SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 50
Sermão da sexagésima,
  Padre Antônio Vieira
        Manoel Neves
O TERMO “BARROCO”
                                 etimologia e significação
                                         pérola irregular e defeituosa; processos confusos de raciocínio
      ETIMOLOGIA
                             valor: negativo, pejorativo bizarro; perda da clareza, da pureza e da elegância clássicas

                                        visão dos clássicos

                                    estilo impuro, alambicado e obscuro

                                       Wölflin, a reabilitação

o teórico alemão Wölflin reabilita o termo “barroco” e diz que ele designa uma forma peculiar de arte moderna
O HOMEM “BARROCO”
                    dividido entre duas concepções de mundo
              TEOCENTRISMO                                             ANTROPOCENTRISMO
                     [medieval]                                                   [renascentista]


    Deus é o centro e a medida de todas as coisas              O homem é a medida de todas as coisas [humanismo]

            crença no sistema geocêntrico                                    crença no sistema heliocêntrico

             conhecimento restrito à Igreja                                  produção e propagação da arte

           valorização dos santos e mártires                  valorização de Grécia-Roma [Mitologia : caráter clássico]

consciência da transitoriedade da vida, busca a salvação             celebração do prazer de viver [carpe diem]


                                              consequências
                                               espiritualização da matéria

                                         mistura do real e do sobrenatural

                                         fixação de estados contraditórios

                                     grande volume de antíteses e paradoxos
A CONTRARREFORMA
                 e suas implicações na literatura barroca
                                    século XVI
                               Martinho Lutero protesta contra desvios-desmandos dos que professavam
  Reforma Protestante          a doutrina católica. [a Reforma espalha-se por Alemanha, França, Reino
                               Unido e Holanda]
                               Defende-se a unidade da fé e a disciplina eclesiástica. Desdobramentos:
Concílio de Trento [1545]      Inquisição, Tribunal do Santo Ofício e Index librorum prohibitorum. A Companhia
                               de Jesus difunde e aplica os ideais contrarreformistas.
                               Autos de fé: rituais de punição aos hereges, que eram queimados em praça
Clima de Terror Religioso      pública. A ação da Inquisição atingiu principalmente Bahia e Pernambuco.
                               Autores como Galileu, Descartes e Newton são abolidos do ensino.


                             temas na literatura
   fragilidade e efemeridade da existência                  contrição e consciência do pecado

dolorosa percepção do tempo e da efemeridade       advertência contínua sobre a brevidade da vida

 permanente inutilidade das glórias mundanas       consciência de que o homem é mortal e limitado
O BARROCO
                                       estilos e ideologias
    cultismo ou gongorismo                               conceptismo ou quevedismo
        influência: Luiz de Gôngora                          influência: Francisco de Quevedo

                requinte da forma                                       sutileza das idéias

                 vocabulário raro                                    raciocínios engenhosos

               alusões mitológicas                                  associações inesperadas

             reiteração de metáforas                                   alegorias, paradoxos

                jogos de palavras                                         jogos de idéias

     uso excessivo de figuras de linguagem                        percepção íntima dos objetos

Essas duas tendências se completam e, não raro, coexistem num mesmo texto literário. No Sermão da sexagésima,
Vieira condena os abusos do estilo cultista, próprios dos pregadores da Ordem de São Domingos, no entanto,
esse sermão, de estilo conceptista, apresenta, em alguns momentos, o uso do mesmo estilo que condenava.
O BARROCO
                                         estilos e ideologias
    cultismo ou gongorismo                               conceptismo ou quevedismo
Todas as estrelas por sua ordem; mas é ordem que        Há de tornar o pregador uma só matéria, há de
faz influência, não é ordem que faça favor. Não fez     defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que
Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os               se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de
pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras.        declará-la com a razão, há de confirmá-la com o
Se de uma parte está Branco, da outra há de estar       exemplo, há de amplificá-la com as causas e com os
Negro, se de uma parte está Dia, da outra há de estar   efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências
Noite; se de uma parte dizem Luz, da outra hão de       que se hão de seguir, com os inconvenientes que se
dizer Sombra; se de uma parte dizem Desceu, da          devem evitar, há de responder às dúvidas, há de
outra hão de dizer Subiu. Basta que não havemos de      satisfazer as dificuldades, há de impugnar e refutar
ver num sermão duas palavras em paz? Todos hão de       com toda a força da eloqüência os argumentos
estar sempre em fronteira com o contrário?              contrários, e depois disto há de colher, há de apertar,
                                                        há de concluir, há de persuadir, há de acabar.
RETÓRICA E ORATÓRIA
                                     palavra e poder no púlpito
Sermão é um texto em prosa, um discurso importante, longo e demoradamente elaborado, tendo como objetivo a
propaganda e edificação religiosa. Esta modalidade literária faz parte da oratória, isto é, a prática ou arte de bem
dizer, explorando os recursos verbais com vistas a ensinar, persuadir e comover.

O sermão ou prédica é eloqüência religiosa, também chamada perenética, cujo objetivo é discutir os dogmas da
religião com vistas a incuti-los no ouvinte, comovendo e persuadindo.


                                           retórica e oratória
                 retórica: regras que estruturam a oratória; oratória: arte do bem falar, do bem dizer


                                                   perenética
           oratória sacra; gênero que serve à difusão dos dogmas da religião, a fim de incuti-los no ouvinte


                                                  eloquência
               capacidade do orador de se expressar com desenvoltura e persuadir através da palavra
GÊNERO TEXTUAL
                  o sermão na sociedade do século XVII

                                      sermão
                                forma de pensamento e ação

fala a uma grande diversidade de almas                          platéia heterogênea

                                veículo de comunicação social

        trata de temas atuais                              mantém a platéia informada

                                temática variada e importante

     questões históricas e sociais                     interesse da Colônia e da Metrópole

                        função análoga à da imprensa [em nossos dias]

     divulgação de fatos e idéias                       espaço de formação e informação
GÊNERO TEXTUAL
                           o sermão na sociedade do século XVII

                                                  sermão
                                      princípio dialógico [estrutura de diálogo]

Todo o discurso do jesuíta português está centrado no leitor e no auditório e, em última instância, converge para
o proselitismo, isto é, volta-se para o exercício de convencer o ouvinte a adotar a doutrina pregada. Não por
acaso, o interlocutor é aquele que deve captar uma verdade absoluta, impessoal, universal, acima de quaisquer
circunstâncias. E mais: para conhecer o mundo, é preciso conhecer o texto divino porque o mundo profano é um
conjunto enigmático, mas cognoscível. A chave para a “correta” decifração do mundo está na leitura da Bíblia,
efetuada pelo sacerdote.

                       o pregador deve desgostar o ouvinte, levá-lo a querer mudar de atitude

A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lha pena.
Quando o ouvinte a cada palavra do pregador tremer; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o
coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a
pregação qual convém, então pode esperar que faça fruto.
GÊNERO TEXTUAL
                               o sermão na sociedade do século XVII

                                                       sermão
                                                     a função do púlpito

A figura do pregador nas igrejas barrocas é centralizadora e ocupa uma posição estratégica. É ele que detém o
poder da palavra, conhece o texto bíblico e funciona como elemento agregador do grupo, fortalecendo-o e
conduzindo-o. Como orador, sua posição é destacada; o púlpito é seu posto de observação. É ele que tem acesso
exclusivo ao púlpito, cuja preeminência arquitetônica sobreleva o papel dele como sacerdote; é dele a escolha
pensada e anterior do trecho do Evangelho a ser lido; e dele, as vestes características e singulares. Isso estabelece
entre o sermonista e o público uma relação desigual. Não por acaso, a distância entre púlpito e público é uma
barreira que separa o detentor da fala e seus ouvintes. O orador é o interprete fiel do texto divino, através de suas
palavras, o auditório nota que Cristo disse algo. A tribuna é o lugar do fascinante poder da linguagem. Nesse palco
retórico, Vieira é o próprio porta-voz de Deus; ao ouvinte só resta ouvir e acreditar. Seu discurso pode sinalizar
segurança e solução dos problemas.

