SlideShare a Scribd company logo
1 of 5
Download to read offline
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 
Fernando Pessoa 
O sr. não se bateu pela Pátria. 
O sr. não se bateu pela Pátria. Não se podia bater pela Pátria, porque não 
tem Pátria por que se bater. Não me refiro agora, já, à circunstância de o sr., 
não tendo um conceito português da vida, não poder ser, por isso, considerado 
português. Refiro a outra, e mais grave, circunstância, com a qual o sr. nada 
tem. Refiro-me ao facto de que nenhum de nós tem Pátria. O português é hoje 
um expatriado no seu próprio país. Somos uma nação, não uma pátria; somos 
um agregado humano sem aquela alma colectiva que constitui uma Pátria. 
Somos. . .Sei lá o que nós somos? sabe alguém o que nos somos, salvo o lugar 
por onde um cataclismo vai passar (. . .) 
Com efeito, porque somos nós uma Pátria; antes, quero dizer, porque o 
não somos nós? Sabe o que é uma Pátria? Não espere que eu venha fazer 
lirismos: pergunto, concretamente e en sociologue , o que vem a ser uma Pátria? 
Uma de duas coisas, e nenhuma terceira: um conjunto humano tornando 
consciência de si-próprio como diferente de outros conjuntos. De que modo 
pode esse conjunto humano ter essa especial consciência de si próprio? De uma 
de duas maneiras, e de nenhuma outra maneira. Ou tem essa consciência pela 
continuidade de vida nacional, pela consciência das tradições especiais que 
fazem esse conjunto tal e não tal outro: e esta é a maneira tradicionalista de 
ser uma Pátria: ou tem essa consciência através de ter criado um novo conceito 
de vida, da sociedade, do mundo, que lhe é próprio, que se distingue dos 
outros conceitos de vida, w eltanschaaungen, dos outros países, quer eles os 
tenham — aos deles — por tradição, quer, também por criação recente. Eu 
explico melhor. Quando os filósofos e literatos alemães do fim do séc. XVIII 
e princípios do séc. XIX ergueram aquele monumento artístico e filosófico de 
onde saiu a geração de criadores que causou a Alemanha actual, essa gente 
ergueu, no seio da Alemanha, um novo conceito inteiramente novo das coisas 
— conceito inteiramente novo que, por ter nascido na Alemanha, se mostrou 
Alemão. Na impossibilidade de reatar as tradições germânicas, criaram uma 
Alemanha nova. Ali aí está nos seus resultados, e eu quero crer que o sr., apesar 
de herói e coisas anexas, terá a suficiente lucidez para confessar que é uma coisa 
razoavelmente forte e grande. Isto é o exemplo do conceito antitradicionalista 
1/5 
Obra Aberta · 2011-02-09 05:42
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 
de Pátria. Pessoalmente, adiro a este conceito; julgo inútil e mesquinha a cura 
escrupulosa de seguir as tradições. O Portugal das descobertas não seguiu 
tradição nenhuma: criou-se. 
Repare agora para o momento português actual. Qual das duas coisas lhe 
aparece aí a denunciar-lhe que Portugal é uma Pátria? Quebrámos com todas as 
tradições; até aqui nada há de mau. Resta saber se lhes substituímos qualquer 
coisa nova que seja de criação portuguesa. É assim? Qual é essa coisa? Os 
princípios em que assenta esta coisa a que se chama a República Portuguesa. 
Esses princípios são franceses. São tudo menos nacionais. Que diabo!, não é 
preciso ver muito pela história fora para perceber isso. Mais nos valera uma 
experiência fenomenalmente absurda no campo social ou institucional, mas 
que fosse nossa, que fosse originaria de aqui, que, portanto, tivesse o poder 
patriótico, ou patriotizante, de nos distinguir dos outros países. Mas não há nada 
disto. Não há Portugal: há uma mistura ignóbil de "estrangeiros do interior" 
(como com razão, se bem que de outro ponto de vista, se lhes chamou) a 
governar-nos e a estropiar-nos o resto do que somos. 
Entre outras coisas o sr, deve ter ouvido chamar traidor a Paiva Couceiro. 
Deve também ter ouvido denunciar e conspurcar uma frase, que se atribui aos 
nossos monárquicos, de que "antes Afonso XIII que Afonso Costa". Quero fazer 
— não propriamente a defesa — mas a explicação destas duas coisas — da 
atitude de Couceiro e a da frase atribuída aos monárquicos. As considerações, 
