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EU QUERO HISTÓRIA DE BOCA!
Cristiane Velasco
Avoa, Alma, avoa
Alma, Saudade comprida
Alma é querer de novo
Dançar o inteiro da Vida!
Nunca soube responder à pergunta o que é que você vai ser quando
crescer? e isto sempre foi motivo de grande angústia para mim. Minha vida era
uma colcha enorme de retalhos desconexos (dança flamenca, dança clássica
indiana, artes plásticas, literatura, psicologia) e a pergunta seguia beliscando...
Quando eu era menina, tinha dois sonhos recorrentes: em um deles eu
aparecia voando, no outro, eu respirava dentro d’água. Ambos me alimentavam
da mesma Alegria. Cresci buscando encontrar um fio que costurasse meus
retalhos e me devolvesse essa sensação primeira dos sonhos da minha
infância...
Coleção de cacos
Já não coleciono selos. O mundo me inquizila.
Tem países demais, geografias demais.
Desisto.
Nunca chegaria a ter um álbum igual ao do Dr. Grisolia,
orgulho da cidade.
E toda gente coleciona os mesmos pedacinhos de papel.
Agora eu coleciono cacos de louça
quebrada há muito tempo.
Cacos novos não servem.
Brancos também não.
Tem de ser coloridos e vetustos,
desenterrados – faço questão – da horta.
Guardo uma fortuna em rosinhas estilhaçadas,
restos de flores não conhecidas.
Tão pouco: só o roxo não delineado,
o carmezim absoluto,
o verde não sabendo
a que xícara serviu.
Mas eu refaço a flor por sua cor,
E é só minha tal flor, se a cor é minha
no caco de tigela.
O caco vem da terra como fruto
a me aguardar, segredo
que morta cozinheira ali depôs
para que um dia eu o desvendasse.
Lavrar, lavrar com mãos impacientes
um ouro desprezado
por todos da família. Bichos pequeninos
fogem de revolvido lar subterrâneo.
Vidros agressivos
ferem os dedos, preço
de descobrimento:
a coleção e seu sinal de sangue;
a coleção e seu risco de tétano;
a coleção que nenhum outro imita.
Escondo-a de José, por que não ria
nem jogue fora esse museu de sonho.
Carlos Drummond de Andrade
Somente a partir de 1998, quando vim a conhecer um pouco da arte de
contar histórias, dos brinquedos e cantigas tradicionais, da riqueza de nossa
Cultura Popular e comecei a trabalhar com crianças na Casa Redonda é que
reencontrei o Sentido que estava guardado.
Desde então venho me costurando por dentro; dançando, cantando,
escrevendo, compondo espaços e elementos para contar histórias. Dessa costura
nasceu o Dançando Histórias que envolve três apresentações: Contos Indianos,
Contos Flamencos e Avoou: Contos Brasileiros.
Em 2007, revendo meu trabalho a partir de questões novas (como, por
exemplo, as fronteiras entre narração e interpretação, o contador e o ator), vim a
consultar o Dicionário de Teatro, de Patrice Pavis, onde encontrei a
esclarecedora definição: É preciso não confundir o contador de histórias com o
narrador, que pode ser uma personagem que conta um acontecimento, como na
narrativa clássica, nem com o que os franceses chamam da “Récitant”, que se
manifesta à margem da ação cênica e musical. O contador de histórias é um
artista que se situa no cruzamento de outras artes. Quase sempre sozinho em
cena, narra sua ou uma história, dirigindo-se diretamente ao público, evocando
acontecimentos através da fala e do gesto, interpretando uma ou várias
personagens, mas voltando sempre ao seu relato. Reatando os laços com a
oralidade, situa-se em tradições seculares (...), a arte do contador de histórias se
insere na corrente do Teatro–Narrativo (...) casando perfeitamente a atuação e a
narrativa (...), com recursos mínimos, o contador de histórias rompe a quarta
parede e tira bastante proveito dos milagres da cena.
O Apanhador de Desperdícios (Tudo o que não invento é falso...)
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros
Com as crianças aprendo que as histórias são brincadas com o corpo todo.
Através das manifestações da Cultura Popular Brasileira aprendo a maravilha que
é o Inteiro das coisas. Nessas duas fontes, re-aprendo a Alegria.
Um dia, contando uma história na Casa Redonda para crianças de 2 a 7
anos apareceu a palavra Alma. Um menino perguntou: O que é Alma? Eu devolvi
a pergunta: O que vocês acham que é Alma? Então outro menino respondeu:
Alma é aquela luzinha que tem dentro do Coração...
Sabemos que o Coração é o primeiro órgão a se diferenciar no embrião de
uma criança; no início era o Coração, pulsando, único. Mais tarde é ele que vai
reger cada célula do corpo humano, marcando o ritmo que contém em si a
pulsação maior, a música do universo. O Coração é o nosso sol, o nosso centro.
Kaká Werá, índio brasileiro, contou um dia que a memória cultural se
baseia no ensinamento oral da tradição, que é a forma original da educação
nativa, que consiste em deixar o espírito fluir e se manifestar através da fala
aquilo que foi passado pelo pai, pelo avô e pelo tataravô. (...) Um narrador da
histórias do povo indígena começa um ensinamento a partir da memória cultural
do seu povo, e as raízes dessa memória cultural começam antes de o tempo
existir (...) Para o índio, toda palavra possui espírito. Um nome é uma alma
provida de um assento (...) Cada coisa que vemos é uma imagem da imagem da
imagem do que verdadeiramente é. Nossa memória sabe que o Coração tem o
mesmo pulsar das estrelas.
Existe uma relação muito estreita entre Coração e Memória. Recordar
significa lembrar com o Coração. Da mesma forma, a Memória e a Imaginação
também são vizinhas; a Imaginação emerge da mesma parte da Alma de onde
emerge também a Memória (...) as palavras são coisas aladas, como já diziam os
Gregos na Antiguidade. E Câmara Cascudo, grande pesquisador da Cultura
Popular Brasileira, também falou uma vez que a Memória é a Imaginação do
povo.
No processo da antiga Alquimia havia um momento chamado Lida de
mulheres e Brincadeiras de criança. Era a hora em que o alquimista acendia o
forno e não restava mais nada a fazer, apenas estar ali, assim como as mulheres
quarando roupa no fluxo do rio, rodeadas pelo som das crianças em volta.
Precisamos aprender com esse Tempo da Lida de mulheres e Brincadeiras de
criança, porque passamos a maior parte do nosso tempo ora na tristeza pelo que
já foi, ora na ansiedade pelo que virá e assim vamos esquecendo de viver a
Verdade do Agora, a Sabedoria do Instante.
Ô minha gente no balanço do mar / Coqueiro balançô, coqueiro balança
Cantiga do Batalhão das Tranças
Serrinha - Bahia / Acervo: Lydia Hortélio
Esta cantiga da comunidade rural Grota Funda, trata-se de um canto de
mulheres que “trançam palha”, mulheres artesãs, mulheres do sertão que nunca
viram o mar e, de alguma forma, evocam o seu balanço; mulheres que carregam
este mar guardado em algum espaço de sua Imaginação, em algum tempo de
Memória muito antiga, em algum quarto secreto de Coração.
E é essa Verdade, esse Tempo suspenso do qual falava o pensador
português Agostinho da Silva, o mesmo Tempo do Coração, o Tempo da
Memória, da Imaginação, do Brincar (não o brinquedo pedagógico, mas a língua
Mãe, o currículo interno da criança, a Cultura da Infância), o Tempo da Tradição,
da Cultura Popular: o Tempo das Histórias. Segundo Agostinho, Alma é a
capacidade que o homem tem de lembrar a perfeita unidade do mundo antes de
as coisas existirem e é o desejo de atingir a meta onde a perfeita unidade será
novamente possível (...). Na plenitude do presente vive a criança, e porque o vive
– suspende o tempo.
Era uma vez, há muito tempo atrás... Assim se inicia a entrada em um
mundo diferente daquele do dia a dia, um mundo onde tudo é possível. Assim, o
Era uma vez anuncia a existência de um além que se encontra nos contos, nas
lendas, nos mitos, nos sonhos, na poesia, na música. Reis, rainhas, príncipes,
princesas, anões, fadas, bruxas, serpentes, dragões e outras inumeráveis
personagens fazem parte desse Tempo mágico, encantado e fascinante que
transcende a nossa racionalidade.
É nesse Tempo sem tempo que vive a criança nos primeiros anos de sua
vida, imersa no universo das imagens carregadas de significados. À medida em
que escuta uma história, uma ponte se estabelece entre palavras e imagens, de
modo que através da prática milenar de se contar histórias, presente nas diversas
tradições orais, dimensões do Ser vão sendo vivenciadas: a criança vive as
palavras, a palavra para ela é imagem.
As histórias servem como referências para que as crianças se conectem
com as imagens internas correspondentes, num aprendizado auto-regulador de
integração da Consciência. Muitas vezes os contos são tratados apenas como
histórias para divertir ou distrair, mas, considerados em sua profundidade, eles se
revelam como espelhos da experiência humana, podendo ser entendidos como
uma espécie de ocupação essencial do Espírito.
Segundo Câmara Cascudo, ao lado da literatura, do pensamento
intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas, da memória
e da imaginação popular. O conto é um vértice de ângulo dessa memória e dessa
imaginação (...) é o primeiro leite intelectual. Os primeiros heróis, as primeiras
cismas, os primeiros sonhos, os movimentos de solidariedade, amor, ódio,
compaixão, vem com as histórias fabulosas, ouvidas na infância (...) As
características do conto popular são para mim: antiguidade, anonimato,
divulgação, persistência. É preciso que o conto seja velho na memória do povo,
anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos
repertórios orais (...) Os contos variam infinitamente mas os fios são os mesmos
(...) As centenas de milhares que conhecemos e sabemos existir são
combinações indefinidas desses motivos essenciais.
Certa vez, antes de dormir, um menino de 5 anos pediu que a mãe lhe
contasse uma história e, vendo que ela pegava um livro, ele disse: Não, mãe, eu
não quero história de livro, eu quero história de boca! Este pedido revela a
necessidade vital das crianças entrarem em contato com as próprias imagens,
essencialmente importantes na estruturação de suas psiques. A psique infantil,
animada pelo imaginário, é constantemente des-animada, bombardeada por
conceitos, conteúdos e cristalizada por imagens externas muitas vezes
caricaturais e distantes do universo infantil. Através da experiência de ouvir uma
história de boca, as histórias assumem o tamanho da criança, ela nunca vai
imaginar a bruxa, por exemplo, maior do que o seu medo poderia agüentar.
Venho observando como nas vezes em que utilizo um livro para contar
histórias uma espécie de desordem inicial se instaura. Eu quero ver ou Não estou
vendo nada ou Eu sentei aqui primeiro ou Eu quero ficar no seu colo ou Não! Eu
falei primeiro ou Eu sou essa princesa ou É nada, a princesa sou eu! são falas
recorrentes. Por outro lado, as histórias de boca criam uma harmonia circular, as
crianças espontaneamente se ordenam e nesse espaço aberto as fantasias de
cada uma delas vão sendo projetadas.
Não há dúvida de que existem belas ilustrações de livros a serem
apreciadas, mas é importante, nesta primeira infância, deixar as crianças
enxergarem as suas próprias imagens ao ouvirem uma história; o que importa
verdadeiramente não é o livro, mas o que se vive através das histórias, os
processos internos que vão tecendo o imaginário das crianças.
Nas palavras de Paulo Machado, psiquiatra e terapeuta junguiano, os
rituais nas culturas tradicionais são instantes de Consagração, ou seja, de Tornar
Sagrado e exigem Iniciações. Iniciações são processos orientados de dentro para
fora que podem ser reclusão, abstinência, domínio psico-físico sobre o medo e a
dor, enfim, Sacrifícios. A questão do Sacrifício deve ser compreendida como um
Sacro Ofício, como a participação no Segredo. O que diferencia o Homem do
animal é a relação de significado, esta dimensão sagrada que procura desde
pequeno. A criança, como embrião da espécie humana, carrega esse Mistério
que deve ser acolhido. Distante de ser um processo global como nas culturas
tradicionais, a Educação carece de rituais de iniciação e formas de aquietamento.
As escolas atendem o aluno do ponto de vista técnico e a técnica nada mais é
que um conhecimento sem Iniciação. Portanto, contar histórias é importantíssimo,
elas funcionam como referências para o desenvolvimento da Consciência.
Lidando com o medo nas histórias, por exemplo, as crianças conquistam um
espaço interno. Não adianta explicar o transcendente a uma criança, ela precisa
vivenciá-lo, entrando em contato com as sensações do corpo (frio na barriga,
garganta seca, coração disparado, etc). Como ritos de passagem, as histórias
oferecem a oportunidade de Iniciação e crescimento.
Acrescentaria a este pensamento a definição do grande escritor brasileiro
Guimarães Rosa, na boca de seu personagem Riobaldo: o que o medo é, um
produzido dentro da gente, um depositado; e que às horas se mexe, sacoleja, a
gente pensa que é por causas, por isto ou por aquilo, coisas que só estão é
fornecendo espelho. A vida é pra esse sarro de medo se destruir.
Ao observarmos uma criança ouvindo uma história, percebemos o que é
uma atenção total; sua visão é transportada para onde a ação está ocorrendo.
Muitas vezes parecem até catatônicas, porque o exercício de conexões internas é
tão intenso que não resta energia para mais nada. Cada história requer um fluxo
novo de interações entre campos neurais e este exercício de conexões é a base
para o futuro pensamento concreto, abstrato, matemático, científico, filosófico,
enfim, para tudo o que consideramos uma Educação Superior.
Por isso, as crianças pedem mil vezes uma mesma história, a fim de que
se cumpra o ciclo de conexões a ela relacionadas. Não se trata de uma
necessidade de aprender o conto pois, desde a primeira vez, elas já têm uma
percepção integrada de todos os seus conteúdos como num cinema interno e em
nenhum instante perdem o fio da narrativa, cobrando do contador a total precisão
de detalhes: Não é assim! Quando você contou aquela vez você falou outra
coisa...
Somente quando os campos de imagem de uma história se estabilizam é
que as crianças podem partir para uma outra forma de participação. Nascem,
então, as histórias brincadas. São elas o teatro da primeira infância, onde não
existe a preocupação adulta de apresentar uma peça ensaiada, mas o puro
exercício de brincar as diversas personagens, se fantasiando, experimentando
papéis, trocando com o outro, internalizando possibilidades e lidando com os
limites que cada uma delas oferece. Antes de ser intelecto, a criança é instinto e
sensação; ela vai se conhecendo ao vivenciar com o corpo inteiro todas as ações
que sua imaginação lhe propõe como fatos reais em suas brincadeiras.
Para as crianças a hora é sempre AGORA, o lugar é AQUI e a ação é o
EU. O verdadeiro Brincar une. Enquanto brincam, uma realidade mais profunda
vai sendo revelada em um tempo/espaço com leis distintas daquelas que regem o
mundo adulto. Como escreveu o educador inglês Peter Slade: Ao pensarmos a
forma de arte do Jogo Dramático Infantil é preciso que nós, como adultos,
tomemos em consideração a diferença entre o que a criança faz na realidade e o
que nós sabemos e entendemos por teatro (...). O jogo é na verdade a vida (...), a
maneira da criança pensar, relaxar, trabalhar, lembrar, ousar, criar (...). Cada
criança é tanto ator como auditório (...), a ação tem lugar por toda parte e não
existe a questão de quem deve representar para quem e quem deve ficar sentado
vendo quem fazendo o quê (...). É uma forma de arte por direito próprio, a qual
deveria ser reconhecida, respeitada, alimentada e desenvolvida.
Segundo o terapeuta e teólogo francês Jean-Yves Leloup, a etimologia da
palavra esqueleto em grego é a mesma das palavras escola e escada. Ora, a
finalidade da escola é justamente devolver a alguém a sua coluna vertebral, o seu
eixo no mundo, não através da lei castradora do “você deve” e sim através da lei
estruturante do “você pode”.
Se esse processo for nutrido, isto é, se as crianças forem favorecidas
naquilo que são, personagens poderão desfilar como num conto de fadas:
bailarinas, palhaços, princesas, bruxas, animais, índios, cavaleiros poderão se
integrar, ora harmoniosamente, ora em pequenos conflitos nos enredos criados e
recriados por elas. Entre danças, desmaios e despertares, em meio ao mistério e
à alegria, contagiadas pela coragem e pelo medo, seguirão elas a caminhada
rumo ao ato heróico de enfrentar o perigo. A cada conquista novos desafios serão
projetados na eterna jornada humana: a Aventura da Consciência. Como
escreveu o poeta alemão Rainer Maria Rilke: Nós nascemos por assim dizer
provisoriamente em algum lugar; pouco a pouco é que compomos em nós o lugar
de nossa origem, para lá nascer mais tarde e, a cada dia, mais definitivamente.
Nascendo e morrendo nas brincadeiras, as crianças podem vivenciar suas
passagens, refazer caminhos internos e saltar; a cada nova vez é como se
crescessem um pouco mais. Da mesma forma, projetam em nós figuras como a
bruxa, a madrasta, justamente para confronta-las, destruí-las, transformá-las. Por
muitas e muitas vezes já morri madrasta para nascer mãe, já desmaiei bruxa para
despertar princesa...
A Natureza é o grande cenário onde a imaginação cria castelos, torres,
esconderijos, labirintos e armadilhas. O dinamismo é sempre ultrapassar o
conhecido, em direção ao desconhecido, explorar o NOVO, fazendo uso da
capacidade de imaginação como agente determinante do processo criador.
Imersas no universo das imagens, é como se as crianças enxergassem o
mundo através de um caleidoscópio, mergulhadas na UNIDADE. A ruptura desta
Unidade pode comprometer o seu desenvolvimento harmonioso. O culto à
informação e a alfabetização precoce, por exemplo, antecipam a entrada da
criança em um tempo que não é o dela, sem que haja um amadurecimento real
para isso.
Acreditamos que como um embrião da espécie humana, a criança deve ser
respeitada em sua oralidade, pois irá, nestes primeiros anos de vida, refazer o
trajeto percorrido pelo Homem da linguagem oral para a escrita. E quando este
tempo se cumprir naturalmente, ela terá muito mais autonomia e criatividade no
contato com o texto escrito. Ela saberá como caminhar dentro dele porque a
história já foi brincada dentro dela. Apresentará, inclusive, grande riqueza de
vocabulário, pois ouvindo histórias, as crianças estão sempre aprendendo
palavras novas, contextualizadas em um SENTIDO. O livro então ganhará outro
significado: a descoberta da leitura.
Assim como as brincadeiras próprias de um povo, segundo Mário de
Andrade, falam das características de sua Alma, os contos originais apresentam
aspectos importantes da Alma Humana. Há contos de heróis masculinos e
femininos, contos de animais, contos inverossímeis e outros mais próximos da
vida comum. Podem estar presentes em qualquer parte do mundo, com
características culturais, históricas e geográficas do seu lugar, mas irão sempre
mobilizar o universo interno de cada um de nós, promovendo identificações,
confrontos e transformações.
Eros e Psiquê
Conta a lenda que dormia
uma princesa encantada
a quem só despertaria
um infante que viria
do além do muro da estrada.
Ele tinha tentado,
vencer o mal e o bem
antes que, já libertado
deixasse o caminho errado
por o que à princesa vem
A princesa adormecida
se espera, dormindo espera;
sonha em morte a sua vida
e orna-lhe a fronte, esquecida,
verde, uma grinalda de hera.
Longe o infante esforçado,
sem saber que intuito tem
rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado
Ela, pra ele, é ninguém.
Mas cada um cumpre o destino:
ela, dormindo encantada;
ele, buscando-a sem tino
pelo processo divino
que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
tudo pela estrada afora,
e falso, ele vem seguro,
e, vencendo estrada e muro,
chega onde em sono ela mora.
Inda tonto do que houvera,
a cabeça em maresia,
ergue a mão, encontra a hera
e vê que ele mesmo era
a princesa que dormia
Fernando Pessoa
No espaço da história, a busca de uma saída é o que movimenta o herói e,
como escreveu o estudioso Joseph Campbell, o que rege o seu caminho é a
capacidade de seguir o próprio Coração. As crianças relacionam-se com o mundo
através desta consciência cardíaca e, em suas brincadeiras, compartilham a
mesma busca, uma vez que no mundo mágico da imaginação, elas têm total
maestria. Um dia, uma menina de seis anos me disse: Eu adivinho tudo o que vai
acontecer. Eu ‘previo’ o destino, só nas histórias, né? Nas histórias, eu sei. Uma
vez que você conta uma história pra mim é igual a mil vezes! Deus criou as
histórias pra todo mundo ouvir, sabia? Isto me lembrou outra história, um conto
tradicional judaico reescrito pela terapeuta junguiana e cantadeira Clarissa
Pinkola Estes:
O amado Bal Shem Tov estava à morte e mandou chamar seus discípulos:
Sempre fui o intermediário de vocês e agora, quando eu me for, vocês terão de
fazer isso sozinhos. Vocês conhecem o lugar na floresta onde eu invoco a Deus?
