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PESQUISA / ORIGINAL
RESEARCH / ORIGINAL
69
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
MATERNIDADE DE ADOLESCENTES DE PERIFERIAS SOCIAIS
E URBANAS: ALGUMAS ANÁLISES À LUZ DA PSICOLOGIA
AMBIENTAL
MOTHERHOOD AMONG POOR TEENAGERS BELONGING TO SOCIAL AND
URBAN OUTSKIRTS: ANALYSIS UNDER THE LIGHT OF ENVIRONMENTAL
PSYCHOLOGY
Nancy Ramacciotti de Oliveira*
Oliveira NR Maternidade de adolescentes de periferias sociais e urbanas: algumas análises à luz
da PsicologiaAmbiental. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005; 15(1):69-77.
Resumo: Esse artigo apresenta reflexões sobre a procriação de adolescentes de periferias
sociais e urbanas de duas grandes cidades do Estado de São Paulo (BR), Santos e Santo
André, baseando-se em conceitos da Psicologia Ambiental, a partir de três estudos realizados
anteriormente com adolescentes grávidas e mães pobres. Naquelas condições sócio-ambientais,
a gravidez pareceu diretamente associada a carências advindas de modelos que apresentam
necessidades que aquelas adolescentes não podiam prover. A procriação de adolescentes
pobres numa sociedade globalizada, com desafios de busca de uma forma de desenvolvimento
que seja sustentável, é entendida como um fenômeno psicossocial, que deve ser tratado de
forma interdisciplinar, uma vez que alcança âmbitos maiores, de ordem ética e política.
Palavras-chaves: Gravidez na adolescência. Procriação de adolescentes pobres. Psicologia
Ambiental. Riscos ambientais para juventude. Procriação e protagonismo juvenil. Escola.
Enraizamento.
Histórico
Neste artigo, são apresentadas algumas
reflexões sobre o fenômeno da gravidez e da
maternidadedeadolescentespobresquevivem
em grandes centros urbanos. Essas reflexões
decorreram de três estudos psicossociais sobre
gravidez,maternidadeesexualidadedeadoles-
centespobresfeitosemcidadesdaBaixadaSan-
tista (SP) e na cidade de SantoAndré (SP) 1,2,3
.
Tais estudos tiveram como ponto de partida a
nossapráticaprofissionalcomopsicólogaemuma
unidadedeserviçopúblicodeatendimentopré-
natalematernidade.
A partir desses estudos, o protagonismo
juvenileascondiçõescontemporâneasdacha-
mada juventude popular urbana mostraram a
relevânciadaproblemáticasócio-ambientalfren-
teàquestãodagravidezedamaternidadeocor-
ridas nesses contextos4
.
No primeiro desses estudos, foram pes-
quisadasadolescentesgrávidas(comusode82
questionários e 150 desenhos de auto-retrato)
e mães (através de 36 entrevistas em profundi-
dade,realizadasnoslocaisdamoradia,quando
os bebês tinham menos de cinco meses). Esse
estudofoiretomadonumtrabalhodeseguimento
longitudinal, com a investigação dessas mães
*
Psicóloga clínica e professora do curso de Psicologia da Universidade Católica de Santos - UNISANTOS. End,:
Av. Washington Luis, 553 ap.51. Santos - SP . CEP 11055-001. E-mail: nancy@unisantos.br
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
adolescentes,quandoseusfilhosjáestavamcom
cerca de três anos e meio, também com entre-
vistas propostas para realização nas próprias
casas, apesar das mudanças de moradia ocor-
ridas no intervalo das pesquisas de campo1, 2.
.
Para análise dos resultados desses dois
trabalhos com mães adolescentes, foram usa-
dos eixos temáticos como: histórias de vida,
cotidiano, condições de moradia, subsistência,
dependência e autonomia, trajetória escolar e
de trabalho, aspectos de risco, avaliações da
experiência da gravidez e maternidade, proje-
tos, amizades, lazer, maternagem†
, condições
geraisdedesenvolvimentodofilho,questõesde
sexualidade e gênero, condições do pai da cri-
ança,aspectosemocionais,auto-imagemeiden-
tidade.
Essa relação entre os aspectos sócio-
ambientais de jovens moradores de periferias
sociais e urbanas e a sexualidade foi retomada
num terceiro estudo que incluiu um inventário
sobre a vida sexual de adolescentes, homens e
mulheres, com ênfase em aspectos da procria-
ção3
.
As análises tiveram como referência o
protagonismoinfantileajuventudeatualurba-
na, conforme Costa4
.
OBJETIVO E MÉTODO
No presente artigo, alguns elementos re-
tirados desses três trabalhos são discutidos sob
aóticadepsicologiaambiental,incluídaaíuma
interseção com a geografia e com a sociologia.
Para tanto, foram usados: a) o conceito de es-
paço total como construção de fragmentos de
umahistóriaedeumageografia6
;b)oconceito
de busca de sanidades enquanto uma forma
de ambientalismo7
; e c) referências ao desen-
volvimento sustentável, em uma visão crítica
dessedesenvolvimento8
.
Para abarcar, nessa ótica, a questão da
gravidezematernidadedeadolescentespobres
de centros urbanos, isto é, a inter-relação des-
se fenômeno com condições sócio-ambientais
específicas,asreflexõespropostascaminharam
nosseguintestemas:característicasdosterritó-
rios de risco, dos prejuízos escolares e do de-
senvolvimento da crítica; problemas de enrai-
zamento; questões de saúde e/ou sanidades.
Finalizando o artigo, apresenta-se uma breve
discussão da temática da sustentabilidade em
relação à procriação de adolescentes pobres.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Aspectos de território: as adolescentes, os
riscos e os fragmentos simbólicos da
sociedade globalizada
O ambiente, visto como espaço total dos
jovens das periferias sociais e urbanas de algu-
mas cidades brasileiras, é composto por uma
forma de pobreza contemporânea e urbana,
permeada dos riscos da criminalidade e do trá-
fico de drogas, e de trânsito de símbolos e va-
loresquenãoseencontramalidisponíveispara
usufrutoerealização.Asubjetividadedejovens
desses espaços emerge no inter-jogo de suas
condiçõesinternas–desuashistóriasfamiliares
esociais,principalmentevividasnalutaporso-
brevivência, e de sua convivência com os ris-
cos do território - com a incorporação de uma
cultura de necessidades, mitos, ídolos, idéias e
imagens de uma sociedade fora de suas condi-
ções de pobreza. Eles vivem e crescem num
território - um espaço total que é, concomitan-
temente, uma junção de fragmentos, geográfi-
cos e históricos, do planeta e da humanidade6
-
de fragmentos próprios de uma sociedade glo-
†
A “maternagem” está sendo entendida como uma interação adulto-criança que inclui acolhimento, compreensão,
paciência, orientação e suporte por e com a criança, em suas angústias.5
(p.157).
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
balizada que constantemente expõe, pela mí-
dia, seus valores de consumo de riquezas.
Em dois estudos feitos com grávidas e
mães adolescentes dessas periferias de gran-
des cidades, todas as entrevistadas referiram
diretaouindiretamentesituaçõesconcernentes
à pobreza e à convivência com riscos, princi-
palmenteosdotráficoedousoabusivodedro-
gas,daviolênciaurbanaedacriminalidade.As
falas sobre roubos, ameaças e juramentos de
morte, fugas, mortes com crueldade, prostitui-
ção,abusosexualeviolênciadoméstica,defor-
ma quase banal, faziam parte do cotidiano do
ambientenoqualviviam.
A convivência cotidiana com os perigos
do território parecia promover a construção de
recursosdedefesaparaaadministraçãodosris-
cos.Estaralerta,nãomanifestarconfronto,obe-
decer às ordens dos traficantes, separar-se do
companheirotraficanteapósumsinaldeaumen-
to de risco, conviver com as regras do tráfico e
dacriminalidade,emespecialcomasfugasapós
juramentos de morte e a submissão à violência
domésticaforamcircunstânciastrazidasnosde-
poimentos como exemplos de formas de lidar
comosperigosdaquelesambientes.
Nesses estudos, entretanto, pode-se ob-
servarqueosriscosdacriminalidadeedotráfi-
co, que rondavam os ambientes das mães ado-
lescentes, não pareciam atingi-las diretamente
(com exceção de uma entrevistada, vítima de
violênciadoméstica,espancamentos,agressões
eameaçassofridasdocompanheirotraficante).