que acabo de exarar, devem dar-lhe a intuição de como essa defesa pode ser 
feita. 
Paiva Couceiro é um espírito ferrenhamente tradicionalista. Podemos não 
concordar—já disse que não concordo—com esse conceito tradicionalista. Mas 
ele é sem dúvida um conceito de nacionalidade. É preferível a conceito nenhum. 
Dentro do tradicionalismo pode haver patriotismo; fora dele, e não havendo a 
criação de novos ideais absolutamente nacionais, não vejo que patriotismo possa 
haver. Paiva Couceiro viu erguer-se uma instituição, a que alguns maduros e 
um grande número de gatunos chamaram "a nossa querida República" — e 
deve ter sentido, senão o pensou lucidamente — que essa instituição vinha 
arrancar tudo quanto restava — e não era muito — das tradições nacionais, 
sem lhes substituir absolutamente nada que mostrasse que era uma república 
portuguesa. Couceiro viu, ou deve ter sentido, que tal República, ou que quer 
que fosse, representava, nessas condições um atentado contra a Pátria. Era um 
factor de dissolução nacional. Não agia senão destrutivamente sobre quanto se 
2/5
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 
pudesse considerar como energizador das almas portuguesas, ermo congrega-dor 
das almas portuguesas numa única lusitana. Por isso o tradicionalista Paiva 
Couceiro sentiu a necessidade de conspirar. Ele foi sempre um grande soldado 
e um grande patriota; continuou sendo o mesmo soldado e o mesmo patriota. 
A sua superioridade moral sobre os estrangeiros da nossa República é incomen-surável. 
No seu tradicionalismo exaltado, ele é, apesar de tudo, um português. 
Eles não são nada, nada, nada. Estrangeiros, e estrangeiros estúpidos; que nem 
sequer vieram trazer à administração pública aquela honestidade cuja ausência 
na monarquia lhes serviu de trampolim para as campanhas oposicionistas. A 
monarquia portuguesa, é certo, era um regime de ladrões e incompetentes. Mas 
era um regime que estava cá há oito séculos, que, pelo menos exteriormente. 
estava identificado se não com a nacionalidade, pelo menos com a existência 
ostensiva da nacionalidade. Substituí-lo por um regime que, além de não ser 
nacional de modo nenhum, continuava as mesmas tradições (estas sim!) de ga-tunagem 
e de incompetência., agravando, se talvez não a gatunagem, por certo 
que a incompetência — eis uma coisa para que não valia a pena ter derramado 
sangue, perturbado a vida portuguesa, criado maior soma de desprezos por 
nós do que os que já havia no estrangeiro. 
Não concordo, talvez, nem com uma única das ideias que formam a base 
do conceito português da vida que Couceiro tem. Mas reconheço nele um 
português. Como português, não posso deixar de, por isso, simpatizar com ele. 
Nem por sombras me ocorre que possa haver comparação entre a sua atitude 
— se bem que, para mim, errónea — e a estrangeirada atitude a que estes 
bandalhos da República chamam "patriotismo". 
Quanto à frase, ou expressão de desejo, que "antes Afonso XIII do que 
Afonso Costa", se a acho (seja ela de quem for) absurda e abjecta, confesso que a 
compreendo, que compreendo que se houvesse emitido. Aqui como no caso de 
Couceiro — os conceitos, que expus, acerca do que constitui uma Pátria devem 
auxiliá-lo a compreender também. O domínio espanhol significaria uma grande 
desgraça, uma grande vergonha, e um grande desastre nacional. Era a perda da 
nossa independência — não é assim? — o arrazamento da nossa Pátria? Mas 
que diabo é isto em que vivemos? Vivemos como portugueses? Como vivemos, 
se não somos governados por homens orientados portuguesmente? como, se 
são estrangeiras as ideias que nos "orientam"? como? se de independência 
nacional temos apenas o nome e o espectro da coisa? Para que serve uma 
independência nacional, se não é para se viver nacionalmente? Que diabo de 
3/5
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 
independência nacional tem um desgraçado país que é internacionalmente 
um feudo da Inglaterra, que é nacionalmente um feudo do anti-português 
Afonso Costa? Se a perda declarada da nossa independência seria (e sê-lo-ia) 
uma desgraça e uma vergonha, em que é (salvo na absoluta evidência exterior) 
