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O papel das redes sociais como ferramenta de mobilização
     política da sociedade: uma análise da “Primavera Árabe”


                                                                     Gustavo Chaves Lopes1



RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir o papel das redes sociais na
mobilização de grupos da sociedade civil. Os protestos em países árabes, que ficaram
conhecidos como Primavera Árabe, utilizaram um modelo de organização que
conseguiu furar o bloqueia da mídia oficial e têm inspirado manifestações em várias
partes do mundo, sobretudo na Europa. Assim, pretendemos refletir sobre esse
modelo e o espaço de atuação da imprensa tradicional diante desse novo fazer
jornalístico.

PALAVRAS-CHAVE: Redes sociais, jornalismo cidadão, ciberativistas, mobilização social



RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo discutir el papel de las redes sociales en la
movilización de grupos de la sociedad civil. Las protestas en los países árabes, que se
conoció como la primavera árabe, utilizando un modelo de organización que lograron
romper los bloques y los medios de comunicación oficiales han inspirado a las
manifestaciones en varias partes del mundo, especialmente en Europa. Por lo tanto,
tenemos la intención de reflexionar sobre este modelo y el espacio de actuación de la
prensa tradicional ante este nuevo periodismo.

PALABRAS CLAVE: Las redes sociales, periodismo ciudadano, ciberactivistas, la
movilización social




1
  Gustavo Chaves Lopes é jornalista e aluno especial da disciplina de Jornalismo Digital na Pós
Graduação da Faculdade de Comunicação da UnB
Introdução

          A crença de que tudo o que fosse publicado na internet poderia ser visto pelo
mundo inteiro sustentou, por muito tempo, a hipótese de que a democratização da
comunicação iria se consolidar, que todo indivíduo teria a possibilidade de ser ouvido.
Embora essa crença tivesse, na realidade, muitas condicionantes, o surgimento da
Web 2.0 contribuiu para a democracia através do uso da Internet, potencializando essa
capacidade.


          A criação de blogs, sites de compartilhamento e, sobretudo, das redes sociais
criou um novo cenário, ampliando não apenas o acesso à informação, mas também
possibilitando a produção de conteúdo (informativo ou não) pelos usuários,
multiplicando exponencialmente as opções de fontes.


          Mas as redes sociais criaram novas possibilidades. Para além das simples
conexões sociais, elas têm se mostrado poderosas ferramentas de organização política
da sociedade.

          O caso da Primavera Árabe, ainda que não seja o primeiro (vide Revolução
Verde, no Irã) é, sem dúvida o mais emblemático. A partir de um modelo de
mobilização (que veremos adiante) que se manifestou na Tunísia e foi replicado em
quase todo o mundo árabe, a população daqueles países saiu em massa às ruas
exigindo mudanças estruturais na política, na sociedade, e na economia. Ditaduras
ruíram ou estão por ruir. Todo o status quo da região está se transformando.

          Algo que seria impensável pouco tempo atrás (uma oposição organizada) surgiu
espontaneamente através das redes sociais. Sem uma posição política ou ideológica
definida, os ciberguerreiros, como ficaram conhecidos os manifestantes, conseguiram
catalisar o sentimento latente de insatisfação da sociedade depois de um caso isolado2
foi o estopim para o levante. Em pouco tempo, o que parecia mais uma manifestação
se transformou em uma onda de protestos na região, com resultados ainda não
definidos.


2
    Bouazizi, um vendedor ambulante de 26 anos, protestava por ter seu carrinho de frutas confiscado ao
se negar a pagar propina a autoridades locais. Depois de reclamar em diversos órgãos, Bouazizi recebeu
um tapa na cara de uma funcionária pública. O jovem não agüentou a humilhação e ateou fogo ao
próprio corpo em frente à repartição onde sofrera a ofensa. Foi o início da Primavera Árabe.
O uso massivo das redes sociais, notadamente Twitter e Facebook, foi
fundamental para arregimentar adeptos para a revolta popular. Elas não apenas
organizavam     as   manifestações,   como   informavam    a   população    sobre   os
desdobramentos da revolta. Mais do que isso, tornaram-se fonte para a mídia do
mundo inteiro, que não tinha acesso ao que estava acontecendo.

       Em tempo real, textos, fotos e vídeos eram postados nos servidores do Twitter,
Facebook e Youtube, possibilitando ao mundo ter acesso aos acontecimentos e
conhecer a real dimensão das manifestações. As redes sociais assumiram assim o papel
de garantidores da liberdade de expressão, liberdade de informação e, até mesmo, da
liberdade de imprensa.

       Assim, o presente trabalho pretende abordar este modelo de mobilização
social, seus usos e reflexos na mídia, refletir sobre o papel do jornalismo (e do
jornalista) diante dessa inovação e sua importância como meio de comunicação.

       Não temos a pretensão de esgotar o tema, apenas discutir sua relevância e
conseqüências para o fazer jornalístico. Além disso, faremos uma breve revisão sobre
temas como redes sociais, jornalismo cidadão e mobilização social na internet.

       Apresentaremos o modelo de mobilização e alguns casos em que ele foi
aplicado, com informações que ajudem a entender esse fenômeno.

Redes Sociais

       As redes sociais sempre existiram na história da humanidade, já que o homem
é um ser gregário que estabeleceu, ao longo do tempo, inúmeras formas de interação
e relacionamento social. No entanto, as redes sociais a que nos referimos, as relações
sociais mediadas por computadores, estabeleceram uma nova (ou várias) forma se
pensar as interações pessoais.

       Hoje, uma parcela considerável da interação entre as pessoas se dá através de
uma alguma plataforma tecnológica. E-mails, mensageiros, sms, redes sociais, etc.: o
homem moderno já não consegue ficar “offline”. Manuel Castells, teórico que analisou
profundamente essas transformações, cunhou o termo que talvez seja o mais
apropriado para a nossa contemporaneidade: sociedade em rede.
Sem nos estender muito sobre esse ou outros conceitos, podemos dizer que a
interface homem-máquina transmutou de tal forma as relações humanas a ponto de
haver uma transcrição de nossas interações presenciais para o mundo virtual. Castells
chamou esse fenômeno de virtualização do real (Castells, 1999, p. 414).

        As tecnologias da web 2.0 (o conceito de web 2.0 vê a internet como
plataforma, na qual a interação é maior, o conteúdo é compartilhado e a produção,
colaborativa) ampliaram as possibilidades de interação na medida em que nos
permitem visualizar as conexões existentes para além dos nossos relacionamentos
presenciais, o que muitas vezes torna nossa “vida virtual” muito mais ampla e
diversificada.

                    Redes sociais tornaram-se a nova mídia, em cima da qual informação
                    circula, é filtrada e repassada; conectada à conversação, onde é debatida,
                    discutida e, assim, gera a possibilidade de novas formas de organização
                    social baseadas em interesses das coletividades. (Recuero, 2011, pg. 15)

        Muitos autores trabalham com a ideia de “mídias sociais”, porém, trata-se de
conceito3 mais amplo e complexo, mas que não é nossa intenção abordar aqui. A
seguir veremos exemplos dessas novas formas de interação que interessam
diretamente a esse estudo.

Facebook

        O Facebook é o site de relacionamento mais popular do mundo hoje. Segundo
o site socialbakers.com, especializado em estatísticas de redes sociais, o Facebook
tinha, em junho de 2011, perto de 750 milhões de usuários ativos. Estima-se que
chegue ao número de um bilhão de contas em 2012.

        Criado em 2004, por Mark Zuckerberg e outros estudantes da Universidade de
Harvard, EUA, o site é utilizado para interação social, hospedagem de fotos e vídeos,
troca de mensagens, além de disponibilizar uma série de aplicativos para seus
usuários.




3
 Para uma pesquisa mais aprofundada sugerimos o livro Para entender as mídias sociais, organizado por
Ana Brambilla, que pode ser baixado gratuitamente na Internet.
Twitter

       O Twitter difere bastante dos outros sites de relacionamentos, tendo mais
semelhanças com um blog (é considerado um microblog). O usuário pode postar textos
de até 140 caracteres (os tweets), que são visualizados pelos seus seguidores (pessoas
que estão conectadas a ele).

       O número limitado de caracteres disponíveis, na verdade, faz referência a
antigas ferramentas de comunicação instantânea. O telex (uma espécie de máquina de
escrever que enviava e recebia mensagens) trabalhava com o limite de 160 caracteres
por mensagem. Quando os celulares passaram a enviar mensagens de texto (SMS), as
operadoras também trabalharam com essa medida de referência (mesmo que se possa
enviar um torpedo com milhares de caracteres, cada 160 toques são considerados
como uma mensagem pelas operadoras para fins de cobrança).

       Surgido em 2003, a ideia era que o Twitter fosse utilizado principalmente
através do celular. Assim, os criadores do microblog disponibilizaram os mesmos 160
caracteres: 140 para a mensagem e até 20 para o nome do usuário.

