REVISTA DO 44º SEMINÁRIO DA ESCOLA DE PAIS DO BRASIL - SECCIONAL DE BELO HORI...
A própria criança nos ensina a lidar com ela
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Viver com crianças
autora: Leonore Bertalot
Revisão: Ana Potério
Diagramação: Silvana Montevani
Ilustrações Revista Chão & Gente: Luciana Betti
Introdução: Ana Cecília de Barros v. Osterroht
Todos os direitos desta edição reservados ao:
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ÍNDICE
Introdução 5
A própria criança nos ensina a lidar com ela 9
A criança, ao falar, exercita o pensamento 14
A fantasia infantil prepara o pensar do adulto 16
Crianças e Borboletas 20
A Borboleta 20
Castigo e Elogio 26
Crianças Agressivas 31
Onde há crianças, há movimento que dá vida 35
As forças da vida atuam na infância 40
Educar para a vida 44
A humanidade precisa de confiança 48
Bibliografia 52
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INTRODUÇÃO
Para todos aqueles que trabalham ou convivem com crianças é
uma grande alegria ter em mãos estes artigos, anteriormente
publicados na revista Chão e Gente, agora reunidos em um
livro. Leonore Bertalot aborda neles diversos assuntos
relativos à infância a partir de uma profunda sensibilidade e
um vivo conhecimento das fases evolutivas da criança, frutos
de mais de trinta anos de experiência em educação infantil e
formação de professores na pedagogia Waldorf. O leitor
sensibilizado com a situação atual da infância e em busca de
novos caminhos na área da educação, encontrará ideias e
inspiração para o trabalho com crianças, seja no âmbito da
família ou da escola.
O ser humano vem ao mundo com um infinito potencial de
desenvolvimento, necessitando por isso de um período longo
de maturação e proteção, que caracterizam o período da
infância.
Paul MacLean, autoridade no estudo dos hemisférios cerebrais,
após 50 anos de pesquisas concluiu que são três as
necessidades básicas, maravilhosas na sua simplicidade, para o
saudável desenvolvimento do cérebro de todos os mamíferos:
comunicação, nutrição (nurture em inglês, que se relaciona a
cuidar física e afetivamente de outro ser) e o brincar. O ser
humano, cada vez mais emancipado dos processos da natureza
e imerso em tecnologias, vêm privando as crianças
progressivamente dessas
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vivências essenciais para o seu desenvolvimento físico,
psíquico e espiritual.
No caso da comunicação, os freqüentes distúrbios de
linguagem que vêm se manifestando nas crianças já antes da
idade escolar relacionam-se ao fato dos adultos dedicarem
pouco tempo para o diálogo com elas (segundo pesquisas os
pais conversam uma média de 12 minutos por dia com seus
filhos!). Ao longo da história da humanidade dois momentos
sempre foram cultivados, satisfazendo essa necessidade básica
do desenvolvimento infantil: o diálogo ao redor da mesa nas
refeições e o contar histórias. A presença massiva da televisão
nos lares substituindo o diálogo familiar e o fato de muitas
crianças passarem comprovadamente mais tempo diante da tela
do que na escola, acarretam um empobrecimento trágico da
linguagem, cabendo lembrar que esta é a base para o
desenvolvimento do pensar. Como conseqüência, os profes-
sores estão se confrontando com severas dificuldades de
raciocínio e de pensamento analítico e criativo por parte de
crianças e jovens habituados a receberem estímulos auditivos e
visuais simultaneamente, tornando-se assim incapazes de
criarem imagens internas e de associarem conceitos através de
uma atividade própria.
Quanto à segunda necessidade das crianças, de serem nu-
tridas, acalentadas e cuidadas com afeto, a natureza pro-
gramou para este fim um período de amamentação com a
mesma duração da gestação. Esta prática já chegou a ser
abandonada em grande parte, mas nos últimos anos, no
Brasil, vem sendo retomada graças aos esforços e campanhas
de inúmeras iniciativas do terceiro setor.
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Rudolf Steiner, criador da Pedagogia Waldorf, já afirmara há
80 anos, por ocasião de um curso para médicos, que ‚a hu-
manidade começaria a perecer no dia em que acreditasse haver
criado um alimento superior ao leite materno‛. O que na época
parecia improvável e distante, tornou-se rotina, quando
massivas e milionárias campanhas publicitárias levaram as
pessoas a crer, com o suporte da televisão, que os bebês teriam
vantagens ao serem alimentados com leite de vaca em pó,
acrescido de vitaminas artificiais, sendo privados
desnecessariamente do contato afetuoso, da riqueza de
estímulos táteis, da segurança e do calor materno que eles
estavam destinados a receber através da amamentação.
A infância vem sendo atacada por todos os lados e a terceira
necessidade primordial da criança apontada por MacLean, o
brincar, é talvez das três a mais prejudicada: nos pátios na
hora do recreio os professores estão às voltas com duas
atitudes extremas por parte das crianças: apatia total ou
agressividade desmedida. Aonde foram parar as cantigas de
roda, as brincadeiras e jogos universais e atemporais, como
amarelinha, cobra-cega, corre-cotia, pião, bolinhas de gude, o
pedaço de pau que vira cavalinho, o trapo que vira boneca, as
brincadeiras de faz- de-conta, etc? O que estamos fazendo com
as crianças, privando-as de tempo para brincar e sonhar?
...Que fim levou a infância ??
Os rumos que a humanidade vai tomar no futuro para
solucionar os seus problemas dependem dos esforços que
empreendermos hoje para compreender e proteger
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a infância. Consciente deste fato, Leonore Bertalot convida-
nos a parar e pensar com carinho no futuro das crianças que
estão sob os nossos cuidados e também na criança que quer
permanecer viva dentro de cada um de nós - valiosa aliada na
tarefa de todo educador.
Ana Cecília de Barros V. Osterroht
Professora Waldorf, co-fundadora da Aliança pela Infância no Brasil
9. 9
A PRÓPRIA CRIANÇA NOS ENSINA
A LIDAR COM ELA
Com o correr dos anos, a criança cresce e sua relação com
os pais e com o mundo ao redor se transforma e passa por
várias etapas bem determinadas. Conhecendo-as,
aprendemos a atender às suas necessidades.
Conduzida por uma grande sabedoria, a criança no primeiro ano
de vida já faz grandes conquistas quando se senta, engatinha e
tenta se levantar, assumindo a posição ereta. Sabemos que ela
deve fazer estas conquistas na hora em que seu organismo estiver
pronto, e sem a interferência do adulto.
Assim como o nenê engatinha e depois se ergue para andar com
suas próprias pernas, a alma também assume uma nova relação
com o meio ambiente. As perninhas não se cansam de levar o
corpinho de lá para cá e de cá para lá.
E as mãozinhas? A criança,
nesta etapa, logo
descobre um segredo
escondido na liberdade
de movimento dos
braços. As pernas
assumem a tarefa de
carregar o ser humano
por toda a vida. Elas
estão a seu serviço,
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levando-o pelos caminhos que ele quer traçar. São os fiéis
servos do homem.
Já as mãos, liberadas da tarefa de locomoção, podem servi-lo
das mais variadas maneiras. Aquelas coisas que a mãe fazia
para alimentá-la, vesti-la, penteá-la, etc, a criança agora
começa a aprender a fazer por si mesma. Porém, antes ainda,
ela descobre como carregar objetos de um lado para o outro,
e assim comunicar-se com as pessoas e o espaço ambiental.
Ela adora levar talheres, pratinhos e copos da cozinha para a
sala, da sala para a cozinha, levar o jornal ou o chinelo para
o pai, subir a escada carregando o sapatão do vovô e descê-
la novamente com ele, porque o vovô não precisou dele,
etc...
E tudo isso ela faz com a maior seriedade e concentração.