                                                      citações em latim

As citações latinas são imprescindíveis nos sermões de Vieira, mas, como analisa o ensaísta Luiz Roncari, não é
imprescindível para seu entendimento compreender o latim das citações, isto porque, geralmente, o orador traduz tais citações
ou aclara seu conteúdo exaustivamente reproduzindo ou repetindo ao longo da prédica. Roncari afirma que as
citações latinas são próprias da mentalidade da época, torna as autoridades do passado como fontes de verdades que vêm comprovar
suas afirmações sobre o presente. O que é dito em latim soa como verdade imutável.
O ESTILO
                                         a língua e o lúdico
                           precisão semântica
                     propensão lúdica da linguagem
Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma
parte há de estar branco, de outra há de estar negro; se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se
de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas
palavras em paz?

           apesar de metafórica, a linguagem elege com precisão o objeto de sua análise
O ESTILO
                                          a língua e o lúdico
                    rigor no amarramento sintático
Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens saiam
contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas
que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os
seus pecados. Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós.

                          uso de estruturas linguísticas elaboradas, rigorosas
O ESTILO
                                              a língua e o lúdico
                  recurso a um conceito sintetizador
Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga,
há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la
com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências, que se hão de seguir, com os
inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e
refutar com toda a força da eloquência com os argumentos contrários, e depois disso há de colher, há de apertar,
há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é o sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto.

        através do recurso anafórico [enumerativo], o locutor define a matéria de sua prédica
O ESTILO
                                            a língua e o lúdico
                    construção tipicamente anafórica
A omissão é um pecado que se faz não fazendo... Estava o profeta Elias em um deserto metido em uma cova,
aparece-lhe Deus e diz-lhe: Quid hic agis, Elia? E bem Elias, vós aqui? Aqui, Senhor! Pois aonde estou eu? Não
estou metido em uma cova? Não estou retirado do mundo? Não estou sepultado em vida? Quid hic agis? E que
faço eu? Não estou disciplinando, não estou jejuando, não estou contemplando e orando a Deus? Assim era. Pois
se Elias estava fazendo penitência em uma cova, como o repreende Deus e lho estranha tanto? Porque ainda que
eram boas as obras as que fazia, eram melhores as que deixava de fazer. O que fazia era devoção, o que deixava de
fazer era obrigação. Tinha Deus feito a Elias profeta do povo de Israel, tinha-lhe dado ofício público; e estar Elias
no deserto, quando havia de andar na corte; estar metido em uma cova, quando havia de aparecer na praça; estar
contemplando o Céu, quando havia de estar emendando a terra; era muito grande culpa.

                   uso de anáfora [construção de estruturas sintaticamente paralelas]
O ESTILO
                                            a língua e o lúdico
                       frase recolhitiva
              acumulação enumerativa de palavras
Por isso Isaías chamou aos pregadores nuvens: qui sunt isti, qui ut nubes volant? A nuvem tem relâmpago, tem trovão
e tem raio: relâmpago par os olhos, trovão para os ouvidos, raio para o coração: com o relâmpago alumia, com o
trovão assombra, com o raio mata. Mas o raio fere um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos. Assim há de ser a
voz do pregador; um trovão do Céu, que assombra e faça tremer ao mundo.

uso da técnica de disseminação e recolha: depois de apresentar elementos, retorma-os em ordem
A ESTRUTURA DO SERMÃO
                     um gênero da perenética

                       prólogo, exórdio
            é a parte que inicia o sermão e é composto de três elementos

                      Momento em que uma passagem da Bíblia é eleita para ilustrar-embasar o
  tema                sermão. Pode ser versículo ou trecho mais amplo. Vieira ancora sua
                      argumentação fundamenta seu raciocínio nessa passagem da Bíblia.

                      Apresentação do assunto. É um campo que apresenta grande variedade de
 intróito             temas, abordando questões filosóficas, políticas ou morais. Fatos históricos
                      e sociais também entram na pauta do sermão.

                      Pedido de auxílio divino para que o pregador consiga realizar o seu intuito.
invocação             Tal pedido é feito geralmente à Virgem Maria e, caso os ouvintes saiam da
                      Igreja tocados e transformados, infere-se que houve um milagre.
A ESTRUTURA DO SERMÃO
                                          um gênero da perenética

                                            desenvolvimento
                            é o corpo do sermão, onde o tema é esclarecido, dividido, desenvolvido

Procedimentos argumentativos: exemplificação, comparações, deduções, indagações, silogismos;
Alusões a outros episódios bíblicos;
Alusão a figuras expoentes da Filosofia e da História, como forma de ilustrar os raciocínios desenvolvidos;
Apresentação do tema e antecipação de questionamento, de modo a evitar a refutação por parte do auditório;
Perguntas retóricas;
A ESTRUTURA DO SERMÃO
                                     um gênero da perenética

                                              peroração
            conclusão do argumento e exortação [advertência relativa aos valores propostos pelo sermão]

Ao final de seu texto, o pregador retorna ao tema, esclarecendo-o e resolvendo-o em definitivo. Posto que o
sermão é o desenvolvimento de uma tese, ao final da peroração, o auditório está convencido do valor da pregação
e transformado pela ação moralizante.
O TÍTULO
                 um libelo contra os maus pregadores

                                  local e data
      Capela Real de Lisboa, penúltimo domingo antes da Quaresma [sexagésima] de 1655


                                metassermão
sermão sobre a arte de pregar [pode ser considerado um tratado sobre a perenética do século XVII]


                                         tema
             ineficácia da Palavra de Deus, utilizada pelos contemporâneos de Vieira

         uso recorrente do estilo cultista por parte dos pregadores da Ordem Dominicana
DISCUTINDO O TEMA
                    um libelo contra os maus pregadores
por que teria a palavra de Deus pouco fruto?
                      1) Pregadores usam a perenética para agradar os ouvintes;

                  2) Pregadores usam a perenética para divulgar seus dons oratórios;

 3) Pregadores fazem da perenética uma forma vaidosa e estéril de divulgar suas habilidades retóricas.
DISCUTINDO O TEMA
                      um libelo contra os maus pregadores
No século XVII, o pregador era uma figura pública e sua palavra era respeitada e difundida entre

 os fiéis. Por isso mesmo, se os pregadores preferiam exibir seus dons literários a moralizar os

     ouvintes, o uso da palavra divina perdia não só sua eficácia, mas sua razão de existir.

Vieira critica, então, a quebra do decoro [adequação ao estilo, intenção] dos oradores barrocos.

                                              fiéis
        jesuítas                            política
                                                                      dominicanos
DISCUTINDO O TEMA
                              um libelo contra os maus pregadores
  O Sermão da sexagésima pode ser considerado um libelo contra os maus pregadores, aqueles

que abusavam das formas cultistas. Estes, segundo Vieira, pregavam a si mesmos e não à palavra

    Pregar a si significa demonstrar suas habilidades literárias e se esquecer da relação divina e

                            transcendente entre as palavras e as coisas do mundo.

O mau pregador seria aquele que estivesse utilizando de forma inadequada o estilo próprio da

        oratória sacra para tratar da palavra de Deus, que seria o seu tema fundamental.

