O documento discute como as danças brasileiras preservam uma inteligência física desenvolvida por nossos antepassados para enfrentar desafios. Embora a tecnologia tenha resolvido muitos problemas, negligenciamos a escuta do corpo, levando a desequilíbrios na saúde e nas relações humanas. As culturas tradicionais oferecem formas de retomar essa escuta do corpo e reconhecer nossos desejos.
1. Danças
Brasileiras:
Um
ensino
fundamental
Artigo
para
Carta
Capital,
por
Rosane
Almeida
(junho,
2013)
Imagine
como
foi
fundamental
nossos
antepassados
terem
conseguido
maneiras
e
conceitos
para
conviver
com
desafios
do
clima,
espaço
físico
e
suas
consequências
como
fome,
frio,
sede.
Lembre-‐se
que
havia
também
as
relações
com
o
outro
que
geravam
outros
tantos
desafios:
atração,
raiva,
inveja...
Havia
também
desafios
individuais.
Imagine
quanta
imaginação
esse
individuo
teve
que
ter
para
entender,
conceituar
e
se
relacionar
com
o
medo.
Lembrando
que
o
medo
é
só
uma
das
muitas
emoções,
que
antes
de
serem
compreendidas
foram
sentidas
fisicamente.
Talvez
por
essa
razão,
as
primeiras
ferramentas
que
o
ser
humano
criou
para
enfrentar
os
seus
desafios,
foram
todas
a
partir
do
corpo.
Um
corpo
que
dialogava
com
a
natureza,
um
corpo
que
dizia
como
conquistar,
despistar,
atacar,
seduzir.
Essa
inteligência
física
foi
cultivada
por
mais
de
2
milhões
de
anos
na
trajetória
da
humanidade.
Conduziu
o
pensamento,
estabeleceu
lógicas,
priorizou
a
coletividade
e
desenvolveu
uma
inteligência
que
estava
a
serviço
do
desenvolvimento
da
espécie
ou
seja,
o
humano
era
a
prioridade,
a
grande
conquista
era
o
desenvolvimento
do
potencial
desse
humano.
Isso
que
hoje
chamamos
de
cultura
popular,
folclore,
festas
ou
manifestações
populares
são
reminiscências
dessas
primeiras
armas
que
o
ser
humano
inventou
para
vencer
os
desafios
de
uma
época,
de
um
lugar,
e
das
novas
relações
humanas
que
se
estabeleciam.
São
padrões
de
comportamentos
que
sobreviveram
até
os
dias
atuais,
dentro
de
contextos
lúdicos.
Em
pleno
século
XXI
não
precisamos
mais
dançar
para
chuva,
localizar
a
caça,
se
esconder
do
predador,
cantar
para
organizar
o
bando.
Construímos
prédios
para
nos
abrigar
da
chuva,
supermercado
para
vender
carne,
hierarquias
para
organizar
sociedades.
A
tecnologia
nos
aproxima,
o
trabalho
nos
dignifica,
a
comunicação
é
em
massa
e
temos
a
maior
indústria
bélica
da
história
da
humanidade.
O
que
ficou
faltando
nessa
trajetória?
Porque
as
cidades
alagam,
a
comida
engorda,
o
trabalho
estressa
e
as
relações
humanas
são
tão
difíceis?
Será
essa
a
nossa
história?
Existe
algo
maior
que
a
criatividade
do
ser
humano?
2. Vamos
lá!
Criação
envolve
escolhas
e
escolhas
são
referências.
Faltou
referência
para
escolher
o
que
criar.
Na
nossa
trajetória
negligenciamos
a
escuta
do
nosso
corpo.
Uma
escuta
preciosa
para
auxiliar
nossas
escolhas.
Não
dá
para
imaginar
nossos
antepassados
sobrevivendo
em
condições
tão
desfavoráveis
ao
desenvolvimento
humano,
sem
uma
escuta
inteligente
do
corpo,
sem
uma
leitura
das
reações,
das
sensações,
sem
um
alto
nível
de
sensibilidade
para
as
soluções
que
nasciam
a
partir
do
físico.
Não
precisamos
de
nenhuma
imaginação
para
constatar
que
a
sociedade
que
organizamos
para
os
dias
atuais
é
resultado
de
um
desequilíbrio
no
uso
das
inteligências
humanas.
Que
esse
desequilíbrio
afeta
principalmente
o
corpo;
ele
adoece,
entristece,
machuca
e
quando
se
vai,
deixa
para
as
gerações
futuras,
novas
doenças,
muitas
inseguranças
e
grandes
frustações.
Cada
nova
geração
herda
um
desafio
maior
para
dar
continuidade
ao
que
os
nossos
antepassados
começaram
com
tanta
sabedoria.
Cada
vez
fica
mais
difícil
responder
as
nossas
primeiras
perguntas.
O
que
é
a
vida?
Quem
eu
sou?
O
que
é
esse
outro?
Como
nós
podemos
existir
no
espaço
que
estamos
vivendo?
As
culturas
tradicionais
nos
deixam
um
legado
de
possibilidades
para
retomarmos
uma
escuta
do
nosso
corpo
e
reconhecer
nos
seus
sinais
nossos
desejos
e
vocações.
Não
vamos
agora,
imaginar
que
basta
dançar
um
Côco
ou
tocar
um
Maracatu,
que
nossos
problemas
estarão
resolvidos.
Mas
com
certeza
ali
nessas
e
outras
tantas
danças
populares,
vão
estar
reminiscências
de
uma
inteligência,
que
a
cultura
da
civilização
negligenciou.