Fiquem parados naquele lugar e ajam do mesmo modo. Vocês sabem acender a
fogueira e sabem dizer a oração? Façam tudo isso, e Deus virá.
Depois que o Bal Shem Tov morreu, a primeira geração obedeceu
exatamente às suas instruções, e Deus sempre veio. Na Segunda geração,
porém, as pessoas já se haviam esquecido de como se acendia a fogueira do
jeito que o Bal Shem Tov lhes ensinara. Mesmo assim, elas ficaram paradas no
local especial da floresta, diziam a oração, e Deus vinha.
Na terceira geração, as pessoas já não se lembravam de como acender a
fogueira, nem do local da floresta. Mas diziam a oração assim mesmo, e Deus
ainda vinha.
Na quarta geração, ninguém se lembrava de como se acendia a fogueira,
ninguém sabia mais em que local exatamente da floresta deveriam ficar e,
finalmente, não conseguiam se recordar nem da própria oração. Mas uma pessoa
ainda se lembrava da história sobre tudo aquilo e a relatou em voz alta. E Deus
ainda veio.
Desde cedo, as crianças reconhecem as estruturas essenciais de uma
história, as combinações de personagens (exemplo: três filhos, duas irmãs, etc),
os obstáculos, as tarefas do herói e estabelecem relações: Olha, esta história é
igualzinha àquela, mas nessa é a moça que sai procurando e na outra é o moço!
Muitas vezes, enquanto conto uma história, alguém já me pede: Depois
você conta aquela? Então percebo que a associação de uma com a outra se deu,
seja pela estrutura próxima, ou por uma imagem parecida, ou uma palavra
marcante, alguma nuance de clima comum, etc. A relação é direta. Desta forma
também, as crianças vão se apropriando de imagens e pedaços de contos
tradicionais para inventarem as suas próprias histórias. Eu inventei
imediatamente, agora. Toda vez que eu falo uma palavra eu invento outra, contou
uma menina de 4 anos. Aí se encontra a maravilha da oralidade, onde uma
história pode virar brinquedo que pode virar cantiga, que pode virar ... E é este o
mesmo universo da Cultura Popular. O modo como um homem ou uma mulher do
povo contam suas histórias de boca é muito próximo da maneira das crianças, as
histórias vão se encadeando através desta colagem, da justaposição de imagens
com um Sentido.
Não existe uma hora para se contar histórias. As histórias permeiam toda a
vida das crianças, elas acontecem em qualquer lugar, no instante de um pedido:
Eu quero uma que você nunca contou, inventada e comprida.
Certo dia, enquanto lanchavam, eu contava uma história e um menino de 4
anos levantou para repetir o lanche e me disse: Espera aí, bota um marcador na
sua boca que eu já volto! Eu me senti um livro ambulante. Dois anos mais tarde,
em situação parecida, uma outra criança me disse: Pause na sua boca que eu já
volto. Isso me fez lembrar uma história narrada pelo contador de histórias
canadense Dan Yashinsky, um fato ocorrido em uma aldeia africana quando lá
chegou o primeiro aparelho de televisão. Durante duas semanas um antropólogo
que estava nesta aldeia observou que todas as pessoas não fizeram outra coisa a
não ser olhar a tela luminosa, fascinadas. Então, gradualmente foram perdendo o
interesse e voltaram a ouvir o contador de histórias do vilarejo. Quando o
antropólogo perguntou por que tinham parado de assistir à TV se ela conhecia
muito mais histórias que o velho contador, um aldeão respondeu: A televisão
conhece mais histórias, mas o contador Me conhece.
As seguintes palavras de Paulo Machado vem de encontro a essa história:
Hoje vivemos a celebração da informação. Quando o computador substituir a
Escola Primária, com certeza a Educação do Futuro será contar histórias...
Outro dia também ouvi uma babá dizer algo relacionado a essa questão.
Ela estava preocupada porque a mãe da criança que ela cuidava no período da
noite havia acostumado o filho a dormir com a TV ligada desde recém nascido.
Naquela semana a televisão tinha quebrado e a babá não estava conseguindo de
forma alguma fazer a criança dormir. Indignada ela disse: Eu acho que se
televisão fosse mãe, nascia um monte de televisãozinha! Esta mesma babá
assistiu assustada à criança reproduzir agitados sons de televisão na cama em
uma tentativa de se auto-embalar, até finalmente cair no sono. Fiquei chocada
com este relato...
Sabemos que nada substitui o contato vivo entre o mistério de quem conta
uma história e o mistério de quem escuta. Mas o contador só será um bom
irradiador se estiver conectado com a sua verdade, se ao contar também estiver
vivendo aquela história: Eu ‘tava lá, tinha até trazido um prato de doces pra
vocês, mas na ladeira do escorrega, eu dei um tropeção e caiu tudo no chão!
Torna-se cada vez mais necessário dar espaço para esta troca, encontrar
maneiras de abrir os portais para que as histórias entrem. Nas palavras do
contador de histórias espanhol Andrzej: Não quero impressionar as pessoas com
efeitos especiais, quero que elas voltem a escutar e contemplar. Quero encontrar
as proximidades, falar das coisas elementares, com sutileza. Despertar o silêncio,
a admiração, a abertura do coração de maneira mágica.
Deve haver um momento mágico para começar e terminar uma história, é
como se fosse uma reza, o início e o fim de uma cerimônia sagrada, disse uma
vez a contadora de histórias de Santa Catarina, Gilca Girardello. A nossa cultura
popular oferece inúmeros exemplos de formas de iniciar ou encerrar histórias
que, segundo Lydia Hortélio, devem ser usadas de acordo com a atmosfera do
conto:
Entrou por uma porta
Saiu pela outra
Rei meu senhor
Que lhe conte outra
Entrou pela porta
Saiu pela fechadura
E quem gostou da minha história
que me dê uma rapadura!
Entrou pela perna do pato
Saiu pela perna do pinto
E quem quiser
Que me conte cinco
Entrou pelo bico do pinto
Saiu pelo bico do pato
E quem quiser
Que me conte quatro
Diz que era uma velha
Chamada Vitória
Morreu a velha
E acabou-se a história
Diz que era uma Velha
Escondida na moita
Esticava uma perna
Encolhia a outra
E outras tantas inventadas pelas próprias crianças:
Entrou pela perna da Marina
Saiu pela perna do João
E quem gostou da minha história
Me dê um pedaço de pão
Entrou pela perna do João
Saiu pela perna da Marina
E quem gostou da minha história
Me dê uma gelatina
Ou pelos professores:
E uma estrela no céu brilhou
E a nossa história se acabou
Do céu caiu fulô
Um pássaro avoou
E a nossa história começou
Entrou pela perna do pato
Saiu pela casca do ovo
Quem gostou da minha história
Que conte tudo de novo
Antes de contar uma história para ensinar alguma coisa, devemos
aprender com ela. As crianças sabem exatamente quando contamos e quando
fingimos que contamos. Elas sabem com clareza se estivemos lá mesmo... E é
por isso que também adoram aquelas histórias que aconteceram com os adultos,
algum episódio da nossa infância, do nosso dia-a-dia. Eu quero uma que
aconteceu na vida com você, me pediu um dia um menino de 4 anos.
Inevitavelmente estas histórias vêm carregadas de memórias e as contamos
impregnados de verdade:
Somente o vivido no mais profundo de nossas células nos faz evoluir. Só o
vivido é transmissível. É por este vivido, apenas, que nós podemos agir sobre o
que nos rodeia. Um anjo me perguntou um dia:
Tu compreendes a minha palavra?
Não a entendas, não a compreendas. Mas vive-as
(Diálogos com o Anjo, Gita Mallasz)
É esta a nossa Responsabilidade. Responsabilidade como a capacidade
de responder à Vida, a Grande Pergunta, a nossa Tarefa. Respostas que no
fundo já existem em alguma camada adormecida, encantada, escondida pelo
mato que cresceu ao redor e vem apagando aquela luzinha que tem dentro...
A Linda Rosa juvenil, juvenil, juvenil
A Linda Rosa juvenil, juvenil
Vivia alegre no seu lar, no seu lar, no seu lar
Vivia alegre no seu lar, no seu lar
Mas uma Feiticeira má, muito má, muito má
Mas uma Feiticeira má, muito má
Adormeceu a Rosa assim, bem assim, bem assim
Adormeceu a Rosa assim, bem assim
Não há de acordar jamais, nunca mais, nunca mais
Não há de acordar jamais, nunca mais
E o Tempo passou a correr, a correr, a correr
E o Tempo passou a correr, a correr
E o Mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor
E o Mato cresceu ao redor, ao redor
Um dia veio um belo Rei, belo Rei, belo Rei
Um dia veio um belo Rei, belo Rei
Que despertou a Rosa assim, bem assim, bem assim
Que despertou a Rosa assim, bem assim
E os dois puseram-se a dançar, a dançar a dançar
E os dois puseram-se a dançar, a dançar
E batam palmas para o Rei, para o Rei, para o Rei
E batam palmas para o Rei, para o Rei
La ia la ia la ia la ia, la la ia, la la ia
La ia la ia la ia la ia, la la ia
História que virou brinquedo
Acervo: Lydia Hortélio
Era uma vez uma Linda Rosa que tava cantando no rio. Aí ela viu uma
Bruxa muito má. Aí ela fez toc toc toc, aí a Bruxa fez assim pode entrar, aí ela
entrou. Aí ela falou assim eu posso aprender a fazer fuso, a fazer roca?. Aí ela
falou sim e aí ela pôs o dedo na roca e ela desmaiou. Aí a Rainha e o Rei abriu lá
na porta e ai, minha filha, coitada, eu acho que eu vou ligar pra um Príncipe! Aí
ele chegou e beijou ela e ela despertou ela. Aí eles foi pro casamento e ficaram
felizes para sempre. Fim
História contada por criança de 6 anos
Onde está a Margarida, olê olê olá/ Onde está a Margarida, olê seus
cavaleiros
Margarida tá no castelo, olê olê olá/ Margarida tá no castelo, olê seus
cavaleiros
Quero ver a Margarida, olê olê olá/ Quero ver a Margarida, olê seus
cavaleiros
Mas o muro é muito alto, olê olê olá/ Mas o muro é muito alto, olê seus
cavaleiros
Vou tirando uma pedra, olê olê olá/ Vou tirando uma pedra, olê seus
cavaleiros
Uma pedra não faz falta, olê olê olá/ Uma pedra não faz falta, olê seus
cavaleiros
Vou tirando duas pedras (...)
Apareceu a Margarida, olê olê olá/ Apareceu a Margarida, olê seus
cavaleiros!
História que virou Brinquedo
Acervo: Lydia Hortélio
Linda Rosa e Margarida podem ser compreendidas como histórias da Alma
adormecida, escondida, Alma que só será revelada se contarmos a nossa própria
história, de forma criadora, a cada dia. A contadora africana Inno Sorsy contou
certa vez: Aprendi o grande poder que as histórias têm de mudar a vida das
pessoas... Na mesma ocasião, sabiamente falou também o índio Daniel, da
nação Munduruku: Se tivesse que escolher somente uma história, uma história
para me casar, uma história predileta, eu me casaria comigo mesmo; com a
história que temos que contar todo dia, porque se não a gente fica um pouco
triste e não dá sentido à vida (...). É preciso ouvir com o coração. Se as palavras
conseguirem adormecer dentro do coração, quando acordarem, sairão histórias
novas, contadas a partir do sonho do contador...
Ô ma má do o ô (2x)
(Venham todos ao centro da Aldeia)
O o ô ié ié pe de mo ié (2x)
Ô ié ié pe de mo ié (2x)
O o ô ié ié pe de mo ié (2x)
(Vamos nos reunir para Brincar)
Dança da Nação Munduruku / Pará
Informante: Daniel Munduruku
Assim como os contadores populares, os contadores da Tradição, assim
como as crianças, aprendamos a olhar para dentro, a saborear os climas das
histórias, a riqueza de suas nuances. É impossível, por exemplo, cantar o mato
cresceu ao redor como se canta o tempo passou a correr ; o tempo corre veloz, o
mato vai lentamente se entranhando nas ruínas do castelo. Da mesma forma, não
se pode cantar o instante em que a feiticeira adormece a Rosa do mesmo modo
como se canta o despertar da Princesa pelo Príncipe; há uma delicadeza nesta
hora, muito distinta da vibração enérgica daquela outra.
Aprendamos a preservar aquilo que seria o esqueleto da história, sua
estrutura fundamental e a entrar em contato com as nossas próprias personagens
internas. Hoje em dia muitos acabam transformando enredos essenciais em
histórias “politicamente corretas”, nas quais de repente o lobo pode ficar bonzinho
e todo mal vai sendo varrido para debaixo do tapete...
O diretor e cineasta brasileiro Luis Fernando Carvalho pontuou com
clareza a necessidade de reaproximação desses padrões fundamentais: Acredito
em um patrimônio genético do Brasil, suas histórias, suas línguas, suas raças,
seus sons; tudo ainda vive, tudo me dá a sensação de que como arquétipos estão
à espera de reencarnar para continuarem suas missões éticas e estéticas (...). Se
tivesse que resumir tudo em uma só palavra, seria Ancestralidade. A
Ancestralidade é algo que nos permite imaginar mais que copiar. Sentir mais do
que descrever e explicar (...). A Ancestralidade transpassa fronteiras e,
inexplicavelmente, como Ela só, uniu João Cabral à Sevilha, Ariano Suassuna a
Cervantes. A Ancestralidade é o que há de mais moderno e ao mesmo tempo
mais arcaico (...). Tudo se reflete na Ancestralidade, seja Ela biológica ou
espiritual (...). Estamos todos trabalhando para devolver ao Brasil o fruto que o
próprio povo semeou. Os contos populares são essa semente. Aos olhos do
mundo globalizado de hoje, sinto ser este um trabalho de responsabilidade
imensa.
Assim como o povo conta suas histórias e as crianças brincam seus
contos, vivenciando cada personagem com o corpo inteiro, participando de cada
segredo, enfrentando diariamente seus medos, assim devemos atravessar o
portal das histórias.
Assim como as crianças enxergam o mundo com o olho do Coração e em
nenhum momento perdem o fio da narrativa porque suas imagens internas são
muito precisas, assim devemos olhar as histórias.
Assim como as crianças são capazes de saltar o medo e crescer depois de
uma história brincada - a ponto de um menino de 6 anos me dizer: Sabe, eu não
tenho mais aquele pesadelo porque agora eu sonho com essa história - assim
devemos aprender com as histórias.
Assim como as crianças mil e uma vezes pedem para repetir aquela parte
em que o monstro engoliu o herói – e mil e uma vezes perguntam: Mas não
mastigou, né? como garantia de que, mais cedo ou mais tarde, ele retornará,
Inteiro – assim devemos confiar nas histórias.
É por isso que não há receitas para a arte de contar histórias. Regina
Machado, contadora e escritora brasileira, costuma dizer: Não há técnica sem
Presença (...) É a história que me conta como quer ser contada. Sugestões e
planejamentos muitas vezes limitam e reduzem a experiência viva de um
professor em contato verdadeiro com seus alunos. Nas palavras da grande
dançarina Isadora Duncan: Nunca ensinei passos aos meus alunos. Eu lhes disse
que apelassem ao seu Espírito, como eu apelei ao meu. Arte é apenas isso.
Que possamos aprender com as crianças, pois como me contou um
menino durante uma brincadeira: Você não engravidou de mim não, tá? Eu é que
criei Eu. E como nos ensinou, mais uma vez, o contador de histórias Guimarães
Rosa: Mestre não é quem sempre ensina mas quem de repente aprende. E
ainda: Cada homem tem seu lugar no mundo e no tempo que lhe é concedido.
Sua tarefa nunca é maior que sua capacidade para poder cumpri-la. Ela consiste
em preencher seu lugar, em servir à verdade e aos homens. Segundo ele:
Coragem é o que o coração bate; se não, bate falso.
Que o candeeiro das histórias permaneça sempre aceso.
Anda roda Candeeiro, anda roda sem parar (2x)
Todo aquele que errar, com Candeeiro há de ficar (2x)
Candeeiro – oi, ta na mão de iô iô, Candeeiro – á, tá na mão de iá ia
Coco de roda / Alagoas
Grupo: Pagode – Mestra Hilda / Pesquisa: Elizabeth Menezes
Candeeiro anda à roda, anda à roda sem parar
Todo aquele que errar, Candeeiro há de ficar
Paspatu, paspará, Candeeiro Sinhá
Eu não sou de ninguém, Eu só sou de meu bem
Paspatu, paspará, Candeeiro Sinhá!
Serrinha / Bahia
Informante: Alice Hortélio da Silva / Acervo: Lydia Hortélio
Este texto foi elaborado a partir de reflexões junto à equipe da Casa Redonda Centro de
Estudos.
www.casaredondacentrodeestudos.com.br
www.institutobrincante.org.br
www.cristianevelasco.blogspot.com
Uma pequena bibliografia para quem gosta de histórias: contos recolhidos da cultura
brasileira, contos de outros povos, recriações autorais de histórias da tradição oral e
também reflexões teóricas a partir do tema.
ADELSIN. Barangandão Arco-Íris: 36 brinquedos inventados por meninos. 2.ª ed.
São Paulo: Peirópoles, 2008.
ALCOFORADO, Doralice F. Xavier; SUAREZ Alban, Maria del Rosario (Coords.).
Contos populares: Bahia. Recife : Fundaj, Ed. Massangana, 2001.
ANDERSEN, Hans Christian. Histórias maravilhosas de Andersen. São Paulo:
Companhia das Letrinhas, 1995.
AUBERT, Francis Henrik. Askeladen e outras aventuras. São Paulo: Edusp, 1995.
AZEVEDO, Ricardo. No meio da noite escura tem um pé de maravilha. São Paulo: Ática.
2002. ____. Armazém do folclore. São Paulo: Ática, 2000.
BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
BELINKY, Tatiana. O Caso do Bolinho. São Paulo: Moderna, 1990.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Brasiliense. São Paulo: Brasiliense,
1994.
BOFF, Leonardo. O Casamento entre o Céu e a Terra. Rio de Janeiro: Salamandra,
2001
BONAVENTURE, Jette. O que conta o conto? São Paulo: Paulus, 1992.
CALVINO, Ítalo. Fábulas Italianas. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de mil faces. São Paulo: Cultix, 2002.
CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro,
1998.
____. Dicionário do Folclore Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Editora Global, 2000.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
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COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. Lisboa: Editorial Caminho. 1994.
ESTÉS, Clarissa Pínkola. O Dom da História: uma fábula sobre o que é suficiente. Rio
de Janeiro: Rocco, 1998.
____. Mulheres que correm com os lobos: Mitos e histórias do arquétipo da mulher
selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
FRANZ, Marie-Louise von. A individuação nos contos de fada. São Paulo: Paulus, 1984.
____. A interpretação dos contos de fada. São Paulo: Paulus, 1990. ____. A sombra e o
mal nos contos de fada São Paulo: Paulus,1999.
GRENIER, Christian. Contos e Lendas: Os doze trabalhos de Hércules. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
GRILLO, Nícia de Queiróz (Org.) Histórias da Tradição Sufi. Rio de Janeiro: Dervish,
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PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.
PEARCE, Joseph C. O fim da evolução. São Paulo: Cultrix, 1992.
____. A Criança Mágica. São Paulo: Francisco Alves, 1989.
PEREIRA, Maria Amélia Pinho. Casa Redonda: uma experiência em educação.
São Paulo: Livre, 2013.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
READ, Herbert. A redenção do robô: meu encontro com a educação através da arte.
São Paulo: Summus, 1986.
RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982.
ROMERO, Sílvio. Contos Populares do Brasil. São Paulo: Landy, 2000.
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SARAMAGO, José. O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras,
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SHAH, Amina. Contos da Arábia. São Paulo: Kadyc, 1999.
SILVA, Agostinho da. Textos Pedagógicos. Âncora.
SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978.
WALDE-MAR. Lendas e Mitos dos Índios Brasileiros. São Paulo: FTD, 1999.
mídias
Dvds, cds com histórias, cantigas e brincadeiras.
Brincadeiras de Roda, Estórias e Canções de Ninar. Gravadora Eldorado.
Brincando de Roda. Gravadora Eldorado.
O Pavão Misteriosos. Gravadora Eldorado.
HORTÉLIO, Lydia (pesquisa e direção dos cds)
Abra a Roda Tin Dô Lê Lê.
Ô, Bela Alice...
OCELOT, Michel (direção dos dvds):
Kirikú e a Feiticeira. Paulinas Multimídea.
Príncipes e Princesas. Mais Filmes.
As Aventuras de Azur e Azmar. Vídeo Filmes.
Algumas histórias contadas em nossos encontros:
O PAPAGAIO REAL
Duas moças moravam juntas e eram irmãs, uma muito boa e outra
maldizente e preguiçosa. Cada uma tinha seu quarto. A mais velha começou a
notar um barulho de asa e depois fala de homem no quarto da irmã. Ficou
desconfiada e foi olhar pelo buraco da fechadura. Viu uma bacia cheia d'água no
meio do quarto. Quando deu meia-noite chegou na janela um papagaio enorme,
muito bonito e voou para dentro, metendo-se na bacia, sacudindo-se todo,
espalhando água para todos os lados. Cada gota d'água virava ouro e o
papagaio, quando saiu do banho, foi um príncipe mais formoso do mundo.
Sentou-se ao lado da irmã e pegaram a conversar animados como noivos. A irmã
ficou roxa de inveja. No outro dia, de tarde, encheu o peitoril da janela de cacos
de vidro, assim como a bacia. Nas horas da noite o papagaio chegou e batendo
no peitoril cortou-se todo. Voou para a bacia e cortou-se ainda mais. Arrastando-
se, o papagaio não virou príncipe, mas chegou até a janela e disse para a moça,
que estava assombrada com o que sucedera:
- Ai ingrata! Dobraste-me os encantos! Se me quiseres ver, só no reino de
Acelóis.
E batendo asas desapareceu. A moça quase se acaba de chorar e de se
lastimar. Brigou muito com a irmã e deixou a casa, procurando o noivo pelo
mundo. Ia andando, empregando-se como criada nas casas só para perguntar
onde ficava o reino de Acelóis. Ninguém sabia ensinar e a moça ia ficando
desanimada.
Uma noite, depois de muito viajar, já cansada, ficou com medo dos animais
ferozes e subiu para uma árvore, escondendo-se bem nas folhas. Estava
amoquecada quando diversos bichos esquisitos chegaram para baixo do pé de
pau e pegaram a conversar.
- De onde chegou você?
- Do reino da Lua!
- E você?
- Do reino do Sol!
- E você?
- Do reino dos Ventos!
A moça prestou atenção. No primeiro cantar dos galos sumiram-se todos e
ela desceu e continuou a marcha. Andou, andou, até que chegou noutra mata e
para não ser devorada, trepou-se numa árvore. Lá em cima, quando a noite ficou
bem fechada, chegaram umas vozes no pé do pau.
- De onde veio?
- Do reino da Estrela!
- De onde veio?
- Do reino de Acelóis!
- Que novidades me traz?
- 0 príncipe está doente e ninguém sabe como tratar dele...
A moça botou reparo e na madrugada seguiu no mesmo rumo pois as
vozes já tratavam do Reino de Acelóis. Andou, andou, andou, finalmente, quando
anoiteceu, estava dentro de uma floresta. Subiu para um pau e ficou quieta, lá em
cima. Mais tarde as vozes começaram na falaria:
- De onde vem você?
- Do reino de Acelóis!
- Como vai o príncipe?
- Vai mal, coitado, não tem remédio!
- Ora não tem! tem! O remédio é ele beber três gotas de sangue do dedo
mindinho de uma moça donzela que queria morrer por ele!
Quando amanheceu o dia, a moça tocou-se na estrada. Ia o sol se
sumindo quando ela avistou o reinado de Acelóis. Entrou no reinado e pediu
agasalho numa casa. Na hora da ceia perguntou o que havia e disseram que o
assunto da terra era a doença do príncipe. A moça, no outro dia, mudou os trajes,
foi ao palácio e pediu para falar com o rei.
- Rei Senhor! Atrevo-me a dizer que ponho o príncipe bonzinho se rei
senhor me der, de tinta e papel, a metade do reinado e de tudo quanto lhe
pertencer.
O rei deu, de tinta e papel, a metade de tudo quanto possuía. A moça foi
para o quarto, meou um copo d'água, furou o dedo mindinho, botou três gotas de
sangue dentro, misturou e mandou ele beber. Assim que o príncipe engoliu, foi
abrindo os olhos, levantando-se da cama e abraçando a moça, numa alegria por
demais.
O rei ficou muito satisfeito e quando o príncipe disse que aquela era a sua
verdadeira noiva desde o tempo em que ele estava encantado em um papagaio
real, o rei não quis dar consentimento porque a moça não era princesa. A moça
então falou:
- Rei Senhor! Tenho por tinta e papel a metade de tudo quanto é do rei
senhor neste reinado. O príncipe é do rei senhor e eu tenho por minha a metade
dele. Se rei senhor não quiser que eu case com ele, inteiro, levarei para casa
uma banda.
Ao ouvir falar em cortar o príncipe pelo meio, como a um porco, o rei
chegou-se às boas e deu o consentimento. Foram três dias de festas e danças e
até eu me meti no meio, trazendo uma latinha de doce mas na ladeira do
Encontrão, dei uma queda e ela, pafo! - no chão! ...
Benvenuta de Araújo.
(Natal. Rio G. do Norte)
Contos Tradicionais do Brasil / Câmara Cascudo
A VÉIA DA GUDÉIA
Diz que era uma Véia escondida na moita,
Esticava uma perna, encolhia a outra.
Ela tinha uma boca larga, mole, com milhares de dentinhos muito agudos
(parecia boca de tubarão), um nariz cheio de curvas, as orelhonas
desmilinguidas, os olhos esbugalhados e o cabelo todo espetado feito porco
espinho. Era ela: a Véia da Gudéia.
Ela vivia numa gruta que fedia a podre, onde havia um tapete de cobras
vivas trançadas (era a caminha da Véia) e uma cortina feita de morcegos
pendurados de ponta cabeça, as portas eram teias de aranha e todo dia a tal Véia
acordava pronta pra fazer malvadezas (dizem até que uma vez ela chegou a
encantar um príncipe em Papagaio Real...é, minha gente, foi ela, a Véia da
Gudéia!). E no dia em que esta história começou, a Véia escancarou aquele
bocão num bocejo matinal e ela tinha um bafo, mas era um bafo tão forte que na
mesma hora ela fez desmaiar uma família inteira de baratas! Depois ela ajeitou
sua feiúra e saiu pelo mato afora:
EEEEEEEU sou a Véia da Gudéia/ Eu sou a Véia da Gudéia
Eu vou fazer uma malvadeza/ Vou fazer uma malvadeza
Eu sou a Véia da Gudéia!
Até que ela encontrou um palácio numa clareira e, no que a Véia entrou no
salão, olhou pro rei que vinha descendo as escadarias e ele virou uma estátua de
pedra. A rainha que vinha logo atrás segurando a saia com toda delicadeza para
o seu desjejum, virou foi uma estátua-de-pedra-de-rainha-segurando-a-saia-com-
toda-delicadeza-para-o-seu-desjejum. A princesa que brincava no jardim virou
uma rosa triste que chorava gotas de orvalho. Mas o príncipe, muito rápido, muito
esperto, escapuliu pela janela e fugiu correndo dali, sem nem ao menos olhar pra
trás. Ele correu, correu e foi parando de reino em reino pra perguntar se alguém
sabia como é que se matava a Véia da Gudéia:
Por favor, vocês têm alguma idéia de como é que se acaba com a Véia da
Gudéia? (quem quiser pode imaginar...)
Mostrando um espelho pra ela? Colocando o narigão dela dentro da bocona pra
ela ficar entupida? Espetando o coração dela com os espinhos do seu cabelo?
Dando um bom banho na Véia? Escovando os dentes dela?
E como cada um falava uma coisa diferente, o príncipe foi ficando confuso,
porque se ele matasse a Véia do jeito errado, era capaz dela ficar ainda mais
perigosa. Então ele resolveu sentar debaixo de uma árvore pra ver se clareava as
idéias...
Só que o que ele não sabia, é que estava muito perto da gruta da Véia da
Gudéia. De repente ele começou a ouvir um barulho de passos, folhas secas se
partindo, era alguém que chegava, quem era? Quem era, gente? Não é que era
um Véio? E ele vinha cantando:
Óia, algodão doce/ Meniiiiiiino, tu quer comprar
Óooi, algodão doce/ Meniiiiiiino, tu quer comprar
Era um Véio magrela, que há dias não comia nada (ele vendia sim algodão
doce, mas fazia muito tempo que o algodão tinha acabado e o coitado continuava
cantando feito um maluco), então ele caiu despencado na bota do príncipe,
parecia um amontoado de ossos. O jovem que tinha um bom coração tirou o seu
próprio manto e cobriu o Véio, depois ofereceu a ele um punhado de frutas que
havia colhido. Devagar o Veio foi bicando as frutas, bicando (assim, de olhos
fechados, parecia um filhote de passarinho) e, já sentado, mais animadinho, disse
que faria qualquer coisa em troca da boa ajuda que o príncipe havia lhe dado. O
príncipe falou:
Ah, meu Véio, eu não preciso de nada não, a única coisa que eu queria era
saber como é que se acaba com aquela Véia da Gudéia!
A Véia da Gudéia?!! (o Véio começou a pular, arrepiando a barbicha). Mas
ela é minha priiiiiiima! Desgraçada, desalmada de uma égua, desde menina a
peste só fazia malvadezas. Botava rabo de porco nos meninos, enfeitava o
bigode dos homens com pena de galinha e soltava muita perereca na saia das
mocinhas. Ela soltava, tirava, botava, soltava, tirava, botava, era uma agonia tão
grande mas tão grande que eu, o Véio, tinha que ir lá desamarrar os feitiços
daquela danada...Bem, o menino ajudou o Véio, o Véio vai ajudar o menino,
assim é a vida! Vou ensinar como é que se mata a Véia da Gudéia. Preste
atenção, você vai ter que ir até a gruta dela e chegando lá, não pode esquecer de
tapar o nariz que aquilo fede feito bacalhau podre!! Então, você vai procurar o
caldeirão da Véia, tem que ser o caldeirão da Véia pra funcionar e vai colocar
água pra ferver. Quando estiver borbulhando, você vai se esconder. Assim que
ouvir a Véia chegando, você vai por trás dela, cuidado que ela não pode te ver,
vai agarrar a Véia pelos calcanhares revirando a danada de ponta cabeça e vai
jogar aquela monstrenga no caldeirão. E era uma vez uma Véia da Gudéia! Ou eu
não me chamo Véio...
Óia, algodão doce! Meniiiiiiino, tu quer comprar ...
E foi exatamente isso que fez o príncipe. Primeiro ele espiou pra ver se a
Véia estava lá, não estava; entrou e logo num canto ele viu o caldeirão dela todo
descascado. Colocou água pra ferver e se escondeu. Dali a pouco ele começou a
ouvir a Véia que vinha chegando:
Eeeeeeeu sou a Véia da Gudéia/ Eu sou a Véia da Gudéia
Eu fui fazer uma malvadeza/ Eu fui fazer uma malvadeza
Eu sou a Véia da Gudéia!
E eu voltei muito louca/ E eu voltei muito louca
Agora eu vou tomar uma sopa/ Eu vou tomar uma sopa
Agora eu vou tomar uma sopa!
Quando a Véia viu seu próprio caldeirão já com água fervendo, ficou ainda
mais louca. Num piscar de olhos, o príncipe passou por trás dela, agarrou a Véia
pelos calcanhares, revirou a danada, jogou a peste no caldeirão e ela explodiu!
Pronto acabou. Assim foi, quem não tem cavalo monta no boi. (Vocês devem
estar aí parados, se perguntando o que aconteceu depois, não é? Está bem, eu
vou contar...) Tem gente que fala que a Véia virou um trovão. Outros já dizem que
ela virou a própria tempestade. Agora, um menino me contou que a Véia virou um
pum! Logo depois veio outro, amigo daquele e disse que não, que a Véia virou
tudo isso, e ao mesmo tempo: um pum que subiu e virou trovão que desceu como
tempestade e ali, onde a chuva caiu, aconteceu um mistério, um milagre daqueles
verdadeiros (foi o menino que me disse); ficou uma pocinha dágua (perfumada,
por incrível que pareça!), o perfume foi subindo, subindo e no meio do
rodamoinho nasceu uma moça toda iluminada:
Era luz o seu vestido/ Com mil estrelas do céu
Os cabelos bem mexidos/ Escorrendo para o chão
Olhos de um verde profundo/ Cor do mar em tempestade
A boca vermelha e doce/ Lambuzada de saudade
Avoou, avoou/ Avoou, deixa voar (2x)
No galho da imbaúba, gavião totoriá (2x)
Quando o príncipe viu aquela moça a sua frente ele disse: Véia da
Gudéia? A moça dançou cheia de graça: eu sou a princesa Gudeinha!! E é claro
que viraram namorados e sairam correndo de mãos dadas. Na mesma hora o
tapete de cobras vivas virou um tapete de flores do campo. A cortina de
morcegos, uma cortina de borboletas. E as portas de teias de aranha? (podem
imaginar, porque esse pedaço eu esqueci...). Só sei que conforme a princesa
corria, as estrelas foram se desprendendo das saias do seu vestido e virando
vaga-lumes na noite escura. Na verdade, não eram apenas mil estrelas, eram mil
e uma, mas aquela uma foi insistente e acabou ficando pousada bem na fita do
decote da moça.
Quando os dois entraram no salão do palácio, o rei, a rainha, foram todos
se desencantando. A rosa triste no jardim se espichou toda e voltou a ser a
princesa, irmã do príncipe, que agora tinha perfume de rosa. E eles
comemoraram com alegria, e quem é que apareceu pra festejar? O Véio, que
mostrou que de Véio não tinha nada porque sacudiu o esqueleto até o sol raiar! E
eu estava lá (já vou logo avisando que não perco uma dessas festas!), dancei
com o Véio que quase me acabei. Sei que lá pelas três da madrugada eu escutei
quando bateram na porta, fui eu mesma que abri e, vocês não sabem, dei de cara
com uma Véia! Eu olhei pra ela, ela olhou pra mim e a Véia tombou seca,
estorricada no chão:
Diz que era uma Véia chamada História,
Morreu a tal Véia e ficou a Memória.
Conto criado em 2001, em meio às brincadeiras da Casa Redonda, por Cristiane
e pelas crianças, a partir do pesadelo de um menino de 5 anos e de alguns
trechos de histórias tradicionais escolhidos espontaneamente por todos. O nome
da personagem foi emprestado de lenda da Pedra do Baú em São bento Sapucaí.
A história foi re-elaborada para o projeto Dançando Histórias por Cristiane e pelo
músico Moxé Ribeiro que inseriu a cantiga do Veio, inspirando-se na figura de um
vendedor ambulante de sua infância em Recife.
A PRINCESA QUE SEMPRE TINHA DE TER A ÚLTIMA PALAVRA
Era uma vez um rei que tinha uma filha tão geniosa e obstinada em falar
que sempre tinha de ter a última palavra; por isso, o rei prometeu àquele que
conseguisse deter sua língua a mão da princesa e metade do reino.
Eram muitos os que queriam tentar, pode apostar, pois não é todo dia que
se consegue a mão de uma princesa e a metade do rei só na conversa. O portão
do solar do rei não parava de se abrir e fechar um momento sequer; os
pretendentes chegavam aos bandos, em multidão, do leste e do oeste, a cavalo e
a pé. Mas não apareceu um só que conseguisse fazer a princesa se calar. Por
fim, o rei mandou proclamar que aquele que tentasse, mas não conseguisse, teria
as duas orelhas marcadas a ferro em brasa com aquele ferrete que ele tinha - ele
não ia tolerar aquela bagunça toda em seu solar a troco de nada.
Bem, havia três irmãos que também tinham ouvido falar da princesa e,
como as coisas não estavam indo às mil maravilhas em casa, resolveram partir e
tentar a sorte, quem sabe se não conquistariam a filha do rei e metade do reino?
Eles se entendiam e se davam muito bem uns com os outros e, assim, lá foram
eles, todos os três.
Depois de viajar durante algum tempo, o caçula, a quem chamavam de
Moço das Cinzas, encontrou uma gralha morta.
“Olhem só o que encontrei!”, gritou ele.
“O que foi?”, perguntaram os irmãos.
“Uma gralha morta”, respondeu ele.
“Credo! Joga fora! O que vai fazer com uma coisa destas?”, disseram os outros
dois, que sempre se achavam mais espertos.
“Ora, não tenho nada melhor para fazer, e nada melhor para carregar, de modo
que simplesmente vou levá-la comigo”, disse o Moço das Cinzas.
Depois de viajarem um pouco mais, o Moço das Cinzas encontrou uma
casca seca de salgueiro, e pegou-a do chão.
“Olhem só o que encontrei!”, gritou ele.
“O que foi que você encontrou agora?”, perguntaram os irmãos.
“Uma casca de salgueiro”, respondeu ele.
“Ora! O que vai fazer com isso? Joga fora!”, disseram os dois irmãos.
“Não tenho nada melhor para fazer, e nada melhor para carregar, de modo que
simplesmente vou levá-lo comigo”, disse o Moço das Cinzas.
Depois de andarem mais um pouco, o rapaz encontrou um pedaço de pires
quebrado, que também pegou.
“Rapazes! Olhem só o que encontrei! Olhem!” , gritou ele.
“Bem, o que foi desta vez?”, perguntaram os irmãos.
“Um pedaço de pires quebrado!”, respondeu ele.
“Ah! Não diga que vai levar isso aí também? Joga fora!”, disseram eles.
“Ora, não tenho nada melhor para fazer, e nada melhor para carregar, de modo
que simplesmente vou levá-lo comigo”, disse o Moço das Cinzas.
Depois de viajarem um pouco mais, ele encontrou um chifre torto de carneiro, e
logo depois, encontrou o seu par.
“Vejam só o que encontrei!”, gritou ele.
“O que foi desta vez?”, perguntaram os outros.
“Dois chifres de carneiro”, replicou o Moço das Cinzas.
“Ai! joga fora! O que vai fazer com eles?”, perguntaram.
“Ora, não tenho nada melhor para fazer e nada melhor para carregar, de modo
que simplesmente, vou levá-los comigo”, disse o Moço das Cinzas.
E pouco depois ele encontrou uma cunha.
“Mas rapazes, olhem só o que encontrei?”, disse ele.
“Que belo monte de coisas você tem encontrado! O que foi desta vez?”,
perguntaram os dois mais velhos.
“Uma cunha”, respondeu ele.
“Ora, joga isso fora”, disseram.
“Ora, não tenho nada melhor para fazer e nada melhor para carregar, de modo
que simplesmente vou levá-la comigo”, disse o Moço das Cinzas.
E, enquanto caminhavam pelos campos em direção ao solar do rei - nos
quais tinham espalhado esterco recentemente – o Moço das Cinzas abaixou e
pegou uma sola gasta de sapato.
“Olhem só rapazes, vejam o que encontrei!”, disse ele.
“Se você pusesse um pingo de juízo na cabeça até chegarmos lá, o que foi desta
vez?”, disseram os dois.
“Uma sola gasta de sapato”, replicou ele.
“Aaai! E isso é lá alguma coisa que se pegue do chão? Joga fora! O que vai fazer
com isso?”, perguntaram os irmãos.
“Ora, não tenho nada melhor para fazer e nada melhor para carregar, de modo
que simplesmente vou levá-la comigo, se quiser ganhar a mão da princesa e
metade do reino”, disse o Moço das Cinzas.
“Sim, é bem capaz de você conseguir, bem capaz!”, zombaram os irmãos.
E então chegaram e forma apresentados à princesa – primeiro o mais
velho.
“Bom dia”, disse ele.
“Bom dia o seu nariz”, disse ela virando-lhe as costas.
“Está terrivelmente quente aqui”, disse ele.
“No meio do carvão está mais quente ainda”, replicou a princesa.
