o entendimento de que a comunicação pública difere da comunicação governamental, da comunicação estatal, do marketing político, e, em certa extensão, da comunicação política. Já há avanços neste sentido, mas é possível identificar na produção científica recente ao menos uma dessas confusões. O
  • 6. segundo desafio, sempre que o primeiro tenha sido conceitualmente claro, é ajudar a construir o futuro desta área. Por exemplo, o futuro da pesquisa em comunicação pública deverá incluir estudos do engajamento e participação dos cidadãos nas questões públicas, pelas práticas deliberativas na sociedade, pela capacitação ampliada em cidadania, para reivindicar seus direitos como cidadão portador do direito de escolha. Neste sentido, a televisão pública pode colaborar com a produção e veiculação de conteúdos que tematizem a cidadania engajada e a democracia participativa, que valorizem a educação formal continuada e também a riqueza cultural, que informem e reconheçam o acesso à informação que gerou o debate e deliberar sobre as pautas do conflito, com suas possíveis soluções. Quais são os elementos centrais pelos quais a comunicação pública – e em específico, a televisão pública – se relaciona com critérios de qualidade democrática? O caráter fundamental da comunicação pública está na universalidade de sua razão: é pública porque diz respeito a todos, sem exceção. Uma comunicação pública é a que considera, entre os assuntos de interesse geral, aqueles que aproximam os cidadãos das esferas públicas onde o conflito e a controvérsia estão presentes, que apresentam proposições para os problemas, sempre mantendo em mente o bem comum como objetivo último. Neste sentido, a comunicação pública é o vetor comunicativo da democracia, pois nela convergem, em teoria e em prática, os valores da vida em comum, e é através dela, enquanto negociação de sentidos e conflitos, que a sociedade busca instituir-se como unidade identitária. Assim, a comunicação pública é o antídoto contra interesses, expressões, atividades, e propostas particulares ou mesmo públicas que se colocam, em alguma medida, como questões urgentes e inegociáveis em detrimento da “coisa pública”. Uma televisão pública que abrace os valores da comunicação pública estará, em princípio, sintonizada com os ideais democráticos. Como ocorre a formação de capital social a partir da comunicaçãopública? O capital social é o valor de nossas relações, não medido em unidades, e relações que vão muito além de qualquer caráter utilitarista. Assim, o capital social pode ser entendido como a qualidade da “cola” que nos mantém juntos, naquele sentimento de pertencer a um bairro, a uma cidade, a uma região, a um estado ou a um país. É o capital social que nos faz importar com uns problemas e não com outros, que leva a nos indignarmos com o noticiário, que nos impele a fazer algo concreto acerca de problemas comunitários – como participar de campanhas de solidariedade a pessoas ou grupos feridos em sua dignidade, apoiar movimentos das ruas, a postar nas mídia sociais, a voluntariar em ONGs etc. Já o capital
  • 7. comunicacional é o poder da “voz” que temos, que nos permitiram e que nos permitimos. Construída ao longo do tempo e através de toda a rede de nossas relações, é essa “voz” que nos institui como pessoas privadas e públicas, por exemplo, como cidadãos; que nos defende e promove enquanto agentes sociais. Uma televisão pública que dê “voz” a todos, e cujo conteúdo melhore a qualidade da “cola” que nos une, será, sem dúvidas, uma mídia pública promotora de capital social e capital comunicacional. Você vem trabalhando em torno do conceito de capital comunicacional. Como articulá-lo com a mídia pública? Pois bem, então chegamos na questão do capital comunicacional. Esse é um conceito muito novo e ainda dependente de sistematização. Ele consiste no conjunto de ativos tangíveis e intangíveis que favorecem as trocas comunicativas em organizações e grupos sociais. Esses ativos permitem então a formação de conhecimento e o desenvolvimento de competências nesses meios. É fácil então imaginar o enorme potencial da televisão pública no fornecimento desses “insumos”, por assim dizer, aos grupos sociais. Ela amplia e dirige o uso público de suas estruturas digitais e analógicas. Ela fornece produtos informativos identificados com alto valor de uso pelos grupos concernidos. Mas isso ainda indica uma resposta instrumental e funcionalista. Avalio que devemos entender a mídia