Mais: nesses lugares, nesses textos que alegais para prova do que dizeis, é esse o sentido em que Deus os disse? É esse o
sentido em que os entendem os padres da Igreja? É esse o sentido da mesma gramática das palavras? Não, por certo;
porque muitas vezes as tomais pelo que toam e não pelo que significam, e talvez nem pelo que toam.
Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras de Deus. E se não são palavras de Deus, que nos
queixamos que não façam fruto as pregações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós
queremos, e coisas não havemos de querer o que elas dizem?! E então ver cabecear o auditório a estas coisas,
quando devíamos de dar com a cabeça pelas paredes de as ouvir! Verdadeiramente não sei de que mais me espante, se dos
nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o pregador! Assim é: mas que levantou? Um falso
testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de ambos. Então que se converta o mundo com falsos
testemunhos da palavra de Deus?
SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
                                 a estrutura

    prólogo                                               partes I e II



desenvolvimento                                  partes III, IV, V, VI, VII e VIII



  peroração                                              partes IX e X


    Intervalos entre cada parte: silêncio do pregador, preparação do ouvinte.
O INTERTEXTO
                            Mateus, 12: Parábola do Semeador
03. E seus discursos foram uma série de parábolas.
04. Disse ele: Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros
vieram e comeram.
05. Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco
profunda.
06. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes.
07. Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram.
08. Outras, enfim, caíram em terra boa, deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um.
09. Aquele que tem ouvidos, ouça.
PARTE I
                               apresentação do tema

                                         tema
                   a semente é a palavra de Deus [semen est verbum dei]


                                        objetivo
                          examinar a palavra divina [metassermão]

Depois de propor tema e objetivo, o locutor lança um desafio: E se quisesse Deus que este tão

ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado

  com o pregador? Atente-se que a intencionalidade do sermão é a de provocar, desenganar.

 O sermão não visa ao contentamento, mas ao descontentamento, que promoverá a mudança.
PARTE I
                                       apresentação do tema
Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair.

                                       Quiasmo: disposição cruzada da ordem das partes simétricas de duas
           linguagem
                                       frases, de modo que formem uma antítese ou um paralelo.

  O sair é uma virtude do pregador, representa a divulgação dos ideais cristãos. Aqui se nota uma

valorização dos procedimentos dos jesuítas e uma crítica aos dominicanos que não faziam missões.

           O pregador que semeia sem sair prefere a comodidade de pregar na terra local.

Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos. Exit seminare.

                                       Paronomásia: palavras se aproximam pelo som, mas cujo sentido pode ou
           linguagem
                                       não se relacionar. Paço: palácio x Passos: ato de caminhar.

 O pregador defende que os pregadores saiam de suas terras e que divulguem os ideais cristãos

                         em terras distantes e pagãs, como Índia, China e Japão.
PARTE I
                                      apresentação do tema
 O tom predominante nesta primeira parte é de crítica e advertência. Trabalha-se com analogias:

Quando Cristo mandou pregar os Apóstolos pelo Mundo, disse-lhes dessa maneira? Euntes in mundum universum,
praedicate omni creaturae (Mc. 16:15): “Ide, e pregai a toda a criatura”. Como assim, senhor?! Os animais não são
criaturas?! As árvores não são criaturas?! As pedras não são criaturas?! Pois hão os Apóstolos de pregar às
pedras?! Hão de pregar aos animais?! Sim, diz S. Gregório, depois de Santo Agostinho. Porque como os Apóstolos
iam pregar a todas as nações do mundo, muitas delas bárbaras e incultas, haviam de achar homens degenerados
em todas as espécies de criaturas? haviam de achar homens homens, haviam de achar homens brutos, haviam de
achar homens troncos, haviam de achar homens pedras.

                                      Note-se a presença de analogias dispostas, num primeiro momento, e
          linguagem
                                      recolhidas, num segundo. O trecho se estrutura através de anáforas.

   Questiona-se a perseverança do pregador e seu compromisso com a semeadura. Para tanto,

 vale-se de uma passagem do livro de Ezequiel, como prova da firmeza necessária ao pregador.

      O pregador precisa de uma postura íntegra e determinada. O desafio inicial é retomado:

Eis aqui por que eu dizia ao princípio, que vindes enganados com o pregador. Mas para que possas ir
desenganados com o sermão, tratarei nele uma matéria de grande peso e importância. Servirá como prólogo aos
sermões que hei de pregar, e aos mais que ouvirdes esta Quaresma.

                                      Confirmação do caráter metalinguístico do sermão e reforço à idéia
          linguagem
                                      segundo a qual o sermão deve ferir para curar.
PARTE II
                               definição da matéria do sermão

                                                    tema
             explicar por que a palavra de Deus não tem frutificado muito nos dias atuais


                                                  objetivo
                         criticar o estilo de pregação dos dominicanos e cultistas

O trigo que semeou o Pregador Evangélico, diz Cristo, que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a
terra boa, em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com
cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e
obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos,
e perturbados com a passagem e o tropel das cousas do mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que
atravessam e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque ou a desatendem, ou a desprezam.
Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra
divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum.

                                       Uso de analogias, metáforas e alegorias. O locutor levanta dúvidas que
           linguagem                   serão prontamente resolvidas, sem dar ao ouvinte o tempo necessário para
                                       elucidar a questão.
PARTE II
                                   definição da matéria do sermão
 A pergunta fundamental aparece no segundo e no último parágrafos, cuja resposta se estenderá

  por todo o corpo do sermão. Aqui a questão é problematizada, e sua resolução será dilatada ao

                                 máximo, chegando até a nona parte do sermão.

Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra
de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço
que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto?
Assim como Deus não é hoje menos onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes
era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa, se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto
da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero começar pregando-me a
mim. A mim será, e também a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, para que aprendam a ouvir.
PARTE III
                              uma escolha entre três respostas
A resposta divide-se em três partes e induz o interlocutor a considerá-las como formas de solução:

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da
parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos:
há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento,
percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando.

 Tal divisão será transformada em alegoria [para que um homem veja a si mesmo são necessários]

  [elementos: luz, olhos e espelho]; ver a si mesmo: converter-se, arrepender-se, orientar-se pela

                                   palavra divina empenhada no sermão:




                         Para completar a alegoria, falta a esperada conversão

É assim que tem início a análise dos elementos necessários para que o homem se veja a si mesmo,

                              ou seja, para que a palavra de Deus frutifique.
PARTE III
                          uma escolha entre três respostas
    Em primeiro lugar, vem Deus, que é prontamente absolvido [cita-se do Concílio de Trento].

                              Deus é a luz e a luz nunca pode faltar.

Para tanto, volta à “Parábola do semeador” e deduz algo não muito evidente, numa primeira leitura:

 segundo Vieira, o trigo não é atingido nem pelo sol nem pela chuva [obras do céu]; o que impediu

            o êxito da frutificação foram os espinhos, as pedras, os homens e as aves.

  Em segundo lugar, levanta-se a hipótese de o ouvinte ser culpado pela ineficácia da pregação.

 O ouvinte é comparado aos olhos, necessários ao homem para ver a si mesmo. Mesmo isento de

                            culpa, o ouvinte não deixa de ser acusado.

Vieira compara os ouvintes à terra onde caiu o trigo [seja nos espinhos, nas pedras ou na terra boa]

    e afirma que todos os solos foram férteis. Sendo assim, a culpa não podia ser dos ouvintes,

  pois, mesmo nos maus ouvintes a palavra divina chegou a nascer. Vejamos, pois, as analogias:
PARTE III
                              uma escolha entre três respostas
Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não
faça fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no. [...] O
trigo que caiu nas pedras, nasceu também, mas secou-se [...]. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou
com grande multiplicação. [...] De maneira que o trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu
na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é
tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até
nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja
de Deus, são as pedras e os espinhos. E por quê? – os espinhos por agudos, e as pedras por duras. Ouvintes de
entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os ouvintes de entendimentos
agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes
também a picar quem os não pica. [...] O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele; e o
mesmo sucede cá. Cuidais que o ser mão vos picou a vós, e não é assim; vós sois os que picais o sermão. Por isto
são maus ouvintes os de entendimentos agudos. Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um
entendimento agude pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra
vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais
agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra.
PARTE III
                           uma escolha entre três respostas
                                      AGUDOS       refutam, duvidam, negam, não se deixaram convencer
   MAUS OUVINTES                       DUROS       fazem-se de convictos, intransponíveis ao sermão

As qualidades dos maus ouvintes estão associadas a agudeza dos espinhos e a dureza das pedras.