Esse dado concorreu para a sugerir a hipótese
daexistênciadealgumaproteçãodiantedosris-
cos próprios desses territórios - proteção ad-
vinda da gravidez e da maternidade, por conta
damenordisponibilidadeparafreqüênciaade-
terminados espaços, que uma mãe adolescente
pobredispõe,pelomenosquandotemumfilho
ainda pequeno.
Os riscos das periferias urbanas não es-
tão localizados em espaços com fronteiras cla-
ras.Ao contrário, eles espalham-se por todo o
ambiente, pelas casas, ruas, escolas e nos pou-
cos espaços de lazer, em especial, nos bares e
bailes.As diversões oferecidas nesses ambien-
tes,emgeralcoletivas,sãomuitoligadasaotrân-
sito de drogas e tráfico.
Justamente a perda da disponibilidade
para essas diversões era a principal queixa das
jovenspesquisadas-indisponibilidadeclaramen-
te entendida por elas como um prejuízo advin-
do da gravidez e da maternidade. No entanto,
o “estar presa” pela criança, isso é, pelo tempo
dedicadoaofilho,retiravaasadolescentesmães,
em graus e formas diferentes, dos espaços de
“zoar”, gerando uma situação de certa prote-
ção pelo distanciamento dos riscos desses es-
paços. Essa situação foi sugerida em todos os
casospesquisados,efoifreqüentementeexpres-
sa por muitas das jovens ao lamentarem a per-
da desse tipo de lazer.
Os maiores riscos psicossociais aparen-
tes, em algumas das jovens pesquisadas (pros-
tituição,surtopsiquiátrico,violência,delinqüên-
cia e tráfico), foram associados especialmente
aos prejuízos na inserção familiar, com situa-
ções de abandono, precariedade, turbulência e
danificação. Entretanto, nos casos em que a
relação com a família de origem apresentava-
se melhor instalada, com maior segurança e
confiançanosvínculos,forammaisevidentesos
perigos relacionados ao ambiente em que elas
moravam:aquelesbairrosmuitopobres.
Nesses bairros, a pesquisa de campo é
bastante difícil. Os espaços pobres de periferi-
as urbanas, especialmente as favelas domina-
das pelo tráfico, constituem-se territórios com
fronteirasporvezesinvisíveis,masrígidas.São
territórios permeados pelos riscos, mas isola-
dos e pouco decifráveis, apesar de abrangidos
extensa e intensamente pela comunicação de
massa(principalmentepelatelevisão).
Peloaumentodaviolênciaedacriminali-
dade,essesterritóriosacabamporsetornarquase
queimpenetráveisparaestudoecompreensão,
já que apresentam grandes riscos para a segu-
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
rançadospesquisadores.Ali,parapenetraçãoe
investigação,éprecisocontarcompermissãoe
intermediaçãodeforçaslocais,muitasvezesli-
gadasàviolênciaeàcontravenção.
Num dos trabalhos de campo, realizado
em 2001, por exemplo, a disponibilidade das
jovens para ocorrência de entrevistas nas suas
próprias residências foi bem menor do que no
estudo anterior, feito cerca de três anos e meio
antes.
Esse fato foi analisado com uso das se-
guinteshipóteses:
- a ocorrência, proporcionada pelo de-
senvolvimentodaadolescente,doumaumento
de percepção crítica diante da situação de po-
breza,condiçãoevidentenasmoradiaseambi-
entesemqueelasviviamepoucovisívelemseus
trajes e imagens pessoais††
;
- o perigo dos ambientes ter aumentado
ousetornadomaisvisívelparaasjovensentre-
vistadas, se comparado à situação anterior.
Nesse sentido, elas estariam tentando proteger
aentrevistadora,evitandosuaentradaemterri-
tório de risco;
- as jovens que expressaram maior re-
sistência da ida à casa pela entrevista não ti-
nham mais bebês pequenos (um segundo fi-
lho), cuja presença poderia protegê-las de ris-
cos relacionados à pesquisa (pelo depoimen-
to) e também proteger a entrevistadora, já que
nãohaviamaisumaidentificaçãodiretadapes-
quisa com serviços de pré-natal ou materni-
dade (etapa do trabalho de campo quando o
bebê era bem pequeno).
Por tudo isso, e pela constatação de que,
atualmente, um enorme contingente de jovens
brasileiros vive e sobrevive em territórios po-
bres e urbanos dominados pelo tráfico - na for-
madecrimeorganizadoemnívelinternacional-
, a problemática da procriação de dessas ado-
lescentes deve ser tratada por políticas públi-
cas que não apenas enfatizem a prevenção da
contracepção e das DSTs (com informações
sobre práticas sexuais consideradas seguras),
mas que, sobremaneira, articulem seus mode-
los de intervenção com as condições desses
ambientesmarcadospelainsegurança.
Os prejuízos escolares e a
(im)possibilidade de crítica das
adolescentes acerca de seus ambientes e
de seus cotidianos
SegundoFerrara9
,acríticadocotidianoé
condição necessária para o sujeito transformar
suahistória,construirseupresenteefuturo.
Nos relatos sobre suas histórias, as jo-
vens pesquisadas falavam de suas vicissitudes
nasligaçõesamorosasefamiliaresedesuaslu-
tas por sobrevivência. Com percepções frag-
mentadas e um pouco confusas acerca do coti-
diano, elas descreviam a vida quase como um
destino, do qual a primeira gravidez transfor-
mava-se em epicentro.
As mudanças de endereço e uma quase
ausênciadepertinênciaainstituiçõesescolares
ou sociais (clubes, associações, igrejas) eram
as condições presentes nas vidas das entrevis-
tadas,principalmenteapósonascimentodeseus
bebês. Elas cuidavam das crianças em suas ca-
sas, faziam poucas e fracassadas tentativas de
volta à escola, além de algumas tentativas es-
porádicasdeinserçãonomercadoprofissional.
Paraasubsistência,elasdependiamdesuas
famílias de origem, ou de seus companheiros e
dasfamíliasdeles.Seusprojetoseexpectativas
voltavam-separaasnecessidadesmateriais,que
careciam de potencial para realização - conse-
guir um bom emprego e ter uma casa própria.
Tambémqueriamterminarosestudos(semiden-
tificaroudelimitarolimitedotérmino)epensa-
† †
No estudo de seguimento longitudinal, as adolescentes que não deram entrevistas em suas casas, vieram ao encontro da
pesquisadora para as entrevistas, vestidas com roupas da moda, usando batom e perfume.
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
vamemteroutrofilhonumfuturo(aquelasentre-
vistadasquetinhamtidoapenasumfilho).
Acerca desse cotidiano, elas mostravam
pouca condição de reflexão ou crítica. Os pre-
juízosescolarespareciamserdeterminantespara
a dimensão dessa falha.
Em geral, as adolescentes não estavam
maisnaescolaquandohaviamengravidado,ou
ali estavam com dificuldades de pertinência.
Durante a gravidez e principalmente depois do
nascimento do bebê, as tentativas de re-inser-
ção eram poucas e difíceis.Após algum tempo
do nascimento da criança, as adolescentes ma-
nifestavam desejos de voltar a estudar,masha-
via obstáculos para as re-matrículas.As cons-
tantes mudanças de endereço, e até de cidade,
ocorridas nas tentativas de construir uma nova
família, exigiam providências para o retorno à
escola, quanto a vagas e documentação, que
teriam que ser feitas sem ajuda de adultos. A
maternidadefaziacomqueelasfossemencara-
das como adultos que teriam que tomar conta
daprópriavidaedadeseusfilhos-fazermatrí-
culas, arranjar vagas em creches e em escolas,
enfim, tornar a se inserir, quase sempre às pró-
prias custas, na trajetória para um melhor de-
senvolvimento.
Em geral, após a procriação, uma ado-
lescente pobre não é mais tratada como filha a
ser educada, mas sim como mãe, que deve cui-
dar de seus filhos - um degrau de crescimento
bastante grande para ser transposto sem ajuda
externa. Entretanto, para as adolescentes pes-
quisadas,issoparecianatural,ouinevitável.Em
seus relatos, havia a sugestão de que esse rápi-
do “desmame” (da condição de filha adoles-
cente / dependente, para a condição de mãe /
independente) era decorrência de dois fatores.