pública como um sujeito em comunicação que, articulado com as redes múltiplas da esfera pública, mantém uma relação de reciprocidade no interior de seus públicos. Nessa mútua contribuição, dentro de uma comunicação responsiva, ela amplia o giro do capital comunicacional, se usarmos uma linguagem econômica, aumentando exponencialmente o valor desse ativo pela capacidade que tem de engendrar conexões. Imaginemos agora a falta que faz uma mídia e uma televisão pública independente e tudo o que ela deixa de produzir a favor das relações sociais, da produção de confiança e da estabilidade econômica e política que esses capitais favorecem, segundo conceituados estudos disponíveis. Pensar sua ausência é a melhor forma de compreender sua importância. Qual o papel da televisão pública dentro do composto das mídias (públicas ou privadas), e como todas essas mídias fazem sentido dentro de uma comunicação pública estruturada? As mídias públicas se compõem de todos os meios de expressão, ampliados pela mídia tradicional – rádios, televisões, jornais, revistas, livros, ou pela voz ampliada pela tecnologia –, internet, smartphones, tablets etc. Mídias públicas disponíveis para o ato da expressão pública do cidadão que se comportam como comunicadores públicos, cujos processos de produção e distribuição incorporam o
  • 8. espírito público, pertencem a uma categoria especial. No caso da televisão, uma mídia pública que adota a comunicação pública como princípio, pode ser: (1) de propriedade parcial ou total do Estado, como a EBC, a BBC, e outras (questão de “público” enquanto propriedade de quem); (2) destinada ao público em geral, sem outro objetivo senão promover a qualidade da cidadania e da democracia, como a TV Futura, TV SESC etc. (questão de “público” enquanto eleição de interlocutores); e (3) dedicada aos valores comunitários e à coesão social, promovendo processos inclusivos, lutando contra a desigualdade, estimulando a paz e a tolerância, como a TV ONU, rádio ONU etc. (questão de “pública” enquanto rol de valores e comportamentos benéficos a todos). Logo, uma comunicação pública estruturada implica um composto de mídias (estatais, privadas ou do terceiro setor) que promovam a qualidade da cidadania e da democracia, dedicado aos valores comunitários e à coesão social – e a televisão pública é fundamental neste mix. Dentro de uma perspectiva da comunicação pública, é possível conceber televisão pública não-governamental, por exemplo, do terceiro setor e das organizações? Sim, no caso do terceiro setor, a TV ONU, a Greenpeace TV, e um sem número de canais “televisivos” disponíveis na Internet (por exemplo, no YouTube); no caso do segundo setor, a TV Futura, a TV SESC, e o mesmo para a oferta via Internet. Com o advento da responsabilidade social no mundo corporativo, muitas organizações investiram na produção de conteúdo televisivo (tradicional ou via Internet) com diferenciado grau de aderência ao conceito de “comunicação pública”. Temos, por exemplo, a Vale do Rio Doce veiculando peças de respeito ao meio Ambiente, o McDonald’s promovendo a luta contra o câncer, a Rede Globo arrecadando dinheiro com o Criança Esperança (em parceria com a UNESCO), entre tantos outros exemplos de projetos com nítido caráter de “responsabilidade social”, mas não necessariamente endossados pelo cidadão na esfera pública. Não se trata de recusar a participação da esfera privada. Embora representem algum avanço, fruto de aumento da sensibilidade das organizações privadas, não necessariamente nascem das decisões tomadas na esfera pública e se apresentam em contradições com as expectativas formuladas, nos aspectos relativos à projetos de sustentabilidade e respeito ao meio ambiente, a saúde pública e a proteção às crianças em situação vulnerável. Contudo, é na sociedade civil que se observa o maior avanço no uso das mídias audiovisuais (caso da televisão) para o exercício da comunicação pública. A convergência de várias mídias no smartphone tem permitido a pessoas comuns funcionarem como repórteres (e redes) de televisão, ao mesmo tempo registrando a notícia, analisando, comentando, editando (ou não), e veiculando