 Vieira afirma que é possível convencer as pedras e os espinhos, associando a alegoria com outro

  texto bíblico [Mateus, XXVII]: os espinhos acabariam por coroar Jesus, assim como as pedras

 seriam movidas em sua ressurreição. Assim, os ouvintes são isentos do insucesso da pregação:

Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao
semeador do céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem.
Quando o semeador do céu deixou o campo, saindo deste mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem
aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa.

     Posto que Deus e os ouvintes foram isentados da culpa. Ela só pode estar no pregador.
PARTE IV
  as qualidades do pregador

                 pessoa
                  que é

voz com                         ciência
que fala                        que tem




      estilo              matéria
     que segue            que trata
PARTE IV
                           as qualidades do pregador [a pessoa]

    a pessoa
Antigamente convertia-se o mundo, hoje por que não se converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e
pensamentos, antigamente se pregavam palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A
funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra [...]. As vozes da harpa
de David lançavam fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram
vozes formadas com a mão [...]. Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar, faz-se
com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são
necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cem por um. Que quer dizer isso? Quer dizer
que de uma palavra nasceram cem palavras? – Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras.
Pois palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras!

Afirma-se que a palavra divina só é divina se vier acompanhada de obras q justifiquem sua condição.

Exemplos: Deus, para converter o pecador, criou sua obra mais importante – o Deus-homem, Jesus.

 Exemplos: a encenação da Paixão de Cristo tem apelo maior que a simples explanação sobre ela.

 Essa exposição é feita através do apelo sensorial – as palavras são ouvidas e as obras são vistas:
PARTE IV
                           as qualidades do pregador [a pessoa]
Verbo Divino é palavra divina; mas importa pouco que as nossas palavras sejam divinas, se forem
desacompanhadas de obras. A razão disso é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos
ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos. No céu ninguém
há que não ame a Deus, nem possa deixar de o amar. Na terra há tão poucos que o amem, todos o ofendem.
Deus não é o mesmo, e tão digno de ser amado no céu e na terra? Pois como no céu obriga e necessita a todos o
amarem, e na terra não? A razão é porque Deus no céu é Deus visto; Deus na terra é Deus ouvido. No céu entra o
conhecimento de Deus à alma pelos olhos: Videbimus eum sicut est; na terra entra-lhe o conhecimento de Deus
pelos ouvidos: Fides ex auditu; e o que entra pelos ouvidos crê-se, o que entra pelos olhos necessita.

     A fim de confirmar a sua tese, o pregador recorre a um exemplo de autoridade em Mateus:

Por que convertia o Batista tantos pecadores? – Porque assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo
pregava aos olhos. As palavras do Batista pregavam penitência [...] e o exemplo clamava: Ecce homo: “eis aqui está o
homem” que é o retrato da penitência e da aspereza. As palavras do Batista pregavam jejum e repreendiam os
regalos e demasias da gula; e o exemplo chamava: Ecce homo: eis aqui está o homem que se sustenta de gafanhotos
e mel silvestre. As palavras do Batista pregavam composição e modéstia, e condenavam a soberba e a vaidade das
galas; e o exemplo clamava: Ecce homo: eis aqui está o homem vestido de peles de camelo, com as cordas e cilício à
raiz da carne. As palavras do Batista pregavam desapegos e retiros do Mundo, e fugir das ocasiões; e o exemplo
clamava: Ecce homo: eis aqui o homem que deixou as cortes e as sociedades, e vive num deserto e numa cova. Se os
ouvintes ouvem uma coisa e veem outra, como se hão de converter?

 Outra personagem bíblica que convence pelo sermão e pela ação é Jonas, cuja pessoa, segundo

                                   Vieira, é composta de palavras e obras.
PARTE V
                            as qualidades do pregador [o estilo]

     o estilo
 Parte mais importante do sermão, pois nela se critica a falta de decoro dos que usam o cultismo:

Um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a
toda a natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural.

Ao discorrer sobre a naturalidade do estilo, recorre-se à metáfora da disposição das estrelas no céu:

Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no
mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no mundo foi o céu. [...] Suposto que o céu é pregador,
deve de ter sermões e deve de ter palavras. Sim, tem, diz o mesmo David; tem palavras e tem sermões; e mais,
muito bem ouvidos [...]. E quais são estes sermões e estas palavras do céu? As palavras são as estrelas, os sermões
são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas.

Vede com diz o estilo de pregar do céu, com o estilo que Cristo ensinou na terra. um e outro é semear; a terra
semeada de trigo, o céu semeado de estrelas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou
azuleja. Ordenado, mas como as estrelas [...]. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz
influência, não é ordem que faça favor. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o
sermão em xadrez de palavras.
PARTE V
                            as qualidades do pregador [o estilo]
Inicia-se virulento ataque ao estilo cultista, que é visto como um modelo que carece de fundamento

divino e, por isso, não produz a verdadeira persuasão, senão a exibição estéril do estilo do pregador:

Se de uma parte há de estar branco, da outra há de estar negro; se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer
sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas
palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu o estilo da
disposição, e também o das palavras. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o estilo da
pregação; muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo; as estrelas são muito
distintas e muito claras, e altíssimas. O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que
não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.

 Se no plano do conteúdo, defende-se que se pregue de modo claro e distinto, do ponto de vista da

   forma, percebe-se que a alegoria empregada consegue o efeito pretendido [é claro e distinto].
PARTE V
                               as qualidades do pregador [o estilo]
           Segue-se uma série de acusações, demonstradas de forma cáustica e agressiva:

 Sim, Padre; porém esse estilo de pregar não é pregar culto. Mas fosse! Este desventurado estilo que hoje se usa, os
 que o querem honrar chamam-lhe culto, os que o condenam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem muita
 honra. O estilo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito cerrado. É possível que somos portugueses e havemos de
 ouvir um pregador em português e não haver de entender o que diz?! Assim como há Lexicon para o grego e
 Calepino para o latim, assim é necessário haver um vocabulário do púlpito. Eu ao menos o tomara para nomes
 próprios, porque os cultos têm desbatizado os santos, e cada autor que alegam é um enigma.

          Criticam-se, agora, as perífrases e antonomásias usadas pelos pregadores cultistas:

 Assim o disse o Cetro Penitente, assim o disse o Evangelista Apeles, assim o disse a Águia de África, o Favo de
 Claraval, a Púrpura de Belém, a Boca de Ouro. Há tal modo de alegar! O Cetro Penitente dizem que é David,
 como se todos os cetros não foram penitência; o Evangelista Apeles, que é S. Lucasw; o Favo de Claraval, S.
 Bernardo; a Água de África, Santo Agostinho; a Púrpura de Belém, S. Jerônimo; a Boca de Ouro, S. Crisóstomo.
 E quem quitaria ao outro cuidar que a Púrpura de Belém é Herodes, que a Água de África é Cipião, e a Boca de
 Ouro é Midas? Se houvesse um advogado que alegasse assim a Bartolo e Baldo, havíeis de fiar dele o vosso pleito?
 Se houvesse um homem que assim falasse na conversação, não o havíeis de ter por néscio? Pois o que na conversação seria
 necedade, como há de ser discrição no púlpito.

O estilo necessita ser alto e claro, para não afastar o ouvinte do sentido final do sermão – a pregação.
PARTE VI
                          as qualidades do pregador [o assunto]

  o assunto
Primeiramente há que se notar que Viera põe em execução, no Sermão da sexagésima, o modelo

de sermão proposto: ao mesmo tempo que defende um estilo, o pregador o demonstra no sermão:

Há de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la, para que se distinga; há de prová-la com a Escritura; há
de declará-la com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos,
com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há
de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência
os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de apartar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar.
Isto é o sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.
PARTE VI
                             as qualidades do pregador [o assunto]
 Para explicar em que consiste a divisão do assunto, o locutor usa o exemplo da árvore [alegoria]:

Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da
mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem
tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão; há de ter raízes fortes e sólidas,
porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só
matéria; deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e
continuados nela; estes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos
e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios, há de ter flores, que são as
sentenças; e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto o fim a que se há de ordenar o sermão. De
maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e
fundado em um só tronco, que é uma só matéria.