Não deixa cair a xícara e a coloca sobre o pires certo. Ela
não se cansa. A mãe talvez ‚se canse‛ de inventar tantos
serviços para satisfazer o entusiasmo de servir, de ajudar, de
ouvir o ‚obrigado, querida‛, de solicitar nossa atenção e
apreciação. É como se a criança dissesse: - Eu estou tão feliz
de descobrir que o ser humano é, feito para trabalhar para os
outros, cada um ajudando o outro!
Nesse impulso espontâneo da criança de mover-se, existe
uma grande sabedoria. Os pais não devem limitá- la, não
devem ‚cansar-se‛ de oferecer-lhe todas as oportunidades
sensatas para desenvolver suas habilidades motoras. Pois,
quanto mais a criança usar e praticar o movimento,
especialmente das mãozinhas, tanto melhor poderá
desenvolver a próxima etapa, que é a
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fala, o instrumento básico para a comunicação com os
outros.
Tendo conquistado a liberdade de se movimentar no espaço,
a criança vai descobrindo o espaço humano, a comunicação.
De balbuciante se torna tagarela. Sem cansar, ela cantarola
sons, fonemas, palavras e versinhos. Pouco a pouco, vai
conseguindo elaborar frases e repetir parlendas e estorinhas
em rimas e ritmos. Estes versinhos folclóricos, quem não os
aprendeu da mãe ou da avó, hoje deve procurá-los nas
bibliotecas.
Exemplos:
(Olhando os dedinhos):
Mindinho, seu vizinho, pai de todos, fura-bolo, mata piolho.
(Brincando com sons):
Pompo nêta, pêta pêta, petá peruge; pompo nêta, pêta pêta,
petá petrim.
(Estória rimada):
Senhora Sant’Ana passou por aqui, com seu cavalinho
comendo capim. Deram-lhe pão, disse que não; deram- lhe
vinho, disse que sim.
O instinto materno popular criou estes versinhos e estas
brincadeiras lingüísticas para ajudar o filho a se entrosar,
como que sonhando, através de rimas e ritmos, com a
maravilhosa faculdade humana que é a linguagem.
O aprendizado da fala ocorre com a mesma naturalidade que
o crescimento, o processo digestivo e o eterno
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movimento das perninhas, apenas com uma diferença: Para
aprender a falar, é necessário que as pessoas ao redor da
criança conversem, cantem, recitem muito com ela. É
imitando os sons, as palavras e frases da língua, que se forma
o aparelho da fala.
O andar é um movimento rítmico, repetido. Da mesma forma,
o falar se produz por uma eterna repetição dos fonemas e
frases ouvidos. Não é bom para a criança quando nós
imitamos a sua linguagem infantil. Devemos articular
corretamente os fonemas para que ela aprenda, imitando-nos.
E devemos lembrar o que toda mãe experimenta: o canto
acalma a criança. Quando ela está nervosa, cansada, não fale
com ela, cante; diga-lhe cantando a mensagem ou estorinha,
assim: -Lá, lá, lá, lá, o coelhinho volta já, para a toca da Tatá,
etc.
A seqüência se repete: Mamãe - Papai - Tatá - Tatá - quer -
nanar - papar - Tatá - dodói, e assim por diante, até chegar ao
eu quero - não quero, e, depois, ao Mãe, eu quero ir com
Sérgio!
A palavra eu, como foi usada na última frase, mostra uma
primeira experiência importante de autoconsciência, que
ocorre por volta do terceiro aniversário. É precedida e
acompanhada por uma fase de ‚birra‛, de aparente agressão
contra o meio ambiente.
A criança, nesta fase, costuma enfrentar-nos com palavras
como burro, bobo, feio, sai! sai daí!, etc., e mostra a língua
como resposta às pessoas que querem se aproximar dela.
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Também aí se expressa a sabedoria da natureza humana. Para
perceber o outro como alguém diferente dela mesma, ela
precisa da experiência da oposição.
- Eu quero ir com Sérgio.- Enquanto dizia: - Tatá quer-, ela se
sentia parte de um todo de seres e coisas com nomes: mãe, pai,
mesa, água, etc. Já agora: -Eu quero ir com ... - expressa a
experiência de um ser único, diferente. -Eu com Sérgio. -Eu
com alguém. - Eu!
Esta palavrinha ela não aprende a usar neste sentido por
imitação; surge de dentro dela, quando ocorre uma primeira
sensação de distanciamento entre o mundo interior da própria
alma e o mundo exterior.
A fase de oposição dá lugar a outra de muito carinho e
abertura para todos. É só ter paciência e alegrar-se com cada
sinal de progresso no desenvolvimento.
Com muita alegria e animação, a criança dança, corre e pula
com suas perninhas que, à medida em que ela pratica, se
tornam fortes, ágeis e seguras. Assim também, ao falar e
cantar, ela dança, corre e pula com suas cordas vocais, seus
músculos bucais, sua língua e seus lábios. Realmente, quem
dança é a alma da criança. As perninhas e o aparelho fonador
são apenas os instrumentos a seu serviço.
Na continuação, veremos como o pensamento também se
forma cantando, correndo e dançando, na medida em que a
linguagem dá estrutura à imaginação e à fantasia.
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A criança, ao falar, exercita o
pensamento
Para usar a fala como instrumento
de comunicação e expressão do
pensamento, o homem passa por
um longo processo, que se realiza
durante a infância e que continua
durante a adolescência e a juventude.
Esta capacidade maravilhosa será
formada, de maneira mais ou menos
elaborada, conforme as oportunidades
oferecidas pelo meio ambiente, mas sempre
terá o cunho característico de cada pessoa.
Cada ser humano representa em si um grande mistério. Da
primeira à última respiração ele possui um corpo vivo e uma
alma, por assim dizer, colorida, que, ora se esconde como por
trás de um véu, ora se expressa de mil maneiras diferentes.
Assim, o jeito de andar, de pisar no chão, de mexer os dedinhos,
o tom da voz e a forma de articular as palavras, tudo isso revela
a pessoa que, desse modo, torna transparente o véu que a
esconde.
A nossa linguagem não é algo mecânico, uniforme ou estável.
Um formidável artista parece estar brincando, ao inspirar as falas
e as diversas línguas e sotaques regionais, e ele se manifesta nas
crianças que brincam com as palavras e inventam outras tantas
expressões e se divertem por horas repetindo variações de uma
mesma palavra. Isto ocorre como um primeiro acordar do
pensamento, ainda de forma balbuciante.
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Pulando, cantando e falando sem refletir, a criança exercita o
pensar, da mesma forma que antes, ao movimentar os
membros, exercitava o aparelho da fala.
Eis alguns exemplos:
Em janeiro, mês de chuvas, a família passeia com as botas
novas. As duas filhas repetem, encantadas, dezenas de vezes,
a frase: - Papai tem botona, mamãe tem bota, as meninas têm
botinha.
Bota, botona, botinha - um mundo de tamanhos e sensações
diferentes. Vivenciei um exemplo de criatividade de
expressão quando a menina de três a quatro anos, vendo o
‚fusquinha‛ do avô coberto por um grande embrulho,
exclamou: - Mãe, o vovô chegou com um encimão!
Tudo, o embrulho e o carro, fica reunido nesta palavra
sugestiva, despertada pela fantasia e pela vontade de
comunicar a emoção que teve, ao ver o carro, tão esperado,
chegar bastante crescido.
Com o despertar da consciência, novas formas linguísticas
são assimiladas e usadas instintivamente. Expressões
especiais são percebidas, saboreadas e até transformadas.
Eis um exemplo: a mãe está cozinhando e as meninas: - Mamãe
está na coza. Noutro dia: - A gala botou um ovo. E, ainda: -
Vamos visitar a madra.