Nossa
época
nos
obriga
a
ouvir
e
compreender
as
verdadeiras
necessidades
do
nosso
corpo
e
isso
é
um
desafio
tão
grande
quanto
superar
a
era
do
gelo,
mas
nossa
época
permite
grandes
transformações.
Professores
e
artistas
tem
um
papel
fundamental
na
Trans-‐Formação.
Arte,
educação,
cultura,
são
conceitos
que
definem
a
busca
do
ser
humano
por
um
conhecimento
voltado
para
apropriação
dele
mesmo,
ou
seja:
O
que
ele
é
e
o
que
pode
fazer.
3. As
armas
que
nossos
antepassados
nos
deixaram
para
conquistarmos
a
nós
mesmos,
nos
chegou
em
feitio
de
brincadeiras.
Brincadeiras
que
adestram
nossa
criatividade
e
que
nos
permitem
existir
na
vida
como
referências
de
possibilidades
de
transformações.
São
brincadeiras
que
nos
exigem
uma
presença
física
e
mental
para
executa-‐las.
Brincadeiras
para
entender
o
espaço
físico,
se
relacionar
criativamente
com
o
outro.
Brincadeiras
que
cobram
uma
repetição
exaustiva
e
assim
nos
preparam
para
o
improviso.
Brincadeiras
que
nos
permitem
acessar
dentro
de
nós
mesmos
outros
seres
que
lá
habitam
com
outras
questões,
respostas,
anseios
e
habilidades.
Brincadeiras
que
sobreviveram
ao
tempo,
essa
entidade
que
dá
o
verdadeiro
significado
ao
que
por
ele
passa.
Cabe
a
cada
ser
humano
comprometido
com
as
transformações,
usar
seu
tempo
para
transformar
o
espaço
em
que
atua.
As
brincadeiras
das
manifestações
populares,
foram
um
dia,
grandes
escolas.
Construíram
regras
e
desafios
que
mobilizam
energia,
educam
(treinam)
nossa
escuta,
nosso
olhar.
Essas
antigas
brincadeiras
podem,
hoje,
ser
uma
ferramenta
preciosa
para
nossa
existência.
O
tempo
nos
prova
que
as
regras
para
o
ser
humano
existir
de
uma
maneira
saudável
no
mundo,
são
ditadas
pela
vida
e
não
pelo
mercado.
Só
o
humano
pode
viver
a
vida
como
uma
grande
e
infinita
Brincadeira.
Dançando
os
princípios
Os
artistas
populares
se
auto
denominam
“brincantes”
e
os
seus
espetáculos
a
sua
brincadeira.
Existem
muitos
padrões
que
se
repetem
nas
brincadeiras
populares.
Alguns
deles
podem
ser
utilizados
nas
aulas
de
maneira
inteligente
e
criativa.
-‐ A
maiorias
das
brincadeiras
nascem
de
um
ritual.
-‐ Todas
as
brincadeiras
tem
espaço
para
improvisação.
-‐ O
corpo
é
um
meio
de
comunicação,
alfabetizado
por
todas
as
linguagens
artísticas
(musica,
dança,
literatura,
artes
plásticas)
-‐ As
brincadeiras
se
organizam
em
duplas,
filas
ou
rodas.
-‐ Existe
sempre
um
compromisso
com
a
beleza.
Ritualizando
a
aula
4. Escolha
um
dia
da
semana
para
preparar
a
aula
como
um
evento
especial.
Faça
da
preparação
desse
evento
a
sua
brincadeira.
Escolha
o
motivo,
se
envolva
e
abuse
da
sua
imaginação.
Improvise
Planeje
tudo
muito
bem,
tente
fazer
desse
dia
o
seu
melhor.
Mas
não
esqueça
de
preservar
um
espaço
para
a
improvisação.
Afinal
é
a
sua
brincadeira,
sua
diversão.
Brincando
de
dançar
Qualquer
que
seja
a
aula,
tente
nesse
dia
usar
brincadeiras
que
utilizem
o
corpo.
Existem
muitas
maneiras
de
brincar
com
o
corpo,
tanto
com
as
danças
populares
como
as
brincadeiras
da
infância.
Esteja
sempre
atento
as
possibilidades
que
o
corpo
oferece.
Brinque
com
o
espaço
Filas,
rodas,
duplas
são
desenhos
básicos
no
espaço.
Brincar
em
cada
uma
dessas
situações
requer
um
olhar
e
uma
atenção
diferente.
São
muitas
as
possibilidades
para
brincar
com
o
corpo,
a
voz
e
o
ritmo
nessas
disposições.
Compromisso
com
a
beleza
Invista
sua
energia
para
que
tudo
seja
bonito.
Existem
muitos
materiais
que
são
utilizados
nas
festas
populares
que
podem
ser
usados
na
aula:
Fitas,
bastões,
tecidos,
arcos,
adereços
como
chapéus,
golas,
máscaras.
Mas
beleza
maior
é
o
entusiasmo
com
que
fazemos
as
coisas.
Lembre
professor,
não
existe
receitas,
isso
significa
que
tudo
é
possível
inclusive
a
harmonia
do
humano
integrado
no
espaço
e
nas
relações
que
ele
cria
com
o
outro.
Fundamental
é
que
o
professor
possa
embelezar
o
espaço
em
que
ele
existe.
Rosane Almeida é atriz, dançarina, educadora e fundadora -
juntamente com Antonio Nóbrega - do Instituto Brincante.