[1] O vazamento de óleo na Baía de Guanabara causou grande dano ambiental e levou a medidas como multas e demissões, mas nada que atacasse as causas reais dos acidentes. [2] Empresas priorizam lucro sobre meio ambiente e adiam medidas preventivas caras, enquanto fazem marketing verde. [3] Privatizações reduziram investimentos em meio ambiente e segurança no trabalho, aumentando riscos e acidentes.
Desastre Ambiental E Desenvolvimento InsustentáVel
1. Desastre Ambiental e
Desenvolvimento Insustentável
(publicado no Jornal do Brasil em 27 de janeiro de 2000)
Henri Acselrad
Cecília Campello
Constatado o tamanho do dano ambiental do vazamento de 1,3 milhões de litros de óleo na
Baía de Guanabara, surgiram as primeiras medidas punitivas. Falou-se em multas.
Exoneraram-se dois funcionários do Departamento de Meio Ambiente da Petrobras.
Certamente nada que atacasse as causas reais de acidentes como este, de tal modo repetidos
e previsíveis. A pergunta que se põe é: como se pôde chegar a tal ponto?
Em primeiro lugar, registre-se a desconsideração dos riscos ambientais por parte de empresas
dominadas pelos imperativos da lucratividade imediata. Em seguida, o adiamento sistemático
de práticas preventivas custosas, substituídas por atividades de "marketing ambiental" que
procuram apresentar os grandes produtores de risco como os melhores amigos da natureza.
Tem seu papel também a desmontagem dos organismos responsáveis pela fiscalização
ambiental, que faz do meio ambiente, juntamente com a saúde e a educação, uma vítima da
crise das políticas públicas. Resta porém perguntar por que a própria sociedade não se
mobilizou a tempo para proteger-se de riscos que afetam tão fortemente as condições de vida
e de trabalho de tantos cidadãos?
Aqui nos caberia destacar, em particular, o papel das práticas de cooptação da população
circundante, promovidas justamente pelas empresas que mais poluem. Trata-se de
procedimento comum. Uma indústria responsável por poluição mercurial no Rio de Janeiro
tem-se valido desse tipo de estratégia para neutralizar a atuação das associações de
moradores e desencorajar os movimentos organizados. O mesmo tem se dado com uma
grande empresa química da Baixada Fluminense, principalmente após o acidente ampliado de
1992, assim como com grandes empresas siderúrgicas e petroquímicas. A lógica é simples: a
empresa, por um lado, omite suas práticas poluidoras e, por outro, faz investimentos na
construção de pequenas escolas, hortas comunitárias, melhorias em igrejas e em associação
de moradores etc. Ganha assim o apoio dos moradores da área, que podem inclusive
apresentar-se em audiências públicas, depondo em defesa da empresa.
O mecanismo da cooptação é a estratégia pela qual as empresas se adiantam na ocupação do
terreno onde se poderia supor que atores coletivos estivessem em ação, caracterizando as
condições de risco ambiental e organizando as populações ameaçadas. Ironicamente é a
própria empresa, e não o sindicato, que "tem ultrapassado os muros da fábrica" ao encontro da
sociedade circundante. Seu intuito é desenvolver laços de lealdade com a vizinhança, dissolver
conflitos e, assim, alcançar uma disciplinarização mais efetiva – e ampliada para os moradores
do entorno - da sua força de trabalho.
Por último, um tema que surge em meio às preocupações sociais com o risco ambiental é o
processo de privatização, que, de modo geral, teria feito diminuir os investimentos das
empresas na salubridade de seu ambiente interno e externo, redundando na precarização das
condições de trabalho e no aumento dos impactos ambientais da atividade produtiva. É
corrente a percepção de que as privatizações têm gerado um movimento acentuado de
terceirização, com redução dos gastos com manutenção e queda da qualificação da mão-de-
obra, tendo por conseqüência um aumento do número de acidentes, inclusive com impactos
ambientais, tais como incêndios e vazamentos.
A preocupação das grandes empresas poluidoras em construir uma imagem favorável de si
próprias mostra que seus responsáveis têm perfeita noção dos riscos ambientais que afetam
os trabalhadores e os moradores das vizinhanças. A dificuldade de que uma percepção
2. coletiva resulte, em contrapartida, em mobilização de atores sindicais e não-sindicais na
denúncia e prevenção desses riscos exprime a fragilidade de sindicatos pressionados pelo
desemprego e de organizações de moradores expostas ao persistente déficit de infra-estrutura
urbana, de investimentos públicos em saúde e educação. É importante, portanto, atentarmos
para as evidências de que o combate à insustentabilidade de um modelo de desenvolvimento
de tal forma baseado na irresponsabilização para com o risco só se dará pelo fortalecimento
dos mecanismos democráticos de controle social das práticas perigosas. Como conseqüência -
também socialmente desejável - as empresas economizarão suas multas e os funcionários de
seus departamentos de meio ambiente manterão seus empregos.
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Henri Acselrad é professor do IPPUR/UFRJ e membro da coordenação do projeto Brasil Sustentável e Democrático
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Cecília Campello é socióloga e colaboradora do projeto Brasil Sustentável e Democrático