  • 9. via Internet. Uma cena gravada com o celular que mostra violência policial, um latrocínio, uma vala na rua, uma tentativa de extorsão envolvendo agentes públicos e outras pautas, quando postada na Internet para acesso universal, pode caracterizar os critérios que definem o fazer “televisão pública”, e que o definem na perspectiva da comunicação pública. Qual o papel das mídias públicas (e da televisão pública) na capacitação para a cidadania, e que importância tal capacitação tem para a comunicação pública? A comunicação pública envolve habilidades técnicas específicas e mídias cuja manipulação exige conhecimentos cada vez mais difundidos, especialmente entre os jovens. No entanto, ao lado do conhecimento técnico, para entender o alcance dos dispositivos tecnológicos, é preciso capacitar o cidadão para expressar e atuar nas esferas públicas. Ambas as coisas demandam tanto educação formal, quanto estágios de “mão na massa” para manipular e entender o alcance e a repercussão da tecnologia quando é veículo de expressão da palavra pública. Por outro lado, a preparação de comunicadores públicos envolve uma mudança cultural e política, que valoriza cada pessoa humana, a ponto de que todos se deem o direito de se expressarem; cada agrupamento humano, a ponto de que nenhuma expressão comunitária tenha mais validade do que outras; cada aspecto técnico, pois a oratória é tão importante quanto a mídia; cada fase do processo, pois há regras para debater e deliberar; e, por fim, que valoriza o respeito e a civilidade no trato, a que todos têm direito e dever. Todas as mídias públicas podem e devem contribuir para a formação de mais e melhores comunicadores públicos, o mesmo valendo para a televisão pública. Afinal, não há cidadania sem comunicadores públicos, pois todos os cidadãos têm de saber e poder se expressar nas esferas públicas; de fazer serem ouvidas as suas “vozes”. Rádios cidadãs e TVs cidadãs, criadas e gerenciadas pela própria sociedade e levadas ao ar via internet, por exemplo, são consideradas comunicação pública? Qual sua relação com a mobilização e o engajamento cidadão? Sempre que preencherem os requisitos do conceito de comunicação pública (por exemplo, escolha de assuntos de interesse público, universalmente debatidos e cuja deliberação envolva processos legitimamente democráticos), toda e qualquer mídia (seja estatal, privada ou do terceiro setor) poderá ser considerada “comunicadora pública”. Em teoria, rádios e TVs cidadãs teriam uma maior vocação para isso, mas nada impede que programas televisivos emanando de organizações privadas, só para citar um setor social, não possam cumprir o mesmo papel e com a mesma qualidade. O que está em jogo, de fato, é o incentivo que os atores sociais têm para promoverem a cultura do “espírito público”, ao mesmo tempo investindo nas habilidades técnicas e humanas
  • 10. requeridas para o bom desempenho da cidadania, e mobilizando recursos (tempo, financeiro, pessoal etc.) para “disseminar” esses ativos (capital social e capital comunicacional) na sociedade. Assim, o capital social tem recursos para mobilizar as pessoas em torno de um objetivo comum, ao passo que o capital comunicacional permite engajar aqueles que tomam a palavra para defender o bem público. No limite, um grupo de jovens reunidos numa “ocupação” ou numa comunidade vulnerável pode, com pouco mais que um celular e acesso à Internet, produzir conteúdo propício a uma televisão pública de qualidade. Um outro exemplo de compatibilidade entre as causas defendidas pelos cidadão , com a participação de mídias públicas, pode ser encontrado na TV Ninja que tem feito a cobertura de manifestações públicas desde 2013, sinalizando para os governantes a força das ruas e, muitas vezes, a truculência da polícia no combate às manifestações de repúdio às ações do governo. Desde um ponto de vista da comunicação pública, como a televisão pública contribui para processos deliberativos democráticos e inclusivos (ou ainda são aparatos monológicos de manutençãodo status quo)? Por mais avançada que esteja a tecnologia (e ela está, vale dizer), a mídia televisiva parece resistir enquanto aparato monológico de um para muitos . Todavia, com a queda nos preços de aparelhos multimídia, como o smartphone, houve uma massificação da distribuição de verdadeiros “mini estúdios de televisão”, já que um celular com acesso à internet permite criar e socializar conteúdo audiovisual (quase ou totalmente) compatível ao que se vê nas televisões tradicionais. Daí que se pode notar uma evolução, já que agora a fala do cidadão assume o caráter de muitos para muitos. Mas, infelizmente, essa nova realidade evoluiu mais para uma cacofonia de monólogos do que para um ambiente permeado de diálogos. Novamente, a mídia televisiva parece