E lá estava o ferrete prontinho para ser usado. Ao ver aquilo, sua coragem fugiu-
lhe e não houve salvação.
O irmão do meio não se saiu melhor.
“Bom dia”, disse ele.
“Bom dia, o seu nariz”, disse ela começando a lhe virar as costas.
“Está terrivelmente quente aqui”, disse ele.
“No meio do carvão está mais quente ainda”, disse ela.
Ao ouvir aquilo ele também perdeu a voz e a fala, o ferrete saiu do meio dos
carvões e foi usado novamente.
E então chegou o Moço das Cinzas.
“Bom dia”, disse ele.
“Bom dia o seu nariz”, disse a princesa dando-lhe as costas.
“Aqui dentro está agradável e quente”, disse o Moço das Cinzas.
“No meio do carvão está mais quente”, replicou a princesa. Um terceiro candidato
não melhorava em nada o seu humor.
“Será que posso assar a minha gralha ali?”, perguntou ele.
“Receio que ela vá queimar”, disse a princesa.
“Ah, isso não é problema! Vou por esta casca de salgueiro em volta”, replicou o
moço.
“É grande demais!”.
“Vou por uma cunha!”, disse o rapaz, e tirou a cunha da mochila.
“A gordura vai escorrer!”, disse a princesa.
“Vou pegá-la com isso!”, respondeu o rapaz e mostrou o pedaço de pires
quebrado.
“Você está torcendo as minhas palavras!”, disse a princesa.
“Não! Suas palavras não estão torcidas, mas isso aqui, sim!”, replicou o moço, e
tirou um dos chifres de carneiro.
“Ora, nunca vi uma coisa dessas!”, gritou a princesa.
“Aqui está outro igualzinho!”, disse o moço tirando o outro chifre da mochila.
“Você está resolvido a acabar comigo, não está?”, perguntou ela.
“Não, acabado está isso aqui”, respondeu o moço tirando a sola de sapato gasta
da mochila.
Ali a princesa ficou sem saber o que dizer.
“Agora você é minha!”, disse o Moço das Cinzas, e ficou com ela, e mais a
metade do reino.
Conto Popular Norueguês, retirado do livro Askeladen e outras aventuras, de
Francis Henrik Aubert, e transformado na história brincada Maria Sabida e João
do Uia.
A CABRINHA E A ONÇA
Era uma vez que tinha uma cabra que tinha um bocado de filho. (É curta
essa, viu?). Todo dia, ela saia pra mode comer e depois vinha dar leite aos filho.
Depois andou dizendo no mato que a Onça tava pegando os bicho pra
comer. Ela aí chegou em casa, disse:
-Olhe, meus filho, eu vou pro mato caçar. Quando vocês ver bater na
porta, vocês não abra, que quando eu chegar, eu canto pra vocês.
-Tá, mãe.
Aí ela saiu, foi pro mato. Ela aí comeu, comeu, comeu... Quando chegou,
ela aí bateu na porta (doce):
Abra a porta, meus filhinho
Água na boca, lenha nos chifre
Sal nas orelha, peitinho tá cheio
Aí os cabritinho abriu a porta, ela deitou e aí pegou a mamar. Mamou,
mamou, mamou. Ela tornou a dizer aos filhos:
-Quando bater na porta, não abra.
-Tá.
Aí a Onça veio, no outro dia a Onça veio (sombrio):
Abra a porta, meus filhinho
Água na boca, lenha nos chifre
Sal nas orelha, peitinho ta cheio
-É, bote os chifres aí debaixo da porta, pra eu ver se é minha mãe, não é
minha mãe não!
Aí não abriu a porta. Quando a Cabra veio, cantou pra eles:
Abra a porta, meus filhinho
Água na boca, lenha nos chifre
Sal nas orelha, peitinho ta cheio
Eles abriram a porta. Aí mamou. Quando acabou, disse pra mãe:
-Ô mãe, a Onça teve aqui.
Não abra a porta!
-Tá.
Quando foi no outro dia, a Onça foi, ficou escutando como é que a mãe
cantava. Quando ela saiu, aí a Onça veio (imitando a cabra):
Abra a porta, meus filhinho
Água na boca, lenha nos chifre
Sal nas orelha, peitinho ta cheio
Eles abriram a porta pensando que era a Cabra. A Onça aí comeu. Comeu
e foi embora. Daqui a pouco chegou a Cabra. Toca a cantar(doce):
Abra a porta, meus filhinho
Água na boca, lenha nos chifre
Sal nas orelha, peitinho ta cheio
Nada. Ela tornou a cantar (aflita):
Abra a porta, meus filhinho
Água na boca, lenha nos chifre
Sal nas orelha, peitinho ta cheio
Nada. Ela aí se deitou, ficou deitada no chão e chorando. Aí ela chamou:
-Oh, compadre calango!
Aí o Compadre responde:
-Senhora!
-Vá dizer à Onça pra mandar meus filho!
-Sim, senhora!
E saiu. Chegou lá adiante, bateu na porta. Aí a Onça:
- Quem é?
A Onça ta lá, deitada como barrigão.
-Eu vim aqui que a Comadre Cabra mandou dizer que é pra mandar os
filho dela.
-Diga a ela que não tem filho dela nenhum aqui.
Aí ele saiu correndo. Aí chegou lá... chegou e disse pra comadre:
-Comadre, ela disse que não tem filho nenhum da senhora lá.
-E ela ta com a barriga grande?
-Tá.
-Então meus filho ta é lá mesmo. Ô comadre Lagartixa!
Aí a Lagartixa disse:
-Senhora!
-Vá dizer à Onça pra mandar meus filho!
-Sim, senhora!
A Lagartixa foi. Chegou lá a mesma coisa. A Onça disse:
-Não tem filho dela nenhum aqui não.
A Lagartixa saiu. A Cabra chamou:
-Ô, comadre Formiguinha!
Aí a Formiguinha disse (aquela bem pequenininha):
-Senhora!
-Vá dizer à Onça pra mandar meus filho!
-Sim, senhora.
Quando chegou lá, tá a Onça lá deitada. Bateu na porta: toc toc toc! A
Onça tava deitada.
-O que é?
-Eu vim aqui que a comadre Cabra mandou dizer que é pra mandar os filho
dela.
-Eu já disse que não tem filho dela nenhum aqui.
Mas aí com a formiguinha já falou mais manso. Aí a formiga voltou e disse pra
comadre:
-Comadre, ela disse que não tem filho nenhum lá não.
Aí ficou espiando a Onça dormir. Quando a Onça tava dormindo, ela disse:
-A senhora tem uma faca aí amolada?
A Cabra disse:
-Tenho.
Amolou mais a faca. Amolou, amolou... Disse:
- Não se incomode não, que eu vou dar um jeito.
Aí picou a mão pelo buraco da fechadura. A Onça dormindo. Quando a Onça
estava roncando, ela foi lá, chegou lá, cortou-lhe a barriga da Onça e pegou os
três filho da Cabra e trouxe.
Entrou por uma porta
Saiu pela outra
Rei, meu Senhor
Que me conte outra
Zildete Benedita Souza Santos (Detinha). Salvador, 06.05.84.
Recolhido por: Doralice Fernandes Xavier Alcoforado.
MARIA E O PEIXE ENCANTADO
(uma Cinderela baiana)
Olhe, era uma que tinham duas comadres. Uma era rica e a outra era
pobre. Cada uma tinha uma filhinha. Todas duas, as menina se chamavam Maria.
A mulher pobre vivia sempre lá na casa da comadre rica trabalhando e levava
alguma coisa pra menina e tudo. Vivia sempre lá. A madrinha da menina tinha
vontade que ela desse ela pra trabalhar desde casa. Naquele tempo, não se
usava esse negócio de ter empregada. Então ela queria uma pessoa pra ajudar
em casa. Todo dia ela dizia:
- Minha comadre, me dê a minha afilhada pr'eu criar. Dextá que eu cuido
dela direitinho. Me dê ela pra mim.
Mas ela sempre dizia:
- Não, minha comadre, eu não dou não. Eu só tenho essa. Não dou não.
Quando é um certo dia, ela convidou a comadre pra irem tomar um banho
no rio com a intenção de matar a comadre pobre pra ficar com a menina. A
menina já era sabidinha, tinha uns quatro ou cinco ano, era boba ainda. Ela
deixou ela em casa, e foram tomar banho. Que quando ela chegou no rio,
empurrou a mulher lá no poço e, naquele tempo, as pessoa não sabiam nadar,
não tinha negócio de nadar. Eu sei que a mulher morreu. Mas encantou, virou um
peixe, aquele peixe enorme! Ficou lá no poço. Quando ela chegou em casa:
- Minha madrinha, cadê minha mãe? Cadê minha mãe?
- Sua mãe ficou ali, minha filha, ela já vem. Ela ficou ali, não sei o quê, ela
já vem.
Ela brincando com a outra, a filha dela, distraiu e ali ficou e ali dormiu. De
noite, ela enganou ela, deu um cafezinho e tudo e ela esqueceu a mãe. Era
pequena, esqueceu. Daí, ela foi crescendo. Quando ela foi crescendo, ela tava
meninazinha de sete, oito anos, aí a madrinha já ajuntava aquelas trouxa de
roupa da casa toda, aquela rouparia enorme e mandava pela ir pro rio lavar. Ela
chegava no rio, botava a roupa no chão e aí ficava chorando. Daqui a pouco,
evém a água abrindo, evém aquele peixão, aquele peixe bonito! Chegava, botava
a cabeça fora, dizia assim:
- Maria, o que é que você tem, Maria, que tá chorando? Ela dizia assim:
- Ah, foi minha madrinha que mandou pr'eu lavar esta roupa e eu não sei
lavar.
- O peixe dizia assim:
- Me dá, Maria, a roupa que eu lavo.
Aí ela entregava a roupa e o sabão. O peixe engolia aquela roupa toda,
aquele sabão e tomava a cair lá no poço. Ela ficava por ali, brincando, subindo
nos paus, se balançando naqueles cipós que tem em beira de rio, ficava
brincando por ali. Quando era daí a pouco, não demorava muito não, meio-dia,
antes de meio-dia, o peixe veio com a roupa toda lavada e seca já. Chegava de
fora assim, tirava a roupa toda da boca assim, puxando a roupa da boca e botava
toda fora, já lavada e seca. Ela, só era juntar a roupa, dobrava, fazia trouxa e veio
embora. Chegava em casa, a madrinha dizia assim:
- Maria, não foi você que lavou esta roupa. Maria! Como é que você já
lavou esta roupa bem lavada assim tão ligeiro?!
- Foi, minha madrinha, fui eu que lavei.
Mas ela, sabendo o que tinha feito, né, ela pensava que realmente podia
ter sido a mãe dela que tinha aparecido, mas não sabia que tinha sido
transformada num peixe. Aí na outra semana, ela mandou de novo a menina. O
peixe tornou a tomar a roupa pra lavar. Na terceira vez, ela mandou a menina
dela. Disse:
- Você vá pra ver quem é que lava esta roupa de Maria, porque ela não
sabe lavar esta roupa assim tão bem lavada.
A menina foi atrás dela. Ficou escondida por detrás, dentro do mato.
Quando, aí a pouco, Maria chegou na beira do rio – ela já não chorava mais que
ela sabia que o peixe vinha tomar a roupa –, ela já chegou e não ficou nem
chorando. Daí a pouco, o peixe chegou:
- Me dá, Maria, a roupa.
Maria entregou a roupa, o sabão, ele engoliu aquela roupa toda. Ela ficou
por ali brincando. Quando ele trouxe a roupa, ela foi embora. A menina, a filha da
mulher, voltou correndo, chegou em casa, disse:
- Minha mãe, é um peixe, mas é uma coisa linda, que toma a roupa de
Maria e lava!
Aí ela pensou logo: "Isto é a mãe dela". Aí ficou calada. Quando a menina
chegou:
- Maria, eu já sei quem é que está lavando esta roupa. Eu já sei que não é
você quem lava. Agora eu vou pegar este peixe pra mim comer.
Aí inventou que tava desejando e aí botou a rede no poço; não sei quantos
pescadores, cercou o poço de rede e aí pegaram o peixe. Mas no outro dia que
ela foi lavar, o peixe disse à menina:
- Ói, a sua madrinha vai mandar me pegar, quando ela souber que sou eu
que tou lavando sua roupa; mas você não se incomode, não se importe. Só que
você não vai comer de mim nem um pedacinho, de jeito nenhum, nem pra ver se
tem sal. Quando terminarem de comer, você cata todas espinha, toda escama,
quem vai tratar, com certeza, é você que vai me tratar. Então você não deixa
perder nenhuma escama. Depois você embrulha num papelzinho e guarda pra
você ir enterrar na porta do reis, em horas que ninguém veja.
Assim mesmo ela fez. No outro dia, quando a mulher foi, pegou o peixe, aí
chegou em casa:
- Maria, trate este peixe.
Ela tá sabendo que é a mãe dela, né? Aí pegou o peixe, tratou o peixe,
chorando. Ela já tava... essa altura, ela tava crescida. Tratou o peixe todo,
quando cabou, aprontou. Aí sentaram, comeram. A madrinha:
- Maria, você não quer comer não? Não quer do peixe não?
- Não senhora, minha madrinha, não quero não.
Aí, quando cabaram de comer, ela catou toda espinha, toda escama, o
fato, tudo, juntou num papel e guardou. Quando foi de noite, tarde da noite, sem
ninguém ver, ela levantou, saiu, chegou na porta do reis, cavou um buraquinho no
chão, enterrou ali e voltou pra casa correndo. Quando foi de manhã, o príncipe
acordou com aquele cheiro exalando que entrava por a casa toda. Ele fez: "O que
é isso assim, que eu nunca senti este cheiro assim de manhã?" Ele levantou,
abriu a janela, tava aquele pé de flor lindo, na porta da frente, no lugar onde ela
enterrou! Tava aquele pé de flor com uma rosa em cima. Ele marchou pra tirar
aquela rosa, quem disse que ele tirou? A rosa subiu, ficou lá em cima. Aí veio
todo mundo, saiu todo mundo de dentro de casa, ninguém tirava a rosa. Ela tava
baixa. Aí, com pouco, ela subia, ficava lá em cima. Aí começou a chamar as
pessoas da cidade, todo mundo, que ele não tirou nem os de casa. Começou a
chamar as pessoas pra vim tirarem aquela rosa. Ele vendo que o negócio estava
difícil. então ele já disse que a moça... se fosse moça, que tirasse aquela rosa,
ele casaria; e se fosse homem ou uma senhora, que ele dividiria a riqueza, o
tesouro. Aí vinha todo mundo da cidade, ninguém conseguia tirar. Quando já tava
sem ter mais ninguém pra mandar chamar, ele saiu assim fora, perguntou:
- Minha gente, vocês não tem mais ninguém em casa, não tem mais
criança, não tem mais pessoa nenhuma, aí? Não tem mais alguém em casa que
possa vim pra tirar esta rosa?
Aí um dizia: - Eu não tenho. Outro:- Eu não tenho. Aí a mulher disse assim:
- Ah, tem uma meninazinha lá - que era Maria, né, a madrinha dela - lá eu
tenho uma meninazinha, mas ela não pode vim não, tá muito suja, uma roupa
muito suja, não temo que calçar, nem nada.
Que dava todo maltrato à bichinha. O príncipe disse:
- Traga assim mesmo.
- Ah, mas ela tá com a roupinha muito ruim.
- Traga assim mesmo.
Aí evém Maria, descalça, que não tinha o que calçar, com o vestidinho... Aí,
quando Maria chegou, quebrou a rosa e deu ao príncipe. Aí a madrinha ficou...
- Mas Maria, podia ter sido você... - com a filha dela que também se
chamava Maria - que tivesse tirado! Mas, porque Maria foi tirar?!
Aí o príncipe botou Maria dentro de casa, pra acabar de crescer, que tava
muito nova, né? - a menina. Quando ela cresceu, ele casou com ela. E a
madrinha dela ficou só com a inveja e não arranjou nada porque a riqueza tinha
que ser de Maria.
Aí cabou.
Maria Carmelita de Almeida. Salvador, 17.07.88.
Recolhido por: Edil Silva Costa.
O ESPELHO MÁGICO
O rapaz, órfão de pai e mãe, saiu pelo mundo para ganhar a vida. Ia por
um caminho quando viu uma pedra tapando a boca de um formigueiro e as
formigas lutando para arredá-la. O moço que tinha bom coração, abaixou-se e
tirou a pedra com cuidado para não matar as formigas. Quando acabou, uma
formiguinha falou:
- Se você se encontrar em dificuldades, diga: Valha-me o Rei das
Formigas.
O rapaz seguiu sua estrada e adiante encontrou um carneiro com uma
pata enganchada num arame. Soltou o bichinho. O carneiro disse:
- Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Carneiros!
Lá mais longe o rapaz viu um peixe dentro duma poça d'água rasa, quase
se acabando. O peixe estava com o lombo de fora, morrendo. O moço tirou-o da
poça e sacudiu numa lagoa perto. O peixe mergulhou, foi embaixo, veio em cima,
e falou:
- Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Peixes.
Quase avistando o reinado, o rapaz encontrou um gavião deitado no chão,
seco de sede. Levou-o, deu-lhe um banho, deixou ele beber água e soltou. O
gavião voou para um galho de pau e disse:
- Quando você tiver uma dificuldade, diga: valha-me o Rei dos Pássaros!
Chegando no reinado, o rapaz soube que a princesa tinha um espelho
mágico que mostrava todas as cousas escondidas. O espelho só tinha forças de
meia-noite até o primeiro cantar do galo. Quem se escondesse e a princesa não
descobrisse, casava com ela e se ela achasse, perdia o homem a vida. O rapaz
foi se oferecer para essa aventura.
Na primeira noite, procurou um canto fora do reinado e disse: Valha-me o Rei dos
Carneiros! O carneiro apareceu e o rapaz disse o que queria.
- Monte nas minhas costas! — O rapaz montou e o carneiro largou-se
correndo, de mato adentro, para umas brenhas fechadas onde havia uma gruta.
Deitou o rapaz na gruta e encheu os arredores de carneiros, uns por cima dos
outros, que ninguém via outra cousa afora carneiro.
À meia-noite a moça puxou o espelho e procurou o rapaz, por todos os
lados. Tanto virou que deu com a gruta e o espelho mostrou o rapaz deitado no
chão, coberto de carneiros. A princesa tomou nota e foi dormir.
No outro dia o rapaz se apresentou.
- Onde eu estava escondido?
- Deitado no chão, dentro de uma gruta, rodeado de carneiros!
- Era isso mesmo!
O rapaz apelou para o peixe. Foi à beira-mar e chamou: Valha-me o Rei
dos Peixes! O peixe riscou na praia. O moço contou sua dificuldade. O Rei dos
Peixes mandou um turbarão engolir o rapaz e uma baleia engolir o tubarão e foi
para o fundo mar.
Na meia-noite, a princesa foi consultar o espelho. Caçou na terra e nos
ares e procurou nos mares, com tanto cuidado que descobriu onde o rapaz
estava dormindo. Na manhã, o moço apareceu e perguntou:
- Onde eu passei a noite?
- Dentro de um tubarão, este numa baleia, no fundo do mar!
- Era isso mesmo!
Dessa vez o rapaz chamou o gavião e contou sua agonia. O gavião levou-
o nas costas até em cima das nuvens e lá apareceu outro gavião ainda maior que
cobriu o Rei dos Pássaros com suas asas.
À meia-noite a princesa procurou o rapaz nas águas e na terra e não
achou. Procurou nos ares e não viu. Tanto olhou e olhou que enxergou um
pontinho escuro por cima das nuvens. Botou reparo e descobriu tudo. O rapaz,
quando veio ao palácio, perguntou:
- Onde dormi a noite passada?
- Em cima de um gavião, coberto por outro, em cima das nuvens!
- Era isso mesmo!
Como era o terceiro dia, o rapaz foi condenado à morte mas a princesa
ficou com pena dele e pediu ao rei para deixar o moço experimentar uma vez
mais. O rapaz ficou contente e foi valer-se do Rei das Formigas. Esse ouviu a
conversa toda e disse:
- O espelho descobriu você na terra, no mar e nos ares. Mas o espelho
não pode ver a própria princesa. Eu vou virar você numa formiga e você suba
para cima do vestido dela e esconde-se bem.
Dito e feito. O rapaz virou formiga, entrou no palácio, foi ao quarto da
princesa e subiu pelo vestido acima, bem devagar para ela não pressentir, e
escondeu-se na bainha da camisa.