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A mãe me disse: - As meninas têm um jeito tão esquisi-
to de falar, dizem coza, gala, madra, e depois acrescen-
tam zinho a toda palavra que lhes ocorra.
Seria desejável que um pouco desta habilidade criativa se
conservasse e não morresse com o despertar da razão,
do intelecto. Os poetas desenvolvem este instinto e o
transformam em arte.
A fantasia infantil prepara o
pensar do adulto
A espontaneidade, a abnegação
descomprometida em relação a
tudo o que faz, a tudo que vem ao
seu encontro, a pureza na
expressão de satisfação e de
desgosto, a inocência com que
enfrenta tudo, são qualidades
que dão à criança pequena uma auréola paradisíaca, angelical.
Dizemos: ela é pura, sincera, não consegue enganar. Por quê?
E por que ela perde tudo isso e se torna envergonhada,
sorrateira, fechada, cética? A infinita confiança com que se
entrega ao nosso cuidado se transforma em desconfiança, em
crítica.
É só observar o desvendar da personalidade autoconsciente,
para compreender alguns dos mistérios da natureza humana.
A naturalidade, a sinceridade de expressão, a espontaneidade
17. 17
da criança vão diminuindo à medida em que crescem a
reflexão, o raciocínio, o intelecto. A criança se torna cada vez
mais consciente de si mesma e da diferença entre ela e os
outros.
Ela vai formando o seu próprio mundo interior e este,
crescendo, se torna a base de sua expressão pelo mundo afora.
Se antes ela reagia e se expressava respondendo aos
estímulos, agora, chegando à puberdade, ela valoriza os
estímulos e os impulsos que surgem do seu próprio ser.
Porém, esta inversão ocorre gradualmente e o processo cria
insegurança, o sentimento da vergonha, pois no íntimo todos
temos o ideal da nossa origem pura e perfeita, única.
O desenvolvimento da capacidade de julgar racionalmente
diminui a espontaneidade de expressão. Com o acordar do
intelecto, surgem a dúvida, o questionamento, o espírito
crítico, que bloqueiam os impulsos inatos.
Tudo isso é um processo necessário na transformação da
criança em adulto, que pensa e julga seus atos e integra-se
com autoconsciência na comunidade humana. Como pensará e
julgará, no futuro, a criança que hoje vemos brincando com
tanta intensidade com apenas um toquinho de galho, ou
cantarolando enquanto toma um banho de lama na beira da
lagoa ou, ainda, palidazinha, chupando o dedo quieta no seu
cantinho, porque não pode se sujar?
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Podemos ver que há uma coerência na seqüência, que
começa quando o nenê se ergue e começa a andar e, a partir
da liberdade adquirida na locomoção, desenvolve a fala e, a
partir desta, o pensar.
Até os cinco ou seis anos, o pensar e o agir são uma coisa só.
A criança vai transformando com as mãos objetos maleáveis
como o barro, a cera, a areia, pedaços de pano e depois diz em
que eles se transformaram; quanto aos objetos não maleáveis,
ela transforma com a imaginação rica em fantasia: o toquinho
é um nenê que dorme, que chora, que precisa ser embalado,
depois é um cavalinho, um cachorro ou carrinho e ainda pode
ser a mamadeira para um nenê.
Este pensar com as mãos, com o coração, com a imaginação, é
fruto da fantasia, uma força que modela, plasma, forma e
transforma, cria e inventa. É como força sábia que plasma e
forma os órgãos do nosso corpo. Quanto mais a fantasia é
estimulada, tanto mais criativa se tornará. A fantasia e a
imaginação representam o esteio do pensar do adulto, assim
como a alimentação sadia fundamenta a saúde futura.
Refletir, opinar, explicar racionalmente, tudo isso per-
tence ao adulto. Para sermos entendidos pela criança,
devemos agir, fazer, dar exemplo, mostrar, e não explicar.
Brinquedos simples despertam a fantasia, ao passo que os
complicados e que fazem tudo por ela a coíbem. Sermões com
longas considerações nos afastam do mundo dela, ao passo
que histórias, imagens, exemplos práticos são assimilados
pela alma infantil. Gente que faz, pessoas atuantes, estimulam
o interesse e a imaginação da criança.
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Pessoas que só conversam e não atuam são chatas. Assim, o
jardineiro que cuida das plantas e limpa os canteiros é uma
pessoa bem mais interessante e compreensível do que o papai
escondido atrás do jornal. Este, a criança cutuca, perturba ou
evita. O pai se torna presente quando a convida para ajudar a
consertar o portão ou lavar o carro.
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CRIANÇAS E
BORBOLETAS
No último capítulo,
mencionamos que o pai ativo,
arrumando, consertando o
necessário, desperta o interesse
do filho pequeno, e não aquele
pai que vive descansando,
lendo o jornal.
Porém, a mãe ou o pai que saiba contar histórias, estará
alimentando a alma da criança de uma forma toda especial.
O prazer da criança ouvindo histórias com imagens ricas pode
ser comparado ao que sente o nenê quando se alimenta do
leite materno.
Como estamos na época em que a cristandade comemora a
morte e ressurreição do Senhor, quero oferecer aos pais uma
história que fala deste grande mistério, mas em forma de
imagem que a criança pode entender. A história é do autor
suíço Jakob Streit e a tradução é minha.
A Borboleta
‚ Havia uma vez uma borboleta que voava com asas cansadas
sobre um prado. Uma fria garoa pingava do céu, molhando-lhe
a veste colorida. Sentiu suas asas pesadas e pousou entre as
folhas da grama. O pó de suas asas tinha sido levado pela
água. Por mais de uma vez ela tentou levantar vôo, mas sem
sucesso.
21. 21
Mais tarde , foi até uma plantinha de folhas largas e, debaixo
de uma delas, depositou alguns ovinhos branquinhos, bem
pequenininhos. Como as asas fracas já não a carregavam, ela
as dobrou e ficou quieta, sonhando com flores c com raios de
sol. Veio a chuva e a borboleta morreu com o vento frio do
anoitecer.
Os ovinhos que foram colocados no coração quente da Mãe
Terra foram bem cuidados. De dia, o sol lhes enviava seu
calor e, à noite, o calor da terra os envolvia. A folha larga os
protegia da chuva. A luz da vida da velha borboleta havia se
apagado; porém, em cada ovinho que ela havia botado,
brilhava uma faísca de vida. Depois de alguns dias, algo
começou a se mexer dentro da pele delicada e um raio de sol
que brincava com a folha, percebendo a nova vida nos
ovinhos, chamou: -Venha para fora, venha para fora! - O
ovinho se mexeu, a pele rasgou e saiu uma pequena lagarta,
amarelinha, de pele sedosa e com umas pintinhas escuras.
Arrastou-se até uma folha verde, que se tornou seu jardim,
sua mesa, sua casa. Ela gostou de beliscar as bordas da folha
e, quando esta já estava esburacada, o raio de sol lhe cantou:
- Continue a ir pelo verde mundo.- E, assim, a lagartinha foi
rastejando de planta em planta e, depois de umas semanas, já
era uma lagarta grande, com pelinhos nas costas.
O verão estava chegando ao fim e o vento do outono trouxe
dias frescos. Então, o raio de sol disse para a lagarta: -
Procure um lugar quieto, um quartinho para descansar. Entre
pedras e folhas, vagarosa, a lagarta desceu para se entregar à
Mãe Terra. A escuridão a assustou e ela
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cochichou: - Mãe Terra, acolhei-me! O sol mandou-me
abandonar o mundo verde. - E, do fundo, surgiu a voz
consoladora da Mãe Terra: - Não fique triste por haver
perdido o mundo verde, minha filha, o raio de sol lhe deu um
bom conselho. Fique comigo, tire essa veste encolhida e
velha. Durma, querida, as minhas fadas querem tecer lindos
sonhos para você.