ser refratária à interação dialógica, a despeito das tentativas de permitir intervenções externas via telefone, chat, email, whatsapp etc. e de pautarem entrevistas e debates de especialistas em seus programas (como forma de simular um diálogo que inclui a assistência) A despeito deste traço constituinte da mídia televisiva, é preciso defender sua importância na produção e distribuição de conteúdo na sociedade – especialmente agora com a parcial democratização dos meios técnicos de produção e distribuição via internet; especialmente de conteúdos que possam promover a democracia e a cidadania, e que possam participar na capacitação de comunicadores públicos cada vez mais aptos a defenderem os interesses da comunidade onde vivem de forma direta e ativa – para além da representação delegada. Entender a televisão pública a partir dos contornos da democracia requer uma reflexão sobre qual (ou como) é a democracia que temos hoje. Os estudos sobre
  • 11. qualidade democrática no mundo todo passaram a avaliar o aprofundamento do regime em várias dimensões substantivas e também procedimentais. Uma delas, por exemplo, é a accountability eleitoral e horizontal (entre as instituições). Ou seja, pergunta-se como os líderes são responsivos aos programas pelos quais foram eleitos e quanto realmente atendem aos interesses da população. E como podem ser monitorados e cobrados por suas decisões. A discussão da deliberação pode ser feita nesse contexto, à medida que ela deve ser entendida como um processo comunicativo baseado na troca argumentativa racional de forma cooperada entre os públicos concernidos que, assim, tomam decisões sobre seus problemas reais. Quanto mais esses processos comunicativos são estimulados, conectando a base da sociedade e as esferas decisórias, mais qualidade nossa democracia terá nesse quesito. Acredito que esta deveria ser uma missão da televisão pública. Para tanto, ela precisaria sair de uma condição meramente transmissiva, aos estilos dos pronunciamentos políticos. Um controle de agenda na televisão pública instrumentalizada pela política oficial cria o que Habermas chama de comunicação distorcida. Isso implode uma proposta de imprensa livre (que está nos procedimentos elementares da democracia). Além disso, embaralha perigosamente as noções do que é público. A deliberação pública só pode assim ser chamada porque ocorre no meio da sociedade, representando direitos diversos, oferecendo espaços de reconhecimento a demandas sociais, econômicas, culturais, políticas, ambientais (entre tantas outras). A ideia de deliberação pública, portanto, é primordialmente inclusiva. Como afirma a professora Ângela Cristina Marques, da Universidade Federal de Minas Gerais, a deliberação envolve aqueles processos comunicativos que são capazes de articular as mais diversas arenas da esfera pública. A televisão pública deve ser capaz de compreender o que se passa nas diferentes arenas que compõem essa enorme malha social que é a esfera pública. Ela deve possibilitar canais de expressão, além de favorecer uma leitura crítica das demandas que estão sendo processadas ali, no mundo da vida. Mas também fornecem uma via – ou um atalho, poderíamos pensar assim – para que esses grupos sociais alcancem as esferas formais de poder – o Legislativo e o Executivo, especialmente. Enquanto a televisão pública for usada para disseminar discursos e ideologias de governos, não haverá livre trânsito nesse atalho. Será apenas uma via de mão única, estreita e lenta. Considerações finais Agradeço as interlocuções com o prof. Dr. Guilherme Nobre com quem compartilhei artigos sobre comunicação pública e capital social. E também não deixarei de homenagear os membros grupo de pesquisa - COMPOL, a maior parte deles meus
  • 12. orientandos, em atividade na pós graduação da ECA, sob minha coordenação, desde 2011. Também sou grata ao meu orientando do Mestrado e Doutorado do PPGCOM/USP, Jorge Pereira, dedicado pesquisador da televisão pública com quem divergi, aprendi e compartilhei a minha produção acadêmica recente no campo da comunicação pública. 1 Patrícia Guimarães Gil é professora da ESPM-SP. Jornalista pela UFPR, mestre e doutoranda em Ciências da Comunicação pela USP. Integra o grupo de pesquisa Comunicação Pública e Comunicação Política (Compol), na Escola de Comunicações e Artes da USP. É pesquisadora nas áreas de comunicação pública, organizacional e estudos deliberativos,entre outrostemas.E-mail:pgil1976@gmail.com