À meia-noite a princesa procurou o rapaz em toda parte, virou e mexeu, e
nada de ver onde ele estava dormindo. Passou-se a hora das forças do espelho
encantado e ela não viu cousa alguma. Amanheceu o dia e o rapaz voltou a ser
gente e veio perguntar onde tinha dormido.
- Não sei onde você dormiu! Onde foi?
- Não digo enquanto não me casar com você!
Fizeram o casamento com muita festa e só depois de casado é que o
moço disse onde tinha passado a sua última noite de solteiro.
Cícero Salvino de Oliveira.
(Alexandria. Rio G. do Norte)
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A importância das histórias na formação infantil

  • 1. EU QUERO HISTÓRIA DE BOCA! Cristiane Velasco Avoa, Alma, avoa Alma, Saudade comprida Alma é querer de novo Dançar o inteiro da Vida! Nunca soube responder à pergunta o que é que você vai ser quando crescer? e isto sempre foi motivo de grande angústia para mim. Minha vida era uma colcha enorme de retalhos desconexos (dança flamenca, dança clássica indiana, artes plásticas, literatura, psicologia) e a pergunta seguia beliscando... Quando eu era menina, tinha dois sonhos recorrentes: em um deles eu aparecia voando, no outro, eu respirava dentro d’água. Ambos me alimentavam da mesma Alegria. Cresci buscando encontrar um fio que costurasse meus retalhos e me devolvesse essa sensação primeira dos sonhos da minha infância... Coleção de cacos Já não coleciono selos. O mundo me inquizila. Tem países demais, geografias demais. Desisto. Nunca chegaria a ter um álbum igual ao do Dr. Grisolia, orgulho da cidade. E toda gente coleciona os mesmos pedacinhos de papel. Agora eu coleciono cacos de louça quebrada há muito tempo. Cacos novos não servem.
  • 2. Brancos também não. Tem de ser coloridos e vetustos, desenterrados – faço questão – da horta. Guardo uma fortuna em rosinhas estilhaçadas, restos de flores não conhecidas. Tão pouco: só o roxo não delineado, o carmezim absoluto, o verde não sabendo a que xícara serviu. Mas eu refaço a flor por sua cor, E é só minha tal flor, se a cor é minha no caco de tigela. O caco vem da terra como fruto a me aguardar, segredo que morta cozinheira ali depôs para que um dia eu o desvendasse. Lavrar, lavrar com mãos impacientes um ouro desprezado por todos da família. Bichos pequeninos fogem de revolvido lar subterrâneo. Vidros agressivos ferem os dedos, preço de descobrimento: a coleção e seu sinal de sangue; a coleção e seu risco de tétano; a coleção que nenhum outro imita. Escondo-a de José, por que não ria nem jogue fora esse museu de sonho. Carlos Drummond de Andrade
  • 3. Somente a partir de 1998, quando vim a conhecer um pouco da arte de contar histórias, dos brinquedos e cantigas tradicionais, da riqueza de nossa Cultura Popular e comecei a trabalhar com crianças na Casa Redonda é que reencontrei o Sentido que estava guardado. Desde então venho me costurando por dentro; dançando, cantando, escrevendo, compondo espaços e elementos para contar histórias. Dessa costura nasceu o Dançando Histórias que envolve três apresentações: Contos Indianos, Contos Flamencos e Avoou: Contos Brasileiros. Em 2007, revendo meu trabalho a partir de questões novas (como, por exemplo, as fronteiras entre narração e interpretação, o contador e o ator), vim a consultar o Dicionário de Teatro, de Patrice Pavis, onde encontrei a esclarecedora definição: É preciso não confundir o contador de histórias com o narrador, que pode ser uma personagem que conta um acontecimento, como na narrativa clássica, nem com o que os franceses chamam da “Récitant”, que se manifesta à margem da ação cênica e musical. O contador de histórias é um artista que se situa no cruzamento de outras artes. Quase sempre sozinho em cena, narra sua ou uma história, dirigindo-se diretamente ao público, evocando acontecimentos através da fala e do gesto, interpretando uma ou várias personagens, mas voltando sempre ao seu relato. Reatando os laços com a oralidade, situa-se em tradições seculares (...), a arte do contador de histórias se insere na corrente do Teatro–Narrativo (...) casando perfeitamente a atuação e a narrativa (...), com recursos mínimos, o contador de histórias rompe a quarta parede e tira bastante proveito dos milagres da cena. O Apanhador de Desperdícios (Tudo o que não invento é falso...) Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras
  • 4. fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios. Manoel de Barros Com as crianças aprendo que as histórias são brincadas com o corpo todo. Através das manifestações da Cultura Popular Brasileira aprendo a maravilha que é o Inteiro das coisas. Nessas duas fontes, re-aprendo a Alegria. Um dia, contando uma história na Casa Redonda para crianças de 2 a 7 anos apareceu a palavra Alma. Um menino perguntou: O que é Alma? Eu devolvi a pergunta: O que vocês acham que é Alma? Então outro menino respondeu:
  • 5. Alma é aquela luzinha que tem dentro do Coração... Sabemos que o Coração é o primeiro órgão a se diferenciar no embrião de uma criança; no início era o Coração, pulsando, único. Mais tarde é ele que vai reger cada célula do corpo humano, marcando o ritmo que contém em si a pulsação maior, a música do universo. O Coração é o nosso sol, o nosso centro. Kaká Werá, índio brasileiro, contou um dia que a memória cultural se baseia no ensinamento oral da tradição, que é a forma original da educação nativa, que consiste em deixar o espírito fluir e se manifestar através da fala aquilo que foi passado pelo pai, pelo avô e pelo tataravô. (...) Um narrador da histórias do povo indígena começa um ensinamento a partir da memória cultural do seu povo, e as raízes dessa memória cultural começam antes de o tempo existir (...) Para o índio, toda palavra possui espírito. Um nome é uma alma provida de um assento (...) Cada coisa que vemos é uma imagem da imagem da imagem do que verdadeiramente é. Nossa memória sabe que o Coração tem o mesmo pulsar das estrelas. Existe uma relação muito estreita entre Coração e Memória. Recordar significa lembrar com o Coração. Da mesma forma, a Memória e a Imaginação também são vizinhas; a Imaginação emerge da mesma parte da Alma de onde emerge também a Memória (...) as palavras são coisas aladas, como já diziam os Gregos na Antiguidade. E Câmara Cascudo, grande pesquisador da Cultura Popular Brasileira, também falou uma vez que a Memória é a Imaginação do povo. No processo da antiga Alquimia havia um momento chamado Lida de mulheres e Brincadeiras de criança. Era a hora em que o alquimista acendia o forno e não restava mais nada a fazer, apenas estar ali, assim como as mulheres quarando roupa no fluxo do rio, rodeadas pelo som das crianças em volta. Precisamos aprender com esse Tempo da Lida de mulheres e Brincadeiras de criança, porque passamos a maior parte do nosso tempo ora na tristeza pelo que já foi, ora na ansiedade pelo que virá e assim vamos esquecendo de viver a Verdade do Agora, a Sabedoria do Instante.
  • 6. Ô minha gente no balanço do mar / Coqueiro balançô, coqueiro balança Cantiga do Batalhão das Tranças Serrinha - Bahia / Acervo: Lydia Hortélio Esta cantiga da comunidade rural Grota Funda, trata-se de um canto de mulheres que “trançam palha”, mulheres artesãs, mulheres do sertão que nunca viram o mar e, de alguma forma, evocam o seu balanço; mulheres que carregam este mar guardado em algum espaço de sua Imaginação, em algum tempo de Memória muito antiga, em algum quarto secreto de Coração. E é essa Verdade, esse Tempo suspenso do qual falava o pensador português Agostinho da Silva, o mesmo Tempo do Coração, o Tempo da Memória, da Imaginação, do Brincar (não o brinquedo pedagógico, mas a língua Mãe, o currículo interno da criança, a Cultura da Infância), o Tempo da Tradição, da Cultura Popular: o Tempo das Histórias. Segundo Agostinho, Alma é a capacidade que o homem tem de lembrar a perfeita unidade do mundo antes de as coisas existirem e é o desejo de atingir a meta onde a perfeita unidade será novamente possível (...). Na plenitude do presente vive a criança, e porque o vive – suspende o tempo. Era uma vez, há muito tempo atrás... Assim se inicia a entrada em um mundo diferente daquele do dia a dia, um mundo onde tudo é possível. Assim, o Era uma vez anuncia a existência de um além que se encontra nos contos, nas lendas, nos mitos, nos sonhos, na poesia, na música. Reis, rainhas, príncipes, princesas, anões, fadas, bruxas, serpentes, dragões e outras inumeráveis personagens fazem parte desse Tempo mágico, encantado e fascinante que transcende a nossa racionalidade. É nesse Tempo sem tempo que vive a criança nos primeiros anos de sua vida, imersa no universo das imagens carregadas de significados. À medida em que escuta uma história, uma ponte se estabelece entre palavras e imagens, de modo que através da prática milenar de se contar histórias, presente nas diversas tradições orais, dimensões do Ser vão sendo vivenciadas: a criança vive as
  • 7. palavras, a palavra para ela é imagem. As histórias servem como referências para que as crianças se conectem com as imagens internas correspondentes, num aprendizado auto-regulador de integração da Consciência. Muitas vezes os contos são tratados apenas como histórias para divertir ou distrair, mas, considerados em sua profundidade, eles se revelam como espelhos da experiência humana, podendo ser entendidos como uma espécie de ocupação essencial do Espírito. Segundo Câmara Cascudo, ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas, da memória e da imaginação popular. O conto é um vértice de ângulo dessa memória e dessa imaginação (...) é o primeiro leite intelectual. Os primeiros heróis, as primeiras cismas, os primeiros sonhos, os movimentos de solidariedade, amor, ódio, compaixão, vem com as histórias fabulosas, ouvidas na infância (...) As características do conto popular são para mim: antiguidade, anonimato, divulgação, persistência. É preciso que o conto seja velho na memória do povo, anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos repertórios orais (...) Os contos variam infinitamente mas os fios são os mesmos (...) As centenas de milhares que conhecemos e sabemos existir são combinações indefinidas desses motivos essenciais. Certa vez, antes de dormir, um menino de 5 anos pediu que a mãe lhe contasse uma história e, vendo que ela pegava um livro, ele disse: Não, mãe, eu não quero história de livro, eu quero história de boca! Este pedido revela a necessidade vital das crianças entrarem em contato com as próprias imagens, essencialmente importantes na estruturação de suas psiques. A psique infantil, animada pelo imaginário, é constantemente des-animada, bombardeada por conceitos, conteúdos e cristalizada por imagens externas muitas vezes caricaturais e distantes do universo infantil. Através da experiência de ouvir uma história de boca, as histórias assumem o tamanho da criança, ela nunca vai imaginar a bruxa, por exemplo, maior do que o seu medo poderia agüentar. Venho observando como nas vezes em que utilizo um livro para contar histórias uma espécie de desordem inicial se instaura. Eu quero ver ou Não estou
  • 8. vendo nada ou Eu sentei aqui primeiro ou Eu quero ficar no seu colo ou Não! Eu falei primeiro ou Eu sou essa princesa ou É nada, a princesa sou eu! são falas recorrentes. Por outro lado, as histórias de boca criam uma harmonia circular, as crianças espontaneamente se ordenam e nesse espaço aberto as fantasias de cada uma delas vão sendo projetadas. Não há dúvida de que existem belas ilustrações de livros a serem apreciadas, mas é importante, nesta primeira infância, deixar as crianças enxergarem as suas próprias imagens ao ouvirem uma história; o que importa verdadeiramente não é o livro, mas o que se vive através das histórias, os processos internos que vão tecendo o imaginário das crianças. Nas palavras de Paulo Machado, psiquiatra e terapeuta junguiano, os rituais nas culturas tradicionais são instantes de Consagração, ou seja, de Tornar Sagrado e exigem Iniciações. Iniciações são processos orientados de dentro para fora que podem ser reclusão, abstinência, domínio psico-físico sobre o medo e a dor, enfim, Sacrifícios. A questão do Sacrifício deve ser compreendida como um Sacro Ofício, como a participação no Segredo. O que diferencia o Homem do animal é a relação de significado, esta dimensão sagrada que procura desde pequeno. A criança, como embrião da espécie humana, carrega esse Mistério que deve ser acolhido. Distante de ser um processo global como nas culturas tradicionais, a Educação carece de rituais de iniciação e formas de aquietamento. As escolas atendem o aluno do ponto de vista técnico e a técnica nada mais é que um conhecimento sem Iniciação. Portanto, contar histórias é importantíssimo, elas funcionam como referências para o desenvolvimento da Consciência. Lidando com o medo nas histórias, por exemplo, as crianças conquistam um espaço interno. Não adianta explicar o transcendente a uma criança, ela precisa vivenciá-lo, entrando em contato com as sensações do corpo (frio na barriga, garganta seca, coração disparado, etc). Como ritos de passagem, as histórias oferecem a oportunidade de Iniciação e crescimento. Acrescentaria a este pensamento a definição do grande escritor brasileiro Guimarães Rosa, na boca de seu personagem Riobaldo: o que o medo é, um produzido dentro da gente, um depositado; e que às horas se mexe, sacoleja, a
  • 9. gente pensa que é por causas, por isto ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelho. A vida é pra esse sarro de medo se destruir. Ao observarmos uma criança ouvindo uma história, percebemos o que é uma atenção total; sua visão é transportada para onde a ação está ocorrendo. Muitas vezes parecem até catatônicas, porque o exercício de conexões internas é tão intenso que não resta energia para mais nada. Cada história requer um fluxo novo de interações entre campos neurais e este exercício de conexões é a base para o futuro pensamento concreto, abstrato, matemático, científico, filosófico, enfim, para tudo o que consideramos uma Educação Superior. Por isso, as crianças pedem mil vezes uma mesma história, a fim de que se cumpra o ciclo de conexões a ela relacionadas. Não se trata de uma necessidade de aprender o conto pois, desde a primeira vez, elas já têm uma percepção integrada de todos os seus conteúdos como num cinema interno e em nenhum instante perdem o fio da narrativa, cobrando do contador a total precisão de detalhes: Não é assim! Quando você contou aquela vez você falou outra coisa... Somente quando os campos de imagem de uma história se estabilizam é que as crianças podem partir para uma outra forma de participação. Nascem, então, as histórias brincadas. São elas o teatro da primeira infância, onde não existe a preocupação adulta de apresentar uma peça ensaiada, mas o puro exercício de brincar as diversas personagens, se fantasiando, experimentando papéis, trocando com o outro, internalizando possibilidades e lidando com os limites que cada uma delas oferece. Antes de ser intelecto, a criança é instinto e sensação; ela vai se conhecendo ao vivenciar com o corpo inteiro todas as ações que sua imaginação lhe propõe como fatos reais em suas brincadeiras. Para as crianças a hora é sempre AGORA, o lugar é AQUI e a ação é o EU. O verdadeiro Brincar une. Enquanto brincam, uma realidade mais profunda vai sendo revelada em um tempo/espaço com leis distintas daquelas que regem o mundo adulto. Como escreveu o educador inglês Peter Slade: Ao pensarmos a forma de arte do Jogo Dramático Infantil é preciso que nós, como adultos, tomemos em consideração a diferença entre o que a criança faz na realidade e o
  • 10. que nós sabemos e entendemos por teatro (...). O jogo é na verdade a vida (...), a maneira da criança pensar, relaxar, trabalhar, lembrar, ousar, criar (...). Cada criança é tanto ator como auditório (...), a ação tem lugar por toda parte e não existe a questão de quem deve representar para quem e quem deve ficar sentado vendo quem fazendo o quê (...). É uma forma de arte por direito próprio, a qual deveria ser reconhecida, respeitada, alimentada e desenvolvida. Segundo o terapeuta e teólogo francês Jean-Yves Leloup, a etimologia da palavra esqueleto em grego é a mesma das palavras escola e escada. Ora, a finalidade da escola é justamente devolver a alguém a sua coluna vertebral, o seu eixo no mundo, não através da lei castradora do “você deve” e sim através da lei estruturante do “você pode”. Se esse processo for nutrido, isto é, se as crianças forem favorecidas naquilo que são, personagens poderão desfilar como num conto de fadas: bailarinas, palhaços, princesas, bruxas, animais, índios, cavaleiros poderão se integrar, ora harmoniosamente, ora em pequenos conflitos nos enredos criados e recriados por elas. Entre danças, desmaios e despertares, em meio ao mistério e à alegria, contagiadas pela coragem e pelo medo, seguirão elas a caminhada rumo ao ato heróico de enfrentar o perigo. A cada conquista novos desafios serão projetados na eterna jornada humana: a Aventura da Consciência. Como escreveu o poeta alemão Rainer Maria Rilke: Nós nascemos por assim dizer provisoriamente em algum lugar; pouco a pouco é que compomos em nós o lugar de nossa origem, para lá nascer mais tarde e, a cada dia, mais definitivamente. Nascendo e morrendo nas brincadeiras, as crianças podem vivenciar suas passagens, refazer caminhos internos e saltar; a cada nova vez é como se crescessem um pouco mais. Da mesma forma, projetam em nós figuras como a bruxa, a madrasta, justamente para confronta-las, destruí-las, transformá-las. Por muitas e muitas vezes já morri madrasta para nascer mãe, já desmaiei bruxa para despertar princesa... A Natureza é o grande cenário onde a imaginação cria castelos, torres, esconderijos, labirintos e armadilhas. O dinamismo é sempre ultrapassar o conhecido, em direção ao desconhecido, explorar o NOVO, fazendo uso da
  • 11. capacidade de imaginação como agente determinante do processo criador. Imersas no universo das imagens, é como se as crianças enxergassem o mundo através de um caleidoscópio, mergulhadas na UNIDADE. A ruptura desta Unidade pode comprometer o seu desenvolvimento harmonioso. O culto à informação e a alfabetização precoce, por exemplo, antecipam a entrada da criança em um tempo que não é o dela, sem que haja um amadurecimento real para isso. Acreditamos que como um embrião da espécie humana, a criança deve ser respeitada em sua oralidade, pois irá, nestes primeiros anos de vida, refazer o trajeto percorrido pelo Homem da linguagem oral para a escrita. E quando este tempo se cumprir naturalmente, ela terá muito mais autonomia e criatividade no contato com o texto escrito. Ela saberá como caminhar dentro dele porque a história já foi brincada dentro dela. Apresentará, inclusive, grande riqueza de vocabulário, pois ouvindo histórias, as crianças estão sempre aprendendo palavras novas, contextualizadas em um SENTIDO. O livro então ganhará outro significado: a descoberta da leitura. Assim como as brincadeiras próprias de um povo, segundo Mário de Andrade, falam das características de sua Alma, os contos originais apresentam aspectos importantes da Alma Humana. Há contos de heróis masculinos e femininos, contos de animais, contos inverossímeis e outros mais próximos da vida comum. Podem estar presentes em qualquer parte do mundo, com características culturais, históricas e geográficas do seu lugar, mas irão sempre mobilizar o universo interno de cada um de nós, promovendo identificações, confrontos e transformações. Eros e Psiquê Conta a lenda que dormia uma princesa encantada a quem só despertaria um infante que viria
  • 12. do além do muro da estrada. Ele tinha tentado, vencer o mal e o bem antes que, já libertado deixasse o caminho errado por o que à princesa vem A princesa adormecida se espera, dormindo espera; sonha em morte a sua vida e orna-lhe a fronte, esquecida, verde, uma grinalda de hera. Longe o infante esforçado, sem saber que intuito tem rompe o caminho fadado. Ele dela é ignorado Ela, pra ele, é ninguém. Mas cada um cumpre o destino: ela, dormindo encantada; ele, buscando-a sem tino pelo processo divino que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro tudo pela estrada afora, e falso, ele vem seguro, e, vencendo estrada e muro, chega onde em sono ela mora.