       O mote inicial do twitter é responder a pergunta: what’s happening? (o que
está acontecendo). A partir daí, uma infinidade de possibilidades de uso foram
incorporadas à ferramenta.

Jornalismo cidadão

       Também chamado de jornalismo colaborativo, jornalismo participativo,
wikijornalismo, jornalismo open-source, entre outros termos mais ou menos criativos,
o jornalismo cidadão (que usaremos por entendê-lo mais apropriado) é,
resumidamente, o jornalismo praticado por qualquer pessoa. Ou seja, parte da ideia
de que não é preciso ter a formação acadêmica do jornalismo para produzir conteúdo
informativo.

       E a Internet, claro, foi a grande potencializadora desse processo. Sobretudo a
partir do advento do conceito 2.0. Mais do que dar ao cidadão a possibilidade de
produzir notícias, quebra o paradigma da passividade no processo de comunicação,
eliminando a velha fórmula comunicacional:
“A principal característica dessa lógica de produção é a superação do
                  modelo transmissionista emissor-meio-mensagem-receptor, uma vez que
                  este último torna-se agente produtor neste processo. A idéia de
                  participação é, justamente, descentralizar a emissão, oportunizando que
                  mais vozes tenham vez no espaço público. Valoriza-se desta forma, uma
                  característica da rede, que é a possibilidade de uma interatividade efetiva”.
                  (LINDEMAN, 2006. p.154).

       Um dos pioneiros nessa forma de produção de notícias foi o site Slashdot
(www.slashdot.org), criado em 1997 pelo programador americano Rob Malda. O site,
especializado em temas de informática e tecnologia, era alimentado com matérias
enviadas pelos internautas, na sua maioria, informatas ou estudantes de informática.
Há um sistema de moderação, no qual são escolhidas cerca de 20 matérias, entre as
centenas enviadas diariamente pelos usuários.

       No entanto, um dos primeiros sites de jornalismo cidadão voltado para a
produção de notícias foi o sul-coreano OhmyNews (ohmynews.com). Fundado no ano
2000 pelo jornalista Oh Yen Ho, o site foi uma forma de oferecer uma alternativa ao
monopólio de comunicação estabelecido no país, formado por três grandes jornais.

       Baseado na ideia de que cada cidadão é um repórter, o site passou a receber
conteúdo de todo o país e, em pouco tempo, o OhmyNews já tinha uma grande
audiência na Coréia do Sul e foi aberto a outros países.

                  Inicialmente editado apenas em hangul, o alfabeto coreano, o site passou a
                  ser editado também em inglês, a partir de agosto de 2004, sob a
                  denominação de Ohmy News International (www.english.ohmynews.com).
                  A partir de então, usuários de qualquer país têm a oportunidade de
                  colaborar, de forma que a cobertura passou a se dar em âmbito mundial.
                  (LINDEMAN, 2006, p. 157).

       Enquanto os exemplos citados, e outros tantos surgidos depois, eram uma
alternativa para as mídias estabelecidas, o que fizeram os meios de comunicação de
massa diante desse novo cenário? Quase todos os portais de notícias, inclusive no
Brasil, criaram canais do tipo “você leitor”: vc repórter (Terra), FotoRepórter (Estadão),
Eu Repórter (O Globo), são apenas alguns casos em que o jornalista é apenas um
acessório no processo de produção de notícias. No primeiro semestre de 2011, o canal
de televisão DFTV, afiliado à Rede Globo, lançou o concurso “Parceiros do DF”, para
selecionar candidatos a repórter, que receberiam um mês de treinamento e
produziriam matérias sobre suas cidades. Não era necessário a formação em
jornalismo.
Diante dessas mudanças estruturais dos processos de comunicação, onde todos
e qualquer um podem ser jornalistas, é de se perguntar que papel restará ao jornalista
profissional. Forçoso admitir que o jornalista (e o jornalismo) perdeu o monopólio da
voz.

           Não é a intenção do presente trabalho responder a essa indagação, embora
reconheçamos sua grande importância. Pretendemos nos debruçar sobre o tema em
um futuro mestrado, onde pesquisaremos o assunto com mais profundidade.

           No entanto, é necessário observar que, embora as fontes tenham se
multiplicado, democratizando o acesso e a produção de notícias, nem tudo o que se lê
merece credibilidade. Se essa afirmação já é verdadeira no mundo offline do impresso,
é ainda mais em um universo onde todos produzem informação, com seus interesses,
opiniões e visões de mundo. Se a objetividade já era uma quimera no jornalismo
tradicional, no jornalismo cidadão ele é uma utopia.

           Longe, porém, de deixar de reconhecer a importância dessa revolução, que têm
oportunizado momentos emblemáticos de nossa história contemporânea, como
veremos a seguir.

Mobilização social

           Não há novidade alguma no fato de um grupo de pessoas se reunir para
reivindicar algo, lutar por uma causa, defender uma bandeira. Os descontentes com o
establishment - fosse ele qual fosse - sempre existiram e sempre souberam da lógica
do “unidos somos mais forte”. Então, o que há de novo nas mobilizações atuais?

           A novidade está na forma como isso vem acontecendo. Se antes a praça, o
espaço público, era o palco de onde surgiam os grandes clamores sociais, hoje basta
um computador para que se inicie uma revolução. Ou uma wikirrevolução, como disse
Manuel Castells em artigo4 recente.

           A Internet mudou completamente a maneira como a sociedade se organiza - e
as redes sociais potencializaram ao extremo as possibilidades de mobilização social. O
conceito de interatividade ficou esvaziado diante da “horizontalização do processo de
constituição da mídia que, ao contrário da chamada mídia de massa, distribuiu o poder
4
    La wikirrevolución del jazmín – jornal La Vanguardia, Espanha (29/01/2011)
de distribuição da mensagem.” (Recuero, 2011, p. ). Hoje, mais do que participação,
mais do que interatividade, o que se observa é envolvimento.

       A própria construção da cidadania, hoje, se dá sob (e sobre) alguma plataforma
tecnológica. São os ciberativistas (ou webcitizens, ou netzens, ou outro termo
semelhante) que estabelecem novas fronteiras da participação política. Através de um
computador conectado à rede rapidamente agregam adeptos à causa que defendem:

                 Essas mídias são grandes facilitadoras uma vez que sincronizam diferentes
                 grupos espalhados num mesmo país ou no mundo, facilitam a coordenação
                 das ações e ajudam a documentar o que está acontecendo. (Barreto, 2011,
                 p. 163)

       Um exemplo dessa forma de mobilização é a comunidade Avaaz (avaaz.org).
Fundado em 2007, o grupo é formado por ativistas que coordenam ações de
mobilização global em temas como direitos humanos, corrupção, meio ambiente,
geopolítica, entre outros.

       O Avaaz envia milhões de e-mails solicitando que as pessoas assinem petições
em prol das demandas que a organização defende, como forma de pressionar as
autoridades competentes para agirem em favor das causas defendidas.

       Os exemplos são vários e vão desde grandes temas de interesse coletivo (na
Alemanha, a sociedade se organizou através das redes sociais para pressionar o
governo a abandonar o programa nuclear do país), passando por pequenas causas
pessoais (como o homem que perdeu seu gato no aeroporto de Brasília e conseguiu
destaque para seu drama na mídia depois de fazer “barulho” nas redes sociais).

       Há casos de solidariedade global, como aconteceu no caso das enchentes no
Rio de Janeiro ou do terremoto no Japão, quando milhões de pessoas se mobilizaram
através das redes sociais para arrecadar donativos, mantimentos e todo o tipo de
ajuda para os necessitados.

       Na política, a campanha Fora Arruda ganhou força no Twitter com a hashtag5
#foraarruda, que mobilizou milhares de estudantes em Brasília, pressionando pela


5
  Hashtags são as palavras-chave dos tweets, funcionando também como links para outros
tweets com o mesmo tema.
cassação do então governado do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Depois de
semanas de passeatas, investigações e muito jogo político, Arruda acabou preso e
perdeu o mandato.

       Além dos usos mais institucionais, como em campanhas eleitorais: a campanha
do presidente Barack Obama, o uso do Twitter e do Facebook foi maciço, a ponto de
alguns analistas creditarem às redes sociais o diferencial do candidato democrata. Aqui
no Brasil, nas últimas eleições majoritárias, as redes sociais também foram usadas
fortemente, criando uma espécie de disputa virtual entre os candidatos.

       Mas é nas questões que dizem respeito à cidadania que as redes sociais têm
agido mais intensamente, onde campanhas organizadas na rede acabam
representadas no “mundo real”. Mais uma vez os exemplos são diversos e não é, no
momento, nossa intenção, nos aprofundarmos nessa temática.