Primeiro,umaclarificaçãodefronteiracausada
pelaprocriação:asaídadeummundodeprivi-
légios de filho para entrada no mundo de pais,
dos quais se espera autonomia e responsabili-
dade. Em segundo lugar, mas não menos im-
portante, essa retirada da condição de depen-
dência podia funcionar como uma descarga
para a responsabilidade psicológica, social e
econômica da família, com a liberação de um
membroquenãomaisnecessitariadeacompa-
nhamento em seu desenvolvimento, ser cuida-
do e educado para a vida.
Com essas condições, era muito difícil o
retorno aos estudos. Ao lado disso, todas as
entrevistadas manifestaram valorização da es-
cola, como passagem necessária para um in-
gresso bem sucedido no mercado profissional,
e associavam a não disponibilidade para os es-
tudoscomaocorrênciadagravidez.Assim,elas
pareciam apenas reproduzir parte do discurso
político e da saúde pública acerca da gravidez
de adolescentes, sem alcançar uma expressão
crítica sobre esse fato e sobre suas vidas. As
dificuldadescomaescolaficavamrestritamen-
te explicadas pelo problema de ter filhos cedo,
não incluindo outros fatores, como os proble-
masfamiliaresesociais,ouaté,asdificuldades
próprias das escolas e das creches. Apenas
haviaaafirmaçãodequeaescolaprecisavaser
“terminada”algumdia(comonosváriosrelatos
dapossibilidadede“eliminarmatérias”edeser
“dispensada”), não sendo entendida como um
direito a um espaço/tempo de e para o desen-
volvimento.
Problemas de “enraizamento” para
adolescentes grávidas e mães
O“enraizamento”concretoousimbólico
numterritório,ointeressepelolocalepelolugar,
criamascondiçõesdedesenvolvimentodaiden-
tidade relacionada aos sentidos de pertinência,
de modelos de identificação e possibilidade de
trocasdeconteúdosecontinentespsicológicos.
A instabilidade quanto à moradia, com
constantes mudanças comuns às populações
urbanas mais pobres, é acentuada pelo evento
da gravidez de adolescentes. Engravidar e ter
filhos são fortes motivos para mudar de casa,
de bairro e até de cidade (para morar com um
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
companheiro,oucomsuafamília).
Essasmudançasacarretamproblemasde
“enraizamento”notocanteagruposdeamigos,
“turmas”,famíliadeorigemeinstituições,prin-
cipalmentequantoàsreferênciasparapertinên-
ciaemescolaseinclusãodosfilhosemcreches
do bairro. Quanto aos domicílios, muitas das
adolescentesmãesindicavamviverprovisoria-
mente nas casas em que habitavam, seja por-
que desejavam sair dali para lugares melhores,
ou porque assim precisavam.
Com isso, as jovens tinham dificuldades
na integração com a vizinhança, perdiam ami-
gos em vez de fazê-los, criavam poucas raízes
porqueiriamouqueriamirembora.
A carência e o empobrecimento de con-
tatos de amizade observados em diferentes
momentosdaspesquisaspareciamdiretamente
relacionados a: saída da escola; descolamento
de espaços de lazer (já que eles são pratica-
menteinexistentesnosbairrospobres);eocui-
dado com a criança, que restringia as saídas de
casa, ou de seus arredores. As adolescentes
investigadas indicaram ter poucos amigos na
vizinhança;emgeral,tinhamalgumascolegas,
jovens também mães, mas os contatos pareci-
ampoucoestimulantesouvalorizados.
As atividades do cotidiano em geral de-
senrolavam-se dentro do campo doméstico,
destacando-seastarefasdacasa,ocuidadocom
osfilhosecompanheiros,oenvolvimentocom
alguns serviços esporádicos ou a sua procura
e, basicamente, assistir televisão – um veículo
poderoso na criação, manutenção e reprodu-
ção de modelos e ideais quase nunca possíveis
deserematingidosporessasadolescentes,ain-
da mais, sendo mães.
As adolescentes grávidas e mães pareci-
am prisioneiras daquelas condições sócio-am-
bientais,maisaindadoqueasadolescentesnão
mães, e do que os adolescentes homens.
Era a ocupação com os filhos que as
mantinha fora, ou nas fronteiras da rede esco-
lar.Além disso, também estavam fora da rede
institucional,fossedeprojetosculturais,decre-
chesparaosfilhos,oudeatividadesdelazerou
de esporte. Enfim, elas pareciam presas com
os filhos - frutos e raízes biológicas - , mas não
enraizadas, na casa e nos seus arredores, com
restrições e limites para ir e vir, para pertencer
a outros e diversificados espaços.
Questões de sexualidade e procriação
numa sociedade globalizada: aspectos de
sanidades
Adolescentes pobres e urbanos possu-
em fragmentos de permissão para suas vidas
sexuais,comoreferênciaaograndevalordosexo
e à valorização da “liberdade sexual” da socie-
dade contemporânea.
Ao lado disso, eles são chamados à res-
ponsabilidadeparapráticadesexoseguro(com
uso de prevenção diante de DSTs e especial-
mente daAids) e para a contracepção, através
do discurso de um modelo de saúde pública,
ou de seus fragmentos, com referências a que
aspessoasdevemaumentarsuascompetências
paraadministrarseusdestinosemsaúde(como
prevenção de doenças) e procriação.
A questão problemática que se coloca
diante desses modelos sociais - que incluem
erotismo, responsabilidade para sexo seguro e
competência para a contracepção - é a dificul-
dade da articulação desses modelos com as
condições psicológicas e sócio-ambientais es-
pecíficas de jovens pobres. Eles têm que ma-
nejar suas condições do âmbito da sexualidade
(pouca experiência na genitalidade; liberdade
social para vida sexual; exposição maciça ao
erotismo pela mídia), com carências graves no
âmbitosocial(grandesprejuízosparaalternati-
vas gratificantes no cotidiano; falta de suporte
para angústias, em especial as ligadas aos sen-
timentos de solidão; envolvimento com situa-
çõesderiscoprovenientesdaproximidadecom
a criminalidade, as drogas e o tráfico).
Nessa circunscrição psicossocial, as
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
questões de sexualidade e procriação tomam
características próprias que não podem ser iso-
ladas no campo geral do desenvolvimento e,
especificamente,dodesenvolvimentodasexu-
alidadenumsentidopsicológicoe/ougenético.
O conceito de busca de sanidades7
, pró-
prio das reflexões do ambientalismo, pode ser
útil para a discussão dessa temática, pois am-
plia limites do pensamento clássico da saúde
pública. Nesse sentido, a procriação de ado-
lescentes pobres passa a ser tratada não só
como um problema da ordem da saúde da ado-
lescente e a de seu filho, como da sanidade dos
eco-sistemas em que está inserida.
As primeiras discussões canadenses
acercadaquestãoambientalincluíramessaidéia
de “sanidades” e fizeram parte da própria ori-
gem dessa questão. Qualquer problema relaci-
onado com a sanidade do ambiente teria que
ser considerado através de um lado técnico e
de um lado de integração com outros sistemas,
já que todos os problemas ambientais relacio-
nam-se com a organização humana que está
naquele espaço.
Apalavra “sanidade”, do latim sanare,
tem o sentido de curar e tratar. Nas primeiras
discussõesambientais,tratava-sedecuraretra-
tar a água, o solo, o ar, e os sistemas agrários,
por exemplo, tanto tecnicamente como em sua
integração com os outros eco-sistemas.
Tratar a questão da gravidez e da mater-
nidadedeadolescentespobresdentrodastemá-
ticasambientaisdecorredesepensarassanida-
desdascidades,deseusmetabolismos,daspes-
soas,edesuasrelaçõesinterpessoaisesociais.
Foi a partir do século XX que a gravidez
de adolescentes passou a ser considerada um
problemadesaúdepública10
,atingindoemsuas
ultimas décadas uma maior dimensão no que
tange a intervenções voltadas a seu tratamento
e prevenção†††
.
Já na ótica mais ampliada do conceito
ambientalistadesanidades,aprocriaçãodeado-
lescentespobreseurbanasficamaisdiretamente
relacionadaaquestõessócio-políticas.Naorga-
nizaçãodoseco-sistemasprópriosdascidades,
essa procriação pode apresentar elementos de
buscadecondiçõesconstrutivas,comotambém
elementosopostosaessascondições.
Com respeito a aspectos construtivos
(busca e/ou encontro de sanidades), verificou-
se que todas as adolescentes pesquisadas, nos
doismomentosdosestudosseparadospormais
de três anos, não deram indicações de uso abu-
sivo de drogas, mesmo aquelas que conviviam
com companheiros ou namorados que abusa-
vam de drogas e/ou traficavam.Ao contrário,
elas referiram ter diminuído o uso das drogas
ou substituído por drogas menos nocivas (pelo
menos na consideração social, como é o caso
da substituição da maconha pelo cigarro).