menos vergonha e menos desgraça a triste situação em que estamos? Um 
Portugal onde internacionalmente só se pode ser inglês; onde nacionalmente só 
se pode ser francês (pois que francesas sejam as ideias republicanas que nos 
"governam") — um Portugal onde, portanto, tudo se pode ser ("tudo" é um 
modo de falar) menos português, que espécie de "Portugal independente" é 
que é? Que independência há nisto? Triste gente que se contenta com a triste 
aparência das coisas, e não vê um palmo adiante das sensações quotidianas, 
para dentro da sua alma súbdita e oprimida! 
Há mais ainda. Estas ideias estrangeiras que hoje formam a fórmula pseu-dogovernativa 
da nossa sociedade, são, além de estrangeiras, revolucionárias; 
isto é, trazem consigo um duplo poder de desintegração social. Dificilmente se 
concebe um mais desgraçado estado nacional. 
É este o estado do país a que o sr., coberto de certa glória, regressa. São 
estes os homens a que o sr. vem dar o apoio da sua voz. Está contente? Sente-se 
português? Para que lhe pergunto eu isto? Estas perguntas, afinal, têm mais 
que uma colocação retórica no discurso? 
A estes inimigos internos da sua Pátria vem o sr. trazer o auxílio do algum 
prestígio que alcançou. Nesse caso vá mais longe. O sr. será um herói, mas é 
também um mau patriota e um mau português. Será um soldado valente, mas 
é também um parvo. 
Afinal para que lhe estou eu dizendo isto? Para que serve dizer isto, explicá- 
-lo, raciociná-lo, quando sem dúvida toda essa chinfrineira de celebridade feita 
em seu torno não obedece senão a qualquer plano do partido democrático? 
Porque, no fundo disto tudo, a única realidade é o Costa. Sim, aqui, na realidade 
real, não há o sr., nem o seu heroísmo, nem Naulila, nem alemães, nem coisa 
nenhuma. Há o Costa e o seu partido. E se lhe tenho chamado — ao sr. — 
parvo e estúpido durante o decurso desta carta, compreende bem que é porque, 
supondo-o um homem de coração e um patriota, o considero apenas como 
inconscientemente servindo interesses políticos que, no fundo, são da mais es-cura 
espécie, e, no melhor, não são mais que interesses eleitorais e governativos. 
Limito-me ao conceito fácil de que o sr. é estúpido, porque não posso admitir 
4/5
Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 
que um homem que se bateu heroicamente, que cumpriu o seu dever nas linhas 
de fogo, que se viu frente a frente com as realidades fundamentais da vida — 
a morte, a guerra e a Pátria — venha, de consciência lúcida e caso pensado, 
servir os interesses baixos e reles dum partido de arruaceiros e de gatunos. 
Não creio que o sr. tivesse pensado bem que a sua voz ia ser uma espécie de 
defesa de Ambaca, das bínubas, das minas da Panasqueira., (. . .) — de todo 
esse rosário ateu de escândalos e de traições que constitui os serviços que o 
partido democrático tem prestado. . . à Espanha. 
Espanhóis do interior — é o que são esses homens em cujo proveito se 
ergueu um momento da sua voz. Traidores por temperamento e quotidiano 
gesto — eis do que não passam os indivíduos de forma humana que a sua 
glória vem servir e o seu nome prestigiar. Bem precisados de prestígio — na 
verdade — estão eles! Mas não há ninguém que lhes possa dar prestígio. Se 
eles conseguissem erguer do túmulo Nuno Álvares, o Infante D. Henrique e 
Afonso de Albuquerque, e os conseguissem inscrever no Centro da Rua Ivens, 
o que resultaria era um grande desprestígio para esses vultos da nossa história. 
Moralmente já nada salva aquela caranguejola de patifes. Oxalá, moral ou 
fisicamente, haja alguma coisa que salve isto! 
Enfim. . . Enfim. . . 
Mas não é verdade que é duro chegar-se a este ponto? Não é verdade que 
dói e envergonha um português ver que a este ponto se chega? 
Naulilas, cativeiros, regresso, vivas, heroísmos, promoções. . . E no fundo 
disto tudo não haver outra realidade senão uma manobra eleitoral do partido 
democrático! 
s. d. 
Da República (1910 — 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e 
Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979: 87. 
«Carta a um herói estúpido» 
5/5