                                           Método da disseminação e recolha: os elementos da árvore são dispostos
            linguagem                      numa ordem gradativa e em seguida são examinados e recolhidos na
                                           disposição exatamente inversa.

          Mais adiante, usa-se o expediente intertextual para invocar figuras da arte oratória:
PARTE VI
                        as qualidades do pregador [o assunto]
Tudo o que tenho dito pudera demonstrar largamente, não só com os preceitos dos Aristóteles, dos Túlios, dos
Quintilianos, mas com a prática observada do príncipe dos pregadores evangélicos, S. João Crisóstomo, de S.
Basílio Magno, S. Bernardo, S. Cipriano, e com as famosíssimas orações de s. Gregório Nazianzeno, mestre de
ambas as Igrejas. E posto que nestes mesmo Padres, como em Santo Agostinho, S. Gregório e muitos outros, se
acham os Evangelhos apostilados com nomes de sermão e homilias, uma coisa é expor, e outra pregar; uma
ensinar, e outra persuadir, desta última é que eu falo.

Neste trecho, revelam-se suas influências. Revela, ainda, seu modelo de pregar [alegoria da árvore]

                               tronco                         assunto

                               raízes                       evangelho

                               ramos                 discursos, argumentos

                               folhas                palavras, ornamentos

                                varas               moralização, repreensão

                                flores               sentenças, raciocínios

                               frutos                 finalidade do sermão
PARTE VII
                           as qualidades do pregador [a ciência]

    a ciência
Cada pregador tem sua própria razão e esta não pode ser tomada de outro; o pregador deve pregar

 com sua própria ciência, nascida de seu próprio juízo. O que se condena aqui é o uso indevido do

 raciocínio alheio, da palavra alheia, atitude que impossibilita, segundo Vieira, qualquer persuasão:

 Eis aqui por que muitos pregadores não fazem fruto; porque pregam o alheio, e não o seu; Semem suum. O pregar
 é entrar em batalha com os vícios; e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles, a ninguém deram vitória.
 Quando David saiu a campo com o gigante, ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as quis aceitar. Com
 armas alheias ninguém pode vencer ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de David a
 David; e mais aproveita um cajado e uma funda própria, que a espada e a lança alheia. Pregador que peleja com as
 armas alheias, não hajais medo que derrube gigante.

O uso de exemplos advindos tanto da Bíblia quanto da tradição grega confirmam a erudição de Vieira

  e comprovam seu caráter barroco – ligado tanto à tradição teocêntrica, quanto à antropocêntrica.
PARTE VII
                            as qualidades do pregador [a ciência]
             Eis outra alegoria que visa a esclarecer como deve ser a ciência do pregador:

Fez Cristo aos Apóstolos pescadores de homem, que foi ordená-los de pregadores. E que faziam os Apóstolos?
Diz o texto que estavam refientes retia sua: refazendo as redes suas; eram as redes dos Apóstolos, e não eram
alheias. Notai: retia sua: Não diz que eram suas porque as compraram, senão que eram suas porque as faziam; não
eram suas porque lhes custaram o seu dinheiro, senão porque lhes custavam o seu trabalho. Desta maneira eram
as redes suas; e porque desta maneira eram suas, por isso eram redes de pescadores que haviam de pescar homens.
Com redes alheias, ou feitas por mão alheia, podem-se pescar peixes, homens não se podem pescar. A razão disto
é porque nesta pesca de entendimentos só quem sabe fazer a rede sabe fazer o lanço. Como se faz uma rede? Do
fio e do nó se compõe a malha; quem não enfia nem ata, como há de fazer rede? E quem não sabe enfiar nem
sabe atar, como há pescar homens? A rede tem chumbada que vai ao fundo, e tem cortiça que nada em cima da
água. A pregação tem umas coisas de mais peso e de mais fundo, e tem outras mais superficiais e mais leves; e
governar o leve e o pesado, só o sabe fazer quem faz a rede. Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça.

A analogia dilata as possibilidades de leitura do Evangelho. Para evitar refutação, comprova-se que

 a razão deve vir do próprio entendimento [não do alheio], ao citar os apóstolos e idiossincrasias:

Se de cinco temos escrituras; mas a diferença com que escrevem [...] é admirável. As penas todas eram tiradas das
asas daquela pomba divina; mas o estilo tão diverso, tão particular e tão próprio de cada um, quem bem mostra
que era seu. Mateus fácil, João misterioso, Pedro grave, Jacob forte, Tadeu sublime, e todos com tal valentia no
dizer, que cada palavra era um trovão, cada cláusula um raio e cada razão um triunfo. Ajuntai a estes cinco S.
Lucas e S Marcos, que também ali estavam, e achareis o número daqueles sete trovões que ouviu S. João no
Apocalipse.
PARTE VIII
                              as qualidades do pregador [a voz]

      a voz
           Vieira examina, aqui, as possibilidades físicas da voz do orador [trovão do céu]:

Por isso Isaías chamou aos pregadores “nuvens”: Qui sunt isti, qui ut nubes volant? A nuvem tem relâmpago, tem trovão
e tem raio: relâmpago para os olhos, trovão para os ouvidos e raio para o coração; com o relâmpago alumia, com o
trovão assombra, com o raio mata. Mais o raio fere a um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos. Assim há de ser a
voz do pregador, um trovão do Céu, que assombre e faça tremer o mundo.

  Através da técnica da disseminação e recolha, o pregador chega ao final da sua argumentação.

  Após examinar pormenorizadamente os elementos que compõe a pessoa do pregador, conclui:

Em conclusão que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com a palavra de Deus, nem é a circunstância
da pessoa: Qui semint: nem a do estilo: Seminare; nem a da matéria: Semen; nem a da ciência: Suum; nem a da voz:
Clamabat. Moisés tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro estilo; Salomão multiplicava e variava os assuntos; Balaão
não tinha exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência; e contudo todos estes, falando, persuadiam e
convenciam. Pois se nenhuma destas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem
bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a verdadeira causa?
PARTE IX
                                   a acusação feita aos pregadores
 Constata-se que a falta de decoro do pregador é a causa de a palavra de Deus fazer pouco fruto:
É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve.
A palavra de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na terra faz fruto, mas até nas pedras e no espinho nasce.
Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os efeitos da
palavra de Deus? […]. Diz o Espírito Santo: “Quem semeia ventos colhe tempestades”. Se os pregadores
semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há a Igreja de Deus de
correr da tormenta, em vez de colher fruto?

                                            Observe-se que o vento é um elemento metafórico que indica a vacuidade
            linguagem                       do que se prega e ainda o intertexto com o ditado popular [Quem semeia
                                            vento colhe tempestades].

  Atente, agora, para o fato de que o locutor lança uma pergunta, para, em seguida, respondê-la:

Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não
pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus. As
palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus, mas pregadas no sentido que
nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demônio.