Adicionalmente,acausadagravidezdes-
sasadolescentestambémpodeestarlocalizada
em outros movimentos não disruptivos.Adis-
ponibilidade para engravidar, ativa ou passiva,
consciente ou inconsciente, pode ser uma for-
ma de escape e administração de riscos associ-
ados a condições sócio-ambientais muito ad-
versas, como já exposto, por distanciá-las de
situaçõesdemaiorproximidadedecriminalida-
de, tráfico e drogas, pelo menos pelo tempo
que ficavam mais dedicadas ao bebê.
De outro lado, pensar em sanidades, in-
clui refletir acerca do futuro adverso dessas jo-
vens e de seus filhos, isto é, a perpetuação das
condições de prejuízos sociais quanto ao aces-
so à educação, lazer, moradia e condições ade-
quadas para o desenvolvimento.
†††
O conceito de sanidade é mais abrangente do que o de saúde, relacionando-se diretamente com as ideologias e com a
política. Por outro lado, as visões eco-energéticas expressam-se estritamente sob o conceito higienista de saúde, pouco
oferecendo de visão crítica ao desenvolvimento desigual. Diferente do conceito de sanidades, o conceito higienista não
está ligado à noção de sobrevivência compartilhada, somente entendendo a sanidade como uma possibilidade de
higiene.
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
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Nancy Ramacciotti de Oliveira
Quandoosfilhosdasadolescentesforem
maiores de quatro anos (limite temporal das
pesquisas de referência desse artigo), haverá
riscos maiores do que os já presentes para in-
clusão,qualificação,econstruçãodeumaiden-
tidade com capacidades para a criatividade,
mudanças e permanências? Esses riscos serão
diretamenteprovenientesdaocorrênciadapro-
criação na adolescência? - Essas são questões
aindaemdiscussão,sugerindonovasinvestiga-
ções, especialmente as voltadas ao estudo do
fenômeno da gravidez de adolescentes pobres
naóticasócio-ambiental.
Procriação de adolescentes pobres: risco
também para a sustentabilidade±
?
Mesmo que as hipóteses acerca da re-
produção da pobreza causada pela procriação
de adolescentes pobres sejam criticadas etica-
mente, o aumento expressivo das taxas de pro-
criação em adolescentes pobres expõe um di-
lema diretamente relacionado às sociedades
sustentáveis.Nessesentido,interroga-se:como
poderão ser alcançadas direções de sustenta-
bilidade, num mundo com enormes diferenças
sociais, no qual cresce ou se mantém o fenô-
meno expressivo da gravidez de adolescentes?
O conceito de sustentabilidade inclui a
noção de que o desenvolvimento deve ocorrer
deformaqueasnecessidadessatisfeitasnopre-
sente não comprometam as necessidades do
futuro, das próximas gerações7,12
. Por isso, a
procriação dos adolescentes pobres é uma te-
mática diretamente relacionada à sustentabili-
dade, porque ligada ao futuro das próximas
gerações, mães e filhos, e do planeta.
Por outro lado, a procriação de jovens
pobres e urbanas pode ser resposta direta e/ou
indireta às graves necessidades do tempo pre-
sente - mais simbólicas do que as de natureza
sexual, muito mais relacionadas e criadas pelo
espaço total e pelas condições dos territórios
do que por escolhas entre alternativas de de-
senvolvimento.Paraumaadolescentepobre,ter
um bebê e uma esperança de constituir família
pode ser uma saída para dar conta de necessi-
dades presentes e urgentes, como a constata-
ção do desamparo e da falta de horizontes.
As preocupações públicas relacionadas
à procriação adolescente são voltadas especi-
almenteparaofuturo,istoé,relacionadasapre-
juízosquepoderãoatingirascondiçõessociais
dessas adolescentes e de seus filhos - prejuízos
nassuascompetênciasparaasobrevivênciano
edomodelocontemporâneodesociedade.Em
espaços com enormes diferenças na distribui-
ção das riquezas e das carências sociais, como
nas periferias sociais e urbanas de grandes ci-
dades brasileiras, as novas gerações formadas
por filhos de adolescentes pobres estão assim
colocadas nesse dilema da sustentabilidade -
uma provável busca de sobrevivência de parte
dageraçãopresenteacabamantendo,agravan-
do ou até perpetuando os prejuízos que já se
encontram instalados na geração de seus pais.
Como toda a procriação humana, a pro-
criaçãodeadolescentestemumadimensãoéti-
ca. É essa dimensão que precisa ser colocada
no centro das discussões sobre o fenômeno
da gravidez e maternidade de adolescentes po-
bres e urbanas, e do aumento de sua incidên-
cia. Com isso, as dimensões políticas que cer-
cam a questão poderão ser trabalhadas para
além das intervenções (sem dúvidas necessá-
rias) que as políticas públicas têm adotado,
ainda com pouca eficácia, pelo menos quanto
à sua prevenção.
±
Conforme Pol11
, o termo sustentabilidade não tem uma definição operativa suficiente e apresenta enfoques distintos
de acordo com as perspectivas das problemáticas ambientais.Aênfase em desenvolvimento ou em sustentável é diversa,
mas os conceitos de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável tiveram a virtude de facilitar pontos de encon-
tro (mesmo que não de acordo) entre diversos interesses, sendo assumidos por ambientalistas e também por estruturas
empresariais e industriais.
Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77
77
Nancy Ramacciotti de Oliveira
REFERÊNCIAS
1. Oliveira NR. Perfis de grávidas e mães
adolescentes: estudo psicossocial de
adolescentes usuárias de um serviço público de
pré-natal e maternidade [tese]. São Paulo:
Instituto de Psicologia, Universidade de São
Paulo; 1999.
2. Oliveira NR. Perfis de adolescentes mães após
três anos do nascimento do bebê: seguimento
longitudinal de estudo psicossocial[pós-
doutorado]. São Paulo: Departamento Materno-
Infantil da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo; 2001.
3. Oliveira NR. Gravidez e maternidade de
adolescentes de periferias sociais e urbanas:
reflexões à luz da PsicologiaAmbiental. São
Paulo: Relatório de Pesquisa - Programa de Pós-
doutorado BR – FAPESP, Departamento
Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo; Laboratório de
Psicologia Sócio-Ambiental e Intervenção do
Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo; 2002.
4. CostaACG. Protagonismo Juvenil: adolescência,
educação e participação democrática. Fundação
Odbrecht, Modus Facient; 1996.
5. Monteiro GV, Oliveira NR Assistência à gestante,
uma experiência psicológica em saúde pública:
Abstract:This paper presents considerations, based on concepts of environmental psychology,
about breeding of poor teenagers belonging to the urban outskirts of large cities from the state of
São Paulo, Brazil. Under these environmental and social conditions, pregnancy seems to be
directly associated with lacks existing in the current models, which present needs that cannot be
fulfilled by these teenagers. The breeding of poor teenagers in a globalized society, with the
challenge of searching for a form of self-supported development, is understood as a psychosocial
phenomenon, which must be handled with an inter-disciplinary approach, since it reaches larger
realms, such as ethics and politics.
Keywords: Teenage pregnancy. Breeding of poor teenagers. Environmental Psychology.
Environmental hazards for youngsters. Teenage breeding and protagonist role-playing. School.
de como se perde um paraíso e se ganham bebês.
In: Campos FCB, Henriques CMP, organizadores.
Contra maré à beira-mar: a experiência do SUS em
Santos. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 1997. p.154-
61.
6. Santos M. Por uma outra globalização. 4º ed.
Rio de Janeiro: Record; 2000.
7. Saber AA. Material bruto para uso no vídeo
intitulado USP Recicla. São Paulo: Direção de
Vídeo MarcelloTassara; 2002. Produção CECAE
/ ECA-USP. 7 p. [digitado].
8. Tassara E, organizadora. Panoramas interdisci-
plinares para uma psicologia ambiental do urbano.
São Paulo: EDUC / FAPESP; 2001.
9. Ferrara LD. As cidades ilegíveis. Percepção
ambiental e cidadania. In: Del Rio V, Oliveira L,
organizadores. Percepção ambiental.A
experiência brasileira. São Carlos: Ed.UFSCar/
Nobel; 1999. p.127-42.