       Porém, de todos os infindáveis exemplos que podemos mencionar, nenhum
teve a capacidade de mobilização e a força transformadora das mobilizações nos
países árabes, onde a população saiu às ruas exigindo mudanças radicais na sociedade,
como veremos a seguir.

Primavera Árabe – Flores para todos

       Os países árabes costumam ser vistos pelo Ocidente como um corpo único, que
compartilha uma mesma história comum, dotado de tradições conservadoras (ou
ultrapassadas), de uma cultura machista e de um fundamentalismo religioso. Porém,
essa é uma visão equivocada sob todos os aspectos e o próprio termo “mundo árabe”
carece de sentido etimológico.

       Sem querer entrar em conceituações geopolíticas, que fogem ao interesse
imediato desse trabalho, basta dizer que os países árabes têm histórias distintas,
tradições diversas e culturas diferentes. Talvez o que eles compartilhem sejam apenas
algumas singularidades culturais, o idioma árabe e a religião islâmica. Ainda que nem
todo país islâmico tenha o árabe como língua oficial (como o Irã, para ficar no exemplo
mais óbvio) e ainda que mesmo o Islã (como todas as religiões monoteístas) tenha suas
diversas ramificações. Dito isto, vamos passar às transformações que alguns países
árabes têm experimentado, nos atendo ao papel que as redes sociais têm
desempenhado nesse processo.

       No dia 17 de dezembro de 2010, quando o tunisiano Mohamed Bouazizi se
autoimolou em protesto contra a corrupção de agentes do governo, sabia que viraria
um mártir, mas é provável que não imaginasse que seu sacrifício daria início às mais
importantes revoltas de países árabes na história contemporânea.

       Indignados com o evento, milhares de jovens tunisianos saíram às ruas exigindo
a prisão dos agentes corruptos. Mas havia mais do que sentimento de justiça. Havia a
chama de uma revolução que transformaria a sociedade árabe como eles a conheciam.

       Os protestos cresceram. A repressão aumentava na mesma medida. Enquanto
a mídia oficial dava a sua versão dos fatos, minimizando as manifestações e atribuindo-
as a poucos “subversivos”, as redes sociais fervilhavam. As ruas ficavam cada vez mais
tomadas por manifestantes e era impossível ignorá-las. Em poucos dias o presidente
Zine El Abidine Ben Ali, no poder há mais de 23 anos, teve que renunciar, devido ao
forte clamor popular.

       Foi a senha para que a população de países da região se sublevassem. Com as
mesmas ferramentas, os egípcios derrubaram Hosni Mubarak, 30 anos no poder,
considerado um dos regimes mais sólidos da região. Logo Síria, Líbia, Iêmen, entre
outros, seguiam a onda de manifestações, embora nestes países a situação ainda
esteja indefinida.

Driblando a censura – um modelo de sucesso

       Todos os países árabes citados vivem sob variados níveis de censura e
totalitarismo. Ainda que haja um maior ou menor grau de garantias individuais, em
nenhum deles se permite a plena liberdade de imprensa ou de expressão. Assim, para
poder se organizar politicamente e coordenar as manifestações, os jovens lançaram
mão das redes sociais como ferramentas de mobilização.

       Inicialmente, essas ferramentas tiveram a função de “despertar a consciência”
da juventude árabe e de convocar os descontentes para sair às ruas e participar das
manifestações. Num segundo momento, quando as mídias locais “ignoravam” os
protestos e os jornalistas estrangeiros eram expulsos ou impossibilitados de realizar
seu trabalho, as redes sociais assumiram definitivamente o papel de fontes de
informação e notícia, abastecidas pelos próprios cidadãos, furando o bloqueio imposto
pelos canais tradicionais de comunicação.


       Embora se refira a outro acontecimento (o 11 de setembro) a descrição de
Gilmor (2004), para essa nova lógica de produção de notícias se encaixa com perfeição
nesse caso:

                 [...] desta vez, estava a acontecer mais qualquer coisa, algo de profundo: as
                 notícias estavam a ser produzidas por pessoas comuns, que tinham
                 pormenores a relatar e imagens para mostrar, e não apenas pelas agências
                 de notícias “oficiosas” que, tradicionalmente, costumavam produzir a
                 primeira versão da história. Desta vez, o primeiro esboço estava a ser
                 escrito, em parte, por aqueles a quem as notícias se destinavam. Uma
                 situação tornada possível – era inevitável – pelas novas ferramentas de
                 comunicação disponíveis na Internet. (GILMOR, 2004, p. 12).

       E a fórmula para o sucesso das manifestações era simples: pelo Twitter, os
ciberativistas marcavam os locais de encontro e disseminavam informações sobre o
evento. Em pontos estratégicos, alguns participantes faziam o papel de “olheiros” e
avisavam sobre os locais onde poderiam enfrentar repressão. Conforme a
manifestação ia acontecendo (geralmente passeatas ou aglomerações em praças
públicas), era feita atualização em tempo real.

       O Facebook era utilizado como plataforma de debates, antes e depois das
manifestações. Também como suporte para fotos e vídeos. O Youtube também
entrava em cena para armazenar os vídeos. Foi dali que saíram (e continuam saindo)
muitas das imagens marcantes e flagrantes de repressão divulgadas na mídia
tradicional.

       Não tardou para que os regimes percebessem que era inútil prender alguns
manifestantes ou expulsar jornalistas estrangeiros de seus países. Era preciso lutar
com as mesmas armas. As primeiras medidas foram no sentido de tentar inviabilizar o
acesso à Internet. Não durou muito. Depois, passaram a perseguir os ciberativistas
através das hashtags. Foi aí que entrou outro passo na estratégia dos manifestantes:
conforme as autoridades conseguiam mapear e bloquear as hashtags, outras eram
criadas e seguiam funcionando no mesmo ritmo.
A principal etiqueta da revolução tunisiana começou como #sidibouzid (uma
referência à Bouazizi) e foi mudando ao longo dos eventos, para evitar a censura. Em
junho de 2011, #SBZ_news era a sexta versão que os ativistas colocavam no ar. Outras
#hashtags que fizeram (e fazem) a cobertura em tempo real, não apenas na Tunísia,
mas nos outros países foram: #tahir, #arabsprings, #arabrevolution, #yemen, #syria,
#bahrein, #lybia.


       Interessante destacar que apenas uma pequena parte dos manifestantes, em
qualquer dos países citados, tinha contas no Twitter. Embora contassem com milhares
de seguidores, as principais hashtags não abarcavam a totalidade da população.


       O sucesso das mobilizações se deu então, também por conta da forte tradição
de oralidade da cultura árabe (esse sim um traço comum no “mundo árabe”). Por
razões históricas, o hábito de contar histórias sempre acompanhou esses povos. Era
uma forma de manter uma memória coletiva e passá-la às gerações seguintes.


       Vem daí uma brincadeira muito comum também no mundo ocidental: o
telefone árabe. Embora tenha diferentes nomes, dependendo da região, é provável
que todo mundo já tenha brincado ou ouvido falar do jogo. Consiste em passar uma
mensagem, da boca ao ouvido de outra pessoa e assim sucessivamente. Fica fácil
entender como nesses casos as chamadas nas redes sociais virtuais encontravam forte
eco nas redes sociais reais.


       Castells (1999) fala da virtualização do real nas sociedades em rede. Mas, nesse
caso, não estaríamos vivendo uma realização do virtual? Esse paradoxal caminho
inverso sugerem que as relações de interesse, os debates, as organizações, começam
no universo digital, mas se concretizam no universo real.


       Assim, Twitter, Facebook e Youtube se converteram “telefones árabes”
turbinandos. Com sua capacidade de disseminação, em pouco tempo milhares de
participantes eram arregimentados e tomavam as ruas em protesto contras os regimes
opressores, lutando por democracia, reivindicando melhores condições de vida,
liberdade e oportunidades de emprego (segundo pesquisas recentes da OIT 60% dos
jovens árabes estão desempregados, o que explicaria também a grande adesão às
manifestações).
Nem tudo são flores

       Nem sempre esse modelo é eficaz, como aconteceu nas manifestações
ocorridas no Irã, em protesto contra a reeleição do presidente Mahmoud
Ahmadinejad, considerada por observadores externos como fraudulenta. A chamada
Revolução Verde aconteceu em 2009, portanto antes mesmo da Primavera Árabe, e foi
uma das primeiras experiências da utilização das redes sociais como ferramentas de
ativismo político a furar a censura oficial. Outro caso em que a aplicação desse modelo
não teve o mesmo sucesso foi na Líbia. Nesses países, a repressão dos governos foi
muito mais dura e eficiente:

Os recentes levantes no mundo árabe foram marcados por mobilizações que, no mínimo,
foram facilitadas e antecipadas pelo uso das mídias sociais. Se num primeiro olhar se vê o
sucesso do uso da Internet nas revoltas do Egito e da Tunísia, por outros, sabe-se também que
a onda verde que invadiu o Twitter e o Facebook durante a luta do povo iraniano contra o
governo autoritário se virou contra eles, a partir do momento em que a revolta falhou e estas
mesmas mídias servem hoje como banco de dados para a busca e apreensão de pessoas por
esse regime. Mais recentemente, o governo da Líbia, assim que percebeu a mobilização online,
bloqueou a Internet no país. (BARRETO, 2011, p.164-165).