Quando a lagarta abandonou sua veste, teve uma sensação
estranha. Sua pele endureceu. Ela se sentiu presa, tinha medo
de morrer asfixiada e queria chamar por socorro. Mas já tinha
caído num sono profundo como a morte. A sua pele se tornou
um caixão duro, lenhoso. Enquanto passava o inverno e no
céu da noite choviam estrelas cadentes, aconteceu um milagre
no casulo da lagarta. Com mãos misteriosas, as fadas teceram
uma veste celestial no túmulo escuro. Teceram o brilho das
estrelas e as cores escuras do arco-íris nos delicados fios da
roupa nova. Com a primavera, a terra esquentou e nos campos
o sol abriu as flores para a luz. O casulo na terra se abriu. Do
túmulo da lagarta acordou uma borboleta.
Com passo leve, saiu entre as pedras em direção à luz que
cantava: - Venha conosco, venha conosco! - Era o canto das
flores. Elas estavam pedindo ao sol: - Oh, sol, como
gostaríamos de voar também e criar um jardim
celestial entre os seus raios! -
Disse, então, o raio de sol: -
Eu devo viajar por mares e
terra. Esperem um pouco e
virá até vocês o meu pássaro,
que lhes contará sobre as
estrelas e o arco-íris.
23. 23
Neste momento, a borboleta se levantou da pedra para o ar,
voou até as flores e se tornou a sua mais querida irmã.‛
Com esta história, temos um exemplo de como um conteúdo
profundo, o da Morte e Ressurreição de Cristo, comemoradas
na época da Páscoa , pode alimentar a alma da criança na
linguagem de uma fábula, de uma história como a da
borboleta, em que seres da natureza se comunicam na
linguagem que as crianças entendem. E não existe exemplo
mais bonito da transformação da vida do que o processo da
lagarta de se encolher, adormecer, morrer, para ressurgir como
um sonho colorido, como um mensageiro voador do Sol e das
cores do arco-íris.
Não é fantástica a imagem das borboletas que se desprendem
do casulo seco, abrem suas belas asas, delicadamente
trabalhadas, e, numa dança louca de cores, envolvem o mundo
das flores, que parecem ser suas irmãs, porém presas pelas
raízes no solo da terra?
Esta mesma imagem serve também para expressar o que
acontece com o espírito humano, com a personalidade. Presa
num corpo que precisa alimentar-se - a ‚lagarta‛ - e que se
envolve e encobre de tudo que a forma - o ‚casulo‛ - ela deve
escolher as cores e preparar as asas neste mundo escuro da
matéria, da civilização agitada, insegura, competitiva, para um
vôo colorido ao encontro do que floresce como espírito em
cada época da História.
24. 24
Como na formação do casulo e no preparo da borboleta atuam
as sábias forças cósmicas, estas também estão atuantes nas
fases evolutivas do ser humano em formação. E como todo o
meio ambiente natural da planta - terra, água, ar, calor e luz -
deve oferecer-lhe as condições adequadas para que floresça e
dê frutos, assim o meio ambiente humano, a educação, deve
oferecer as condições para que a ‚borboleta- pessoa‛ tenha a
chance de fazer com que suas asas coloridas brilhem.
Como já vimos anteriormente, a criança traz consigo muitas
cores, fantasia, imaginação, espontaneidade, uma alegria que
canta e dança e uma confiança imensurável no mundo e em
nós.
À medida que cresce, ela perde confiança, cria medos,
vergonha, insegurança. Começa a mentir, a fugir das
responsabilidades, se enche de ‚guloseimas‛, ‚pega‛ objetos
que não lhe pertencem, agride e nega tudo o que poderia
diminuir a nossa estima, a imagem que temos dela. Isola-se
dos outros ou, ao contrário, desgasta-se no contato e na farra
com colegas e ‚turmas‛.
Como devemos agir?
Existem crises evolutivas passageiras em que aparecem tais
sintomas. É bom conhecê-las, e também os temperamentos e
as outras características individuais de cada filho, aluno, para
compreendê-los melhor.
Em todos os casos devemos refletir bastante sobre a causa
desses comportamentos, que, quando se tornam hábitos, são
devidos, na maior parte, ao meio ambiente inadequado.
25. 25
Educadores muito autoritários, duros e sem humor, que, sem
investigar as causas castigam a criança por uma aparente
mentira, por ter desobedecido ou quebrado um objeto, etc.,
aumentarão a insegurança, o medo do castigo, a vergonha por
não ser ‚perfeita‛ aos olhos dos outros. Ela se sentirá culpada,
ferida lá no fundo da sua alma, e se acostumará a esconder
esta dor e sua má consciência com todo tipo de
comportamento afetivo ou negativo.
Por outro lado, um meio ambiente inseguro, desestruturado e
que não sabe colocar limites e referências claras, e que
exagera em mimos e proteção, causa melindres, revoltas,
fraquezas e contestações, que poderiam ser evitados ou
curados.
Devemos descobrir as dores, as lesões que existem no íntimo
da alma, e encontrar as medidas e os remédios.
E, concluindo: iniciar ou reforçar a nossa auto-educação e
limpar as nossas asas coloridas!
26. 26
CASTIGO E ELOGIO
A palavra castigo exige reflexão. Não gosto de usá-la quando
se trata de educar crianças. O homem é um ser que aprende
com os seus erros, com as experiências e as consequências
que os seus atos acarretam.
A criança cresce imitando, espelhando as experiências, as
habilidades, os hábitos do seu meio. Ela realiza as suas
experiências próprias: o fogo queima, a chama é quente,
certos objetos quebram ao cair, outros cortam; a terra, o suco
de frutas, chocolate, etc., mancham, sujam a roupa; os galhos
finos das árvores quebram; existem coisas ‚proibidas‛,
provocando que os grandes gritem, se assustem, ou façam
longos discursos, ou batam na criança que as toca, ou as
come, ou as investiga etc.
A tarefa dos adultos é a de proteger o corpo e a alma da
criança nos casos de grandes perigos e, no restante, guiar,
acompanhar o menor nas experiências que a vida lhe oferece.
A criança pequena não erra, não atua por maldade.
27. 27
Errar só pode quem sabe, mau só é quem conhece e sabe
julgar entre o bem c o mal. Não se trata, por isso, de castigar
a criança, mas, sim, de ajudá-la a formar impulsos bons a
partir de cada experiência.
Quebrou o vidro da janela? Ou a xícara preciosa da avó? O
barulho, os cacos espalhados, a cara consternada ou triste dos
grandes assustam a criança, fazem-na sentir com muita
evidência a conseqüência do seu ato, premeditado ou não.
Algumas recebem um grande choque e se este é aumentado
por exclamações ou agressões físicas (que só são um desabafo
da nossa emoção), a experiência é traumatizante e, não,
pedagógica.
A criança ‚roubou‛ e ‚mentiu‛. Para que serve um castigo,
tapas, ou fechar no quarto, ou mesmo sermões insinuando que
a criança pode ser rejeitada, marginalizada, até presa por tais
atos? O ato deve ser analisado e julgado, nunca a criança.
Pegar coisas e dizer ‚não fui eu‛ não é ato de roubo e mentira
na criança até 9-10 anos, nem defeito caracterológico do pré-
adolescente, mas imaturidade ou conseqüência de atitudes
incorretas do meio.
O comportamento difícil da criança é um alerta para adultos
em seu meio, especialmente para os pais e educadores. Falta
de respeito, agressividade, sensibilidade exagerada podem ser
sinais de carências várias: falta de amor, de interesse e de
atenção às suas necessidades, atitudes rígidas demais ou
negligência dos que devem dar o exemplo.