More Related Content

What's hot

Salazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma música
Salazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma músicaSalazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma música
Salazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma músicaJosé Mesquita
 
Ultimatum futurista - almada negreiros
Ultimatum futurista -  almada negreirosUltimatum futurista -  almada negreiros
Ultimatum futurista - almada negreirosAfonso Pereira
 
A Imprensa Republicana do Algarve
A Imprensa Republicana do AlgarveA Imprensa Republicana do Algarve
A Imprensa Republicana do AlgarveJosé Mesquita
 
Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»
Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»
Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»J. C. Vilhena Mesquita
 

What's hot (6)

Salazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma música
Salazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma músicaSalazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma música
Salazar e Duarte Pacheco não ouviam a mesma música
 
Ultimatum futurista - almada negreiros
Ultimatum futurista -  almada negreirosUltimatum futurista -  almada negreiros
Ultimatum futurista - almada negreiros
 
Prova 07
Prova 07Prova 07
Prova 07
 
A ditadura militar
A ditadura militarA ditadura militar
A ditadura militar
 
A Imprensa Republicana do Algarve
A Imprensa Republicana do AlgarveA Imprensa Republicana do Algarve
A Imprensa Republicana do Algarve
 
Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»
Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»
Manuel de Arriaga e o «Movimento das Espadas»
 

Viewers also liked

Taxi Call Center Whitepaper (rus)
Taxi Call Center Whitepaper (rus)Taxi Call Center Whitepaper (rus)
Taxi Call Center Whitepaper (rus)Michael Bochkaryov
 
Jak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social media
Jak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social mediaJak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social media
Jak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social mediaPaweł Tomczuk
 
Agenda Setting
Agenda SettingAgenda Setting
Agenda Settingakilasatu
 
TRH 9400 - TRH 9400 F_ITA
TRH 9400 - TRH 9400 F_ITATRH 9400 - TRH 9400 F_ITA
TRH 9400 - TRH 9400 F_ITAantoniocarraro
 
Ny lov, ny politikk? av Dag Terje Andersen
Ny lov, ny politikk? av Dag Terje AndersenNy lov, ny politikk? av Dag Terje Andersen
Ny lov, ny politikk? av Dag Terje AndersenUDI
 
النملة والإدارة
النملة والإدارةالنملة والإدارة
النملة والإدارةumnawar
 
Bachillerato UGM
Bachillerato UGMBachillerato UGM
Bachillerato UGMguestd28af4
 
Javascrip Presentacion
Javascrip PresentacionJavascrip Presentacion
Javascrip Presentacionguestb6f87
 
Teerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en service
Teerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en serviceTeerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en service
Teerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en serviceMarije Teerling
 
Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?
Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?
Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?Marije Teerling
 
Gebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergroten
Gebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergrotenGebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergroten
Gebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergrotenBas Bakker
 

Viewers also liked (13)

Taxi Call Center Whitepaper (rus)
Taxi Call Center Whitepaper (rus)Taxi Call Center Whitepaper (rus)
Taxi Call Center Whitepaper (rus)
 
Presentación1
Presentación1Presentación1
Presentación1
 
Jak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social media
Jak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social mediaJak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social media
Jak instytutucje finansowe mogą budować markę centrum widzy w social media
 
Agenda Setting
Agenda SettingAgenda Setting
Agenda Setting
 
TRH 9400 - TRH 9400 F_ITA
TRH 9400 - TRH 9400 F_ITATRH 9400 - TRH 9400 F_ITA
TRH 9400 - TRH 9400 F_ITA
 
Computacion
ComputacionComputacion
Computacion
 
Ny lov, ny politikk? av Dag Terje Andersen
Ny lov, ny politikk? av Dag Terje AndersenNy lov, ny politikk? av Dag Terje Andersen
Ny lov, ny politikk? av Dag Terje Andersen
 
النملة والإدارة
النملة والإدارةالنملة والإدارة
النملة والإدارة
 
Bachillerato UGM
Bachillerato UGMBachillerato UGM
Bachillerato UGM
 
Javascrip Presentacion
Javascrip PresentacionJavascrip Presentacion
Javascrip Presentacion
 
Teerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en service
Teerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en serviceTeerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en service
Teerling: Het digitale kanaal als brug tussen efficiency en service
 
Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?
Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?
Government Multichannel Marketing: How to seduce citizens to the web channels?
 
Gebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergroten
Gebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergrotenGebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergroten
Gebruikers en organisatie kennen om online rendement te vergroten
 

Similar to Arquivopessoa 3010 O sr. não tem Pátria

Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)
Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)
Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)João Camacho
 
26 07-2014 a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana
26 07-2014  a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana26 07-2014  a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana
26 07-2014 a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semanaUmberto Neves
 
A culpa é um elemento de identificação intransmissível
A culpa é um elemento de identificação intransmissívelA culpa é um elemento de identificação intransmissível
A culpa é um elemento de identificação intransmissívelNovas da Guiné Bissau
 
A década perdida
A década perdidaA década perdida
A década perdidaBeba Gatosa
 
Carta a Salazar, por D. António Ferreira Gomes
Carta a Salazar, por D. António Ferreira GomesCarta a Salazar, por D. António Ferreira Gomes
Carta a Salazar, por D. António Ferreira GomesFada Luna
 
Exilados em casa os veteranos da gc
Exilados em casa os veteranos da gcExilados em casa os veteranos da gc
Exilados em casa os veteranos da gcbart3881
 
A rebelião das massas jose ortega y gasset livro
A rebelião das massas         jose ortega y gasset  livroA rebelião das massas         jose ortega y gasset  livro
A rebelião das massas jose ortega y gasset livroMarcos Silvabh
 
Boletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade BrasileiraBoletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade BrasileiraRodrigo Silveira
 
Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)
Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)
Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)João Camacho
 

Similar to Arquivopessoa 3010 O sr. não tem Pátria (20)

Mensagem & Os Lusíadas
Mensagem & Os LusíadasMensagem & Os Lusíadas
Mensagem & Os Lusíadas
 
Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)
Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)
Um olhar sobre Abril (André Santos, 12º A)
 
26 07-2014 a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana
26 07-2014  a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana26 07-2014  a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana
26 07-2014 a 02-08-2014 resumo enciclopédia da semana
 
4 pi cap1
4 pi cap14 pi cap1
4 pi cap1
 
A culpa é um elemento de identificação intransmissível
A culpa é um elemento de identificação intransmissívelA culpa é um elemento de identificação intransmissível
A culpa é um elemento de identificação intransmissível
 
Fluzz pilulas 51
Fluzz pilulas 51Fluzz pilulas 51
Fluzz pilulas 51
 
Antropologia - Racismo
Antropologia - RacismoAntropologia - Racismo
Antropologia - Racismo
 
A década perdida
A década perdidaA década perdida
A década perdida
 
Mais Manuel Alegre
Mais Manuel AlegreMais Manuel Alegre
Mais Manuel Alegre
 
Carta a Salazar, por D. António Ferreira Gomes
Carta a Salazar, por D. António Ferreira GomesCarta a Salazar, por D. António Ferreira Gomes
Carta a Salazar, por D. António Ferreira Gomes
 
Steiner
SteinerSteiner
Steiner
 
Rebeliaodasmassas
RebeliaodasmassasRebeliaodasmassas
Rebeliaodasmassas
 
Exilados em casa os veteranos da gc
Exilados em casa os veteranos da gcExilados em casa os veteranos da gc
Exilados em casa os veteranos da gc
 
Eugenio racismo
Eugenio racismoEugenio racismo
Eugenio racismo
 
Raça e história
Raça e históriaRaça e história
Raça e história
 
A rebeliao-das-massas
A rebeliao-das-massasA rebeliao-das-massas
A rebeliao-das-massas
 
A rebelião das massas jose ortega y gasset livro
A rebelião das massas         jose ortega y gasset  livroA rebelião das massas         jose ortega y gasset  livro
A rebelião das massas jose ortega y gasset livro
 
Protesto1911
Protesto1911Protesto1911
Protesto1911
 
Boletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade BrasileiraBoletim - Diversidade Brasileira
Boletim - Diversidade Brasileira
 
Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)
Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)
Um olhar sobre Abril (Josué Rogério, 12º A)
 

More from Januário Esteves (20)

O essencial sobre bernardim ribeiro
O essencial sobre bernardim ribeiroO essencial sobre bernardim ribeiro
O essencial sobre bernardim ribeiro
 
I1 a07alcroeweylferna
I1 a07alcroeweylfernaI1 a07alcroeweylferna
I1 a07alcroeweylferna
 
As quadrasdopovo n05
As quadrasdopovo n05As quadrasdopovo n05
As quadrasdopovo n05
 
Presença e ausenciua do divino
Presença e ausenciua do divinoPresença e ausenciua do divino
Presença e ausenciua do divino
 
1223290786 u1mkk3no2zu36nc6
1223290786 u1mkk3no2zu36nc61223290786 u1mkk3no2zu36nc6
1223290786 u1mkk3no2zu36nc6
 