  • 13. Inda tonto do que houvera, a cabeça em maresia, ergue a mão, encontra a hera e vê que ele mesmo era a princesa que dormia Fernando Pessoa No espaço da história, a busca de uma saída é o que movimenta o herói e, como escreveu o estudioso Joseph Campbell, o que rege o seu caminho é a capacidade de seguir o próprio Coração. As crianças relacionam-se com o mundo através desta consciência cardíaca e, em suas brincadeiras, compartilham a mesma busca, uma vez que no mundo mágico da imaginação, elas têm total maestria. Um dia, uma menina de seis anos me disse: Eu adivinho tudo o que vai acontecer. Eu ‘previo’ o destino, só nas histórias, né? Nas histórias, eu sei. Uma vez que você conta uma história pra mim é igual a mil vezes! Deus criou as histórias pra todo mundo ouvir, sabia? Isto me lembrou outra história, um conto tradicional judaico reescrito pela terapeuta junguiana e cantadeira Clarissa Pinkola Estes: O amado Bal Shem Tov estava à morte e mandou chamar seus discípulos: Sempre fui o intermediário de vocês e agora, quando eu me for, vocês terão de fazer isso sozinhos. Vocês conhecem o lugar na floresta onde eu invoco a Deus? Fiquem parados naquele lugar e ajam do mesmo modo. Vocês sabem acender a fogueira e sabem dizer a oração? Façam tudo isso, e Deus virá. Depois que o Bal Shem Tov morreu, a primeira geração obedeceu exatamente às suas instruções, e Deus sempre veio. Na Segunda geração, porém, as pessoas já se haviam esquecido de como se acendia a fogueira do jeito que o Bal Shem Tov lhes ensinara. Mesmo assim, elas ficaram paradas no local especial da floresta, diziam a oração, e Deus vinha.
  • 14. Na terceira geração, as pessoas já não se lembravam de como acender a fogueira, nem do local da floresta. Mas diziam a oração assim mesmo, e Deus ainda vinha. Na quarta geração, ninguém se lembrava de como se acendia a fogueira, ninguém sabia mais em que local exatamente da floresta deveriam ficar e, finalmente, não conseguiam se recordar nem da própria oração. Mas uma pessoa ainda se lembrava da história sobre tudo aquilo e a relatou em voz alta. E Deus ainda veio. Desde cedo, as crianças reconhecem as estruturas essenciais de uma história, as combinações de personagens (exemplo: três filhos, duas irmãs, etc), os obstáculos, as tarefas do herói e estabelecem relações: Olha, esta história é igualzinha àquela, mas nessa é a moça que sai procurando e na outra é o moço! Muitas vezes, enquanto conto uma história, alguém já me pede: Depois você conta aquela? Então percebo que a associação de uma com a outra se deu, seja pela estrutura próxima, ou por uma imagem parecida, ou uma palavra marcante, alguma nuance de clima comum, etc. A relação é direta. Desta forma também, as crianças vão se apropriando de imagens e pedaços de contos tradicionais para inventarem as suas próprias histórias. Eu inventei imediatamente, agora. Toda vez que eu falo uma palavra eu invento outra, contou uma menina de 4 anos. Aí se encontra a maravilha da oralidade, onde uma história pode virar brinquedo que pode virar cantiga, que pode virar ... E é este o mesmo universo da Cultura Popular. O modo como um homem ou uma mulher do povo contam suas histórias de boca é muito próximo da maneira das crianças, as histórias vão se encadeando através desta colagem, da justaposição de imagens com um Sentido. Não existe uma hora para se contar histórias. As histórias permeiam toda a vida das crianças, elas acontecem em qualquer lugar, no instante de um pedido: Eu quero uma que você nunca contou, inventada e comprida. Certo dia, enquanto lanchavam, eu contava uma história e um menino de 4
  • 15. anos levantou para repetir o lanche e me disse: Espera aí, bota um marcador na sua boca que eu já volto! Eu me senti um livro ambulante. Dois anos mais tarde, em situação parecida, uma outra criança me disse: Pause na sua boca que eu já volto. Isso me fez lembrar uma história narrada pelo contador de histórias canadense Dan Yashinsky, um fato ocorrido em uma aldeia africana quando lá chegou o primeiro aparelho de televisão. Durante duas semanas um antropólogo que estava nesta aldeia observou que todas as pessoas não fizeram outra coisa a não ser olhar a tela luminosa, fascinadas. Então, gradualmente foram perdendo o interesse e voltaram a ouvir o contador de histórias do vilarejo. Quando o antropólogo perguntou por que tinham parado de assistir à TV se ela conhecia muito mais histórias que o velho contador, um aldeão respondeu: A televisão conhece mais histórias, mas o contador Me conhece. As seguintes palavras de Paulo Machado vem de encontro a essa história: Hoje vivemos a celebração da informação. Quando o computador substituir a Escola Primária, com certeza a Educação do Futuro será contar histórias... Outro dia também ouvi uma babá dizer algo relacionado a essa questão. Ela estava preocupada porque a mãe da criança que ela cuidava no período da noite havia acostumado o filho a dormir com a TV ligada desde recém nascido. Naquela semana a televisão tinha quebrado e a babá não estava conseguindo de forma alguma fazer a criança dormir. Indignada ela disse: Eu acho que se televisão fosse mãe, nascia um monte de televisãozinha! Esta mesma babá assistiu assustada à criança reproduzir agitados sons de televisão na cama em uma tentativa de se auto-embalar, até finalmente cair no sono. Fiquei chocada com este relato... Sabemos que nada substitui o contato vivo entre o mistério de quem conta uma história e o mistério de quem escuta. Mas o contador só será um bom irradiador se estiver conectado com a sua verdade, se ao contar também estiver vivendo aquela história: Eu ‘tava lá, tinha até trazido um prato de doces pra vocês, mas na ladeira do escorrega, eu dei um tropeção e caiu tudo no chão! Torna-se cada vez mais necessário dar espaço para esta troca, encontrar maneiras de abrir os portais para que as histórias entrem. Nas palavras do
  • 16. contador de histórias espanhol Andrzej: Não quero impressionar as pessoas com efeitos especiais, quero que elas voltem a escutar e contemplar. Quero encontrar as proximidades, falar das coisas elementares, com sutileza. Despertar o silêncio, a admiração, a abertura do coração de maneira mágica. Deve haver um momento mágico para começar e terminar uma história, é como se fosse uma reza, o início e o fim de uma cerimônia sagrada, disse uma vez a contadora de histórias de Santa Catarina, Gilca Girardello. A nossa cultura popular oferece inúmeros exemplos de formas de iniciar ou encerrar histórias que, segundo Lydia Hortélio, devem ser usadas de acordo com a atmosfera do conto: Entrou por uma porta Saiu pela outra Rei meu senhor Que lhe conte outra Entrou pela porta Saiu pela fechadura E quem gostou da minha história que me dê uma rapadura! Entrou pela perna do pato Saiu pela perna do pinto E quem quiser Que me conte cinco Entrou pelo bico do pinto Saiu pelo bico do pato E quem quiser
  • 17. Que me conte quatro Diz que era uma velha Chamada Vitória Morreu a velha E acabou-se a história Diz que era uma Velha Escondida na moita Esticava uma perna Encolhia a outra E outras tantas inventadas pelas próprias crianças: Entrou pela perna da Marina Saiu pela perna do João E quem gostou da minha história Me dê um pedaço de pão Entrou pela perna do João Saiu pela perna da Marina E quem gostou da minha história Me dê uma gelatina Ou pelos professores: E uma estrela no céu brilhou E a nossa história se acabou Do céu caiu fulô Um pássaro avoou
  • 18. E a nossa história começou Entrou pela perna do pato Saiu pela casca do ovo Quem gostou da minha história Que conte tudo de novo Antes de contar uma história para ensinar alguma coisa, devemos aprender com ela. As crianças sabem exatamente quando contamos e quando fingimos que contamos. Elas sabem com clareza se estivemos lá mesmo... E é por isso que também adoram aquelas histórias que aconteceram com os adultos, algum episódio da nossa infância, do nosso dia-a-dia. Eu quero uma que aconteceu na vida com você, me pediu um dia um menino de 4 anos. Inevitavelmente estas histórias vêm carregadas de memórias e as contamos impregnados de verdade: Somente o vivido no mais profundo de nossas células nos faz evoluir. Só o vivido é transmissível. É por este vivido, apenas, que nós podemos agir sobre o que nos rodeia. Um anjo me perguntou um dia: Tu compreendes a minha palavra? Não a entendas, não a compreendas. Mas vive-as (Diálogos com o Anjo, Gita Mallasz) É esta a nossa Responsabilidade. Responsabilidade como a capacidade de responder à Vida, a Grande Pergunta, a nossa Tarefa. Respostas que no fundo já existem em alguma camada adormecida, encantada, escondida pelo
  • 19. mato que cresceu ao redor e vem apagando aquela luzinha que tem dentro... A Linda Rosa juvenil, juvenil, juvenil A Linda Rosa juvenil, juvenil Vivia alegre no seu lar, no seu lar, no seu lar Vivia alegre no seu lar, no seu lar Mas uma Feiticeira má, muito má, muito má Mas uma Feiticeira má, muito má Adormeceu a Rosa assim, bem assim, bem assim Adormeceu a Rosa assim, bem assim Não há de acordar jamais, nunca mais, nunca mais Não há de acordar jamais, nunca mais E o Tempo passou a correr, a correr, a correr E o Tempo passou a correr, a correr E o Mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor E o Mato cresceu ao redor, ao redor Um dia veio um belo Rei, belo Rei, belo Rei Um dia veio um belo Rei, belo Rei Que despertou a Rosa assim, bem assim, bem assim Que despertou a Rosa assim, bem assim E os dois puseram-se a dançar, a dançar a dançar E os dois puseram-se a dançar, a dançar E batam palmas para o Rei, para o Rei, para o Rei E batam palmas para o Rei, para o Rei La ia la ia la ia la ia, la la ia, la la ia La ia la ia la ia la ia, la la ia História que virou brinquedo Acervo: Lydia Hortélio Era uma vez uma Linda Rosa que tava cantando no rio. Aí ela viu uma
  • 20. Bruxa muito má. Aí ela fez toc toc toc, aí a Bruxa fez assim pode entrar, aí ela entrou. Aí ela falou assim eu posso aprender a fazer fuso, a fazer roca?. Aí ela falou sim e aí ela pôs o dedo na roca e ela desmaiou. Aí a Rainha e o Rei abriu lá na porta e ai, minha filha, coitada, eu acho que eu vou ligar pra um Príncipe! Aí ele chegou e beijou ela e ela despertou ela. Aí eles foi pro casamento e ficaram felizes para sempre. Fim História contada por criança de 6 anos Onde está a Margarida, olê olê olá/ Onde está a Margarida, olê seus cavaleiros Margarida tá no castelo, olê olê olá/ Margarida tá no castelo, olê seus cavaleiros Quero ver a Margarida, olê olê olá/ Quero ver a Margarida, olê seus cavaleiros Mas o muro é muito alto, olê olê olá/ Mas o muro é muito alto, olê seus cavaleiros Vou tirando uma pedra, olê olê olá/ Vou tirando uma pedra, olê seus cavaleiros Uma pedra não faz falta, olê olê olá/ Uma pedra não faz falta, olê seus cavaleiros Vou tirando duas pedras (...) Apareceu a Margarida, olê olê olá/ Apareceu a Margarida, olê seus cavaleiros! História que virou Brinquedo Acervo: Lydia Hortélio Linda Rosa e Margarida podem ser compreendidas como histórias da Alma
  • 21. adormecida, escondida, Alma que só será revelada se contarmos a nossa própria história, de forma criadora, a cada dia. A contadora africana Inno Sorsy contou certa vez: Aprendi o grande poder que as histórias têm de mudar a vida das pessoas... Na mesma ocasião, sabiamente falou também o índio Daniel, da nação Munduruku: Se tivesse que escolher somente uma história, uma história para me casar, uma história predileta, eu me casaria comigo mesmo; com a história que temos que contar todo dia, porque se não a gente fica um pouco triste e não dá sentido à vida (...). É preciso ouvir com o coração. Se as palavras conseguirem adormecer dentro do coração, quando acordarem, sairão histórias novas, contadas a partir do sonho do contador... Ô ma má do o ô (2x) (Venham todos ao centro da Aldeia) O o ô ié ié pe de mo ié (2x) Ô ié ié pe de mo ié (2x) O o ô ié ié pe de mo ié (2x) (Vamos nos reunir para Brincar) Dança da Nação Munduruku / Pará Informante: Daniel Munduruku Assim como os contadores populares, os contadores da Tradição, assim como as crianças, aprendamos a olhar para dentro, a saborear os climas das histórias, a riqueza de suas nuances. É impossível, por exemplo, cantar o mato cresceu ao redor como se canta o tempo passou a correr ; o tempo corre veloz, o mato vai lentamente se entranhando nas ruínas do castelo. Da mesma forma, não se pode cantar o instante em que a feiticeira adormece a Rosa do mesmo modo como se canta o despertar da Princesa pelo Príncipe; há uma delicadeza nesta hora, muito distinta da vibração enérgica daquela outra. Aprendamos a preservar aquilo que seria o esqueleto da história, sua estrutura fundamental e a entrar em contato com as nossas próprias personagens
  • 22. internas. Hoje em dia muitos acabam transformando enredos essenciais em histórias “politicamente corretas”, nas quais de repente o lobo pode ficar bonzinho e todo mal vai sendo varrido para debaixo do tapete... O diretor e cineasta brasileiro Luis Fernando Carvalho pontuou com clareza a necessidade de reaproximação desses padrões fundamentais: Acredito em um patrimônio genético do Brasil, suas histórias, suas línguas, suas raças, seus sons; tudo ainda vive, tudo me dá a sensação de que como arquétipos estão à espera de reencarnar para continuarem suas missões éticas e estéticas (...). Se tivesse que resumir tudo em uma só palavra, seria Ancestralidade. A Ancestralidade é algo que nos permite imaginar mais que copiar. Sentir mais do que descrever e explicar (...). A Ancestralidade transpassa fronteiras e, inexplicavelmente, como Ela só, uniu João Cabral à Sevilha, Ariano Suassuna a Cervantes. A Ancestralidade é o que há de mais moderno e ao mesmo tempo mais arcaico (...). Tudo se reflete na Ancestralidade, seja Ela biológica ou espiritual (...). Estamos todos trabalhando para devolver ao Brasil o fruto que o próprio povo semeou. Os contos populares são essa semente. Aos olhos do mundo globalizado de hoje, sinto ser este um trabalho de responsabilidade imensa. Assim como o povo conta suas histórias e as crianças brincam seus contos, vivenciando cada personagem com o corpo inteiro, participando de cada segredo, enfrentando diariamente seus medos, assim devemos atravessar o portal das histórias. Assim como as crianças enxergam o mundo com o olho do Coração e em nenhum momento perdem o fio da narrativa porque suas imagens internas são muito precisas, assim devemos olhar as histórias. Assim como as crianças são capazes de saltar o medo e crescer depois de uma história brincada - a ponto de um menino de 6 anos me dizer: Sabe, eu não tenho mais aquele pesadelo porque agora eu sonho com essa história - assim devemos aprender com as histórias.
  • 23. Assim como as crianças mil e uma vezes pedem para repetir aquela parte em que o monstro engoliu o herói – e mil e uma vezes perguntam: Mas não mastigou, né? como garantia de que, mais cedo ou mais tarde, ele retornará, Inteiro – assim devemos confiar nas histórias. É por isso que não há receitas para a arte de contar histórias. Regina Machado, contadora e escritora brasileira, costuma dizer: Não há técnica sem Presença (...) É a história que me conta como quer ser contada. Sugestões e planejamentos muitas vezes limitam e reduzem a experiência viva de um professor em contato verdadeiro com seus alunos. Nas palavras da grande dançarina Isadora Duncan: Nunca ensinei passos aos meus alunos. Eu lhes disse que apelassem ao seu Espírito, como eu apelei ao meu. Arte é apenas isso. Que possamos aprender com as crianças, pois como me contou um menino durante uma brincadeira: Você não engravidou de mim não, tá? Eu é que criei Eu. E como nos ensinou, mais uma vez, o contador de histórias Guimarães Rosa: Mestre não é quem sempre ensina mas quem de repente aprende. E ainda: Cada homem tem seu lugar no mundo e no tempo que lhe é concedido. Sua tarefa nunca é maior que sua capacidade para poder cumpri-la. Ela consiste em preencher seu lugar, em servir à verdade e aos homens. Segundo ele: Coragem é o que o coração bate; se não, bate falso. Que o candeeiro das histórias permaneça sempre aceso. Anda roda Candeeiro, anda roda sem parar (2x) Todo aquele que errar, com Candeeiro há de ficar (2x) Candeeiro – oi, ta na mão de iô iô, Candeeiro – á, tá na mão de iá ia Coco de roda / Alagoas Grupo: Pagode – Mestra Hilda / Pesquisa: Elizabeth Menezes Candeeiro anda à roda, anda à roda sem parar Todo aquele que errar, Candeeiro há de ficar Paspatu, paspará, Candeeiro Sinhá Eu não sou de ninguém, Eu só sou de meu bem
  • 24. Paspatu, paspará, Candeeiro Sinhá! Serrinha / Bahia Informante: Alice Hortélio da Silva / Acervo: Lydia Hortélio Este texto foi elaborado a partir de reflexões junto à equipe da Casa Redonda Centro de Estudos. www.casaredondacentrodeestudos.com.br www.institutobrincante.org.br www.cristianevelasco.blogspot.com Uma pequena bibliografia para quem gosta de histórias: contos recolhidos da cultura brasileira, contos de outros povos, recriações autorais de histórias da tradição oral e também reflexões teóricas a partir do tema.
  • 25. ADELSIN. Barangandão Arco-Íris: 36 brinquedos inventados por meninos. 2.ª ed. São Paulo: Peirópoles, 2008. ALCOFORADO, Doralice F. Xavier; SUAREZ Alban, Maria del Rosario (Coords.). Contos populares: Bahia. Recife : Fundaj, Ed. Massangana, 2001. ANDERSEN, Hans Christian. Histórias maravilhosas de Andersen. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995. AUBERT, Francis Henrik. Askeladen e outras aventuras. São Paulo: Edusp, 1995. AZEVEDO, Ricardo. No meio da noite escura tem um pé de maravilha. São Paulo: Ática. 2002. ____. Armazém do folclore. São Paulo: Ática, 2000. BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003. BELINKY, Tatiana. O Caso do Bolinho. São Paulo: Moderna, 1990. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Brasiliense. São Paulo: Brasiliense, 1994. BOFF, Leonardo. O Casamento entre o Céu e a Terra. Rio de Janeiro: Salamandra, 2001 BONAVENTURE, Jette. O que conta o conto? São Paulo: Paulus, 1992. CALVINO, Ítalo. Fábulas Italianas. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. CAMPBELL, Joseph. O Herói de mil faces. São Paulo: Cultix, 2002. CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998. ____. Dicionário do Folclore Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Editora Global, 2000. CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. CHINEN, Allan B. ...E foram felizes para sempre. São Paulo: Cultrix, 1995. COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. Lisboa: Editorial Caminho. 1994. ESTÉS, Clarissa Pínkola. O Dom da História: uma fábula sobre o que é suficiente. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. ____. Mulheres que correm com os lobos: Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. FRANZ, Marie-Louise von. A individuação nos contos de fada. São Paulo: Paulus, 1984. ____. A interpretação dos contos de fada. São Paulo: Paulus, 1990. ____. A sombra e o mal nos contos de fada São Paulo: Paulus,1999. GRENIER, Christian. Contos e Lendas: Os doze trabalhos de Hércules. São Paulo:
  • 26. Companhia das Letras, 2003. GRILLO, Nícia de Queiróz (Org.) Histórias da Tradição Sufi. Rio de Janeiro: Dervish, 1993. GRILLO, Nícia de Queiróz (Coords.). Três Histórias do Destino. Rio de Janeiro: Dervish, 1998. GRIMM, Jakob. Os Contos de Grimm. São Paulo: Paulus, 1989. JECUPÉ, Kaká Werá. A Terra dos Mil Povos. São Paulo: Peirópolis, 1998. JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1981. ____. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. KERVEN, Rosalind. O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2000. LELOUP, Jean-Yves. O corpo e seus símbolos - Uma antropologia essencial. São Paulo: Vozes, 2004. ____. Uma arte de cuidar. São Paulo: Vozes, 2007. LIMA, Francisco Assis de Souza. Conto popular e comunidade narrativa. Rio de Janeiro: Funarte/ Instituto Nacional do Folclore, 1985. MACHADO, Regina. O violino cigano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. ____. Acordais: fundamentos teórico poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: Difusão Cultural, 2004. MUNDURUKU, Daniel. As Serpentes que roubaram a noite e outros mitos. São Paulo: Peirópoles, 2001. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001. PEARCE, Joseph C. O fim da evolução. São Paulo: Cultrix, 1992. ____. A Criança Mágica. São Paulo: Francisco Alves, 1989. PEREIRA, Maria Amélia Pinho. Casa Redonda: uma experiência em educação. São Paulo: Livre, 2013. PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Cia das Letras, 2001. READ, Herbert. A redenção do robô: meu encontro com a educação através da arte. São Paulo: Summus, 1986. RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982. ROMERO, Sílvio. Contos Populares do Brasil. São Paulo: Landy, 2000. ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. SARAMAGO, José. O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • 27. SHAH, Amina. Contos da Arábia. São Paulo: Kadyc, 1999. SILVA, Agostinho da. Textos Pedagógicos. Âncora. SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978. WALDE-MAR. Lendas e Mitos dos Índios Brasileiros. São Paulo: FTD, 1999. mídias Dvds, cds com histórias, cantigas e brincadeiras. Brincadeiras de Roda, Estórias e Canções de Ninar. Gravadora Eldorado. Brincando de Roda. Gravadora Eldorado. O Pavão Misteriosos. Gravadora Eldorado. HORTÉLIO, Lydia (pesquisa e direção dos cds) Abra a Roda Tin Dô Lê Lê. Ô, Bela Alice... OCELOT, Michel (direção dos dvds): Kirikú e a Feiticeira. Paulinas Multimídea. Príncipes e Princesas. Mais Filmes. As Aventuras de Azur e Azmar. Vídeo Filmes. Algumas histórias contadas em nossos encontros:
  • 28. O PAPAGAIO REAL Duas moças moravam juntas e eram irmãs, uma muito boa e outra maldizente e preguiçosa. Cada uma tinha seu quarto. A mais velha começou a notar um barulho de asa e depois fala de homem no quarto da irmã. Ficou desconfiada e foi olhar pelo buraco da fechadura. Viu uma bacia cheia d'água no meio do quarto. Quando deu meia-noite chegou na janela um papagaio enorme, muito bonito e voou para dentro, metendo-se na bacia, sacudindo-se todo, espalhando água para todos os lados. Cada gota d'água virava ouro e o papagaio, quando saiu do banho, foi um príncipe mais formoso do mundo. Sentou-se ao lado da irmã e pegaram a conversar animados como noivos. A irmã ficou roxa de inveja. No outro dia, de tarde, encheu o peitoril da janela de cacos de vidro, assim como a bacia. Nas horas da noite o papagaio chegou e batendo no peitoril cortou-se todo. Voou para a bacia e cortou-se ainda mais. Arrastando- se, o papagaio não virou príncipe, mas chegou até a janela e disse para a moça, que estava assombrada com o que sucedera: - Ai ingrata! Dobraste-me os encantos! Se me quiseres ver, só no reino de Acelóis. E batendo asas desapareceu. A moça quase se acaba de chorar e de se lastimar. Brigou muito com a irmã e deixou a casa, procurando o noivo pelo mundo. Ia andando, empregando-se como criada nas casas só para perguntar onde ficava o reino de Acelóis. Ninguém sabia ensinar e a moça ia ficando desanimada. Uma noite, depois de muito viajar, já cansada, ficou com medo dos animais ferozes e subiu para uma árvore, escondendo-se bem nas folhas. Estava amoquecada quando diversos bichos esquisitos chegaram para baixo do pé de pau e pegaram a conversar. - De onde chegou você? - Do reino da Lua!