       As redes sociais continuam a trabalhar pela Primavera Árabe. Os manifestantes
continuam contando e mostrando ao mundo sua luta por democracia, em toda a sua
grandeza, mas também nos detalhes, nas pequenas alegrias e tragédias particulares. O
modelo de mobilização iniciado nos países árabes se espalha pelo mundo, com
especial destaque para ações na Espanha e Grécia. O mundo sabe antes dos
acontecimentos nesses lugares através das redes sociais e não na mídia tradicional.
Será esse um novo modelo de produção de notícias, que prescinde do jornalista e é
feito de fonte para fonte? Tentaremos responder a essa e outras indagações a seguir.

E o jornalista?

       Visões fatalistas do jornalismo são comuns hoje em dia. Em nome do
determinismo tecnológico, muitos acreditam que o papel do jornalista será cada vez
secundário no processo de produção de notícias. Não há dúvidas que as novas
tecnologias vieram para ficar e mais – a atualização tecnológica é contínua. Cabe,
portanto, ao jornalista acompanhar esse processo.

       Salaverría (2009) fala de uma nova relação com o público, de um novo perfil do
jornalista nesse processo de convergência midiática. O profissional do jornalismo deve
abandonar a visão unidirecional do processo de comunicação e olhá-lo e praticá-lo de
forma multidirecional. Como vimos anteriormente, o público já está inserido nas
redações. O público está produzindo por si mesmo as notícias. Cabe ao jornalista estar
atento ao que esse público quer falar e ouvir.

       Além disso, as redes sociais, se bem utilizadas, são aliadas e não ameaças. Ter
acesso ao enorme conteúdo de informações geradas, da possibilidade de contato
direto e instantâneo com as fontes, que estão onde o repórter não pode estar, podem
auxiliar e muito o jornalista a desenvolver seu trabalho. Sem esquecer uma das regras
básicas da profissão: checar a informação.

       A lição da Al Jazeera

       Não é de agora que e a rede de televisão Al Jazeera, do Catar, se tornou
referência para o mundo em assuntos relacionados ao Oriente Médio. Moderna e
dinâmica, a rede soube se adequar como poucos à nova lógica de produção de notícias
através das redes sociais. Em entrevista ao blog Periodismo con Futuro, do jornal
espanhol El País, (blogs.elpais.com/periodismo-con-futuro), o coordenador de mídias
sociais da Al Jazeera, Riyaad Minty, deu pistas importantes de como o jornalismo
tradicional deve se portar diante desse novo cenário.

       A primeira delas, o jornalista deve estar em contato com o público e respeitá-
lo. Só assim se estabelece uma relação de confiança. Assim se atinge credibilidade e
logo o próprio público vai estar te passando informações relevantes.

       Além disso, a verificação continua tão ou mais importante agora. O volume de
informações a que se tem acesso é infinitamente maior. Assim, o jornalista deve tentar
contato com que está tuitando, postando vídeos, divulgando fotos e checar as
informações, o que está longe de ser uma tarefa fácil:

“Lo mejor es conseguir un contacto personal, llegar a esa persona por correo electrónico y
pedirle su teléfono. Cuando ya tienes el número con su código de área, sabes en qué zona
está. Luego hay que comparar su versión con otras, incluidas la de los corresponsales en la
zona. También les pedimos que se fotografíen con el periódico del día y así sabemos que están
en el sitio en el que dicen que están. Es un gran desafío, pero si sigues estos pasos, puedes
estar seguro que tienes un 70% o un 80% de posibilidades de éxito en la verificación". (MINTY,
2011)

       Minty conclui dizendo que os jornalistas não podem ignorar o fato que a forma
de produzir e consumir informações mudou completamente. Se não enxergar as redes
sociais como parte de seu trabalho corre o risco de tornar-se irrelevante.

        No entanto, é provável que haja a necessidade de estar atento também ao que
Wolton chama de “tirania do acontecimento”. Ou seja, a comunicação é baseada na
instantaneidade absoluta, quando um volume incessante de informações é oferecido
ao público, que não consegue digeri-las. Mas a noção de “tempo real”, com a qual a
instantaneidade trabalha é diferente do tempo histórico, da sociedade.

        Mesmo que se fique acordado 24 horas por dia não se dá conta de consumir
toda   a    massa   de   informações    despejadas    continuamente.     Ao   jornalista,
individualmente, cabe tirar do caos a notícia, do turbilhão de informações achar a que
seja relevante para o público.

        Diante do que foi visto até aqui, parece que o jornalista está agora em uma
nova fase de sua profissão: por um lado precisa adaptar-se, adequar-se a um novo
cenário, onde os atores se multiplicaram ao infinito e as possibilidades de
interpretação do “real” são muitas. Por outro, tem que manter certas liturgias da
profissão, como checagem, apuração e um certo filtro.

Considerações Finais

        São muitas as conclusões que podem ser extraídas dessa nova realidade que se
apresenta ao fazer comunicativo. Não temos pretensão, como já dissemos, de esgotá-
las aqui, mas apresentaremos as que nos parecem mais interessantes a este estudo.

        Um dos primeiros entendimentos que se apresentam diante do exposto diz
respeito às novas relações que se estabeleceram no processo de produção de notícias
com o advento das redes sociais.

        Definitivamente, o público está em outro patamar nesse processo. Não há mais
como ver no leitor (entendido aqui como um consumidor multimídia de notícias) um
sujeito passivo. Ele entrou de vez na lógica de construção do produto informativo e
tem cada vez mais espaço e voz. O jornalismo perdeu o monopólio da fala, de forma
irreversível.

        O público se tornou um colaborador imprescindível. Não nos formatos do tipo
“você repórter”, que também têm seu valor mas, sobretudo, como interlocutor dos
eventos, estando presente e vivenciando os acontecimentos onde e quando eles
ocorrem.

       Também constatamos que o jornalista se mantém relevante na medida em que
confere credibilidade à informação oriunda das redes sociais, apurando sua veracidade
através da checagem das fontes, da investigação dos fatos. Assim, o jornalista continua
imprescindível como um mediador da construção social da realidade, que passa, cada
vez mais, pelas redes sociais.

       O jornalismo cidadão pode contribuir, assim, para a democratização da
comunicação. Não apenas pela possibilidade de acesso ou produção de notícias, mas
como um aliado na interpretação que mais se aproxime da realidade dos fatos.
Dinamizando um modo engessado e, muitas vezes, preguiçoso de recortar (e recontar)
os acontecimentos.

       A mídia tradicional terá (se ainda não o fez) que se abrir a essa nova realidade.
As empresas de comunicação terão de ver em seu público mais do que clientes, mas
parceiros na construção do seu produto. O diálogo é cada vez mais necessário, e as
trocas é que estabelecerão as relações de credibilidade e confiança, imprescindíveis
nesse negócio.

       Desde uma perspectiva cidadã, a utilização das redes sociais como ferramentas
de mobilização política quebram um paradigma para a atual geração: havia a crença de
que as chamadas gerações X e Y, crescidas ou nascidas em um universo altamente
digital e virtualizado, seriam alienadas e desinteressadas de questões coletivas.

       O que se vê, no entanto, é uma participação cada vez mais ativa, com diversos
grupos interagindo, discutindo e, mais importante, agindo e provocando
transformações reais na sociedade.

       Mediadas pelas redes sociais, a organização da sociedade avançou para um
nível inédito de mobilização. As possibilidades de participação sugerem mais do que
interação, permitem (e até exigem) o envolvimento do público.

       As redes sociais se impõem como uma ferramenta indispensável no processo
de comunicação, seja ele jornalístico, político, social ou cultural. Elas agregam, pela
primeira vez, a multiplicidade de discursos, visões e interpretações da realidade.
Como plataforma comunicacional alternativa à mídia oficial ou aos grandes
meios, as redes sociais demonstraram sua eficiência. Não é possível controlá-las, nem
vencê-las. É preciso juntar-se a elas.

Bibliografia consultada

BARRETO, Fernando: Mobilização Social. In: Para entender as mídias sociais. Org.
BRAMBILLA, Ana. E-book, 2011.

CASTELLS, Manuel: A era da informação: Economia, sociedade e cultura – Volume 1:
Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GILMOR, Dan: Nós, os média – Lisboa: Presença, 2005

LINDEMAN, Christiane: Jornalismo participativo na internet: novo suporto, novas
práticas, novos conceitos. In: Animus – Revista interamericana de comunicação
midiática. Santa Maria/RS, vol. V, n. 2. p. 149-168, 2006.