28. 28
Em vez de ‚castigar‛, prefiro usar a palavra recuperar ou
consertar. Devemos ‚ensinar‛ como consertar estragos físicos
ou psíquicos que causamos aos colegas, aos pais, à natureza
etc.
O bom exemplo é um ato de educar bem mais eficiente que
qualquer castigo.
Ser repreendido por uma pessoa que amamos muito, é
doloroso, constrangedor. Nós nos sentimos envergonhados,
achamos que somos ruins, que não merecemos conviver com
as pessoas que respeitamos.
Por outro lado, quando a pessoa amada nos elogia, a sensação
é de felicidade profunda, sentimos um calor que nos permeia
e um impulso de querer crescer e ficar sempre melhor.
Quem não conhece tais sentimentos? Dos dois podemos
aprender algo para a vida.
O ser humano aprende e cresce como pessoa através das
experiências que realiza. Uma reação de ira, como desabafo
do adulto em resposta a um ato insensato do filho, não
deixa de ser uma experiência esclarecedora sobre causa e
efeito dos nossos atos, mas o efeito que produz na alma da
criança não é o de fomentar a autoconfiança e a confiança
no adulto, é o de fazê-la sentir-se tolhida, repelida.
Quando o ato da criança exige uma correção, esta será tanto
melhor se, ao corrigir, também se criem nela os impulsos
necessários para crescer e melhorar.
29. 29
Quando a correção precisa seguir logo o ato incorreto, respire
dez vezes para poder agir com calma. Quando nossa reação
não pode ou não precisa ser imediata, é bom preparar a
conversa que iremos ter, talvez só à noite ou no dia seguinte,
ou ainda no fim de semana. Estudar, então, junto com a
criança, como pode ser consertado ou reposto o que foi
estragado; isto ajuda a querer crescer. Com crianças menores
não serve muito conversar sobre o valor ou o perigo do que
elas fizeram. Melhor é contar-lhes uma história em que alguém
repara ou vence a fraqueza que causou o problema. Então a
criança se identifica com o herói da história que saiu vitorioso
e passa a querer ser como ele.
É verdade que às vezes um tapa é melhor do que nenhuma
reação do pai, na hora em que o ato da criança exige uma
reprovação. Porém, a agressão física, no melhor dos casos, é
apenas uma muleta, uma substituição, por não nos ocorrer nada
melhor. É nosso dever de adulto realizar um trabalho em nós
mesmos, que nos possibilite aplicar correções mais
construtivas.
E o elogio deve ser autêntico, deve ser merecido, senão tem o
efeito contrário, só alimenta uma falsa auto- estima. Também a
forma como elogiamos deve ter um efeito na alma da criança,
que lhe infunda o desejo de crescer e melhorar sempre.
A criança cresce ao nosso lado. Se ela percebe que nós também
crescemos em acertos e autodomínio e que a
30. 30
ajudamos a consertar e corrigir o que ainda não foi certo,
isto a encoraja a querer melhorar. Assim se cria um clima
de confiança adequada para que sua alma possa
desabrochar em toda a sua plenitude.
31. 31
Crianças
Agressivas
Crianças inseguras são tímidas e
preferem esconder-se a enfrentar
um desafio ou qualquer situação
desconhecida. Já aquelas
chamadas ‚agressivas‛ reagem
nervosas a todo obstáculo que se
opõe a seus impulsos fortes e
descontrolados.
Essas crianças são ‚auto-ativas‛, conscientes de si próprias,
orgulhosas e facilmente irritadas. A sua aparente segurança e
autoconfiança pode esconder uma carência, seja de calor de
ninho, de ritmos na alimentação ou no dormir e acordar, e
ainda de limites que proporcionem segurança e sirvam como
pontos de referência. Assim como a mãe é, geralmente, o
primeiro ponto em que a criança pequena se apoia e confia,
assim os hábitos do dia-a-dia, as refeições que se seguem
num ritmo regular, a higiene e os encontros familiares
representam para ela indicadores, fatos amigos que sempre
retornam. O organismo infantil se acostuma a esses ritmos
que transmitem uma sensação de confiança e calma à alma
sensível do pequeno ser que precisa orientar-se na vida dos
seres humanos aqui na Terra.
Um ambiente agitado e barulhento, o que é bastante comum
em nossas cidades, causa irritabilidade e agitação.
32. 32
O sistema nervoso da criança ainda está muito delicado, está
em período de formação. No caso da criança hipersensível, é
natural que ela se torne irrequieta e irritadiça, pois não sabe se
defender contra tantas impressões.
Também é bom lembrar que o organismo da criança é como um
espelho, é como um olho que reproduz o que vê. Gestos e
palavras agressivas penetram fundo no organismo e formam o
caráter, os hábitos.
O que podemos fazer?
Envolver essas crianças com muito carinho. Lembrar que ainda
não estão em condição de dominar seus impulsos e instintos;
que não é o seu verdadeiro ser que agride; que nestes casos a
agressão é uma forma de chamar a atenção, um pedido de
socorro. O nosso amor, a nossa oração em seu favor, a nossa
paciência para com os ataques devem criar em nós a calma
necessária para lidar com elas. Se a agressão delas é reflexo do
meio ambiente, pelo menos em boa parte, então, a calma
carinhosa do educador também poderá refletir-se no
comportamento dos educandos. A nossa confiança neles
transmite segurança e ajuda a fazer aflorar em seu íntimo
sentimentos afetivos para com o meio ambiente.
E, só resta tentar aplicar o que é óbvio. Cuidar do ritmo no dia-
a-dia, colocar os limites possíveis e necessários. Tentar evitar
os ataques, inventando alguma distração, como, por exemplo,
sugerir: - Vamos fazer um tapetinho para a mesa do telefone?
Preciso que você me ajude a descascar as batatas. Vamos
chupar uma laranja. Vamos ver se o gatinho do vizinho já deu
cria, etc.
33. 33
Não há tempo para tais atividades? E o tempo que se perde
durante o ataque, e depois, para juntar os cacos?
Em nosso programa diário é importante incluir momentos de
dedicação exclusiva aos nossos filhos. Pode ser na hora de
deitar, com uma história, por exemplo. Mas também é muito
bom quando, durante o dia, uma criança tem toda nossa
atenção e recebe elogios porque está lavando a louça ou
aprontando a mesa. Com isto, ela adquire habilidades sociais,
e a nossa atenção não reforça o egocentrismo que já costuma
ser bastante expressivo nas crianças agressivas.
Sempre é bom verificar se a criança está sendo alimentada de
forma adequada. Em todo caso, devem ser evitados exageros
com doces, feijão, ovos, etc. Na revista Chão & Gente,
publicada pelo Instituto Elo, saíram vários artigos bem
instrutivos sobre o assunto.
À criança agressiva é imatura socialmente; ela é vítima da
insegurança e confusão proporcionadas pela nossa civilização
e merece que o meio ambiente a ajude a se encontrar
corretamente na comunidade humana. O que a família não
pode dar, deve vir do interesse altruísta de outros. Por isso a
escola tem uma tarefa toda especial, colaborando com a
educação em geral.
34. 34
A televisão não substitui a carência de atenção e carinho. Ela
só aumenta os problemas da criança, debilitando ainda mais a
autodefesa, e, muitas cenas, nos programas, têm a característica
de explorar, por exemplo, o instinto da agressividade.
Uma avó que goste de contar histórias folclóricas, contos de
fada, pode oferecer o melhor remédio para qualquer criança,
carente ou não. Vale tanto como o leite materno, amamenta a
alma. E uma dica: quanto mais vezes recontar a mesma estória,
maior será o efeito tranqüilizador para a agitação e a
hiperatividade desgastante.
