1. Escola Secundária Garcia de Orta
Sinestesia: efeitos sobre a mente
humana
Relatório realizado no âmbito da disciplina de Psicologia
Carlos Morais nº 6 12º B
11 de Dezembro de 2010, Porto
[Type text]
2. ÍNDICE
- Introdução 3
- A Neuropsicologia 4
- Caso Clínico 5
- Conclusão 8
- Bibliografia 9
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3. Introdução
Foi no fim do século XIX que houve pela primeira vez registos de pessoas que
sofriam de processos sinestésicos. Homens que conseguiam associar imediatamente
sons a imagens, a sabores e até mesmo ao tacto. Apesar desta condição neurológica
existir há muitos séculos, muito pouco ou nada se sabia relativamente a ela até ao século
XX.
O que é a sinestesia? Muito simplesmente, é a capacidade de associar sentidos.
Todos nós a possuímos mas, acabamos por não tirar grande partido dela, pois não temos
exigências diáris, que nos façam desenvolver mais esta condição.
No ano de 1920, o neuropsicólogo Alexander Romanovich Luria (1902-1977)
deparou-se com um caso de um homem que sofria de sinestesia. Ao contrário dos casos
mais comuns, ele conseguia interligar todos os seus sentidos, permitindo-lhe uma visão
totalmente distorcida do nosso mundo.
Através da análise deste caso clínico, foi possível perceber o que realmente
acontecia em casos onde esta condição tinha uma manifestação muito maior.
Este trabalho não tem como objectivo explorar somente a sinestesia, pretende
fazer uma conexão com o mundo real e mostrar de que forma é que esta condição
interfere na vida das pessoas e dar a entender os custos, no dia-a-dia, de pessoas que
vivem com esta condição neurológica
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4. A Neuropsicologia
O principal fundamento da teoria de Luria assenta numa ciência do
comportamento humano baseada no funcionamento do cérebro. Assim, sabemos que a
partir do conhecimento do desenvolvimento e do funcionamento normal do cérebro é
possível a compreensão das alterações cerebrais, como no caso das disfunções
cognitivas e do comportamento resultantes de lesões, de doenças ou do
desenvolvimento anormal do cérebro.
A neuropsicologia tem um papel importante na compreensão das ligações
fundamentais do cérebro e do comportamento, permitindo determinar a relação entre
os resultados dos testes neuropsicológicos e o complexo comportamento do ser humano.
Com os conhecimentos funcionais das diferentes formas de actividade psíquica e dos
mecanismos do seu funcionamento quer na norma, quer na patologia, o neuropsicólogo
pode, de modo qualificativo, levar a cabo uma análise sistemática das perturbações das
funções psíquicas superiores.
Fig.1 - A. R. Luria
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5. Caso Clínico
O caso do homem que memorizava tudo
É um dos relatos mais impressionantes dos vários efeitos da sinestesia. Em 1968
o neuropsicólogo Alexander Romanovich Luria publicou um livro (The Mind of a
Mnemonist – A Little Book about a Vast Memory) onde relata o seu acompanhamento
com C. (nome fictício que é dado no livro ao paciente) ao longo de mais 30 anos.
Neste relato, Luria relata a incrível capacidade de C. em memorizar tudo o que lhe
era apresentado e ser capaz de recordar essas mesmas memórias com uma exactidão
incrível passadas décadas.
“Tendo realizado esta experiência, em breve encontrei-me à beira de um estado de confusão
completa. O aumento do tamanho das séries não trouxe dificuldades a C. (…) As experiências
indicavam que ele não tinha nenhuma dificuldade em repetir qualquer série longa de palavras,
independentemente destas terem sido mostradas uma semana, um mês, um ano ou mesmo muitos
anos antes. (…) Algumas destas experiências, foram efectuadas sem aviso prévio, quinze ou
dezasseis anos após a sessão em que ele se tinha originalmente recordado das palavras. Contudo
conseguia sempre passar com sucesso nestes testes.” (Luria, 2003, pag. 36)
Qual o porque disto acontecer? O que se passava com esta pessoa possuidora de
uma memória praticamente infinita?
Ao contrário das pessoas normais, devido à sua sinestesia, C. associava a cada
número, letra ou sílaba uma cor, sabor e sensação. Por causa disto, ele era capaz de criar
um ambiente à volta de cada recordação, enriquecendo-a com informação adicional,
assegurando-se assim que as suas recordações fossem correctas. Assim, sempre que lhe
era pedido para reproduzir uma memória, esta só estaria certa se as suas sensações
sinestésicas coincidissem com a resposta.
As vantagens proporcionadas pela sua sinestesia não acabam aqui:
“Imaginemos que vou ao dentista. Costumava ter medo de lá ir, mas agora é muito fácil. (…)
Sentava-me na cadeira, mas imaginava que não era eu que estava realmente ali, mas outra pessoa.