MINTY, Riyaad - Al Yazira: o cómo el ciudadano fue esencial para contar la revolución,
entrevista de Ana Alfageme - http://blogs.elpais.com/periodismo-con-futuro/:
acessado em 17/06/2011

NEGREDO, Samuel; SALAVERRÍA, Ramón: Periodismo integrado: convergencia de
medios y reorganización de redacciones - Barcelona: Sol90Media, 2008

RECUERO, Raquel: A nova revolução – as redes são as mensagens. In: Para entender as
mídias sociais. Org. BRAMBILLA, Ana. E-book, 2011.

WOLTON, Domenique: Pensar a comunicação: Brasília: UnB, 2004.

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O papel das redes sociais como ferramenta de mobilização política da sociedade: uma análise da “Primavera Árabe”

  • 1. O papel das redes sociais como ferramenta de mobilização política da sociedade: uma análise da “Primavera Árabe” Gustavo Chaves Lopes1 RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir o papel das redes sociais na mobilização de grupos da sociedade civil. Os protestos em países árabes, que ficaram conhecidos como Primavera Árabe, utilizaram um modelo de organização que conseguiu furar o bloqueia da mídia oficial e têm inspirado manifestações em várias partes do mundo, sobretudo na Europa. Assim, pretendemos refletir sobre esse modelo e o espaço de atuação da imprensa tradicional diante desse novo fazer jornalístico. PALAVRAS-CHAVE: Redes sociais, jornalismo cidadão, ciberativistas, mobilização social RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo discutir el papel de las redes sociales en la movilización de grupos de la sociedad civil. Las protestas en los países árabes, que se conoció como la primavera árabe, utilizando un modelo de organización que lograron romper los bloques y los medios de comunicación oficiales han inspirado a las manifestaciones en varias partes del mundo, especialmente en Europa. Por lo tanto, tenemos la intención de reflexionar sobre este modelo y el espacio de actuación de la prensa tradicional ante este nuevo periodismo. PALABRAS CLAVE: Las redes sociales, periodismo ciudadano, ciberactivistas, la movilización social 1 Gustavo Chaves Lopes é jornalista e aluno especial da disciplina de Jornalismo Digital na Pós Graduação da Faculdade de Comunicação da UnB
  • 2. Introdução A crença de que tudo o que fosse publicado na internet poderia ser visto pelo mundo inteiro sustentou, por muito tempo, a hipótese de que a democratização da comunicação iria se consolidar, que todo indivíduo teria a possibilidade de ser ouvido. Embora essa crença tivesse, na realidade, muitas condicionantes, o surgimento da Web 2.0 contribuiu para a democracia através do uso da Internet, potencializando essa capacidade. A criação de blogs, sites de compartilhamento e, sobretudo, das redes sociais criou um novo cenário, ampliando não apenas o acesso à informação, mas também possibilitando a produção de conteúdo (informativo ou não) pelos usuários, multiplicando exponencialmente as opções de fontes. Mas as redes sociais criaram novas possibilidades. Para além das simples conexões sociais, elas têm se mostrado poderosas ferramentas de organização política da sociedade. O caso da Primavera Árabe, ainda que não seja o primeiro (vide Revolução Verde, no Irã) é, sem dúvida o mais emblemático. A partir de um modelo de mobilização (que veremos adiante) que se manifestou na Tunísia e foi replicado em quase todo o mundo árabe, a população daqueles países saiu em massa às ruas exigindo mudanças estruturais na política, na sociedade, e na economia. Ditaduras ruíram ou estão por ruir. Todo o status quo da região está se transformando. Algo que seria impensável pouco tempo atrás (uma oposição organizada) surgiu espontaneamente através das redes sociais. Sem uma posição política ou ideológica definida, os ciberguerreiros, como ficaram conhecidos os manifestantes, conseguiram catalisar o sentimento latente de insatisfação da sociedade depois de um caso isolado2 foi o estopim para o levante. Em pouco tempo, o que parecia mais uma manifestação se transformou em uma onda de protestos na região, com resultados ainda não definidos. 2 Bouazizi, um vendedor ambulante de 26 anos, protestava por ter seu carrinho de frutas confiscado ao se negar a pagar propina a autoridades locais. Depois de reclamar em diversos órgãos, Bouazizi recebeu um tapa na cara de uma funcionária pública. O jovem não agüentou a humilhação e ateou fogo ao próprio corpo em frente à repartição onde sofrera a ofensa. Foi o início da Primavera Árabe.
  • 3. O uso massivo das redes sociais, notadamente Twitter e Facebook, foi fundamental para arregimentar adeptos para a revolta popular. Elas não apenas organizavam as manifestações, como informavam a população sobre os desdobramentos da revolta. Mais do que isso, tornaram-se fonte para a mídia do mundo inteiro, que não tinha acesso ao que estava acontecendo. Em tempo real, textos, fotos e vídeos eram postados nos servidores do Twitter, Facebook e Youtube, possibilitando ao mundo ter acesso aos acontecimentos e conhecer a real dimensão das manifestações. As redes sociais assumiram assim o papel de garantidores da liberdade de expressão, liberdade de informação e, até mesmo, da liberdade de imprensa. Assim, o presente trabalho pretende abordar este modelo de mobilização social, seus usos e reflexos na mídia, refletir sobre o papel do jornalismo (e do jornalista) diante dessa inovação e sua importância como meio de comunicação. Não temos a pretensão de esgotar o tema, apenas discutir sua relevância e conseqüências para o fazer jornalístico. Além disso, faremos uma breve revisão sobre temas como redes sociais, jornalismo cidadão e mobilização social na internet. Apresentaremos o modelo de mobilização e alguns casos em que ele foi aplicado, com informações que ajudem a entender esse fenômeno. Redes Sociais As redes sociais sempre existiram na história da humanidade, já que o homem é um ser gregário que estabeleceu, ao longo do tempo, inúmeras formas de interação e relacionamento social. No entanto, as redes sociais a que nos referimos, as relações sociais mediadas por computadores, estabeleceram uma nova (ou várias) forma se pensar as interações pessoais. Hoje, uma parcela considerável da interação entre as pessoas se dá através de uma alguma plataforma tecnológica. E-mails, mensageiros, sms, redes sociais, etc.: o homem moderno já não consegue ficar “offline”. Manuel Castells, teórico que analisou profundamente essas transformações, cunhou o termo que talvez seja o mais apropriado para a nossa contemporaneidade: sociedade em rede.
  • 4. Sem nos estender muito sobre esse ou outros conceitos, podemos dizer que a interface homem-máquina transmutou de tal forma as relações humanas a ponto de haver uma transcrição de nossas interações presenciais para o mundo virtual. Castells chamou esse fenômeno de virtualização do real (Castells, 1999, p. 414). As tecnologias da web 2.0 (o conceito de web 2.0 vê a internet como plataforma, na qual a interação é maior, o conteúdo é compartilhado e a produção, colaborativa) ampliaram as possibilidades de interação na medida em que nos permitem visualizar as conexões existentes para além dos nossos relacionamentos presenciais, o que muitas vezes torna nossa “vida virtual” muito mais ampla e diversificada. Redes sociais tornaram-se a nova mídia, em cima da qual informação circula, é filtrada e repassada; conectada à conversação, onde é debatida, discutida e, assim, gera a possibilidade de novas formas de organização social baseadas em interesses das coletividades. (Recuero, 2011, pg. 15) Muitos autores trabalham com a ideia de “mídias sociais”, porém, trata-se de conceito3 mais amplo e complexo, mas que não é nossa intenção abordar aqui. A seguir veremos exemplos dessas novas formas de interação que interessam diretamente a esse estudo. Facebook O Facebook é o site de relacionamento mais popular do mundo hoje. Segundo o site socialbakers.com, especializado em estatísticas de redes sociais, o Facebook tinha, em junho de 2011, perto de 750 milhões de usuários ativos. Estima-se que chegue ao número de um bilhão de contas em 2012. Criado em 2004, por Mark Zuckerberg e outros estudantes da Universidade de Harvard, EUA, o site é utilizado para interação social, hospedagem de fotos e vídeos, troca de mensagens, além de disponibilizar uma série de aplicativos para seus usuários. 3 Para uma pesquisa mais aprofundada sugerimos o livro Para entender as mídias sociais, organizado por Ana Brambilla, que pode ser baixado gratuitamente na Internet.