A propósito, recomendamos esse procedimento para a vovó
Edwiges, que pediu orientação sobre o tema aqui tratado: o
netinho dela talvez gostasse de ouvir muitas, muitas e mais
vezes a história dos- três porquinhos, que construíram cada um
uma casinha para si. Um usou um
monte de palha,
outros gravetos e
galhos, e o último a
ter sua casa pronta,
feita de pedras,
viveu feliz e tranqüi-
lo, porque o vento
não a destruiu e o
lobo não invadiu o
seu lar aconchegante
e bem protegido. O fim
da história poderia ser que
esse porquinho fosse convidar seus coleguinhas menos
afortunados a morar com ele, ou algo assim.
35. 35
ONDE HÁ CRIANÇA, HÁ
MOVIMENTO QUE DÁ VIDA.
A atividade principal do Homem é
crescer, transformar, construir.
A criança vem de um reino vivo,
onde não há morte. Ela é energia
vital; transmite vida pela força da
fantasia.
Bom dia !...
As crianças do maternal, de 2 a 3 anos, estão no ‚play-
ground‛: tudo é movimento, é trabalho sério, executado na
maior concentração.
Dão-se ares de quem sabe o que está fazendo. Agora reina
silêncio, e logo dois ou três tagarelam sem preocupação se há
ou não ouvintes.
O adulto perplexo pára, olha, observa esta atividade
compenetrada, isolada, vê este, aquele outro, o conjunto.
Neste momento não há briga por objetos.
Algumas crianças estão brincando na quadra de areia. Uma
delas passa a pazinha a afundar na areia, para levantá-la e,
com muito cuidado, esvaziá-la vagarosamente, de maneira
que cada grãozinho brilhe no sol suave da manhã de inverno.
Ela não percebe os outros que cavam e enchem baldes ou
simplesmente batem
36. 36
com as mãozinhas para aplainar e alisar irregularidades do
amontoado arenoso. É a calma em movimento.
Da sala chega mais alguém. Vem correndo, pára um pouco e
olha ao redor, com ar de quem procura uma situação propícia;
fala algumas palavras, vira e volta em direção à sala. Levanta
e, cônscio da importância do que viu, corre mais rápido para
informar a ‚Tia‛
- Tem bichinho morto na grama!
Vários coleguinhas , ao ouvirem esta notícia, correm para ver
e pegar o besouro preto, que já não se move, está morto.
Uma ‚maiorzinha‛ da classe do ‚jardim‛ declara:
- Devemos fazer um enterro.
Começa uma atividade determinada pela ocorrência. O
menino da pazinha é assaltado pelos colegas:
- Dá a pá para fazer o enterro !
O buraco é cavado, o besouro é envolto numa folhina e logo é
coberto pela terra. Muitas mãozinhas ajudam. O assunto é
resolvido, estão satisfeitos. Um pequeno curioso pergunta:
- Por que estava morto esse bicho?
- Porque já não sabia mais mexer as pernas e nem as asas.
Daí, morreu e pronto! - é a resposta lacônica da menina
37. 37
‚grande‛, que propôs o enterro.
Numa das salas ficaram três crianças muito preocupadas com a
boneca Marisa, que está com dor de barriga e muita febre. Ela
vomitou e está chorando muito, porque o médico deu uma
injeção.
Marisa é uma boneca de pano, um pouco gasta, tem dois
pontinhos no rosto indicando olhos e um traço horizontal
curtinho como boca.
A mãe dela disse de repente:
-Marisa já sarou, está rindo, quer comer.
O pauzinho que já foi seringa, agora é colher para preparar a
sopinha.
A Marisa dança, pula, bate palmas, abre a boca para comer...
Mais trabalho! Todas as bonecas estão com fome!...
Outra ‚maiorzinha‛, carregando uma cesta com galhinhos, diz:
- Quer comprar cenoura?
- Quero, diz a tia, me dá um maço.
Uns tapinhas na mãozinha resolvem o pagamento e agora as
bonecas irão aprender a comer cenoura crua, que faz bem
para os dentes.
38. 38
E logo todas as crianças entram. É hora da estória, do
recolhimento.
Nesta época, a estória vem depois do ‚brincar livre‛. Quem
chamou?
As crianças foram entrando, seguindo seu relogio interior
etérico, que o hábito criou. Também ficaram prontas para o
lanche na hora acostumada, assim como os passarinhos se
recolhem para dormir, quando o ocaso fecha a tarde
ensolarada.
A forma diária de atividades, o ‚horário‛, resulta do
movimento rítmico vivo de diferentes atividades, repetidas
diariamente na mesma seqüência, harmonizando o grupo de
crianças.
Os brinquedos estão guardados, ficam imóveis como matéria
morta e conceitos formados e prontos. A areia endureceu no
ponto em que as mãozinhas (e pezinhos) a deixaram. Estas
agora também descansam, quando as crianças se sentam e com
sua alma penetram nos contos mágicos cheios da vida em
movimento.
A boneca Marisa está no carrinho. Ela é só um amontoado de
panos arrumados à semelhança de um ser humano. Já não é
capaz de chorar ou sorrir ou comer, e não sente dor de barriga.
Ela apenas é a forma final de uma imagem que alguém
produziu e nada mais.
Fim do dia:
39. 39
Durante algumas horas, os toquinhos e a areia, os pauzinhos e
pazinhas, os panos coloridos c os panos formando bonecas, os
anões ou os bichos sem muitos detalhes, foram instrumentos
que viviam pela magia da imaginação infantil. Agora são
objetos sem vida, esperando ressuscitar com um toque mágico
da fantasia criativa do jovem ser humano.
Até amanhã!..
40. 40
AS FORÇAS DA VIDA ATUAM
NA INFÂNCIA.
No capítulo anterior,
vimos como o movimento é a
fonte de vida da criança
pequena e como ele se mani-
festa em ação, alimentado
pelas circunstâncias externas
e pela fantasia que brota da
alma. Vimos como a criança
‚dá ‚ vida, põe movimento no que é
morto ou imóvel.
A criança apreende, constrói seu conhecimento por meio da
ação do corpo, de forma sensata, quando imita o que vivência
ao seu redor. Ela apreende da vida de maneira direta, porque
‚sabe‛ imitar.
Como entender isto?
Nos primeiros anos de vida, a criança precisa de um ponto de
referência interior próprio.
Mesmo quando diz ‚eu ‚, referindo-se a si mesma, ela tem
uma sensação semelhante à que teria um dedo da mão se
pudesse falar, sentindo-se parte do todo da pessoa à qual
pertence.
Pois a criança se vivência como alguém que é também o
‚todo‛ ao seu redor. E esta sensação pode ser um pólo
41. 41
seguro quando esse ‚todo‛ é o calor da mãe, o lar, o pátio ou
jardim, a rua, o bairro, etc. A relação com esse mundo ainda
não se realiza por meio do raciocínio, da reflexão e da reação
consciente.
Sendo o ‚todo‛ o ponto de referência, a verdadeira
experiência do ‚eu sou‛ é mais um ‚nós somos‛. Por isso a
criança faz o que nós fazemos, imita inconscientemente o que
fazem as ‚outras partes do todo‛.
Isto não deixa de ser fantástico, maravilhoso! O ser humano
nasce sobre a Terra, vindo de um mundo onde espaço e tempo
não existem, onde tudo permeia tudo, e tudo é intemporal,
eterno. Para o ser espiritual que se nomeia Eu (o Eu em
Deus), este nosso mundo material é algo bem estranho e
somente passo a passo aprendemos a usar nossos membros e
nossa cabeça de acordo com as leis que regem a matéria.
Outras leis regem o reino da alma e são estas que atuam no
inconsciente da pequena criança, de forma que ela se
identifique com os sentimentos, os pensamentos e as
atividades da pessoas em seu ambiente. E ainda ela não
diferencia os reinos animal, vegetal e mineral, tudo é vida.