433598
433598433598
433598
 
248255 334309-1-pb
248255 334309-1-pb248255 334309-1-pb
248255 334309-1-pb
 
10430
1043010430
10430
 
7756
77567756
7756
 
6177
61776177
6177
 
I1 a07alcroeweylferna
I1 a07alcroeweylfernaI1 a07alcroeweylferna
I1 a07alcroeweylferna
 
Na esteira da liberdade
Na esteira da liberdadeNa esteira da liberdade
Na esteira da liberdade
 
Urbe 4768
Urbe 4768Urbe 4768
Urbe 4768
 
Tzara d1
Tzara d1Tzara d1
Tzara d1
 
Binary overview
Binary overviewBinary overview
Binary overview
 
Binary numbers-7-12-2011
Binary numbers-7-12-2011Binary numbers-7-12-2011
Binary numbers-7-12-2011
 
Appendix
AppendixAppendix
Appendix
 
Kpasaesivolii
KpasaesivoliiKpasaesivolii
Kpasaesivolii
 
V30n4a07
V30n4a07V30n4a07
V30n4a07
 
Vol iii n1_213-228
Vol iii n1_213-228Vol iii n1_213-228
Vol iii n1_213-228
 

Arquivopessoa 3010 O sr. não tem Pátria

  • 1. Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 Fernando Pessoa O sr. não se bateu pela Pátria. O sr. não se bateu pela Pátria. Não se podia bater pela Pátria, porque não tem Pátria por que se bater. Não me refiro agora, já, à circunstância de o sr., não tendo um conceito português da vida, não poder ser, por isso, considerado português. Refiro a outra, e mais grave, circunstância, com a qual o sr. nada tem. Refiro-me ao facto de que nenhum de nós tem Pátria. O português é hoje um expatriado no seu próprio país. Somos uma nação, não uma pátria; somos um agregado humano sem aquela alma colectiva que constitui uma Pátria. Somos. . .Sei lá o que nós somos? sabe alguém o que nos somos, salvo o lugar por onde um cataclismo vai passar (. . .) Com efeito, porque somos nós uma Pátria; antes, quero dizer, porque o não somos nós? Sabe o que é uma Pátria? Não espere que eu venha fazer lirismos: pergunto, concretamente e en sociologue , o que vem a ser uma Pátria? Uma de duas coisas, e nenhuma terceira: um conjunto humano tornando consciência de si-próprio como diferente de outros conjuntos. De que modo pode esse conjunto humano ter essa especial consciência de si próprio? De uma de duas maneiras, e de nenhuma outra maneira. Ou tem essa consciência pela continuidade de vida nacional, pela consciência das tradições especiais que fazem esse conjunto tal e não tal outro: e esta é a maneira tradicionalista de ser uma Pátria: ou tem essa consciência através de ter criado um novo conceito de vida, da sociedade, do mundo, que lhe é próprio, que se distingue dos outros conceitos de vida, w eltanschaaungen, dos outros países, quer eles os tenham — aos deles — por tradição, quer, também por criação recente. Eu explico melhor. Quando os filósofos e literatos alemães do fim do séc. XVIII e princípios do séc. XIX ergueram aquele monumento artístico e filosófico de onde saiu a geração de criadores que causou a Alemanha actual, essa gente ergueu, no seio da Alemanha, um novo conceito inteiramente novo das coisas — conceito inteiramente novo que, por ter nascido na Alemanha, se mostrou Alemão. Na impossibilidade de reatar as tradições germânicas, criaram uma Alemanha nova. Ali aí está nos seus resultados, e eu quero crer que o sr., apesar de herói e coisas anexas, terá a suficiente lucidez para confessar que é uma coisa razoavelmente forte e grande. Isto é o exemplo do conceito antitradicionalista 1/5 Obra Aberta · 2011-02-09 05:42
  • 2. Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 de Pátria. Pessoalmente, adiro a este conceito; julgo inútil e mesquinha a cura escrupulosa de seguir as tradições. O Portugal das descobertas não seguiu tradição nenhuma: criou-se. Repare agora para o momento português actual. Qual das duas coisas lhe aparece aí a denunciar-lhe que Portugal é uma Pátria? Quebrámos com todas as tradições; até aqui nada há de mau. Resta saber se lhes substituímos qualquer coisa nova que seja de criação portuguesa. É assim? Qual é essa coisa? Os princípios em que assenta esta coisa a que se chama a República Portuguesa. Esses princípios são franceses. São tudo menos nacionais. Que diabo!, não é preciso ver muito pela história fora para perceber isso. Mais nos valera uma experiência fenomenalmente absurda no campo social ou institucional, mas que fosse nossa, que fosse originaria de aqui, que, portanto, tivesse o poder patriótico, ou patriotizante, de nos distinguir dos outros países. Mas não há nada disto. Não há Portugal: há uma mistura ignóbil de "estrangeiros do interior" (como com razão, se bem que de outro ponto de vista, se lhes chamou) a governar-nos e a estropiar-nos o resto do que somos. Entre outras coisas o sr, deve ter ouvido chamar traidor a Paiva Couceiro. Deve também ter ouvido denunciar e conspurcar uma frase, que se atribui aos nossos monárquicos, de que "antes Afonso XIII que Afonso Costa". Quero fazer — não propriamente a defesa — mas a explicação destas duas coisas — da atitude de Couceiro e a da frase atribuída aos monárquicos. As considerações, que acabo de exarar, devem dar-lhe a intuição de como essa defesa pode ser feita. Paiva Couceiro é um espírito ferrenhamente tradicionalista. Podemos não concordar—já disse que não concordo—com esse conceito tradicionalista. Mas ele é sem dúvida um conceito de nacionalidade. É preferível a conceito nenhum. Dentro do tradicionalismo pode haver patriotismo; fora dele, e não havendo a criação de novos ideais absolutamente nacionais, não vejo que patriotismo possa haver. Paiva Couceiro viu erguer-se uma instituição, a que alguns maduros e um grande número de gatunos chamaram "a nossa querida República" — e deve ter sentido, senão o pensou lucidamente — que essa instituição vinha arrancar tudo quanto restava — e não era muito — das tradições nacionais, sem lhes substituir absolutamente nada que mostrasse que era uma república portuguesa. Couceiro viu, ou deve ter sentido, que tal República, ou que quer que fosse, representava, nessas condições um atentado contra a Pátria. Era um factor de dissolução nacional. Não agia senão destrutivamente sobre quanto se 2/5
  • 3. Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 pudesse considerar como energizador das almas portuguesas, ermo congrega-dor das almas portuguesas numa única lusitana. Por isso o tradicionalista Paiva Couceiro sentiu a necessidade de conspirar. Ele foi sempre um grande soldado e um grande patriota; continuou sendo o mesmo soldado e o mesmo patriota. A sua superioridade moral sobre os estrangeiros da nossa República é incomen-surável. No seu tradicionalismo exaltado, ele é, apesar de tudo, um português. Eles não são nada, nada, nada. Estrangeiros, e estrangeiros estúpidos; que nem sequer vieram trazer à administração pública aquela honestidade cuja ausência na monarquia lhes serviu de trampolim para as campanhas oposicionistas. A monarquia portuguesa, é certo, era um regime de ladrões e incompetentes. Mas era um regime que estava cá há oito séculos, que, pelo menos exteriormente. estava identificado se não com a nacionalidade, pelo menos com a existência ostensiva da nacionalidade. Substituí-lo por um regime que, além de não ser nacional de modo nenhum, continuava as mesmas tradições (estas sim!) de ga-tunagem e de incompetência., agravando, se talvez não a gatunagem, por certo que a incompetência — eis uma coisa para que não valia a pena ter derramado sangue, perturbado a vida portuguesa, criado maior soma de desprezos por nós do que os que já havia no estrangeiro. Não concordo, talvez, nem com uma única das ideias que formam a base do conceito português da vida que Couceiro tem. Mas reconheço nele um português. Como português, não posso deixar de, por isso, simpatizar com ele. Nem por sombras me ocorre que possa haver comparação entre a sua atitude — se bem que, para mim, errónea — e a estrangeirada atitude a que estes bandalhos da República chamam "patriotismo". Quanto à frase, ou expressão de desejo, que "antes Afonso XIII do que Afonso Costa", se a acho (seja ela de quem for) absurda e abjecta, confesso que a compreendo, que compreendo que se houvesse emitido. Aqui como no caso de Couceiro — os conceitos, que expus, acerca do que constitui uma Pátria devem auxiliá-lo a compreender também. O domínio espanhol significaria uma grande desgraça, uma grande vergonha, e um grande desastre nacional. Era a perda da nossa independência — não é assim? — o arrazamento da nossa Pátria? Mas que diabo é isto em que vivemos? Vivemos como portugueses? Como vivemos, se não somos governados por homens orientados portuguesmente? como, se são estrangeiras as ideias que nos "orientam"? como? se de independência nacional temos apenas o nome e o espectro da coisa? Para que serve uma independência nacional, se não é para se viver nacionalmente? Que diabo de 3/5