  • 29. - E você? - Do reino do Sol! - E você? - Do reino dos Ventos! A moça prestou atenção. No primeiro cantar dos galos sumiram-se todos e ela desceu e continuou a marcha. Andou, andou, até que chegou noutra mata e para não ser devorada, trepou-se numa árvore. Lá em cima, quando a noite ficou bem fechada, chegaram umas vozes no pé do pau. - De onde veio? - Do reino da Estrela! - De onde veio? - Do reino de Acelóis! - Que novidades me traz? - 0 príncipe está doente e ninguém sabe como tratar dele... A moça botou reparo e na madrugada seguiu no mesmo rumo pois as vozes já tratavam do Reino de Acelóis. Andou, andou, andou, finalmente, quando anoiteceu, estava dentro de uma floresta. Subiu para um pau e ficou quieta, lá em cima. Mais tarde as vozes começaram na falaria: - De onde vem você? - Do reino de Acelóis! - Como vai o príncipe? - Vai mal, coitado, não tem remédio! - Ora não tem! tem! O remédio é ele beber três gotas de sangue do dedo mindinho de uma moça donzela que queria morrer por ele! Quando amanheceu o dia, a moça tocou-se na estrada. Ia o sol se sumindo quando ela avistou o reinado de Acelóis. Entrou no reinado e pediu agasalho numa casa. Na hora da ceia perguntou o que havia e disseram que o assunto da terra era a doença do príncipe. A moça, no outro dia, mudou os trajes, foi ao palácio e pediu para falar com o rei. - Rei Senhor! Atrevo-me a dizer que ponho o príncipe bonzinho se rei senhor me der, de tinta e papel, a metade do reinado e de tudo quanto lhe
  • 30. pertencer. O rei deu, de tinta e papel, a metade de tudo quanto possuía. A moça foi para o quarto, meou um copo d'água, furou o dedo mindinho, botou três gotas de sangue dentro, misturou e mandou ele beber. Assim que o príncipe engoliu, foi abrindo os olhos, levantando-se da cama e abraçando a moça, numa alegria por demais. O rei ficou muito satisfeito e quando o príncipe disse que aquela era a sua verdadeira noiva desde o tempo em que ele estava encantado em um papagaio real, o rei não quis dar consentimento porque a moça não era princesa. A moça então falou: - Rei Senhor! Tenho por tinta e papel a metade de tudo quanto é do rei senhor neste reinado. O príncipe é do rei senhor e eu tenho por minha a metade dele. Se rei senhor não quiser que eu case com ele, inteiro, levarei para casa uma banda. Ao ouvir falar em cortar o príncipe pelo meio, como a um porco, o rei chegou-se às boas e deu o consentimento. Foram três dias de festas e danças e até eu me meti no meio, trazendo uma latinha de doce mas na ladeira do Encontrão, dei uma queda e ela, pafo! - no chão! ... Benvenuta de Araújo. (Natal. Rio G. do Norte) Contos Tradicionais do Brasil / Câmara Cascudo
  • 31. A VÉIA DA GUDÉIA Diz que era uma Véia escondida na moita, Esticava uma perna, encolhia a outra. Ela tinha uma boca larga, mole, com milhares de dentinhos muito agudos (parecia boca de tubarão), um nariz cheio de curvas, as orelhonas desmilinguidas, os olhos esbugalhados e o cabelo todo espetado feito porco espinho. Era ela: a Véia da Gudéia. Ela vivia numa gruta que fedia a podre, onde havia um tapete de cobras vivas trançadas (era a caminha da Véia) e uma cortina feita de morcegos pendurados de ponta cabeça, as portas eram teias de aranha e todo dia a tal Véia acordava pronta pra fazer malvadezas (dizem até que uma vez ela chegou a encantar um príncipe em Papagaio Real...é, minha gente, foi ela, a Véia da Gudéia!). E no dia em que esta história começou, a Véia escancarou aquele bocão num bocejo matinal e ela tinha um bafo, mas era um bafo tão forte que na mesma hora ela fez desmaiar uma família inteira de baratas! Depois ela ajeitou sua feiúra e saiu pelo mato afora: EEEEEEEU sou a Véia da Gudéia/ Eu sou a Véia da Gudéia Eu vou fazer uma malvadeza/ Vou fazer uma malvadeza Eu sou a Véia da Gudéia! Até que ela encontrou um palácio numa clareira e, no que a Véia entrou no salão, olhou pro rei que vinha descendo as escadarias e ele virou uma estátua de pedra. A rainha que vinha logo atrás segurando a saia com toda delicadeza para o seu desjejum, virou foi uma estátua-de-pedra-de-rainha-segurando-a-saia-com- toda-delicadeza-para-o-seu-desjejum. A princesa que brincava no jardim virou
  • 32. uma rosa triste que chorava gotas de orvalho. Mas o príncipe, muito rápido, muito esperto, escapuliu pela janela e fugiu correndo dali, sem nem ao menos olhar pra trás. Ele correu, correu e foi parando de reino em reino pra perguntar se alguém sabia como é que se matava a Véia da Gudéia: Por favor, vocês têm alguma idéia de como é que se acaba com a Véia da Gudéia? (quem quiser pode imaginar...) Mostrando um espelho pra ela? Colocando o narigão dela dentro da bocona pra ela ficar entupida? Espetando o coração dela com os espinhos do seu cabelo? Dando um bom banho na Véia? Escovando os dentes dela? E como cada um falava uma coisa diferente, o príncipe foi ficando confuso, porque se ele matasse a Véia do jeito errado, era capaz dela ficar ainda mais perigosa. Então ele resolveu sentar debaixo de uma árvore pra ver se clareava as idéias... Só que o que ele não sabia, é que estava muito perto da gruta da Véia da Gudéia. De repente ele começou a ouvir um barulho de passos, folhas secas se partindo, era alguém que chegava, quem era? Quem era, gente? Não é que era um Véio? E ele vinha cantando: Óia, algodão doce/ Meniiiiiiino, tu quer comprar Óooi, algodão doce/ Meniiiiiiino, tu quer comprar Era um Véio magrela, que há dias não comia nada (ele vendia sim algodão doce, mas fazia muito tempo que o algodão tinha acabado e o coitado continuava cantando feito um maluco), então ele caiu despencado na bota do príncipe, parecia um amontoado de ossos. O jovem que tinha um bom coração tirou o seu próprio manto e cobriu o Véio, depois ofereceu a ele um punhado de frutas que havia colhido. Devagar o Veio foi bicando as frutas, bicando (assim, de olhos fechados, parecia um filhote de passarinho) e, já sentado, mais animadinho, disse que faria qualquer coisa em troca da boa ajuda que o príncipe havia lhe dado. O príncipe falou: Ah, meu Véio, eu não preciso de nada não, a única coisa que eu queria era
  • 33. saber como é que se acaba com aquela Véia da Gudéia! A Véia da Gudéia?!! (o Véio começou a pular, arrepiando a barbicha). Mas ela é minha priiiiiiima! Desgraçada, desalmada de uma égua, desde menina a peste só fazia malvadezas. Botava rabo de porco nos meninos, enfeitava o bigode dos homens com pena de galinha e soltava muita perereca na saia das mocinhas. Ela soltava, tirava, botava, soltava, tirava, botava, era uma agonia tão grande mas tão grande que eu, o Véio, tinha que ir lá desamarrar os feitiços daquela danada...Bem, o menino ajudou o Véio, o Véio vai ajudar o menino, assim é a vida! Vou ensinar como é que se mata a Véia da Gudéia. Preste atenção, você vai ter que ir até a gruta dela e chegando lá, não pode esquecer de tapar o nariz que aquilo fede feito bacalhau podre!! Então, você vai procurar o caldeirão da Véia, tem que ser o caldeirão da Véia pra funcionar e vai colocar água pra ferver. Quando estiver borbulhando, você vai se esconder. Assim que ouvir a Véia chegando, você vai por trás dela, cuidado que ela não pode te ver, vai agarrar a Véia pelos calcanhares revirando a danada de ponta cabeça e vai jogar aquela monstrenga no caldeirão. E era uma vez uma Véia da Gudéia! Ou eu não me chamo Véio... Óia, algodão doce! Meniiiiiiino, tu quer comprar ... E foi exatamente isso que fez o príncipe. Primeiro ele espiou pra ver se a Véia estava lá, não estava; entrou e logo num canto ele viu o caldeirão dela todo descascado. Colocou água pra ferver e se escondeu. Dali a pouco ele começou a ouvir a Véia que vinha chegando: Eeeeeeeu sou a Véia da Gudéia/ Eu sou a Véia da Gudéia Eu fui fazer uma malvadeza/ Eu fui fazer uma malvadeza Eu sou a Véia da Gudéia! E eu voltei muito louca/ E eu voltei muito louca Agora eu vou tomar uma sopa/ Eu vou tomar uma sopa Agora eu vou tomar uma sopa!
  • 34. Quando a Véia viu seu próprio caldeirão já com água fervendo, ficou ainda mais louca. Num piscar de olhos, o príncipe passou por trás dela, agarrou a Véia pelos calcanhares, revirou a danada, jogou a peste no caldeirão e ela explodiu! Pronto acabou. Assim foi, quem não tem cavalo monta no boi. (Vocês devem estar aí parados, se perguntando o que aconteceu depois, não é? Está bem, eu vou contar...) Tem gente que fala que a Véia virou um trovão. Outros já dizem que ela virou a própria tempestade. Agora, um menino me contou que a Véia virou um pum! Logo depois veio outro, amigo daquele e disse que não, que a Véia virou tudo isso, e ao mesmo tempo: um pum que subiu e virou trovão que desceu como tempestade e ali, onde a chuva caiu, aconteceu um mistério, um milagre daqueles verdadeiros (foi o menino que me disse); ficou uma pocinha dágua (perfumada, por incrível que pareça!), o perfume foi subindo, subindo e no meio do rodamoinho nasceu uma moça toda iluminada: Era luz o seu vestido/ Com mil estrelas do céu Os cabelos bem mexidos/ Escorrendo para o chão Olhos de um verde profundo/ Cor do mar em tempestade A boca vermelha e doce/ Lambuzada de saudade Avoou, avoou/ Avoou, deixa voar (2x) No galho da imbaúba, gavião totoriá (2x) Quando o príncipe viu aquela moça a sua frente ele disse: Véia da Gudéia? A moça dançou cheia de graça: eu sou a princesa Gudeinha!! E é claro que viraram namorados e sairam correndo de mãos dadas. Na mesma hora o tapete de cobras vivas virou um tapete de flores do campo. A cortina de morcegos, uma cortina de borboletas. E as portas de teias de aranha? (podem imaginar, porque esse pedaço eu esqueci...). Só sei que conforme a princesa corria, as estrelas foram se desprendendo das saias do seu vestido e virando vaga-lumes na noite escura. Na verdade, não eram apenas mil estrelas, eram mil e uma, mas aquela uma foi insistente e acabou ficando pousada bem na fita do
  • 35. decote da moça. Quando os dois entraram no salão do palácio, o rei, a rainha, foram todos se desencantando. A rosa triste no jardim se espichou toda e voltou a ser a princesa, irmã do príncipe, que agora tinha perfume de rosa. E eles comemoraram com alegria, e quem é que apareceu pra festejar? O Véio, que mostrou que de Véio não tinha nada porque sacudiu o esqueleto até o sol raiar! E eu estava lá (já vou logo avisando que não perco uma dessas festas!), dancei com o Véio que quase me acabei. Sei que lá pelas três da madrugada eu escutei quando bateram na porta, fui eu mesma que abri e, vocês não sabem, dei de cara com uma Véia! Eu olhei pra ela, ela olhou pra mim e a Véia tombou seca, estorricada no chão: Diz que era uma Véia chamada História, Morreu a tal Véia e ficou a Memória. Conto criado em 2001, em meio às brincadeiras da Casa Redonda, por Cristiane e pelas crianças, a partir do pesadelo de um menino de 5 anos e de alguns trechos de histórias tradicionais escolhidos espontaneamente por todos. O nome da personagem foi emprestado de lenda da Pedra do Baú em São bento Sapucaí. A história foi re-elaborada para o projeto Dançando Histórias por Cristiane e pelo músico Moxé Ribeiro que inseriu a cantiga do Veio, inspirando-se na figura de um vendedor ambulante de sua infância em Recife.
  • 36. A PRINCESA QUE SEMPRE TINHA DE TER A ÚLTIMA PALAVRA Era uma vez um rei que tinha uma filha tão geniosa e obstinada em falar que sempre tinha de ter a última palavra; por isso, o rei prometeu àquele que conseguisse deter sua língua a mão da princesa e metade do reino. Eram muitos os que queriam tentar, pode apostar, pois não é todo dia que se consegue a mão de uma princesa e a metade do rei só na conversa. O portão do solar do rei não parava de se abrir e fechar um momento sequer; os pretendentes chegavam aos bandos, em multidão, do leste e do oeste, a cavalo e a pé. Mas não apareceu um só que conseguisse fazer a princesa se calar. Por fim, o rei mandou proclamar que aquele que tentasse, mas não conseguisse, teria as duas orelhas marcadas a ferro em brasa com aquele ferrete que ele tinha - ele não ia tolerar aquela bagunça toda em seu solar a troco de nada. Bem, havia três irmãos que também tinham ouvido falar da princesa e, como as coisas não estavam indo às mil maravilhas em casa, resolveram partir e tentar a sorte, quem sabe se não conquistariam a filha do rei e metade do reino? Eles se entendiam e se davam muito bem uns com os outros e, assim, lá foram eles, todos os três. Depois de viajar durante algum tempo, o caçula, a quem chamavam de
  • 37. Moço das Cinzas, encontrou uma gralha morta. “Olhem só o que encontrei!”, gritou ele. “O que foi?”, perguntaram os irmãos. “Uma gralha morta”, respondeu ele. “Credo! Joga fora! O que vai fazer com uma coisa destas?”, disseram os outros dois, que sempre se achavam mais espertos. “Ora, não tenho nada melhor para fazer, e nada melhor para carregar, de modo que simplesmente vou levá-la comigo”, disse o Moço das Cinzas. Depois de viajarem um pouco mais, o Moço das Cinzas encontrou uma casca seca de salgueiro, e pegou-a do chão. “Olhem só o que encontrei!”, gritou ele. “O que foi que você encontrou agora?”, perguntaram os irmãos. “Uma casca de salgueiro”, respondeu ele. “Ora! O que vai fazer com isso? Joga fora!”, disseram os dois irmãos. “Não tenho nada melhor para fazer, e nada melhor para carregar, de modo que simplesmente vou levá-lo comigo”, disse o Moço das Cinzas. Depois de andarem mais um pouco, o rapaz encontrou um pedaço de pires quebrado, que também pegou. “Rapazes! Olhem só o que encontrei! Olhem!” , gritou ele. “Bem, o que foi desta vez?”, perguntaram os irmãos. “Um pedaço de pires quebrado!”, respondeu ele. “Ah! Não diga que vai levar isso aí também? Joga fora!”, disseram eles. “Ora, não tenho nada melhor para fazer, e nada melhor para carregar, de modo que simplesmente vou levá-lo comigo”, disse o Moço das Cinzas. Depois de viajarem um pouco mais, ele encontrou um chifre torto de carneiro, e logo depois, encontrou o seu par. “Vejam só o que encontrei!”, gritou ele. “O que foi desta vez?”, perguntaram os outros. “Dois chifres de carneiro”, replicou o Moço das Cinzas. “Ai! joga fora! O que vai fazer com eles?”, perguntaram. “Ora, não tenho nada melhor para fazer e nada melhor para carregar, de modo
  • 38. que simplesmente, vou levá-los comigo”, disse o Moço das Cinzas. E pouco depois ele encontrou uma cunha. “Mas rapazes, olhem só o que encontrei?”, disse ele. “Que belo monte de coisas você tem encontrado! O que foi desta vez?”, perguntaram os dois mais velhos. “Uma cunha”, respondeu ele. “Ora, joga isso fora”, disseram. “Ora, não tenho nada melhor para fazer e nada melhor para carregar, de modo que simplesmente vou levá-la comigo”, disse o Moço das Cinzas. E, enquanto caminhavam pelos campos em direção ao solar do rei - nos quais tinham espalhado esterco recentemente – o Moço das Cinzas abaixou e pegou uma sola gasta de sapato. “Olhem só rapazes, vejam o que encontrei!”, disse ele. “Se você pusesse um pingo de juízo na cabeça até chegarmos lá, o que foi desta vez?”, disseram os dois. “Uma sola gasta de sapato”, replicou ele. “Aaai! E isso é lá alguma coisa que se pegue do chão? Joga fora! O que vai fazer com isso?”, perguntaram os irmãos. “Ora, não tenho nada melhor para fazer e nada melhor para carregar, de modo que simplesmente vou levá-la comigo, se quiser ganhar a mão da princesa e metade do reino”, disse o Moço das Cinzas. “Sim, é bem capaz de você conseguir, bem capaz!”, zombaram os irmãos. E então chegaram e forma apresentados à princesa – primeiro o mais velho. “Bom dia”, disse ele. “Bom dia o seu nariz”, disse ela virando-lhe as costas. “Está terrivelmente quente aqui”, disse ele. “No meio do carvão está mais quente ainda”, replicou a princesa. E lá estava o ferrete prontinho para ser usado. Ao ver aquilo, sua coragem fugiu- lhe e não houve salvação. O irmão do meio não se saiu melhor.