                                            Através de um silogismo e de um paradoxo [as palavras de Deus, quando
                                            não pregadas no sentido em que Deus as disse, não são palavras de Deus],
            linguagem
                                            o pregador critica virulentamente os maus pregadores – os que se
                                            preocupam em agradar aos ouvintes com seus dotes oratórios.
PARTE IX
                                a acusação feita aos pregadores
Tais pregadores [q exibem seu estilo ao invés de se preocuparem com o sentido da palavra de Deus]

  são indignos do nome de pregadores. Os aplausos que recebe, ao invés de serem de aprovação

    são símbolo da reprovação ao estilo. A partir de agora, o pregador justifica sua condenação:

Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras de Deus. E se não são palavras de
Deus, que nos queixamos que não façam fruto as pregações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a
que digam o que nós queremos, e não havemos de querer dizer o que elas dizem?! E então ver cabecear o
auditório a estas coisas, quando devíamos de dar com a cabeça pelas paredes de as ouvir?! Verdadeiramente não sei de
que mais me espante, se dos nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o pregador! Assim é mas que
levantou? Um falso testemunho ao texto, outro falso testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de
ambos. Então que se converta o mundo com falsos testemunhos da palavra de Deus? Se a alguém parecer demasiada a
censura, ouça-me.
PARTE IX
                                     a acusação feita aos pregadores
           O sermão que se desvia das palavras de Deus é comparado à fábula e à comédia:

 E nós que é o que vemos? Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajos, uma voz muito afetada e
 muito polida, e logo começar com muito desgarro a quê? A motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar finezas, a
 lisonjear precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins, a toucar primaveras, e outras mil indignidades destas.
                                               Repare que a voz do pregador é caracterizada como indecorosa. Ademais,
              linguagem                        Vieira utiliza um expediente cultista [estrutura anafórica] de forma irônica,
                                               de modo a criticar tal estilo e os pregadores que o utilizam.

Nesta nona parte, evocam-se dramaturgos da Antiguidade Clássica e os relacionam aos pregadores:

 Não é isto farsa a mais digna de riso, se não fora tanto para chorar? Na comédia o rei veste como rei, e fala como
 rei; o lacaio, veste como lacaio, e fala como lacaio; o rústico veste como rústico, e fala como rústico; mas um
 pregador, vestir como religioso e falar como... não o quero dizer, por reverência do lugar.
                                               Satirizam-se os efeitos sensoriais próprios do cultismo [apelo à visão –
              linguagem                        roupas – e à audição – fala –]. Apesar de não se dita, o termo irônico
                                               [palhaço, bobo da corte] salta aos olhos do leitor/ouvinte.
PARTE X
                                      a finalidade do sermão

                                 finalidade do sermão
           persuadir o ouvinte; o orador não se deve preocupar com o gosto do ouvinte

Pois o gostarem ou não gostarem os ouvintes! Oh, que advertência tão digna! Que médico há que repare no gosto
do enfermo, quando trata de lhe dar saúde? Sarem e não gostem; salvem-se e amargue-lhes, que para isso somos
médicos das almas. Quais vos parece que são as pedras sobre que caiu parte do trigo do Evangelho? Explicando
Cristo a parábola, diz que as pedras são aqueles que ouvem a pregação com gosto [...]. Pois será bem que os
ouvintes gostem e que no cabo fiquem pedras? Não gostem e abrandem-se; não gostem e quebrem-se; não
gostem e frutifiquem. [...] De maneira que o frutificar não se ajunta com o gostar, senão com o padecer;
frutifiquemos n[os, e tenham eles paciência. A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que
dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada
palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso
e atônito, sem saber parte de si, então é a preparação qual convém, então se pode esperar que faça fruto.

o sucesso do pregador seria o fracasso dos pecados do ouvinte, que deve se arrepender e converter
PARTE X
                                         a finalidade do sermão

                                   finalidade do sermão
                                          ferir, causticar, incomodar

Com isto tenho acabado. Algum dia vos enganastes tanto comigo, que saíeis do sermão muito contentes do
pregador; agora quisera eu desenganar-vos tanto, que as[ireis muito descontentes de vós. Semeadores do
Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens saiam contentes de nós,
senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes parecem bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam
mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados.
Contanto que se descontentem-se de si, descontentem-se embora de nós.

        a admiração pelo orador deve dar lugar ao arrependimento e à conversão do ouvinte:

Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na Igreja, e
em que ela se arma contra os vícios. Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios,
contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Capítulo XVI - MC
Capítulo XVI - MCCapítulo XVI - MC
Capítulo XVI - MC12anogolega
 
Ficha informativa memorial do convento
Ficha informativa memorial do conventoFicha informativa memorial do convento
Ficha informativa memorial do conventoquintaldasletras
 
Modalidade do verbo
Modalidade do verboModalidade do verbo
Modalidade do verboAna Martins
 
Os lusiadas - camões
Os lusiadas - camõesOs lusiadas - camões
Os lusiadas - camõesjulykathy
 
Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho
Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho
Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho Marisa Ferreira
 
Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")
Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")
Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")Jorge Barbosa
 
Deixis pessoal temporal_espacial
Deixis pessoal temporal_espacialDeixis pessoal temporal_espacial
Deixis pessoal temporal_espacialEconomicSintese
 
Valor modal das frases
Valor modal das frasesValor modal das frases
Valor modal das frasesnando_reis
 
Recursos Estilísticos Todos Os Recursos
Recursos Estilísticos Todos Os RecursosRecursos Estilísticos Todos Os Recursos
Recursos Estilísticos Todos Os RecursosBruno Pinto
 
Auto da Feira de Gil Vicente
Auto da Feira de Gil VicenteAuto da Feira de Gil Vicente
Auto da Feira de Gil VicenteGijasilvelitz 2
 
Os Lusíadas - Reflexões do Poeta
Os Lusíadas - Reflexões do PoetaOs Lusíadas - Reflexões do Poeta
Os Lusíadas - Reflexões do PoetaDina Baptista
 
Cesário Verde - "Ao Gás"
Cesário Verde - "Ao Gás"Cesário Verde - "Ao Gás"
Cesário Verde - "Ao Gás"Iga Almeida
 
"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa
"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa
"Quinto Império" - Mensagem de Fernando PessoaFilipaFonseca
 
Resumos de Português: Camões lírico
Resumos de Português: Camões líricoResumos de Português: Camões lírico
Resumos de Português: Camões líricoRaffaella Ergün
 

Mais procurados (20)

A métrica e a rima
A métrica e a rimaA métrica e a rima
A métrica e a rima
 
Capítulo XVI - MC
Capítulo XVI - MCCapítulo XVI - MC
Capítulo XVI - MC
 
Ficha informativa memorial do convento
Ficha informativa memorial do conventoFicha informativa memorial do convento
Ficha informativa memorial do convento
 
Luís Vaz de Camões
Luís Vaz de CamõesLuís Vaz de Camões
Luís Vaz de Camões
 
Modalidade do verbo
Modalidade do verboModalidade do verbo
Modalidade do verbo
 
Os lusiadas - camões
Os lusiadas - camõesOs lusiadas - camões
Os lusiadas - camões
 
Canto v 92_100
Canto v 92_100Canto v 92_100
Canto v 92_100
 
Lírica camoniana
Lírica camonianaLírica camoniana
Lírica camoniana
 
Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho
Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho
Crónica de Costumes - Jantar dos Gouvarinho
 
Recursos expressivos
Recursos expressivosRecursos expressivos
Recursos expressivos
 
Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")
Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")
Discurso Argumentativo e Retórica (de acordo com manual "Pensar Azul")
 
Deixis pessoal temporal_espacial
Deixis pessoal temporal_espacialDeixis pessoal temporal_espacial
Deixis pessoal temporal_espacial
 
Valor modal das frases
Valor modal das frasesValor modal das frases
Valor modal das frases
 
Recursos Estilísticos Todos Os Recursos
Recursos Estilísticos Todos Os RecursosRecursos Estilísticos Todos Os Recursos
Recursos Estilísticos Todos Os Recursos
 
Auto da Feira de Gil Vicente
Auto da Feira de Gil VicenteAuto da Feira de Gil Vicente
Auto da Feira de Gil Vicente
 
Os Lusíadas - Reflexões do Poeta
Os Lusíadas - Reflexões do PoetaOs Lusíadas - Reflexões do Poeta
Os Lusíadas - Reflexões do Poeta
 
Cesário Verde - "Ao Gás"
Cesário Verde - "Ao Gás"Cesário Verde - "Ao Gás"
Cesário Verde - "Ao Gás"
 
4. inquisição
4. inquisição4. inquisição
4. inquisição
 
"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa
"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa
"Quinto Império" - Mensagem de Fernando Pessoa
 