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6. Eu, C. estava apenas a seu lado (…) Deixava-a sentir a dor. Não me magoava a mim mas a «ela». Eu
simplesmente, não sinto nenhuma dor”. (Luria, 2003, pag. 134)
Esta inibição da dor foi mais tarde comprovada através de um teste onde lhe
inseriram uma agulha no antebraço que ele não sentiu pois imaginou que estava a ser
inserida noutra pessoa. Também por processos semelhantes ele conseguia regular o seu
ritmo cardíaco ou a temperatura do corpo. Se quisesse aquecer uma parte do corpo,
bastava-lhe imaginar que a punha dentro de um forno. Sendo C. portador de uma
imaginação excepcionalmente vívida resultante da sua interacção sensorial, ele era
capaz de induzir em si alterações nos seus processos somáticos, o que lhe dava um
maior controlo do funcionamento do seu corpo que no homem comum.
Quais as desvantagens de ser sinestésico?
Pelos excertos apresentados anteriormente, ninguém diria que era mau ter
elevados graus de sinestesia. Uma das maiores desvantagens pode ser observada através
da seguinte experiência:
Tabela 1
1 2 3 4 5
2 3 4 5 6
3 4 5 6 7
4 5 6 7 8
Etc.
Foi pedido a C. que decorasse uma tabela com cerca de 80 séries iguais às
representadas. Um observador atento consegue captar uma certa lógica de uma série
para a seguinte, contudo C. fez uso da sua recordação visual para memorizar a série. Este
exemplo comprova a discrepância entre o seu processo de recordação e a sua
organização lógica, sendo esta última natural em qualquer adulto. Podemos assim
afirmar que todos os seus processos de racionalização estavam comprometidos pelo que
os seus sentidos lhe forneciam.
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7. Outra dificuldade diária de C. era recordar caras ou vozes, pois, enquanto um ser
normal tende a seleccionar um número de características para se recordar de um rosto,
C. via os padrões inconstantes de luz e sombra e captava as mais ligeiras alterações no
timbre de uma voz. Isto levava-o a ter imensas dificuldades em decorar algo que esteja
sujeito a mudanças subtis, pois como já foi explicado anteriormente, as suas recordações
não coincidiam com as suas sensações sinestésicas, o que provocava em si um estado de
total desorientação.
Ainda mais surpreendente era a sua incapacidade em compreender passagens
inteiras de um livro. No caso de C. em que cada palavra evoca uma imagem nítida e
vivida, era muito difícil para ele acompanhar o ritmo de uma história ou enredo sem se
distrair do assunto que está a ser tratado. Se lhe lessem um texto a um ritmo rápido,
imensas imagens começariam a surgir na sua cabeça, não conseguindo assim captar
nada da história.
Estes exemplos são só algumas das adversidades inerentes à sinestesia e
demonstram de que maneira é que esta interferia no seu quotidiano.
“No ano passado, deram-me um relatório sobre um comerciante que tinha vendido um
certo número de metros de tecido…Mal ouvi as palavras comerciante e vendeu, vi a loja e o seu
dono por trás do balcão (…) a negociar com um caixeiro-viajante. Junto à porta estava um cliente
de costas para mim. (…) i não só a fábrica mas também alguns livros comerciais, pormenores que
não tinham nada a ver com o relatório.” (Luria, 2003, pag. 76)
Durante quase 30 anos Luria teve a oportunidade de estudar e acompanhar este
impressionante homem. O que à partida parecia ser uma capacidade fantástica, ao longo
da investigação, revelou-se um obstáculo à integração deste homem na sociedade, uma
vez que a confusão que reinava na sua mente era deveras perturbadora.
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8. Conclusão
Como foi possível constatar, certas condições neurológicas contribuem para uma
maior grandeza da nossa mente. Nomes como Wassily Kandisky, Arthur Rimbaud, David
Hockney, Patrick Stump, são exemplos em que a sinestesia transformou e iluminou a
mente humana para criações maiores do que aquelas que originalmente parecia estar
destinada.
Verificamos que associada à capacidade sinestésica advém, na maior parte dos
casos, problemáticas bastante significativas e desorganizadoras da vida quotidiana.
Como exemplo disso temos a impossibilidade de reconhecer rostos familiares
(prosopagnósia) ou até mesmo a incapacidade de associar um cheiro a um alimento ou a
uma bebida. Tarefas tão simples, que fazem parte da nossa vida e que de alguma
maneira a preenchem, ficam alteradas e perturbadas gerando assim, uma estruturação
caótica da nossa vida e da nossa própria identidade.
“Estou sentado num restaurante, ouve-se música. Sabem porque é que põem música nos
restaurantes? Porque altera o sabor da comida. Se escolhermos o tipo certo de música, tudo passa a
saber bem (…)”
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9. BIBLIOGRAFIA
Enciclopédia Larrousse (2001). Rio de Mouro: Círculo de Leitores. Vol. 22.
Luria, A. R. (2003). O Caso do Homem Que Memorizava Tudo. Lisboa: Relógio D’ Agua Editores.
Luria, A. R. (1980). Neuropsicología de La Memoria. Madrid: H. Blume Ediciones.
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