São as forças da vida opostas às forças da morte. E, graças ao
interagir das duas forças, o aprendizado para a vida na terra
se efetiva na primeira fase da vida, até mais ou menos a troca
dos dentes, por meio do dom da imitação, da total entrega e
confiança no agir dos próximos.
É bom refletir sobre isto, como pais e educadores. Diante
deste fato tão grandioso, parece-nos indicado fazer uma
revisão do nosso comportamento diante e em torno das
crianças delas, e por amor a elas fazer uso
42. 42
destas mesmas forças da alma para, conscientemente,
aprimorar nossa auto-educação, o controle sobre o nosso
pensar, sentir e agir. Isto, para que a nova geração possa
crescer acreditando em nosso ideal de servir ao progresso
humano pleno.
A capacidade de se relacionar com o mundo por meio do
instinto da imitação se perde no fim do primeiro setênio e se
transforma num sentimento de admiração e veneração pelo
que fazem ‚os grandes‛, que é preciso apreender. A escola , o
educador, tornam-se o novo ponto de referência em que se
apoiar. Agora a criança está madura para receber um ensino
dirigido. A força que anteriormente a fazia crescer e imitar
agora vai se transformando em capacidade de representar e
recordar. A pessoa é vivenciada por ela como um indivíduo e
o seu próprio interior como algo diferente dos outros, porém
ainda como num sonho (semi-consciente). Esta transformação
ocorre entre os 6 e os 9 anos.
Seguem alguns exemplos que ilustram um momento desta
transformação.
A filhinha da violinista, que até então vinha tocando
alegremente no seu pequeno violino, imitando a mãe, disse de
repente: - ‚Mãe , eu não sei tocar, eu preciso tomar aulas que
nem seus alunos‛.
43. 43
Um menino está parado alguns minutos olhando para a vaca
que também o fixa com seus olhos: - ‚Pai, como se diz ‘sim’
em vaca? ‚ Ele, de repente, percebeu que já não sabe falar a
língua da vaca, ou que a sua língua é diferente da dela. Em
contraste, eis o irmãozinho menor, que sobe no banquinho,
eleva seus braços ao céu e grita: - ‚A lua é minha!‛.
Numa cidadezinha, a mãe leva seu filho de seis anos e meio
para a escola pública. É o primeiro dia de aula. O menino, de
mãos dadas com a mãe, caminha em silêncio. De repente,
pára e diz com tom enfático: - ‚Mãe, você precisa dizer à
professora que eu quero aprender tudo!‛
O ensino, nesta faixa etária, deverá trazer o mundo pleno de
vida, vivências, atividades e imagens que formem um
conhecimento afim com as leis da alma, da vida que cresce e
evolui.
44. 44
EDUCAR PARA A VIDA
Educar significa fazer futuro,
promover saúde, amor, cons-
ciência. Toda instrução é
também formação da pessoa,
do caráter, dos hábitos e da habili-
dade social do futuro adulto. O educador não colhe os
frutos do seu trabalho. Estes se manifestarão nos acertos e nos
problemas da vida pessoal e da comunidade social do amanhã.
Como todos queremos e ansiamos por esse tal de ‚futuro
melhor‛, é e anseios de transformação e crescimento. necessário
que a educação do presente atue contra as forças da teoria
abstrata e da máquina burocrática, cemitério de todos os ideais
A saúde, a autoconfiança, a criatividade e a habilidade social das
pessoas dependem, em grande parte, do tipo de educação que
recebem na primeira infância e na idade escolar.
O profundo respeito pelo ser de cada criança deve despertar o
amor e o interesse do professor pelas necessidades da alma
infantil, a cada hora e em cada passo da sua evolução.
Nas escolas que seguem os princípios da Pedagogia Waldorf, há
um esforço por compreender, cada vez melhor, as leis universais
que regem o desabrochar das
45. 45
capacidades mentais, emocionais e volitivas, inerentes a todo
ser humano. Graças à obra de Rudolf Steiner, seu fundador,
aprendemos a observar e reconhecer as leis das fases
evolutivas que se processam em ritmos periódicos, de 7 em 7
anos, nos quais o desenvolvimento físico corre paralelamente
com o despertar dos estados de consciência do agir, do sentir
e do pensar infantil. Compreendemos que, respeitando essas
leis, estamos respondendo às necessidades intrínsecas da
natureza infantil. Então, educar é ajudar o futuro adulto a se
desenvolver conforme a sua natureza e, em cada etapa,
solicitar e treinar as forças que estão prontas e precisam ser
trabalhadas de forma adequada.
Assim vemos ocorrer, por exemplo, na faixa etária de 7 a 14
anos. A criança passa por uma transformação total na sua
experiência do relacionamento ‚eu e o mundo‛. Ocorre, neste
setênio, o amadurecimento da vivência interior, que se
defronta com o mundo exterior. Aos 8 ou 9 anos, a criança
perde a comunicação espontânea, natural na primeira
infância, com o mundo ao redor. Parece-lhe que a natureza
exterior emudece. E o começo de um longo caminho de
interiorização e isolamento, que culmina na tão sofrida
solidão da puberdade.
Por outro lado, a partir dos 7 anos, a criança desenvolve o
anseio de amar a perfeição, a beleza, o certo e rejeitar e
vencer o erro, superar obstáculos, da mesma forma que, na
fase anterior, se erguia e vencia todo tipo de obstáculo com
seu corpinho em formação. O esforço agora é mais no nível
anímico-afetivo. Apenas mais tarde, a partir dos 12 anos, terá
início a aspiração intelectual lógica para abordar o mundo
racionalmente.
46. 46
Desse modo, na idade escolar, apresentam-se três etapas de
transformação da experiência ‚eu e o mundo‛, que devem ser
respeitadas na elaboração do currículo e da abordagem
metódica:
1) dos 6 ou 7 até os 9 anos, rege a sensação: eu e o mundo
somos um, tudo vive e se comunica. É a fase em que a alma da
criança precisa do alimento que oferecem os contos de fadas,
os contos populares - tipo fábulas - e as lendas, nas quais as
pessoas, os animais, as plantas conversam com astros, anjos,
gigantes, pedras, nuvens, etc... Quando isso falta, é
empobrecida a relação espontânea, volitiva, da criança com a
natureza;
2) dos 9 aos 12 anos, a criança sente o mundo lá fora e,
também, dentro de si, querendo conhecê-lo. Ela precisa agora
apreender a nova comunicação com a natureza. É necessário
treinar muito a observação exata, ferramenta esta que será útil
para o julgamento objetivo no futuro. Ela precisa conhecer,
envolver-se afetivamente com as características dos animais e
das plantas, em seu ambiente natural, e não receber a
classificação abstrata das espécies, que vem colocar uma lista
de termos como uma cortina entre a criança e o mundo, que
ela quer observar e amar;
3) dos 12 aos 14 ou 15 anos reina o impulso: eu quero
compreender o mundo. Desperta o intelecto pleno, que é frio
analisador, questionador, crítico. O pré-adolescente está numa
excelente fase para descobrir os enigmas do conhecer e treinar
a nova força do pensar lógico-causal.
47. 47
Ainda não desenvolve a autocrítica, mas se sente imperfeito e
incompleto e, assim, projeta esses sentimentos no mundo,
querendo conquistá-lo.
Isto e a compreensão da própria situação, no contexto da
realidade social-histórica, são os impulsos que caracterizam
as etapas futuras.
Os educadores devem aproveitar a fase, tão bela e
complicada, do nascer da vida íntima e a qualidade sublime
da natureza, que é o amor no mais amplo sentido da palavra.
Somente entre os 12 e 16 anos de idade se completa a
maturidade física e psíquica, que desperta o amor sexual.