  • 5. Twitter O Twitter difere bastante dos outros sites de relacionamentos, tendo mais semelhanças com um blog (é considerado um microblog). O usuário pode postar textos de até 140 caracteres (os tweets), que são visualizados pelos seus seguidores (pessoas que estão conectadas a ele). O número limitado de caracteres disponíveis, na verdade, faz referência a antigas ferramentas de comunicação instantânea. O telex (uma espécie de máquina de escrever que enviava e recebia mensagens) trabalhava com o limite de 160 caracteres por mensagem. Quando os celulares passaram a enviar mensagens de texto (SMS), as operadoras também trabalharam com essa medida de referência (mesmo que se possa enviar um torpedo com milhares de caracteres, cada 160 toques são considerados como uma mensagem pelas operadoras para fins de cobrança). Surgido em 2003, a ideia era que o Twitter fosse utilizado principalmente através do celular. Assim, os criadores do microblog disponibilizaram os mesmos 160 caracteres: 140 para a mensagem e até 20 para o nome do usuário. O mote inicial do twitter é responder a pergunta: what’s happening? (o que está acontecendo). A partir daí, uma infinidade de possibilidades de uso foram incorporadas à ferramenta. Jornalismo cidadão Também chamado de jornalismo colaborativo, jornalismo participativo, wikijornalismo, jornalismo open-source, entre outros termos mais ou menos criativos, o jornalismo cidadão (que usaremos por entendê-lo mais apropriado) é, resumidamente, o jornalismo praticado por qualquer pessoa. Ou seja, parte da ideia de que não é preciso ter a formação acadêmica do jornalismo para produzir conteúdo informativo. E a Internet, claro, foi a grande potencializadora desse processo. Sobretudo a partir do advento do conceito 2.0. Mais do que dar ao cidadão a possibilidade de produzir notícias, quebra o paradigma da passividade no processo de comunicação, eliminando a velha fórmula comunicacional:
  • 6. “A principal característica dessa lógica de produção é a superação do modelo transmissionista emissor-meio-mensagem-receptor, uma vez que este último torna-se agente produtor neste processo. A idéia de participação é, justamente, descentralizar a emissão, oportunizando que mais vozes tenham vez no espaço público. Valoriza-se desta forma, uma característica da rede, que é a possibilidade de uma interatividade efetiva”. (LINDEMAN, 2006. p.154). Um dos pioneiros nessa forma de produção de notícias foi o site Slashdot (www.slashdot.org), criado em 1997 pelo programador americano Rob Malda. O site, especializado em temas de informática e tecnologia, era alimentado com matérias enviadas pelos internautas, na sua maioria, informatas ou estudantes de informática. Há um sistema de moderação, no qual são escolhidas cerca de 20 matérias, entre as centenas enviadas diariamente pelos usuários. No entanto, um dos primeiros sites de jornalismo cidadão voltado para a produção de notícias foi o sul-coreano OhmyNews (ohmynews.com). Fundado no ano 2000 pelo jornalista Oh Yen Ho, o site foi uma forma de oferecer uma alternativa ao monopólio de comunicação estabelecido no país, formado por três grandes jornais. Baseado na ideia de que cada cidadão é um repórter, o site passou a receber conteúdo de todo o país e, em pouco tempo, o OhmyNews já tinha uma grande audiência na Coréia do Sul e foi aberto a outros países. Inicialmente editado apenas em hangul, o alfabeto coreano, o site passou a ser editado também em inglês, a partir de agosto de 2004, sob a denominação de Ohmy News International (www.english.ohmynews.com). A partir de então, usuários de qualquer país têm a oportunidade de colaborar, de forma que a cobertura passou a se dar em âmbito mundial. (LINDEMAN, 2006, p. 157). Enquanto os exemplos citados, e outros tantos surgidos depois, eram uma alternativa para as mídias estabelecidas, o que fizeram os meios de comunicação de massa diante desse novo cenário? Quase todos os portais de notícias, inclusive no Brasil, criaram canais do tipo “você leitor”: vc repórter (Terra), FotoRepórter (Estadão), Eu Repórter (O Globo), são apenas alguns casos em que o jornalista é apenas um acessório no processo de produção de notícias. No primeiro semestre de 2011, o canal de televisão DFTV, afiliado à Rede Globo, lançou o concurso “Parceiros do DF”, para selecionar candidatos a repórter, que receberiam um mês de treinamento e produziriam matérias sobre suas cidades. Não era necessário a formação em jornalismo.
  • 7. Diante dessas mudanças estruturais dos processos de comunicação, onde todos e qualquer um podem ser jornalistas, é de se perguntar que papel restará ao jornalista profissional. Forçoso admitir que o jornalista (e o jornalismo) perdeu o monopólio da voz. Não é a intenção do presente trabalho responder a essa indagação, embora reconheçamos sua grande importância. Pretendemos nos debruçar sobre o tema em um futuro mestrado, onde pesquisaremos o assunto com mais profundidade. No entanto, é necessário observar que, embora as fontes tenham se multiplicado, democratizando o acesso e a produção de notícias, nem tudo o que se lê merece credibilidade. Se essa afirmação já é verdadeira no mundo offline do impresso, é ainda mais em um universo onde todos produzem informação, com seus interesses, opiniões e visões de mundo. Se a objetividade já era uma quimera no jornalismo tradicional, no jornalismo cidadão ele é uma utopia. Longe, porém, de deixar de reconhecer a importância dessa revolução, que têm oportunizado momentos emblemáticos de nossa história contemporânea, como veremos a seguir. Mobilização social Não há novidade alguma no fato de um grupo de pessoas se reunir para reivindicar algo, lutar por uma causa, defender uma bandeira. Os descontentes com o establishment - fosse ele qual fosse - sempre existiram e sempre souberam da lógica do “unidos somos mais forte”. Então, o que há de novo nas mobilizações atuais? A novidade está na forma como isso vem acontecendo. Se antes a praça, o espaço público, era o palco de onde surgiam os grandes clamores sociais, hoje basta um computador para que se inicie uma revolução. Ou uma wikirrevolução, como disse Manuel Castells em artigo4 recente. A Internet mudou completamente a maneira como a sociedade se organiza - e as redes sociais potencializaram ao extremo as possibilidades de mobilização social. O conceito de interatividade ficou esvaziado diante da “horizontalização do processo de constituição da mídia que, ao contrário da chamada mídia de massa, distribuiu o poder 4 La wikirrevolución del jazmín – jornal La Vanguardia, Espanha (29/01/2011)
  • 8. de distribuição da mensagem.” (Recuero, 2011, p. ). Hoje, mais do que participação, mais do que interatividade, o que se observa é envolvimento. A própria construção da cidadania, hoje, se dá sob (e sobre) alguma plataforma tecnológica. São os ciberativistas (ou webcitizens, ou netzens, ou outro termo semelhante) que estabelecem novas fronteiras da participação política. Através de um computador conectado à rede rapidamente agregam adeptos à causa que defendem: Essas mídias são grandes facilitadoras uma vez que sincronizam diferentes grupos espalhados num mesmo país ou no mundo, facilitam a coordenação das ações e ajudam a documentar o que está acontecendo. (Barreto, 2011, p. 163) Um exemplo dessa forma de mobilização é a comunidade Avaaz (avaaz.org). Fundado em 2007, o grupo é formado por ativistas que coordenam ações de mobilização global em temas como direitos humanos, corrupção, meio ambiente, geopolítica, entre outros. O Avaaz envia milhões de e-mails solicitando que as pessoas assinem petições em prol das demandas que a organização defende, como forma de pressionar as autoridades competentes para agirem em favor das causas defendidas. Os exemplos são vários e vão desde grandes temas de interesse coletivo (na Alemanha, a sociedade se organizou através das redes sociais para pressionar o governo a abandonar o programa nuclear do país), passando por pequenas causas pessoais (como o homem que perdeu seu gato no aeroporto de Brasília e conseguiu destaque para seu drama na mídia depois de fazer “barulho” nas redes sociais). Há casos de solidariedade global, como aconteceu no caso das enchentes no Rio de Janeiro ou do terremoto no Japão, quando milhões de pessoas se mobilizaram através das redes sociais para arrecadar donativos, mantimentos e todo o tipo de ajuda para os necessitados. Na política, a campanha Fora Arruda ganhou força no Twitter com a hashtag5 #foraarruda, que mobilizou milhares de estudantes em Brasília, pressionando pela 5 Hashtags são as palavras-chave dos tweets, funcionando também como links para outros tweets com o mesmo tema.