Resumos de Português: Camões lírico
Resumos de Português: Camões líricoResumos de Português: Camões lírico
Resumos de Português: Camões lírico
 

Semelhante a Sermão da sexagésima (20)

Faces poéticas de gregório de matos
Faces poéticas de gregório de matosFaces poéticas de gregório de matos
Faces poéticas de gregório de matos
 
Barroco nota de aula -
Barroco nota de aula    - Barroco nota de aula    -
Barroco nota de aula -
 
21235763 A Arte Do Ator Jean Roubine
21235763  A  Arte  Do  Ator  Jean  Roubine21235763  A  Arte  Do  Ator  Jean  Roubine
21235763 A Arte Do Ator Jean Roubine
 
Boletim 82
Boletim 82Boletim 82
Boletim 82
 
Barroco (paulo monteiro)
Barroco (paulo monteiro)Barroco (paulo monteiro)
Barroco (paulo monteiro)
 
Características do Barroco
 Características do Barroco Características do Barroco
Características do Barroco
 
Barroco
BarrocoBarroco
Barroco
 
O encanto dos orixás!
O encanto dos orixás!O encanto dos orixás!
O encanto dos orixás!
 
Thomas knauer
Thomas knauerThomas knauer
Thomas knauer
 
A linguagem dos deuses antônio farjani
A linguagem dos deuses   antônio farjaniA linguagem dos deuses   antônio farjani
A linguagem dos deuses antônio farjani
 
A linguagem dos deuses uma iniciação à mitologia holística
A linguagem dos deuses   uma iniciação à mitologia holísticaA linguagem dos deuses   uma iniciação à mitologia holística
A linguagem dos deuses uma iniciação à mitologia holística
 
00342 a linguagem dos deuses
00342   a linguagem dos deuses00342   a linguagem dos deuses
00342 a linguagem dos deuses
 
A Linguagem dos Deuses
A Linguagem dos DeusesA Linguagem dos Deuses
A Linguagem dos Deuses
 
Uma Iníciação á Mitologia Holística
Uma Iníciação á Mitologia HolísticaUma Iníciação á Mitologia Holística
Uma Iníciação á Mitologia Holística
 
Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
Barroco
BarrocoBarroco
Barroco
 
Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
Literatura.ppt
Literatura.pptLiteratura.ppt
Literatura.ppt
 
Barroco
BarrocoBarroco
Barroco
 
Lit humanismo-renasc-classicismo português - profª katty
Lit  humanismo-renasc-classicismo português - profª kattyLit  humanismo-renasc-classicismo português - profª katty
Lit humanismo-renasc-classicismo português - profª katty
 

Mais de ma.no.el.ne.ves

Segunda aplicação do ENEM-2019: Literatura
Segunda aplicação do ENEM-2019: LiteraturaSegunda aplicação do ENEM-2019: Literatura
Segunda aplicação do ENEM-2019: Literaturama.no.el.ne.ves
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologias
Segunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologiasSegunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologias
Segunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologiasma.no.el.ne.ves
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileiras
Segunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileirasSegunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileiras
Segunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileirasma.no.el.ne.ves
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Educação Física
Segunda aplicação do ENEM-2019: Educação FísicaSegunda aplicação do ENEM-2019: Educação Física
Segunda aplicação do ENEM-2019: Educação Físicama.no.el.ne.ves
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textual
Segunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textualSegunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textual
Segunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textualma.no.el.ne.ves
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticais
Segunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticaisSegunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticais
Segunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticaisma.no.el.ne.ves
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2019: ArtesSegunda aplicação do ENEM-2019: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2019: Artesma.no.el.ne.ves
 
ENEM-2019: Internet e Tecnologias
ENEM-2019: Internet e TecnologiasENEM-2019: Internet e Tecnologias
ENEM-2019: Internet e Tecnologiasma.no.el.ne.ves
 
ENEM-2019: Identidades brasileiras
ENEM-2019: Identidades brasileirasENEM-2019: Identidades brasileiras
ENEM-2019: Identidades brasileirasma.no.el.ne.ves
 
ENEM-2019: Aspectos Gramaticais
ENEM-2019: Aspectos GramaticaisENEM-2019: Aspectos Gramaticais
ENEM-2019: Aspectos Gramaticaisma.no.el.ne.ves
 
ENEM-2019: Educação Física
ENEM-2019: Educação FísicaENEM-2019: Educação Física
ENEM-2019: Educação Físicama.no.el.ne.ves
 
ENEM-2019: Compreensão Textual
ENEM-2019: Compreensão TextualENEM-2019: Compreensão Textual
ENEM-2019: Compreensão Textualma.no.el.ne.ves
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e Internet
Terceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e InternetTerceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e Internet
Terceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e Internetma.no.el.ne.ves
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Literatura
Terceira aplicação do ENEM-2017: LiteraturaTerceira aplicação do ENEM-2017: Literatura
Terceira aplicação do ENEM-2017: Literaturama.no.el.ne.ves
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Educação Física
Terceira aplicação do ENEM-2017: Educação FísicaTerceira aplicação do ENEM-2017: Educação Física
Terceira aplicação do ENEM-2017: Educação Físicama.no.el.ne.ves
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão Textual
Terceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão TextualTerceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão Textual
Terceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão Textualma.no.el.ne.ves
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Artes
Terceira aplicação do ENEM-2017: ArtesTerceira aplicação do ENEM-2017: Artes
Terceira aplicação do ENEM-2017: Artesma.no.el.ne.ves
 
Análise da Prova de Redação da UERJ-2010
Análise da Prova de Redação da UERJ-2010Análise da Prova de Redação da UERJ-2010
Análise da Prova de Redação da UERJ-2010ma.no.el.ne.ves
 

Mais de ma.no.el.ne.ves (20)

Segunda aplicação do ENEM-2019: Literatura
Segunda aplicação do ENEM-2019: LiteraturaSegunda aplicação do ENEM-2019: Literatura
Segunda aplicação do ENEM-2019: Literatura
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologias
Segunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologiasSegunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologias
Segunda aplicação do ENEM-2019: Internet e tecnologias
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileiras
Segunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileirasSegunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileiras
Segunda aplicação do ENEM-2019: Identidades brasileiras
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Educação Física
Segunda aplicação do ENEM-2019: Educação FísicaSegunda aplicação do ENEM-2019: Educação Física
Segunda aplicação do ENEM-2019: Educação Física
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textual
Segunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textualSegunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textual
Segunda aplicação do ENEM-2019: Compreensão textual
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticais
Segunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticaisSegunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticais
Segunda aplicação do ENEM-2019: Aspectos gramaticais
 
Segunda aplicação do ENEM-2019: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2019: ArtesSegunda aplicação do ENEM-2019: Artes
Segunda aplicação do ENEM-2019: Artes
 
ENEM-2019: Literatura
ENEM-2019: LiteraturaENEM-2019: Literatura
ENEM-2019: Literatura
 
ENEM-2019: Internet e Tecnologias
ENEM-2019: Internet e TecnologiasENEM-2019: Internet e Tecnologias
ENEM-2019: Internet e Tecnologias
 
ENEM-2019: Identidades brasileiras
ENEM-2019: Identidades brasileirasENEM-2019: Identidades brasileiras
ENEM-2019: Identidades brasileiras
 
ENEM-2019: Aspectos Gramaticais
ENEM-2019: Aspectos GramaticaisENEM-2019: Aspectos Gramaticais
ENEM-2019: Aspectos Gramaticais
 
ENEM-2019: Educação Física
ENEM-2019: Educação FísicaENEM-2019: Educação Física
ENEM-2019: Educação Física
 
ENEM-2019: Compreensão Textual
ENEM-2019: Compreensão TextualENEM-2019: Compreensão Textual
ENEM-2019: Compreensão Textual
 