10. ReisAA(1993) O discurso da saúde Pública sobre
a adolescente grávida: avatares [tese]. São Paulo:
Faculdade de saúde Pública da Universidade de
São Paulo; 1993.
11. Pol E Ejes de tensión y nueva agenda para la
PsicologíaAmbiental. Una perspectiva europea.
In: Tassara E, organizadora. Panoramas
interdisciplinares para uma psicologia ambiental
do urbano. São Paulo: EDUC / FAPESP; 2001.
p.51-67.
12. Bruntland GH. Nuestro futuro común. Madrid:
Alianza; 1989.
Recebido em 10/06/2004
Modificado em 14/10/2004
Aprovado em 10/01/2005

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Maternidade na adolescência

  • 1. PESQUISA / ORIGINAL RESEARCH / ORIGINAL 69 Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 MATERNIDADE DE ADOLESCENTES DE PERIFERIAS SOCIAIS E URBANAS: ALGUMAS ANÁLISES À LUZ DA PSICOLOGIA AMBIENTAL MOTHERHOOD AMONG POOR TEENAGERS BELONGING TO SOCIAL AND URBAN OUTSKIRTS: ANALYSIS UNDER THE LIGHT OF ENVIRONMENTAL PSYCHOLOGY Nancy Ramacciotti de Oliveira* Oliveira NR Maternidade de adolescentes de periferias sociais e urbanas: algumas análises à luz da PsicologiaAmbiental. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005; 15(1):69-77. Resumo: Esse artigo apresenta reflexões sobre a procriação de adolescentes de periferias sociais e urbanas de duas grandes cidades do Estado de São Paulo (BR), Santos e Santo André, baseando-se em conceitos da Psicologia Ambiental, a partir de três estudos realizados anteriormente com adolescentes grávidas e mães pobres. Naquelas condições sócio-ambientais, a gravidez pareceu diretamente associada a carências advindas de modelos que apresentam necessidades que aquelas adolescentes não podiam prover. A procriação de adolescentes pobres numa sociedade globalizada, com desafios de busca de uma forma de desenvolvimento que seja sustentável, é entendida como um fenômeno psicossocial, que deve ser tratado de forma interdisciplinar, uma vez que alcança âmbitos maiores, de ordem ética e política. Palavras-chaves: Gravidez na adolescência. Procriação de adolescentes pobres. Psicologia Ambiental. Riscos ambientais para juventude. Procriação e protagonismo juvenil. Escola. Enraizamento. Histórico Neste artigo, são apresentadas algumas reflexões sobre o fenômeno da gravidez e da maternidadedeadolescentespobresquevivem em grandes centros urbanos. Essas reflexões decorreram de três estudos psicossociais sobre gravidez,maternidadeesexualidadedeadoles- centespobresfeitosemcidadesdaBaixadaSan- tista (SP) e na cidade de SantoAndré (SP) 1,2,3 . Tais estudos tiveram como ponto de partida a nossapráticaprofissionalcomopsicólogaemuma unidadedeserviçopúblicodeatendimentopré- natalematernidade. A partir desses estudos, o protagonismo juvenileascondiçõescontemporâneasdacha- mada juventude popular urbana mostraram a relevânciadaproblemáticasócio-ambientalfren- teàquestãodagravidezedamaternidadeocor- ridas nesses contextos4 . No primeiro desses estudos, foram pes- quisadasadolescentesgrávidas(comusode82 questionários e 150 desenhos de auto-retrato) e mães (através de 36 entrevistas em profundi- dade,realizadasnoslocaisdamoradia,quando os bebês tinham menos de cinco meses). Esse estudofoiretomadonumtrabalhodeseguimento longitudinal, com a investigação dessas mães * Psicóloga clínica e professora do curso de Psicologia da Universidade Católica de Santos - UNISANTOS. End,: Av. Washington Luis, 553 ap.51. Santos - SP . CEP 11055-001. E-mail: nancy@unisantos.br
  • 2. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 70 Nancy Ramacciotti de Oliveira adolescentes,quandoseusfilhosjáestavamcom cerca de três anos e meio, também com entre- vistas propostas para realização nas próprias casas, apesar das mudanças de moradia ocor- ridas no intervalo das pesquisas de campo1, 2. . Para análise dos resultados desses dois trabalhos com mães adolescentes, foram usa- dos eixos temáticos como: histórias de vida, cotidiano, condições de moradia, subsistência, dependência e autonomia, trajetória escolar e de trabalho, aspectos de risco, avaliações da experiência da gravidez e maternidade, proje- tos, amizades, lazer, maternagem† , condições geraisdedesenvolvimentodofilho,questõesde sexualidade e gênero, condições do pai da cri- ança,aspectosemocionais,auto-imagemeiden- tidade. Essa relação entre os aspectos sócio- ambientais de jovens moradores de periferias sociais e urbanas e a sexualidade foi retomada num terceiro estudo que incluiu um inventário sobre a vida sexual de adolescentes, homens e mulheres, com ênfase em aspectos da procria- ção3 . As análises tiveram como referência o protagonismoinfantileajuventudeatualurba- na, conforme Costa4 . OBJETIVO E MÉTODO No presente artigo, alguns elementos re- tirados desses três trabalhos são discutidos sob aóticadepsicologiaambiental,incluídaaíuma interseção com a geografia e com a sociologia. Para tanto, foram usados: a) o conceito de es- paço total como construção de fragmentos de umahistóriaedeumageografia6 ;b)oconceito de busca de sanidades enquanto uma forma de ambientalismo7 ; e c) referências ao desen- volvimento sustentável, em uma visão crítica dessedesenvolvimento8 . Para abarcar, nessa ótica, a questão da gravidezematernidadedeadolescentespobres de centros urbanos, isto é, a inter-relação des- se fenômeno com condições sócio-ambientais específicas,asreflexõespropostascaminharam nosseguintestemas:característicasdosterritó- rios de risco, dos prejuízos escolares e do de- senvolvimento da crítica; problemas de enrai- zamento; questões de saúde e/ou sanidades. Finalizando o artigo, apresenta-se uma breve discussão da temática da sustentabilidade em relação à procriação de adolescentes pobres. RESULTADOS E DISCUSSÕES Aspectos de território: as adolescentes, os riscos e os fragmentos simbólicos da sociedade globalizada O ambiente, visto como espaço total dos jovens das periferias sociais e urbanas de algu- mas cidades brasileiras, é composto por uma forma de pobreza contemporânea e urbana, permeada dos riscos da criminalidade e do trá- fico de drogas, e de trânsito de símbolos e va- loresquenãoseencontramalidisponíveispara usufrutoerealização.Asubjetividadedejovens desses espaços emerge no inter-jogo de suas condiçõesinternas–desuashistóriasfamiliares esociais,principalmentevividasnalutaporso- brevivência, e de sua convivência com os ris- cos do território - com a incorporação de uma cultura de necessidades, mitos, ídolos, idéias e imagens de uma sociedade fora de suas condi- ções de pobreza. Eles vivem e crescem num território - um espaço total que é, concomitan- temente, uma junção de fragmentos, geográfi- cos e históricos, do planeta e da humanidade6 - de fragmentos próprios de uma sociedade glo- † A “maternagem” está sendo entendida como uma interação adulto-criança que inclui acolhimento, compreensão, paciência, orientação e suporte por e com a criança, em suas angústias.5 (p.157).