  • 4. Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 independência nacional tem um desgraçado país que é internacionalmente um feudo da Inglaterra, que é nacionalmente um feudo do anti-português Afonso Costa? Se a perda declarada da nossa independência seria (e sê-lo-ia) uma desgraça e uma vergonha, em que é (salvo na absoluta evidência exterior) menos vergonha e menos desgraça a triste situação em que estamos? Um Portugal onde internacionalmente só se pode ser inglês; onde nacionalmente só se pode ser francês (pois que francesas sejam as ideias republicanas que nos "governam") — um Portugal onde, portanto, tudo se pode ser ("tudo" é um modo de falar) menos português, que espécie de "Portugal independente" é que é? Que independência há nisto? Triste gente que se contenta com a triste aparência das coisas, e não vê um palmo adiante das sensações quotidianas, para dentro da sua alma súbdita e oprimida! Há mais ainda. Estas ideias estrangeiras que hoje formam a fórmula pseu-dogovernativa da nossa sociedade, são, além de estrangeiras, revolucionárias; isto é, trazem consigo um duplo poder de desintegração social. Dificilmente se concebe um mais desgraçado estado nacional. É este o estado do país a que o sr., coberto de certa glória, regressa. São estes os homens a que o sr. vem dar o apoio da sua voz. Está contente? Sente-se português? Para que lhe pergunto eu isto? Estas perguntas, afinal, têm mais que uma colocação retórica no discurso? A estes inimigos internos da sua Pátria vem o sr. trazer o auxílio do algum prestígio que alcançou. Nesse caso vá mais longe. O sr. será um herói, mas é também um mau patriota e um mau português. Será um soldado valente, mas é também um parvo. Afinal para que lhe estou eu dizendo isto? Para que serve dizer isto, explicá- -lo, raciociná-lo, quando sem dúvida toda essa chinfrineira de celebridade feita em seu torno não obedece senão a qualquer plano do partido democrático? Porque, no fundo disto tudo, a única realidade é o Costa. Sim, aqui, na realidade real, não há o sr., nem o seu heroísmo, nem Naulila, nem alemães, nem coisa nenhuma. Há o Costa e o seu partido. E se lhe tenho chamado — ao sr. — parvo e estúpido durante o decurso desta carta, compreende bem que é porque, supondo-o um homem de coração e um patriota, o considero apenas como inconscientemente servindo interesses políticos que, no fundo, são da mais es-cura espécie, e, no melhor, não são mais que interesses eleitorais e governativos. Limito-me ao conceito fácil de que o sr. é estúpido, porque não posso admitir 4/5
  • 5. Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/3010 que um homem que se bateu heroicamente, que cumpriu o seu dever nas linhas de fogo, que se viu frente a frente com as realidades fundamentais da vida — a morte, a guerra e a Pátria — venha, de consciência lúcida e caso pensado, servir os interesses baixos e reles dum partido de arruaceiros e de gatunos. Não creio que o sr. tivesse pensado bem que a sua voz ia ser uma espécie de defesa de Ambaca, das bínubas, das minas da Panasqueira., (. . .) — de todo esse rosário ateu de escândalos e de traições que constitui os serviços que o partido democrático tem prestado. . . à Espanha. Espanhóis do interior — é o que são esses homens em cujo proveito se ergueu um momento da sua voz. Traidores por temperamento e quotidiano gesto — eis do que não passam os indivíduos de forma humana que a sua glória vem servir e o seu nome prestigiar. Bem precisados de prestígio — na verdade — estão eles! Mas não há ninguém que lhes possa dar prestígio. Se eles conseguissem erguer do túmulo Nuno Álvares, o Infante D. Henrique e Afonso de Albuquerque, e os conseguissem inscrever no Centro da Rua Ivens, o que resultaria era um grande desprestígio para esses vultos da nossa história. Moralmente já nada salva aquela caranguejola de patifes. Oxalá, moral ou fisicamente, haja alguma coisa que salve isto! Enfim. . . Enfim. . . Mas não é verdade que é duro chegar-se a este ponto? Não é verdade que dói e envergonha um português ver que a este ponto se chega? Naulilas, cativeiros, regresso, vivas, heroísmos, promoções. . . E no fundo disto tudo não haver outra realidade senão uma manobra eleitoral do partido democrático! s. d. Da República (1910 — 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979: 87. «Carta a um herói estúpido» 5/5