Este representa apenas uma mínima parte do que entendemos
como a força afetiva que o pré-adolescente pode desenvolver
nessa fase. Ao ministrar um ensino natural, que envolve o
sentir dos alunos - para que não esfrie a sua relação com o
mundo vivo através de um espírito crítico precocemente
solicitado, baseado em teorias abstratas, sem elo com o
mundo vivo - , nós estaremos educando com vida para a
vida.
48. 48
A HUMANIDADE
PRECISA DE CONFIANÇA
O que é confiança? É uma força
que se entrega.
Observe a criança pequena: ela nos
ensina o que é entregar-se.
A criança, ao nascer, é toda confiança.
Ela se entrega inteiramente aos nossos
cuidados.
Confia em nós, dependendo do carinho e da atenção que se
dêem a todas as suas necessidades. Ela vive, cresce, anda, fala,
pensa e se torna um ser humano, conforme os cuidados e
exemplos das pessoas ao seu redor.
Esta confiança infantil é intensa, espontânea. Conforme as
experiências e à medida em que cresce, ela também
desenvolve a força oposta: a desconfiança.
Com a experiência do eu, de ser diferente dos outros e com o
despertar do intelecto, que tudo analisa e questiona, perde-se,
aos poucos, a confiança instintiva, a ‚confiança cega‛.
Ocorre ainda um processo interessante, quando a criança
entra na idade escolar. Ela já sabe falar e recordar, usa suas
pernas e braços com autonomia, mas a sua alma se entrega
com toda a confiança aos professores, para aprender o que
os ‚grandes‛ sabem. Para desenvolver a confiança
consciente na passagem da infância
49. 49
para a idade adulta é necessário adquirir conhecimento c a
habilidade de discernir. Confiamos, porque conhecemos as
pessoas ou as circunstâncias, etc.
No entanto, quantas vezes essa confiança em alguém, ou num
remédio ou serviço não é abalada! Perde-se a confiança nos
amigos, no destino, em Deus. Parece que a confiança mútua
está se perdendo cada vez mais. O ‚saber demais‛ nos faz
duvidar, desconfiar. As sequelas são a insegurança, o medo, o
nervosismo, a depressão. Não poder confiar significa
enfraquecer, isto é, perder a força com que viemos ao mundo.
Como vimos, a primeira confiança nos é dada. Ela faz parte da
natureza, é um instinto do organismo, assim como o são a
respiração, a motricidade, a capacidade de chorar e rir. Porém,
para nós, adultos, a confiança instintiva permanece esquecida
no subconsciente. Às vezes, apesar de uma noite passada ‚em
claro‛, com mil preocupações, a nossa confiança retorna com
o nascer da luz do novo dia. E, como pais corujas, ou digamos,
instintivos, insistimos numa confiança cega, quando alguém
duvida da integridade inabalável do filho!
A pessoa autônoma quer confiar no próprio julgamento e, em
conformidade, confiar no que ela acha confiável.
Não deixa de ser presunçoso achar que possamos discernir o
suficiente para confiar somente no que nos parece confiável. O
fato é que toda organização pública e privada costuma fixar
suas leis e estatutos na desconfiança.
50. 50
O intelecto alimenta o egoísmo, o senso de superioridade,
quando não é acompanhado, ‚humanizado‛, pelos sentimentos
humanos nobres. Ele, por si, é frio, calculista e desconfiado.
Os sentimentos humanos nobres desenvolvemos pelo amor ao
belo, pelas forças de fé, isto é, de confiança numa sabedoria
superior. Essa que se nos revela justamente nas forças
instintivas, que podem ser chamadas de divinas, e que atuam
na natureza infantil muito antes de ela ter adquirido a
capacidade de raciocinar.
O adulto pode crescer espiritualmente e ampliar os horizontes
da sua personalidade, afinar sempre mais suas habilidades,
estender seus conhecimentos, se mantiver um vivo interesse
por tudo e, também, por meio da auto-educação, a disciplina
do caminho do autoconhecimento.
Rudolf Steiner, ( 1861-1925 —fundador da Ciência Espiritual:
Antroposofia ) alertou, prevendo esse crescimento perigoso da
desconfiança na integridade do ser humano, que só pode levar
a guerras e brigas entre povos e parentes, que os homens
deverão aprender a confiar, praticar a confiança, se não
quiserem acabar numa guerra de todos contra todos.
Guerras e brigas entre tribos, povos e parentes temos por todo
o lado. Mas, sabemos praticar a confiança?
Praticar confiança no que confiamos é ficar onde estamos.
Aprender a confiar só podemos com o desconfiável c com o
desconhecido.
51. 51
Para isto é importante saber que tudo evolui. A pessoa que
hoje errou pode não errar amanhã. A criança que se apresenta
com birra típica da crise orgânica por que passa, se tornará
toda amorosa ou razoável em outros estágios evolutivos.
Exercitar, dessa forma, a força da confiança é realizar uma
terapia para o indivíduo e para a convivência social no
mundo. Será a base para uma verdadeira fraternidade cristã
universal:
POR SERES HOMEM, TU ÉS MEU IRMÃO.
52. 52
BIBLIOGRAFIA
BERTALOT, Leonore - Criança querida: o dia-a-dia fa
alfabetização - 2o edição - São Paulo, Editora
Antroposófica, 1995
IGNÁCIO, Renate Keller - Criança querida: o dia-a-dia das
creches e jardins-de-infância. - 2o edição - São Paulo,
Editora Antroposófica, 1995.
LANZ, Rudolf - A pedagogia Waldorf - 7o edição - São
Paulo, Editora Antroposófica, 2000
STEINER, Rudolf - A educação da criança segundo a
Ciência Espiritual - 3o edição - São Paulo, Editora
Antroposófica, 1996.
53. 53
LEONORE BERTALOT, suiça de origem, é
naturalizada brasileira e mora no Brasil desde
1962. Formada em línguas e estudos
antroposóficos na Inglaterra, praticou pedagogia
Waldorf na escola Rudolf Steiner de São Paulo
durante 25 anos. Dedica-se à formação de
professores há 26 anos. Atualmente, dedica-se à
tradução de livros e atua como consultora em
Pedagogia Waldorf. A Associação Comunitária
Monte Azul lançou um livro de sua autoria
intitulado ‚Criança Querida‛ - o dia-a-dia da
alfabetização.
54. ALIANÇA PELA INFÂNCIA NO
BRASIL
Associação independente, seguindo os princípios da Alliance for
Childhood (www.allianceforchildhood.org)
A ALIANÇA
A Aliança pela Infância tem por finalidade pesquisar e divulgar
os problemas que afligem a infância e suas causas, e encontrar e
promover soluções para os mesmos, inclusive por meio de elos
de parceria com pessoas e organizações das mais diversas áreas
de atuação.
site provisório:
www.ime.usp.br/~vwsetzer/aliancapelainfancia
55. NOSSOS OBJETIVOS
1- Criar o consenso de que uma infância sadia é uma
necessidade básica da condição humana, protegendo assim
os direitos da humanidade;
2- Incentivar e desenvolver formas de educação que respeitem
a infância, reconheçam a necessidade do tempo e do
espaço adequados para crescer, e promovam o brincar em
um ritmo de vida saudável;
3- Pesquisar o impacto da tecnologia, computadores e meios
de comunicação eletrônicos no desenvolvimento da
criança, avaliando seus resultados e efeitos na prática
diária;
4- Incentivar a cooperação entre profissionais de diferentes
áreas direta ou indiretamente envolvidos com crianças -
educadores, terapeutas, médicos, nutricionistas,
psicólogos, bem como juristas, políticos, religiosos,
arquitetos, enfim, todos nós;
5- Estimular uma nova visão científica e pesquisa sobre o
desenvolvimento do ser humano pleno, em especial a fase
da infância;
6- Estimular ações políticas para a consecução desses
objetivos.