  • 3. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 71 Nancy Ramacciotti de Oliveira balizada que constantemente expõe, pela mí- dia, seus valores de consumo de riquezas. Em dois estudos feitos com grávidas e mães adolescentes dessas periferias de gran- des cidades, todas as entrevistadas referiram diretaouindiretamentesituaçõesconcernentes à pobreza e à convivência com riscos, princi- palmenteosdotráficoedousoabusivodedro- gas,daviolênciaurbanaedacriminalidade.As falas sobre roubos, ameaças e juramentos de morte, fugas, mortes com crueldade, prostitui- ção,abusosexualeviolênciadoméstica,defor- ma quase banal, faziam parte do cotidiano do ambientenoqualviviam. A convivência cotidiana com os perigos do território parecia promover a construção de recursosdedefesaparaaadministraçãodosris- cos.Estaralerta,nãomanifestarconfronto,obe- decer às ordens dos traficantes, separar-se do companheirotraficanteapósumsinaldeaumen- to de risco, conviver com as regras do tráfico e dacriminalidade,emespecialcomasfugasapós juramentos de morte e a submissão à violência domésticaforamcircunstânciastrazidasnosde- poimentos como exemplos de formas de lidar comosperigosdaquelesambientes. Nesses estudos, entretanto, pode-se ob- servarqueosriscosdacriminalidadeedotráfi- co, que rondavam os ambientes das mães ado- lescentes, não pareciam atingi-las diretamente (com exceção de uma entrevistada, vítima de violênciadoméstica,espancamentos,agressões eameaçassofridasdocompanheirotraficante). Esse dado concorreu para a sugerir a hipótese daexistênciadealgumaproteçãodiantedosris- cos próprios desses territórios - proteção ad- vinda da gravidez e da maternidade, por conta damenordisponibilidadeparafreqüênciaade- terminados espaços, que uma mãe adolescente pobredispõe,pelomenosquandotemumfilho ainda pequeno. Os riscos das periferias urbanas não es- tão localizados em espaços com fronteiras cla- ras.Ao contrário, eles espalham-se por todo o ambiente, pelas casas, ruas, escolas e nos pou- cos espaços de lazer, em especial, nos bares e bailes.As diversões oferecidas nesses ambien- tes,emgeralcoletivas,sãomuitoligadasaotrân- sito de drogas e tráfico. Justamente a perda da disponibilidade para essas diversões era a principal queixa das jovenspesquisadas-indisponibilidadeclaramen- te entendida por elas como um prejuízo advin- do da gravidez e da maternidade. No entanto, o “estar presa” pela criança, isso é, pelo tempo dedicadoaofilho,retiravaasadolescentesmães, em graus e formas diferentes, dos espaços de “zoar”, gerando uma situação de certa prote- ção pelo distanciamento dos riscos desses es- paços. Essa situação foi sugerida em todos os casospesquisados,efoifreqüentementeexpres- sa por muitas das jovens ao lamentarem a per- da desse tipo de lazer. Os maiores riscos psicossociais aparen- tes, em algumas das jovens pesquisadas (pros- tituição,surtopsiquiátrico,violência,delinqüên- cia e tráfico), foram associados especialmente aos prejuízos na inserção familiar, com situa- ções de abandono, precariedade, turbulência e danificação. Entretanto, nos casos em que a relação com a família de origem apresentava- se melhor instalada, com maior segurança e confiançanosvínculos,forammaisevidentesos perigos relacionados ao ambiente em que elas moravam:aquelesbairrosmuitopobres. Nesses bairros, a pesquisa de campo é bastante difícil. Os espaços pobres de periferi- as urbanas, especialmente as favelas domina- das pelo tráfico, constituem-se territórios com fronteirasporvezesinvisíveis,masrígidas.São territórios permeados pelos riscos, mas isola- dos e pouco decifráveis, apesar de abrangidos extensa e intensamente pela comunicação de massa(principalmentepelatelevisão). Peloaumentodaviolênciaedacriminali- dade,essesterritóriosacabamporsetornarquase queimpenetráveisparaestudoecompreensão, já que apresentam grandes riscos para a segu-
  • 4. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 72 Nancy Ramacciotti de Oliveira rançadospesquisadores.Ali,parapenetraçãoe investigação,éprecisocontarcompermissãoe intermediaçãodeforçaslocais,muitasvezesli- gadasàviolênciaeàcontravenção. Num dos trabalhos de campo, realizado em 2001, por exemplo, a disponibilidade das jovens para ocorrência de entrevistas nas suas próprias residências foi bem menor do que no estudo anterior, feito cerca de três anos e meio antes. Esse fato foi analisado com uso das se- guinteshipóteses: - a ocorrência, proporcionada pelo de- senvolvimentodaadolescente,doumaumento de percepção crítica diante da situação de po- breza,condiçãoevidentenasmoradiaseambi- entesemqueelasviviamepoucovisívelemseus trajes e imagens pessoais†† ; - o perigo dos ambientes ter aumentado ousetornadomaisvisívelparaasjovensentre- vistadas, se comparado à situação anterior. Nesse sentido, elas estariam tentando proteger aentrevistadora,evitandosuaentradaemterri- tório de risco; - as jovens que expressaram maior re- sistência da ida à casa pela entrevista não ti- nham mais bebês pequenos (um segundo fi- lho), cuja presença poderia protegê-las de ris- cos relacionados à pesquisa (pelo depoimen- to) e também proteger a entrevistadora, já que nãohaviamaisumaidentificaçãodiretadapes- quisa com serviços de pré-natal ou materni- dade (etapa do trabalho de campo quando o bebê era bem pequeno). Por tudo isso, e pela constatação de que, atualmente, um enorme contingente de jovens brasileiros vive e sobrevive em territórios po- bres e urbanos dominados pelo tráfico - na for- madecrimeorganizadoemnívelinternacional- , a problemática da procriação de dessas ado- lescentes deve ser tratada por políticas públi- cas que não apenas enfatizem a prevenção da contracepção e das DSTs (com informações sobre práticas sexuais consideradas seguras), mas que, sobremaneira, articulem seus mode- los de intervenção com as condições desses ambientesmarcadospelainsegurança. Os prejuízos escolares e a (im)possibilidade de crítica das adolescentes acerca de seus ambientes e de seus cotidianos SegundoFerrara9 ,acríticadocotidianoé condição necessária para o sujeito transformar suahistória,construirseupresenteefuturo. Nos relatos sobre suas histórias, as jo- vens pesquisadas falavam de suas vicissitudes nasligaçõesamorosasefamiliaresedesuaslu- tas por sobrevivência. Com percepções frag- mentadas e um pouco confusas acerca do coti- diano, elas descreviam a vida quase como um destino, do qual a primeira gravidez transfor- mava-se em epicentro. As mudanças de endereço e uma quase ausênciadepertinênciaainstituiçõesescolares ou sociais (clubes, associações, igrejas) eram as condições presentes nas vidas das entrevis- tadas,principalmenteapósonascimentodeseus bebês. Elas cuidavam das crianças em suas ca- sas, faziam poucas e fracassadas tentativas de volta à escola, além de algumas tentativas es- porádicasdeinserçãonomercadoprofissional. Paraasubsistência,elasdependiamdesuas famílias de origem, ou de seus companheiros e dasfamíliasdeles.Seusprojetoseexpectativas voltavam-separaasnecessidadesmateriais,que careciam de potencial para realização - conse- guir um bom emprego e ter uma casa própria. Tambémqueriamterminarosestudos(semiden- tificaroudelimitarolimitedotérmino)epensa- † † No estudo de seguimento longitudinal, as adolescentes que não deram entrevistas em suas casas, vieram ao encontro da pesquisadora para as entrevistas, vestidas com roupas da moda, usando batom e perfume.