  • 9. cassação do então governado do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Depois de semanas de passeatas, investigações e muito jogo político, Arruda acabou preso e perdeu o mandato. Além dos usos mais institucionais, como em campanhas eleitorais: a campanha do presidente Barack Obama, o uso do Twitter e do Facebook foi maciço, a ponto de alguns analistas creditarem às redes sociais o diferencial do candidato democrata. Aqui no Brasil, nas últimas eleições majoritárias, as redes sociais também foram usadas fortemente, criando uma espécie de disputa virtual entre os candidatos. Mas é nas questões que dizem respeito à cidadania que as redes sociais têm agido mais intensamente, onde campanhas organizadas na rede acabam representadas no “mundo real”. Mais uma vez os exemplos são diversos e não é, no momento, nossa intenção, nos aprofundarmos nessa temática. Porém, de todos os infindáveis exemplos que podemos mencionar, nenhum teve a capacidade de mobilização e a força transformadora das mobilizações nos países árabes, onde a população saiu às ruas exigindo mudanças radicais na sociedade, como veremos a seguir. Primavera Árabe – Flores para todos Os países árabes costumam ser vistos pelo Ocidente como um corpo único, que compartilha uma mesma história comum, dotado de tradições conservadoras (ou ultrapassadas), de uma cultura machista e de um fundamentalismo religioso. Porém, essa é uma visão equivocada sob todos os aspectos e o próprio termo “mundo árabe” carece de sentido etimológico. Sem querer entrar em conceituações geopolíticas, que fogem ao interesse imediato desse trabalho, basta dizer que os países árabes têm histórias distintas, tradições diversas e culturas diferentes. Talvez o que eles compartilhem sejam apenas algumas singularidades culturais, o idioma árabe e a religião islâmica. Ainda que nem todo país islâmico tenha o árabe como língua oficial (como o Irã, para ficar no exemplo mais óbvio) e ainda que mesmo o Islã (como todas as religiões monoteístas) tenha suas diversas ramificações. Dito isto, vamos passar às transformações que alguns países
  • 10. árabes têm experimentado, nos atendo ao papel que as redes sociais têm desempenhado nesse processo. No dia 17 de dezembro de 2010, quando o tunisiano Mohamed Bouazizi se autoimolou em protesto contra a corrupção de agentes do governo, sabia que viraria um mártir, mas é provável que não imaginasse que seu sacrifício daria início às mais importantes revoltas de países árabes na história contemporânea. Indignados com o evento, milhares de jovens tunisianos saíram às ruas exigindo a prisão dos agentes corruptos. Mas havia mais do que sentimento de justiça. Havia a chama de uma revolução que transformaria a sociedade árabe como eles a conheciam. Os protestos cresceram. A repressão aumentava na mesma medida. Enquanto a mídia oficial dava a sua versão dos fatos, minimizando as manifestações e atribuindo- as a poucos “subversivos”, as redes sociais fervilhavam. As ruas ficavam cada vez mais tomadas por manifestantes e era impossível ignorá-las. Em poucos dias o presidente Zine El Abidine Ben Ali, no poder há mais de 23 anos, teve que renunciar, devido ao forte clamor popular. Foi a senha para que a população de países da região se sublevassem. Com as mesmas ferramentas, os egípcios derrubaram Hosni Mubarak, 30 anos no poder, considerado um dos regimes mais sólidos da região. Logo Síria, Líbia, Iêmen, entre outros, seguiam a onda de manifestações, embora nestes países a situação ainda esteja indefinida. Driblando a censura – um modelo de sucesso Todos os países árabes citados vivem sob variados níveis de censura e totalitarismo. Ainda que haja um maior ou menor grau de garantias individuais, em nenhum deles se permite a plena liberdade de imprensa ou de expressão. Assim, para poder se organizar politicamente e coordenar as manifestações, os jovens lançaram mão das redes sociais como ferramentas de mobilização. Inicialmente, essas ferramentas tiveram a função de “despertar a consciência” da juventude árabe e de convocar os descontentes para sair às ruas e participar das manifestações. Num segundo momento, quando as mídias locais “ignoravam” os protestos e os jornalistas estrangeiros eram expulsos ou impossibilitados de realizar
  • 11. seu trabalho, as redes sociais assumiram definitivamente o papel de fontes de informação e notícia, abastecidas pelos próprios cidadãos, furando o bloqueio imposto pelos canais tradicionais de comunicação. Embora se refira a outro acontecimento (o 11 de setembro) a descrição de Gilmor (2004), para essa nova lógica de produção de notícias se encaixa com perfeição nesse caso: [...] desta vez, estava a acontecer mais qualquer coisa, algo de profundo: as notícias estavam a ser produzidas por pessoas comuns, que tinham pormenores a relatar e imagens para mostrar, e não apenas pelas agências de notícias “oficiosas” que, tradicionalmente, costumavam produzir a primeira versão da história. Desta vez, o primeiro esboço estava a ser escrito, em parte, por aqueles a quem as notícias se destinavam. Uma situação tornada possível – era inevitável – pelas novas ferramentas de comunicação disponíveis na Internet. (GILMOR, 2004, p. 12). E a fórmula para o sucesso das manifestações era simples: pelo Twitter, os ciberativistas marcavam os locais de encontro e disseminavam informações sobre o evento. Em pontos estratégicos, alguns participantes faziam o papel de “olheiros” e avisavam sobre os locais onde poderiam enfrentar repressão. Conforme a manifestação ia acontecendo (geralmente passeatas ou aglomerações em praças públicas), era feita atualização em tempo real. O Facebook era utilizado como plataforma de debates, antes e depois das manifestações. Também como suporte para fotos e vídeos. O Youtube também entrava em cena para armazenar os vídeos. Foi dali que saíram (e continuam saindo) muitas das imagens marcantes e flagrantes de repressão divulgadas na mídia tradicional. Não tardou para que os regimes percebessem que era inútil prender alguns manifestantes ou expulsar jornalistas estrangeiros de seus países. Era preciso lutar com as mesmas armas. As primeiras medidas foram no sentido de tentar inviabilizar o acesso à Internet. Não durou muito. Depois, passaram a perseguir os ciberativistas através das hashtags. Foi aí que entrou outro passo na estratégia dos manifestantes: conforme as autoridades conseguiam mapear e bloquear as hashtags, outras eram criadas e seguiam funcionando no mesmo ritmo.
  • 12. A principal etiqueta da revolução tunisiana começou como #sidibouzid (uma referência à Bouazizi) e foi mudando ao longo dos eventos, para evitar a censura. Em junho de 2011, #SBZ_news era a sexta versão que os ativistas colocavam no ar. Outras #hashtags que fizeram (e fazem) a cobertura em tempo real, não apenas na Tunísia, mas nos outros países foram: #tahir, #arabsprings, #arabrevolution, #yemen, #syria, #bahrein, #lybia. Interessante destacar que apenas uma pequena parte dos manifestantes, em qualquer dos países citados, tinha contas no Twitter. Embora contassem com milhares de seguidores, as principais hashtags não abarcavam a totalidade da população. O sucesso das mobilizações se deu então, também por conta da forte tradição de oralidade da cultura árabe (esse sim um traço comum no “mundo árabe”). Por razões históricas, o hábito de contar histórias sempre acompanhou esses povos. Era uma forma de manter uma memória coletiva e passá-la às gerações seguintes. Vem daí uma brincadeira muito comum também no mundo ocidental: o telefone árabe. Embora tenha diferentes nomes, dependendo da região, é provável que todo mundo já tenha brincado ou ouvido falar do jogo. Consiste em passar uma mensagem, da boca ao ouvido de outra pessoa e assim sucessivamente. Fica fácil entender como nesses casos as chamadas nas redes sociais virtuais encontravam forte eco nas redes sociais reais. Castells (1999) fala da virtualização do real nas sociedades em rede. Mas, nesse caso, não estaríamos vivendo uma realização do virtual? Esse paradoxal caminho inverso sugerem que as relações de interesse, os debates, as organizações, começam no universo digital, mas se concretizam no universo real. Assim, Twitter, Facebook e Youtube se converteram “telefones árabes” turbinandos. Com sua capacidade de disseminação, em pouco tempo milhares de participantes eram arregimentados e tomavam as ruas em protesto contras os regimes opressores, lutando por democracia, reivindicando melhores condições de vida, liberdade e oportunidades de emprego (segundo pesquisas recentes da OIT 60% dos jovens árabes estão desempregados, o que explicaria também a grande adesão às manifestações).
  • 13. Nem tudo são flores Nem sempre esse modelo é eficaz, como aconteceu nas manifestações ocorridas no Irã, em protesto contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, considerada por observadores externos como fraudulenta. A chamada Revolução Verde aconteceu em 2009, portanto antes mesmo da Primavera Árabe, e foi uma das primeiras experiências da utilização das redes sociais como ferramentas de ativismo político a furar a censura oficial. Outro caso em que a aplicação desse modelo não teve o mesmo sucesso foi na Líbia. Nesses países, a repressão dos governos foi muito mais dura e eficiente: Os recentes levantes no mundo árabe foram marcados por mobilizações que, no mínimo, foram facilitadas e antecipadas pelo uso das mídias sociais. Se num primeiro olhar se vê o sucesso do uso da Internet nas revoltas do Egito e da Tunísia, por outros, sabe-se também que a onda verde que invadiu o Twitter e o Facebook durante a luta do povo iraniano contra o governo autoritário se virou contra eles, a partir do momento em que a revolta falhou e estas mesmas mídias servem hoje como banco de dados para a busca e apreensão de pessoas por esse regime. Mais recentemente, o governo da Líbia, assim que percebeu a mobilização online, bloqueou a Internet no país. (BARRETO, 2011, p.164-165). As redes sociais continuam a trabalhar pela Primavera Árabe. Os manifestantes continuam contando e mostrando ao mundo sua luta por democracia, em toda a sua grandeza, mas também nos detalhes, nas pequenas alegrias e tragédias particulares. O modelo de mobilização iniciado nos países árabes se espalha pelo mundo, com especial destaque para ações na Espanha e Grécia. O mundo sabe antes dos acontecimentos nesses lugares através das redes sociais e não na mídia tradicional. Será esse um novo modelo de produção de notícias, que prescinde do jornalista e é feito de fonte para fonte? Tentaremos responder a essa e outras indagações a seguir. E o jornalista? Visões fatalistas do jornalismo são comuns hoje em dia. Em nome do determinismo tecnológico, muitos acreditam que o papel do jornalista será cada vez secundário no processo de produção de notícias. Não há dúvidas que as novas tecnologias vieram para ficar e mais – a atualização tecnológica é contínua. Cabe, portanto, ao jornalista acompanhar esse processo. Salaverría (2009) fala de uma nova relação com o público, de um novo perfil do jornalista nesse processo de convergência midiática. O profissional do jornalismo deve