  • 39. “Bom dia”, disse ele. “Bom dia, o seu nariz”, disse ela começando a lhe virar as costas. “Está terrivelmente quente aqui”, disse ele. “No meio do carvão está mais quente ainda”, disse ela. Ao ouvir aquilo ele também perdeu a voz e a fala, o ferrete saiu do meio dos carvões e foi usado novamente. E então chegou o Moço das Cinzas. “Bom dia”, disse ele. “Bom dia o seu nariz”, disse a princesa dando-lhe as costas. “Aqui dentro está agradável e quente”, disse o Moço das Cinzas. “No meio do carvão está mais quente”, replicou a princesa. Um terceiro candidato não melhorava em nada o seu humor. “Será que posso assar a minha gralha ali?”, perguntou ele. “Receio que ela vá queimar”, disse a princesa. “Ah, isso não é problema! Vou por esta casca de salgueiro em volta”, replicou o moço. “É grande demais!”. “Vou por uma cunha!”, disse o rapaz, e tirou a cunha da mochila. “A gordura vai escorrer!”, disse a princesa. “Vou pegá-la com isso!”, respondeu o rapaz e mostrou o pedaço de pires quebrado. “Você está torcendo as minhas palavras!”, disse a princesa. “Não! Suas palavras não estão torcidas, mas isso aqui, sim!”, replicou o moço, e tirou um dos chifres de carneiro. “Ora, nunca vi uma coisa dessas!”, gritou a princesa. “Aqui está outro igualzinho!”, disse o moço tirando o outro chifre da mochila. “Você está resolvido a acabar comigo, não está?”, perguntou ela. “Não, acabado está isso aqui”, respondeu o moço tirando a sola de sapato gasta da mochila. Ali a princesa ficou sem saber o que dizer. “Agora você é minha!”, disse o Moço das Cinzas, e ficou com ela, e mais a
  • 40. metade do reino. Conto Popular Norueguês, retirado do livro Askeladen e outras aventuras, de Francis Henrik Aubert, e transformado na história brincada Maria Sabida e João do Uia. A CABRINHA E A ONÇA Era uma vez que tinha uma cabra que tinha um bocado de filho. (É curta essa, viu?). Todo dia, ela saia pra mode comer e depois vinha dar leite aos filho. Depois andou dizendo no mato que a Onça tava pegando os bicho pra comer. Ela aí chegou em casa, disse: -Olhe, meus filho, eu vou pro mato caçar. Quando vocês ver bater na porta, vocês não abra, que quando eu chegar, eu canto pra vocês. -Tá, mãe. Aí ela saiu, foi pro mato. Ela aí comeu, comeu, comeu... Quando chegou, ela aí bateu na porta (doce): Abra a porta, meus filhinho
  • 41. Água na boca, lenha nos chifre Sal nas orelha, peitinho tá cheio Aí os cabritinho abriu a porta, ela deitou e aí pegou a mamar. Mamou, mamou, mamou. Ela tornou a dizer aos filhos: -Quando bater na porta, não abra. -Tá. Aí a Onça veio, no outro dia a Onça veio (sombrio): Abra a porta, meus filhinho Água na boca, lenha nos chifre Sal nas orelha, peitinho ta cheio -É, bote os chifres aí debaixo da porta, pra eu ver se é minha mãe, não é minha mãe não! Aí não abriu a porta. Quando a Cabra veio, cantou pra eles: Abra a porta, meus filhinho Água na boca, lenha nos chifre Sal nas orelha, peitinho ta cheio Eles abriram a porta. Aí mamou. Quando acabou, disse pra mãe: -Ô mãe, a Onça teve aqui. Não abra a porta! -Tá. Quando foi no outro dia, a Onça foi, ficou escutando como é que a mãe cantava. Quando ela saiu, aí a Onça veio (imitando a cabra): Abra a porta, meus filhinho Água na boca, lenha nos chifre
  • 42. Sal nas orelha, peitinho ta cheio Eles abriram a porta pensando que era a Cabra. A Onça aí comeu. Comeu e foi embora. Daqui a pouco chegou a Cabra. Toca a cantar(doce): Abra a porta, meus filhinho Água na boca, lenha nos chifre Sal nas orelha, peitinho ta cheio Nada. Ela tornou a cantar (aflita): Abra a porta, meus filhinho Água na boca, lenha nos chifre Sal nas orelha, peitinho ta cheio Nada. Ela aí se deitou, ficou deitada no chão e chorando. Aí ela chamou: -Oh, compadre calango! Aí o Compadre responde: -Senhora! -Vá dizer à Onça pra mandar meus filho! -Sim, senhora! E saiu. Chegou lá adiante, bateu na porta. Aí a Onça: - Quem é? A Onça ta lá, deitada como barrigão. -Eu vim aqui que a Comadre Cabra mandou dizer que é pra mandar os filho dela. -Diga a ela que não tem filho dela nenhum aqui. Aí ele saiu correndo. Aí chegou lá... chegou e disse pra comadre: -Comadre, ela disse que não tem filho nenhum da senhora lá. -E ela ta com a barriga grande? -Tá.
  • 43. -Então meus filho ta é lá mesmo. Ô comadre Lagartixa! Aí a Lagartixa disse: -Senhora! -Vá dizer à Onça pra mandar meus filho! -Sim, senhora! A Lagartixa foi. Chegou lá a mesma coisa. A Onça disse: -Não tem filho dela nenhum aqui não. A Lagartixa saiu. A Cabra chamou: -Ô, comadre Formiguinha! Aí a Formiguinha disse (aquela bem pequenininha): -Senhora! -Vá dizer à Onça pra mandar meus filho! -Sim, senhora. Quando chegou lá, tá a Onça lá deitada. Bateu na porta: toc toc toc! A Onça tava deitada. -O que é? -Eu vim aqui que a comadre Cabra mandou dizer que é pra mandar os filho dela. -Eu já disse que não tem filho dela nenhum aqui. Mas aí com a formiguinha já falou mais manso. Aí a formiga voltou e disse pra comadre: -Comadre, ela disse que não tem filho nenhum lá não. Aí ficou espiando a Onça dormir. Quando a Onça tava dormindo, ela disse: -A senhora tem uma faca aí amolada? A Cabra disse: -Tenho. Amolou mais a faca. Amolou, amolou... Disse: - Não se incomode não, que eu vou dar um jeito. Aí picou a mão pelo buraco da fechadura. A Onça dormindo. Quando a Onça estava roncando, ela foi lá, chegou lá, cortou-lhe a barriga da Onça e pegou os
  • 44. três filho da Cabra e trouxe. Entrou por uma porta Saiu pela outra Rei, meu Senhor Que me conte outra Zildete Benedita Souza Santos (Detinha). Salvador, 06.05.84. Recolhido por: Doralice Fernandes Xavier Alcoforado. MARIA E O PEIXE ENCANTADO (uma Cinderela baiana) Olhe, era uma que tinham duas comadres. Uma era rica e a outra era pobre. Cada uma tinha uma filhinha. Todas duas, as menina se chamavam Maria. A mulher pobre vivia sempre lá na casa da comadre rica trabalhando e levava alguma coisa pra menina e tudo. Vivia sempre lá. A madrinha da menina tinha vontade que ela desse ela pra trabalhar desde casa. Naquele tempo, não se usava esse negócio de ter empregada. Então ela queria uma pessoa pra ajudar em casa. Todo dia ela dizia:
  • 45. - Minha comadre, me dê a minha afilhada pr'eu criar. Dextá que eu cuido dela direitinho. Me dê ela pra mim. Mas ela sempre dizia: - Não, minha comadre, eu não dou não. Eu só tenho essa. Não dou não. Quando é um certo dia, ela convidou a comadre pra irem tomar um banho no rio com a intenção de matar a comadre pobre pra ficar com a menina. A menina já era sabidinha, tinha uns quatro ou cinco ano, era boba ainda. Ela deixou ela em casa, e foram tomar banho. Que quando ela chegou no rio, empurrou a mulher lá no poço e, naquele tempo, as pessoa não sabiam nadar, não tinha negócio de nadar. Eu sei que a mulher morreu. Mas encantou, virou um peixe, aquele peixe enorme! Ficou lá no poço. Quando ela chegou em casa: - Minha madrinha, cadê minha mãe? Cadê minha mãe? - Sua mãe ficou ali, minha filha, ela já vem. Ela ficou ali, não sei o quê, ela já vem. Ela brincando com a outra, a filha dela, distraiu e ali ficou e ali dormiu. De noite, ela enganou ela, deu um cafezinho e tudo e ela esqueceu a mãe. Era pequena, esqueceu. Daí, ela foi crescendo. Quando ela foi crescendo, ela tava meninazinha de sete, oito anos, aí a madrinha já ajuntava aquelas trouxa de roupa da casa toda, aquela rouparia enorme e mandava pela ir pro rio lavar. Ela chegava no rio, botava a roupa no chão e aí ficava chorando. Daqui a pouco, evém a água abrindo, evém aquele peixão, aquele peixe bonito! Chegava, botava a cabeça fora, dizia assim: - Maria, o que é que você tem, Maria, que tá chorando? Ela dizia assim: - Ah, foi minha madrinha que mandou pr'eu lavar esta roupa e eu não sei lavar. - O peixe dizia assim: - Me dá, Maria, a roupa que eu lavo. Aí ela entregava a roupa e o sabão. O peixe engolia aquela roupa toda, aquele sabão e tomava a cair lá no poço. Ela ficava por ali, brincando, subindo nos paus, se balançando naqueles cipós que tem em beira de rio, ficava brincando por ali. Quando era daí a pouco, não demorava muito não, meio-dia,
  • 46. antes de meio-dia, o peixe veio com a roupa toda lavada e seca já. Chegava de fora assim, tirava a roupa toda da boca assim, puxando a roupa da boca e botava toda fora, já lavada e seca. Ela, só era juntar a roupa, dobrava, fazia trouxa e veio embora. Chegava em casa, a madrinha dizia assim: - Maria, não foi você que lavou esta roupa. Maria! Como é que você já lavou esta roupa bem lavada assim tão ligeiro?! - Foi, minha madrinha, fui eu que lavei. Mas ela, sabendo o que tinha feito, né, ela pensava que realmente podia ter sido a mãe dela que tinha aparecido, mas não sabia que tinha sido transformada num peixe. Aí na outra semana, ela mandou de novo a menina. O peixe tornou a tomar a roupa pra lavar. Na terceira vez, ela mandou a menina dela. Disse: - Você vá pra ver quem é que lava esta roupa de Maria, porque ela não sabe lavar esta roupa assim tão bem lavada. A menina foi atrás dela. Ficou escondida por detrás, dentro do mato. Quando, aí a pouco, Maria chegou na beira do rio – ela já não chorava mais que ela sabia que o peixe vinha tomar a roupa –, ela já chegou e não ficou nem chorando. Daí a pouco, o peixe chegou: - Me dá, Maria, a roupa. Maria entregou a roupa, o sabão, ele engoliu aquela roupa toda. Ela ficou por ali brincando. Quando ele trouxe a roupa, ela foi embora. A menina, a filha da mulher, voltou correndo, chegou em casa, disse: - Minha mãe, é um peixe, mas é uma coisa linda, que toma a roupa de Maria e lava! Aí ela pensou logo: "Isto é a mãe dela". Aí ficou calada. Quando a menina chegou: - Maria, eu já sei quem é que está lavando esta roupa. Eu já sei que não é você quem lava. Agora eu vou pegar este peixe pra mim comer. Aí inventou que tava desejando e aí botou a rede no poço; não sei quantos pescadores, cercou o poço de rede e aí pegaram o peixe. Mas no outro dia que ela foi lavar, o peixe disse à menina:
  • 47. - Ói, a sua madrinha vai mandar me pegar, quando ela souber que sou eu que tou lavando sua roupa; mas você não se incomode, não se importe. Só que você não vai comer de mim nem um pedacinho, de jeito nenhum, nem pra ver se tem sal. Quando terminarem de comer, você cata todas espinha, toda escama, quem vai tratar, com certeza, é você que vai me tratar. Então você não deixa perder nenhuma escama. Depois você embrulha num papelzinho e guarda pra você ir enterrar na porta do reis, em horas que ninguém veja. Assim mesmo ela fez. No outro dia, quando a mulher foi, pegou o peixe, aí chegou em casa: - Maria, trate este peixe. Ela tá sabendo que é a mãe dela, né? Aí pegou o peixe, tratou o peixe, chorando. Ela já tava... essa altura, ela tava crescida. Tratou o peixe todo, quando cabou, aprontou. Aí sentaram, comeram. A madrinha: - Maria, você não quer comer não? Não quer do peixe não? - Não senhora, minha madrinha, não quero não. Aí, quando cabaram de comer, ela catou toda espinha, toda escama, o fato, tudo, juntou num papel e guardou. Quando foi de noite, tarde da noite, sem ninguém ver, ela levantou, saiu, chegou na porta do reis, cavou um buraquinho no chão, enterrou ali e voltou pra casa correndo. Quando foi de manhã, o príncipe acordou com aquele cheiro exalando que entrava por a casa toda. Ele fez: "O que é isso assim, que eu nunca senti este cheiro assim de manhã?" Ele levantou, abriu a janela, tava aquele pé de flor lindo, na porta da frente, no lugar onde ela enterrou! Tava aquele pé de flor com uma rosa em cima. Ele marchou pra tirar aquela rosa, quem disse que ele tirou? A rosa subiu, ficou lá em cima. Aí veio todo mundo, saiu todo mundo de dentro de casa, ninguém tirava a rosa. Ela tava baixa. Aí, com pouco, ela subia, ficava lá em cima. Aí começou a chamar as pessoas da cidade, todo mundo, que ele não tirou nem os de casa. Começou a chamar as pessoas pra vim tirarem aquela rosa. Ele vendo que o negócio estava difícil. então ele já disse que a moça... se fosse moça, que tirasse aquela rosa, ele casaria; e se fosse homem ou uma senhora, que ele dividiria a riqueza, o tesouro. Aí vinha todo mundo da cidade, ninguém conseguia tirar. Quando já tava
  • 48. sem ter mais ninguém pra mandar chamar, ele saiu assim fora, perguntou: - Minha gente, vocês não tem mais ninguém em casa, não tem mais criança, não tem mais pessoa nenhuma, aí? Não tem mais alguém em casa que possa vim pra tirar esta rosa? Aí um dizia: - Eu não tenho. Outro:- Eu não tenho. Aí a mulher disse assim: - Ah, tem uma meninazinha lá - que era Maria, né, a madrinha dela - lá eu tenho uma meninazinha, mas ela não pode vim não, tá muito suja, uma roupa muito suja, não temo que calçar, nem nada. Que dava todo maltrato à bichinha. O príncipe disse: - Traga assim mesmo. - Ah, mas ela tá com a roupinha muito ruim. - Traga assim mesmo. Aí evém Maria, descalça, que não tinha o que calçar, com o vestidinho... Aí, quando Maria chegou, quebrou a rosa e deu ao príncipe. Aí a madrinha ficou... - Mas Maria, podia ter sido você... - com a filha dela que também se chamava Maria - que tivesse tirado! Mas, porque Maria foi tirar?! Aí o príncipe botou Maria dentro de casa, pra acabar de crescer, que tava muito nova, né? - a menina. Quando ela cresceu, ele casou com ela. E a madrinha dela ficou só com a inveja e não arranjou nada porque a riqueza tinha que ser de Maria. Aí cabou. Maria Carmelita de Almeida. Salvador, 17.07.88. Recolhido por: Edil Silva Costa.
  • 49. O ESPELHO MÁGICO O rapaz, órfão de pai e mãe, saiu pelo mundo para ganhar a vida. Ia por um caminho quando viu uma pedra tapando a boca de um formigueiro e as formigas lutando para arredá-la. O moço que tinha bom coração, abaixou-se e tirou a pedra com cuidado para não matar as formigas. Quando acabou, uma formiguinha falou: - Se você se encontrar em dificuldades, diga: Valha-me o Rei das Formigas. O rapaz seguiu sua estrada e adiante encontrou um carneiro com uma pata enganchada num arame. Soltou o bichinho. O carneiro disse: - Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Carneiros! Lá mais longe o rapaz viu um peixe dentro duma poça d'água rasa, quase se acabando. O peixe estava com o lombo de fora, morrendo. O moço tirou-o da poça e sacudiu numa lagoa perto. O peixe mergulhou, foi embaixo, veio em cima, e falou: - Quando você tiver uma dificuldade, diga: Valha-me o Rei dos Peixes. Quase avistando o reinado, o rapaz encontrou um gavião deitado no chão, seco de sede. Levou-o, deu-lhe um banho, deixou ele beber água e soltou. O gavião voou para um galho de pau e disse: - Quando você tiver uma dificuldade, diga: valha-me o Rei dos Pássaros! Chegando no reinado, o rapaz soube que a princesa tinha um espelho mágico que mostrava todas as cousas escondidas. O espelho só tinha forças de meia-noite até o primeiro cantar do galo. Quem se escondesse e a princesa não descobrisse, casava com ela e se ela achasse, perdia o homem a vida. O rapaz foi se oferecer para essa aventura. Na primeira noite, procurou um canto fora do reinado e disse: Valha-me o Rei dos Carneiros! O carneiro apareceu e o rapaz disse o que queria. - Monte nas minhas costas! — O rapaz montou e o carneiro largou-se correndo, de mato adentro, para umas brenhas fechadas onde havia uma gruta. Deitou o rapaz na gruta e encheu os arredores de carneiros, uns por cima dos
  • 50. outros, que ninguém via outra cousa afora carneiro. À meia-noite a moça puxou o espelho e procurou o rapaz, por todos os lados. Tanto virou que deu com a gruta e o espelho mostrou o rapaz deitado no chão, coberto de carneiros. A princesa tomou nota e foi dormir. No outro dia o rapaz se apresentou. - Onde eu estava escondido? - Deitado no chão, dentro de uma gruta, rodeado de carneiros! - Era isso mesmo! O rapaz apelou para o peixe. Foi à beira-mar e chamou: Valha-me o Rei dos Peixes! O peixe riscou na praia. O moço contou sua dificuldade. O Rei dos Peixes mandou um turbarão engolir o rapaz e uma baleia engolir o tubarão e foi para o fundo mar. Na meia-noite, a princesa foi consultar o espelho. Caçou na terra e nos ares e procurou nos mares, com tanto cuidado que descobriu onde o rapaz estava dormindo. Na manhã, o moço apareceu e perguntou: - Onde eu passei a noite? - Dentro de um tubarão, este numa baleia, no fundo do mar! - Era isso mesmo! Dessa vez o rapaz chamou o gavião e contou sua agonia. O gavião levou- o nas costas até em cima das nuvens e lá apareceu outro gavião ainda maior que cobriu o Rei dos Pássaros com suas asas. À meia-noite a princesa procurou o rapaz nas águas e na terra e não achou. Procurou nos ares e não viu. Tanto olhou e olhou que enxergou um pontinho escuro por cima das nuvens. Botou reparo e descobriu tudo. O rapaz, quando veio ao palácio, perguntou: - Onde dormi a noite passada? - Em cima de um gavião, coberto por outro, em cima das nuvens! - Era isso mesmo! Como era o terceiro dia, o rapaz foi condenado à morte mas a princesa ficou com pena dele e pediu ao rei para deixar o moço experimentar uma vez mais. O rapaz ficou contente e foi valer-se do Rei das Formigas. Esse ouviu a
  • 51. conversa toda e disse: - O espelho descobriu você na terra, no mar e nos ares. Mas o espelho não pode ver a própria princesa. Eu vou virar você numa formiga e você suba para cima do vestido dela e esconde-se bem. Dito e feito. O rapaz virou formiga, entrou no palácio, foi ao quarto da princesa e subiu pelo vestido acima, bem devagar para ela não pressentir, e escondeu-se na bainha da camisa. À meia-noite a princesa procurou o rapaz em toda parte, virou e mexeu, e nada de ver onde ele estava dormindo. Passou-se a hora das forças do espelho encantado e ela não viu cousa alguma. Amanheceu o dia e o rapaz voltou a ser gente e veio perguntar onde tinha dormido. - Não sei onde você dormiu! Onde foi? - Não digo enquanto não me casar com você! Fizeram o casamento com muita festa e só depois de casado é que o moço disse onde tinha passado a sua última noite de solteiro. Cícero Salvino de Oliveira. (Alexandria. Rio G. do Norte) Contos Tradicionais do Brasil / Luis da Câmara Cascudo