  • 5. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 73 Nancy Ramacciotti de Oliveira vamemteroutrofilhonumfuturo(aquelasentre- vistadasquetinhamtidoapenasumfilho). Acerca desse cotidiano, elas mostravam pouca condição de reflexão ou crítica. Os pre- juízosescolarespareciamserdeterminantespara a dimensão dessa falha. Em geral, as adolescentes não estavam maisnaescolaquandohaviamengravidado,ou ali estavam com dificuldades de pertinência. Durante a gravidez e principalmente depois do nascimento do bebê, as tentativas de re-inser- ção eram poucas e difíceis.Após algum tempo do nascimento da criança, as adolescentes ma- nifestavam desejos de voltar a estudar,masha- via obstáculos para as re-matrículas.As cons- tantes mudanças de endereço, e até de cidade, ocorridas nas tentativas de construir uma nova família, exigiam providências para o retorno à escola, quanto a vagas e documentação, que teriam que ser feitas sem ajuda de adultos. A maternidadefaziacomqueelasfossemencara- das como adultos que teriam que tomar conta daprópriavidaedadeseusfilhos-fazermatrí- culas, arranjar vagas em creches e em escolas, enfim, tornar a se inserir, quase sempre às pró- prias custas, na trajetória para um melhor de- senvolvimento. Em geral, após a procriação, uma ado- lescente pobre não é mais tratada como filha a ser educada, mas sim como mãe, que deve cui- dar de seus filhos - um degrau de crescimento bastante grande para ser transposto sem ajuda externa. Entretanto, para as adolescentes pes- quisadas,issoparecianatural,ouinevitável.Em seus relatos, havia a sugestão de que esse rápi- do “desmame” (da condição de filha adoles- cente / dependente, para a condição de mãe / independente) era decorrência de dois fatores. Primeiro,umaclarificaçãodefronteiracausada pelaprocriação:asaídadeummundodeprivi- légios de filho para entrada no mundo de pais, dos quais se espera autonomia e responsabili- dade. Em segundo lugar, mas não menos im- portante, essa retirada da condição de depen- dência podia funcionar como uma descarga para a responsabilidade psicológica, social e econômica da família, com a liberação de um membroquenãomaisnecessitariadeacompa- nhamento em seu desenvolvimento, ser cuida- do e educado para a vida. Com essas condições, era muito difícil o retorno aos estudos. Ao lado disso, todas as entrevistadas manifestaram valorização da es- cola, como passagem necessária para um in- gresso bem sucedido no mercado profissional, e associavam a não disponibilidade para os es- tudoscomaocorrênciadagravidez.Assim,elas pareciam apenas reproduzir parte do discurso político e da saúde pública acerca da gravidez de adolescentes, sem alcançar uma expressão crítica sobre esse fato e sobre suas vidas. As dificuldadescomaescolaficavamrestritamen- te explicadas pelo problema de ter filhos cedo, não incluindo outros fatores, como os proble- masfamiliaresesociais,ouaté,asdificuldades próprias das escolas e das creches. Apenas haviaaafirmaçãodequeaescolaprecisavaser “terminada”algumdia(comonosváriosrelatos dapossibilidadede“eliminarmatérias”edeser “dispensada”), não sendo entendida como um direito a um espaço/tempo de e para o desen- volvimento. Problemas de “enraizamento” para adolescentes grávidas e mães O“enraizamento”concretoousimbólico numterritório,ointeressepelolocalepelolugar, criamascondiçõesdedesenvolvimentodaiden- tidade relacionada aos sentidos de pertinência, de modelos de identificação e possibilidade de trocasdeconteúdosecontinentespsicológicos. A instabilidade quanto à moradia, com constantes mudanças comuns às populações urbanas mais pobres, é acentuada pelo evento da gravidez de adolescentes. Engravidar e ter filhos são fortes motivos para mudar de casa, de bairro e até de cidade (para morar com um
  • 6. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 74 Nancy Ramacciotti de Oliveira companheiro,oucomsuafamília). Essasmudançasacarretamproblemasde “enraizamento”notocanteagruposdeamigos, “turmas”,famíliadeorigemeinstituições,prin- cipalmentequantoàsreferênciasparapertinên- ciaemescolaseinclusãodosfilhosemcreches do bairro. Quanto aos domicílios, muitas das adolescentesmãesindicavamviverprovisoria- mente nas casas em que habitavam, seja por- que desejavam sair dali para lugares melhores, ou porque assim precisavam. Com isso, as jovens tinham dificuldades na integração com a vizinhança, perdiam ami- gos em vez de fazê-los, criavam poucas raízes porqueiriamouqueriamirembora. A carência e o empobrecimento de con- tatos de amizade observados em diferentes momentosdaspesquisaspareciamdiretamente relacionados a: saída da escola; descolamento de espaços de lazer (já que eles são pratica- menteinexistentesnosbairrospobres);eocui- dado com a criança, que restringia as saídas de casa, ou de seus arredores. As adolescentes investigadas indicaram ter poucos amigos na vizinhança;emgeral,tinhamalgumascolegas, jovens também mães, mas os contatos pareci- ampoucoestimulantesouvalorizados. As atividades do cotidiano em geral de- senrolavam-se dentro do campo doméstico, destacando-seastarefasdacasa,ocuidadocom osfilhosecompanheiros,oenvolvimentocom alguns serviços esporádicos ou a sua procura e, basicamente, assistir televisão – um veículo poderoso na criação, manutenção e reprodu- ção de modelos e ideais quase nunca possíveis deserematingidosporessasadolescentes,ain- da mais, sendo mães. As adolescentes grávidas e mães pareci- am prisioneiras daquelas condições sócio-am- bientais,maisaindadoqueasadolescentesnão mães, e do que os adolescentes homens. Era a ocupação com os filhos que as mantinha fora, ou nas fronteiras da rede esco- lar.Além disso, também estavam fora da rede institucional,fossedeprojetosculturais,decre- chesparaosfilhos,oudeatividadesdelazerou de esporte. Enfim, elas pareciam presas com os filhos - frutos e raízes biológicas - , mas não enraizadas, na casa e nos seus arredores, com restrições e limites para ir e vir, para pertencer a outros e diversificados espaços. Questões de sexualidade e procriação numa sociedade globalizada: aspectos de sanidades Adolescentes pobres e urbanos possu- em fragmentos de permissão para suas vidas sexuais,comoreferênciaaograndevalordosexo e à valorização da “liberdade sexual” da socie- dade contemporânea. Ao lado disso, eles são chamados à res- ponsabilidadeparapráticadesexoseguro(com uso de prevenção diante de DSTs e especial- mente daAids) e para a contracepção, através do discurso de um modelo de saúde pública, ou de seus fragmentos, com referências a que aspessoasdevemaumentarsuascompetências paraadministrarseusdestinosemsaúde(como prevenção de doenças) e procriação. A questão problemática que se coloca diante desses modelos sociais - que incluem erotismo, responsabilidade para sexo seguro e competência para a contracepção - é a dificul- dade da articulação desses modelos com as condições psicológicas e sócio-ambientais es- pecíficas de jovens pobres. Eles têm que ma- nejar suas condições do âmbito da sexualidade (pouca experiência na genitalidade; liberdade social para vida sexual; exposição maciça ao erotismo pela mídia), com carências graves no âmbitosocial(grandesprejuízosparaalternati- vas gratificantes no cotidiano; falta de suporte para angústias, em especial as ligadas aos sen- timentos de solidão; envolvimento com situa- çõesderiscoprovenientesdaproximidadecom a criminalidade, as drogas e o tráfico). Nessa circunscrição psicossocial, as
  • 7. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 75 Nancy Ramacciotti de Oliveira questões de sexualidade e procriação tomam características próprias que não podem ser iso- ladas no campo geral do desenvolvimento e, especificamente,dodesenvolvimentodasexu- alidadenumsentidopsicológicoe/ougenético. O conceito de busca de sanidades7 , pró- prio das reflexões do ambientalismo, pode ser útil para a discussão dessa temática, pois am- plia limites do pensamento clássico da saúde pública. Nesse sentido, a procriação de ado- lescentes pobres passa a ser tratada não só como um problema da ordem da saúde da ado- lescente e a de seu filho, como da sanidade dos eco-sistemas em que está inserida. As primeiras discussões canadenses acercadaquestãoambientalincluíramessaidéia de “sanidades” e fizeram parte da própria ori- gem dessa questão. Qualquer problema relaci- onado com a sanidade do ambiente teria que ser considerado através de um lado técnico e de um lado de integração com outros sistemas, já que todos os problemas ambientais relacio- nam-se com a organização humana que está naquele espaço. Apalavra “sanidade”, do latim sanare, tem o sentido de curar e tratar. Nas primeiras discussõesambientais,tratava-sedecuraretra- tar a água, o solo, o ar, e os sistemas agrários, por exemplo, tanto tecnicamente como em sua integração com os outros eco-sistemas. Tratar a questão da gravidez e da mater- nidadedeadolescentespobresdentrodastemá- ticasambientaisdecorredesepensarassanida- desdascidades,deseusmetabolismos,daspes- soas,edesuasrelaçõesinterpessoaisesociais. Foi a partir do século XX que a gravidez de adolescentes passou a ser considerada um problemadesaúdepública10 ,atingindoemsuas ultimas décadas uma maior dimensão no que tange a intervenções voltadas a seu tratamento e prevenção††† . Já na ótica mais ampliada do conceito ambientalistadesanidades,aprocriaçãodeado- lescentespobreseurbanasficamaisdiretamente relacionadaaquestõessócio-políticas.Naorga- nizaçãodoseco-sistemasprópriosdascidades, essa procriação pode apresentar elementos de buscadecondiçõesconstrutivas,comotambém elementosopostosaessascondições. Com respeito a aspectos construtivos (busca e/ou encontro de sanidades), verificou- se que todas as adolescentes pesquisadas, nos doismomentosdosestudosseparadospormais de três anos, não deram indicações de uso abu- sivo de drogas, mesmo aquelas que conviviam com companheiros ou namorados que abusa- vam de drogas e/ou traficavam.Ao contrário, elas referiram ter diminuído o uso das drogas ou substituído por drogas menos nocivas (pelo menos na consideração social, como é o caso da substituição da maconha pelo cigarro). Adicionalmente,acausadagravidezdes- sasadolescentestambémpodeestarlocalizada em outros movimentos não disruptivos.Adis- ponibilidade para engravidar, ativa ou passiva, consciente ou inconsciente, pode ser uma for- ma de escape e administração de riscos associ- ados a condições sócio-ambientais muito ad- versas, como já exposto, por distanciá-las de situaçõesdemaiorproximidadedecriminalida- de, tráfico e drogas, pelo menos pelo tempo que ficavam mais dedicadas ao bebê. De outro lado, pensar em sanidades, in- clui refletir acerca do futuro adverso dessas jo- vens e de seus filhos, isto é, a perpetuação das condições de prejuízos sociais quanto ao aces- so à educação, lazer, moradia e condições ade- quadas para o desenvolvimento. ††† O conceito de sanidade é mais abrangente do que o de saúde, relacionando-se diretamente com as ideologias e com a política. Por outro lado, as visões eco-energéticas expressam-se estritamente sob o conceito higienista de saúde, pouco oferecendo de visão crítica ao desenvolvimento desigual. Diferente do conceito de sanidades, o conceito higienista não está ligado à noção de sobrevivência compartilhada, somente entendendo a sanidade como uma possibilidade de higiene.