  • 14. abandonar a visão unidirecional do processo de comunicação e olhá-lo e praticá-lo de forma multidirecional. Como vimos anteriormente, o público já está inserido nas redações. O público está produzindo por si mesmo as notícias. Cabe ao jornalista estar atento ao que esse público quer falar e ouvir. Além disso, as redes sociais, se bem utilizadas, são aliadas e não ameaças. Ter acesso ao enorme conteúdo de informações geradas, da possibilidade de contato direto e instantâneo com as fontes, que estão onde o repórter não pode estar, podem auxiliar e muito o jornalista a desenvolver seu trabalho. Sem esquecer uma das regras básicas da profissão: checar a informação. A lição da Al Jazeera Não é de agora que e a rede de televisão Al Jazeera, do Catar, se tornou referência para o mundo em assuntos relacionados ao Oriente Médio. Moderna e dinâmica, a rede soube se adequar como poucos à nova lógica de produção de notícias através das redes sociais. Em entrevista ao blog Periodismo con Futuro, do jornal espanhol El País, (blogs.elpais.com/periodismo-con-futuro), o coordenador de mídias sociais da Al Jazeera, Riyaad Minty, deu pistas importantes de como o jornalismo tradicional deve se portar diante desse novo cenário. A primeira delas, o jornalista deve estar em contato com o público e respeitá- lo. Só assim se estabelece uma relação de confiança. Assim se atinge credibilidade e logo o próprio público vai estar te passando informações relevantes. Além disso, a verificação continua tão ou mais importante agora. O volume de informações a que se tem acesso é infinitamente maior. Assim, o jornalista deve tentar contato com que está tuitando, postando vídeos, divulgando fotos e checar as informações, o que está longe de ser uma tarefa fácil: “Lo mejor es conseguir un contacto personal, llegar a esa persona por correo electrónico y pedirle su teléfono. Cuando ya tienes el número con su código de área, sabes en qué zona está. Luego hay que comparar su versión con otras, incluidas la de los corresponsales en la zona. También les pedimos que se fotografíen con el periódico del día y así sabemos que están en el sitio en el que dicen que están. Es un gran desafío, pero si sigues estos pasos, puedes estar seguro que tienes un 70% o un 80% de posibilidades de éxito en la verificación". (MINTY, 2011) Minty conclui dizendo que os jornalistas não podem ignorar o fato que a forma de produzir e consumir informações mudou completamente. Se não enxergar as redes
  • 15. sociais como parte de seu trabalho corre o risco de tornar-se irrelevante. No entanto, é provável que haja a necessidade de estar atento também ao que Wolton chama de “tirania do acontecimento”. Ou seja, a comunicação é baseada na instantaneidade absoluta, quando um volume incessante de informações é oferecido ao público, que não consegue digeri-las. Mas a noção de “tempo real”, com a qual a instantaneidade trabalha é diferente do tempo histórico, da sociedade. Mesmo que se fique acordado 24 horas por dia não se dá conta de consumir toda a massa de informações despejadas continuamente. Ao jornalista, individualmente, cabe tirar do caos a notícia, do turbilhão de informações achar a que seja relevante para o público. Diante do que foi visto até aqui, parece que o jornalista está agora em uma nova fase de sua profissão: por um lado precisa adaptar-se, adequar-se a um novo cenário, onde os atores se multiplicaram ao infinito e as possibilidades de interpretação do “real” são muitas. Por outro, tem que manter certas liturgias da profissão, como checagem, apuração e um certo filtro. Considerações Finais São muitas as conclusões que podem ser extraídas dessa nova realidade que se apresenta ao fazer comunicativo. Não temos pretensão, como já dissemos, de esgotá- las aqui, mas apresentaremos as que nos parecem mais interessantes a este estudo. Um dos primeiros entendimentos que se apresentam diante do exposto diz respeito às novas relações que se estabeleceram no processo de produção de notícias com o advento das redes sociais. Definitivamente, o público está em outro patamar nesse processo. Não há mais como ver no leitor (entendido aqui como um consumidor multimídia de notícias) um sujeito passivo. Ele entrou de vez na lógica de construção do produto informativo e tem cada vez mais espaço e voz. O jornalismo perdeu o monopólio da fala, de forma irreversível. O público se tornou um colaborador imprescindível. Não nos formatos do tipo “você repórter”, que também têm seu valor mas, sobretudo, como interlocutor dos
  • 16. eventos, estando presente e vivenciando os acontecimentos onde e quando eles ocorrem. Também constatamos que o jornalista se mantém relevante na medida em que confere credibilidade à informação oriunda das redes sociais, apurando sua veracidade através da checagem das fontes, da investigação dos fatos. Assim, o jornalista continua imprescindível como um mediador da construção social da realidade, que passa, cada vez mais, pelas redes sociais. O jornalismo cidadão pode contribuir, assim, para a democratização da comunicação. Não apenas pela possibilidade de acesso ou produção de notícias, mas como um aliado na interpretação que mais se aproxime da realidade dos fatos. Dinamizando um modo engessado e, muitas vezes, preguiçoso de recortar (e recontar) os acontecimentos. A mídia tradicional terá (se ainda não o fez) que se abrir a essa nova realidade. As empresas de comunicação terão de ver em seu público mais do que clientes, mas parceiros na construção do seu produto. O diálogo é cada vez mais necessário, e as trocas é que estabelecerão as relações de credibilidade e confiança, imprescindíveis nesse negócio. Desde uma perspectiva cidadã, a utilização das redes sociais como ferramentas de mobilização política quebram um paradigma para a atual geração: havia a crença de que as chamadas gerações X e Y, crescidas ou nascidas em um universo altamente digital e virtualizado, seriam alienadas e desinteressadas de questões coletivas. O que se vê, no entanto, é uma participação cada vez mais ativa, com diversos grupos interagindo, discutindo e, mais importante, agindo e provocando transformações reais na sociedade. Mediadas pelas redes sociais, a organização da sociedade avançou para um nível inédito de mobilização. As possibilidades de participação sugerem mais do que interação, permitem (e até exigem) o envolvimento do público. As redes sociais se impõem como uma ferramenta indispensável no processo de comunicação, seja ele jornalístico, político, social ou cultural. Elas agregam, pela primeira vez, a multiplicidade de discursos, visões e interpretações da realidade.
  • 17. Como plataforma comunicacional alternativa à mídia oficial ou aos grandes meios, as redes sociais demonstraram sua eficiência. Não é possível controlá-las, nem vencê-las. É preciso juntar-se a elas. Bibliografia consultada BARRETO, Fernando: Mobilização Social. In: Para entender as mídias sociais. Org. BRAMBILLA, Ana. E-book, 2011. CASTELLS, Manuel: A era da informação: Economia, sociedade e cultura – Volume 1: Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. GILMOR, Dan: Nós, os média – Lisboa: Presença, 2005 LINDEMAN, Christiane: Jornalismo participativo na internet: novo suporto, novas práticas, novos conceitos. In: Animus – Revista interamericana de comunicação midiática. Santa Maria/RS, vol. V, n. 2. p. 149-168, 2006. MINTY, Riyaad - Al Yazira: o cómo el ciudadano fue esencial para contar la revolución, entrevista de Ana Alfageme - http://blogs.elpais.com/periodismo-con-futuro/: acessado em 17/06/2011 NEGREDO, Samuel; SALAVERRÍA, Ramón: Periodismo integrado: convergencia de medios y reorganización de redacciones - Barcelona: Sol90Media, 2008 RECUERO, Raquel: A nova revolução – as redes são as mensagens. In: Para entender as mídias sociais. Org. BRAMBILLA, Ana. E-book, 2011. WOLTON, Domenique: Pensar a comunicação: Brasília: UnB, 2004.