  • 8. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 76 Nancy Ramacciotti de Oliveira Quandoosfilhosdasadolescentesforem maiores de quatro anos (limite temporal das pesquisas de referência desse artigo), haverá riscos maiores do que os já presentes para in- clusão,qualificação,econstruçãodeumaiden- tidade com capacidades para a criatividade, mudanças e permanências? Esses riscos serão diretamenteprovenientesdaocorrênciadapro- criação na adolescência? - Essas são questões aindaemdiscussão,sugerindonovasinvestiga- ções, especialmente as voltadas ao estudo do fenômeno da gravidez de adolescentes pobres naóticasócio-ambiental. Procriação de adolescentes pobres: risco também para a sustentabilidade± ? Mesmo que as hipóteses acerca da re- produção da pobreza causada pela procriação de adolescentes pobres sejam criticadas etica- mente, o aumento expressivo das taxas de pro- criação em adolescentes pobres expõe um di- lema diretamente relacionado às sociedades sustentáveis.Nessesentido,interroga-se:como poderão ser alcançadas direções de sustenta- bilidade, num mundo com enormes diferenças sociais, no qual cresce ou se mantém o fenô- meno expressivo da gravidez de adolescentes? O conceito de sustentabilidade inclui a noção de que o desenvolvimento deve ocorrer deformaqueasnecessidadessatisfeitasnopre- sente não comprometam as necessidades do futuro, das próximas gerações7,12 . Por isso, a procriação dos adolescentes pobres é uma te- mática diretamente relacionada à sustentabili- dade, porque ligada ao futuro das próximas gerações, mães e filhos, e do planeta. Por outro lado, a procriação de jovens pobres e urbanas pode ser resposta direta e/ou indireta às graves necessidades do tempo pre- sente - mais simbólicas do que as de natureza sexual, muito mais relacionadas e criadas pelo espaço total e pelas condições dos territórios do que por escolhas entre alternativas de de- senvolvimento.Paraumaadolescentepobre,ter um bebê e uma esperança de constituir família pode ser uma saída para dar conta de necessi- dades presentes e urgentes, como a constata- ção do desamparo e da falta de horizontes. As preocupações públicas relacionadas à procriação adolescente são voltadas especi- almenteparaofuturo,istoé,relacionadasapre- juízosquepoderãoatingirascondiçõessociais dessas adolescentes e de seus filhos - prejuízos nassuascompetênciasparaasobrevivênciano edomodelocontemporâneodesociedade.Em espaços com enormes diferenças na distribui- ção das riquezas e das carências sociais, como nas periferias sociais e urbanas de grandes ci- dades brasileiras, as novas gerações formadas por filhos de adolescentes pobres estão assim colocadas nesse dilema da sustentabilidade - uma provável busca de sobrevivência de parte dageraçãopresenteacabamantendo,agravan- do ou até perpetuando os prejuízos que já se encontram instalados na geração de seus pais. Como toda a procriação humana, a pro- criaçãodeadolescentestemumadimensãoéti- ca. É essa dimensão que precisa ser colocada no centro das discussões sobre o fenômeno da gravidez e maternidade de adolescentes po- bres e urbanas, e do aumento de sua incidên- cia. Com isso, as dimensões políticas que cer- cam a questão poderão ser trabalhadas para além das intervenções (sem dúvidas necessá- rias) que as políticas públicas têm adotado, ainda com pouca eficácia, pelo menos quanto à sua prevenção. ± Conforme Pol11 , o termo sustentabilidade não tem uma definição operativa suficiente e apresenta enfoques distintos de acordo com as perspectivas das problemáticas ambientais.Aênfase em desenvolvimento ou em sustentável é diversa, mas os conceitos de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável tiveram a virtude de facilitar pontos de encon- tro (mesmo que não de acordo) entre diversos interesses, sendo assumidos por ambientalistas e também por estruturas empresariais e industriais.
  • 9. Rev Bras Cresc Desenv Hum 2005;15(1):69-77 77 Nancy Ramacciotti de Oliveira REFERÊNCIAS 1. Oliveira NR. Perfis de grávidas e mães adolescentes: estudo psicossocial de adolescentes usuárias de um serviço público de pré-natal e maternidade [tese]. São Paulo: Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo; 1999. 2. Oliveira NR. Perfis de adolescentes mães após três anos do nascimento do bebê: seguimento longitudinal de estudo psicossocial[pós- doutorado]. São Paulo: Departamento Materno- Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2001. 3. Oliveira NR. Gravidez e maternidade de adolescentes de periferias sociais e urbanas: reflexões à luz da PsicologiaAmbiental. São Paulo: Relatório de Pesquisa - Programa de Pós- doutorado BR – FAPESP, Departamento Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; Laboratório de Psicologia Sócio-Ambiental e Intervenção do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; 2002. 4. CostaACG. Protagonismo Juvenil: adolescência, educação e participação democrática. Fundação Odbrecht, Modus Facient; 1996. 5. Monteiro GV, Oliveira NR Assistência à gestante, uma experiência psicológica em saúde pública: Abstract:This paper presents considerations, based on concepts of environmental psychology, about breeding of poor teenagers belonging to the urban outskirts of large cities from the state of São Paulo, Brazil. Under these environmental and social conditions, pregnancy seems to be directly associated with lacks existing in the current models, which present needs that cannot be fulfilled by these teenagers. The breeding of poor teenagers in a globalized society, with the challenge of searching for a form of self-supported development, is understood as a psychosocial phenomenon, which must be handled with an inter-disciplinary approach, since it reaches larger realms, such as ethics and politics. Keywords: Teenage pregnancy. Breeding of poor teenagers. Environmental Psychology. Environmental hazards for youngsters. Teenage breeding and protagonist role-playing. School. de como se perde um paraíso e se ganham bebês. In: Campos FCB, Henriques CMP, organizadores. Contra maré à beira-mar: a experiência do SUS em Santos. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; 1997. p.154- 61. 6. Santos M. Por uma outra globalização. 4º ed. Rio de Janeiro: Record; 2000. 7. Saber AA. Material bruto para uso no vídeo intitulado USP Recicla. São Paulo: Direção de Vídeo MarcelloTassara; 2002. Produção CECAE / ECA-USP. 7 p. [digitado]. 8. Tassara E, organizadora. Panoramas interdisci- plinares para uma psicologia ambiental do urbano. São Paulo: EDUC / FAPESP; 2001. 9. Ferrara LD. As cidades ilegíveis. Percepção ambiental e cidadania. In: Del Rio V, Oliveira L, organizadores. Percepção ambiental.A experiência brasileira. São Carlos: Ed.UFSCar/ Nobel; 1999. p.127-42. 10. ReisAA(1993) O discurso da saúde Pública sobre a adolescente grávida: avatares [tese]. São Paulo: Faculdade de saúde Pública da Universidade de São Paulo; 1993. 11. Pol E Ejes de tensión y nueva agenda para la PsicologíaAmbiental. Una perspectiva europea. In: Tassara E, organizadora. Panoramas interdisciplinares para uma psicologia ambiental do urbano. São Paulo: EDUC / FAPESP; 2001. p.51-67. 12. Bruntland GH. Nuestro futuro común. Madrid: Alianza; 1989. Recebido em 10/06/2004 Modificado em 14/10/2004 Aprovado em 10/01/2005