ENEM-2019: Artes
ENEM-2019: ArtesENEM-2019: Artes
ENEM-2019: Artes
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e Internet
Terceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e InternetTerceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e Internet
Terceira aplicação do ENEM-2017: Tecnologias e Internet
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Literatura
Terceira aplicação do ENEM-2017: LiteraturaTerceira aplicação do ENEM-2017: Literatura
Terceira aplicação do ENEM-2017: Literatura
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Educação Física
Terceira aplicação do ENEM-2017: Educação FísicaTerceira aplicação do ENEM-2017: Educação Física
Terceira aplicação do ENEM-2017: Educação Física
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão Textual
Terceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão TextualTerceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão Textual
Terceira aplicação do ENEM-2017: Compreensão Textual
 
Terceira aplicação do ENEM-2017: Artes
Terceira aplicação do ENEM-2017: ArtesTerceira aplicação do ENEM-2017: Artes
Terceira aplicação do ENEM-2017: Artes
 
Análise da Prova de Redação da UERJ-2010
Análise da Prova de Redação da UERJ-2010Análise da Prova de Redação da UERJ-2010
Análise da Prova de Redação da UERJ-2010
 

Sermão da sexagésima

  • 1. Sermão da sexagésima, Padre Antônio Vieira Manoel Neves
  • 2. O TERMO “BARROCO” etimologia e significação pérola irregular e defeituosa; processos confusos de raciocínio ETIMOLOGIA valor: negativo, pejorativo bizarro; perda da clareza, da pureza e da elegância clássicas visão dos clássicos estilo impuro, alambicado e obscuro Wölflin, a reabilitação o teórico alemão Wölflin reabilita o termo “barroco” e diz que ele designa uma forma peculiar de arte moderna
  • 3. O HOMEM “BARROCO” dividido entre duas concepções de mundo TEOCENTRISMO ANTROPOCENTRISMO [medieval] [renascentista] Deus é o centro e a medida de todas as coisas O homem é a medida de todas as coisas [humanismo] crença no sistema geocêntrico crença no sistema heliocêntrico conhecimento restrito à Igreja produção e propagação da arte valorização dos santos e mártires valorização de Grécia-Roma [Mitologia : caráter clássico] consciência da transitoriedade da vida, busca a salvação celebração do prazer de viver [carpe diem] consequências espiritualização da matéria mistura do real e do sobrenatural fixação de estados contraditórios grande volume de antíteses e paradoxos
  • 4. A CONTRARREFORMA e suas implicações na literatura barroca século XVI Martinho Lutero protesta contra desvios-desmandos dos que professavam Reforma Protestante a doutrina católica. [a Reforma espalha-se por Alemanha, França, Reino Unido e Holanda] Defende-se a unidade da fé e a disciplina eclesiástica. Desdobramentos: Concílio de Trento [1545] Inquisição, Tribunal do Santo Ofício e Index librorum prohibitorum. A Companhia de Jesus difunde e aplica os ideais contrarreformistas. Autos de fé: rituais de punição aos hereges, que eram queimados em praça Clima de Terror Religioso pública. A ação da Inquisição atingiu principalmente Bahia e Pernambuco. Autores como Galileu, Descartes e Newton são abolidos do ensino. temas na literatura fragilidade e efemeridade da existência contrição e consciência do pecado dolorosa percepção do tempo e da efemeridade advertência contínua sobre a brevidade da vida permanente inutilidade das glórias mundanas consciência de que o homem é mortal e limitado
  • 5. O BARROCO estilos e ideologias cultismo ou gongorismo conceptismo ou quevedismo influência: Luiz de Gôngora influência: Francisco de Quevedo requinte da forma sutileza das idéias vocabulário raro raciocínios engenhosos alusões mitológicas associações inesperadas reiteração de metáforas alegorias, paradoxos jogos de palavras jogos de idéias uso excessivo de figuras de linguagem percepção íntima dos objetos Essas duas tendências se completam e, não raro, coexistem num mesmo texto literário. No Sermão da sexagésima, Vieira condena os abusos do estilo cultista, próprios dos pregadores da Ordem de São Domingos, no entanto, esse sermão, de estilo conceptista, apresenta, em alguns momentos, o uso do mesmo estilo que condenava.
  • 6. O BARROCO estilos e ideologias cultismo ou gongorismo conceptismo ou quevedismo Todas as estrelas por sua ordem; mas é ordem que Há de tornar o pregador uma só matéria, há de faz influência, não é ordem que faça favor. Não fez defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. declará-la com a razão, há de confirmá-la com o Se de uma parte está Branco, da outra há de estar exemplo, há de amplificá-la com as causas e com os Negro, se de uma parte está Dia, da outra há de estar efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências Noite; se de uma parte dizem Luz, da outra hão de que se hão de seguir, com os inconvenientes que se dizer Sombra; se de uma parte dizem Desceu, da devem evitar, há de responder às dúvidas, há de outra hão de dizer Subiu. Basta que não havemos de satisfazer as dificuldades, há de impugnar e refutar ver num sermão duas palavras em paz? Todos hão de com toda a força da eloqüência os argumentos estar sempre em fronteira com o contrário? contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar.
  • 7. RETÓRICA E ORATÓRIA palavra e poder no púlpito Sermão é um texto em prosa, um discurso importante, longo e demoradamente elaborado, tendo como objetivo a propaganda e edificação religiosa. Esta modalidade literária faz parte da oratória, isto é, a prática ou arte de bem dizer, explorando os recursos verbais com vistas a ensinar, persuadir e comover. O sermão ou prédica é eloqüência religiosa, também chamada perenética, cujo objetivo é discutir os dogmas da religião com vistas a incuti-los no ouvinte, comovendo e persuadindo. retórica e oratória retórica: regras que estruturam a oratória; oratória: arte do bem falar, do bem dizer perenética oratória sacra; gênero que serve à difusão dos dogmas da religião, a fim de incuti-los no ouvinte eloquência capacidade do orador de se expressar com desenvoltura e persuadir através da palavra
  • 8. GÊNERO TEXTUAL o sermão na sociedade do século XVII sermão forma de pensamento e ação fala a uma grande diversidade de almas platéia heterogênea veículo de comunicação social trata de temas atuais mantém a platéia informada temática variada e importante questões históricas e sociais interesse da Colônia e da Metrópole função análoga à da imprensa [em nossos dias] divulgação de fatos e idéias espaço de formação e informação
  • 9. GÊNERO TEXTUAL o sermão na sociedade do século XVII sermão princípio dialógico [estrutura de diálogo] Todo o discurso do jesuíta português está centrado no leitor e no auditório e, em última instância, converge para o proselitismo, isto é, volta-se para o exercício de convencer o ouvinte a adotar a doutrina pregada. Não por acaso, o interlocutor é aquele que deve captar uma verdade absoluta, impessoal, universal, acima de quaisquer circunstâncias. E mais: para conhecer o mundo, é preciso conhecer o texto divino porque o mundo profano é um conjunto enigmático, mas cognoscível. A chave para a “correta” decifração do mundo está na leitura da Bíblia, efetuada pelo sacerdote. o pregador deve desgostar o ouvinte, levá-lo a querer mudar de atitude A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lha pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador tremer; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a pregação qual convém, então pode esperar que faça fruto.
  • 10. GÊNERO TEXTUAL o sermão na sociedade do século XVII sermão a função do púlpito A figura do pregador nas igrejas barrocas é centralizadora e ocupa uma posição estratégica. É ele que detém o poder da palavra, conhece o texto bíblico e funciona como elemento agregador do grupo, fortalecendo-o e conduzindo-o. Como orador, sua posição é destacada; o púlpito é seu posto de observação. É ele que tem acesso exclusivo ao púlpito, cuja preeminência arquitetônica sobreleva o papel dele como sacerdote; é dele a escolha pensada e anterior do trecho do Evangelho a ser lido; e dele, as vestes características e singulares. Isso estabelece entre o sermonista e o público uma relação desigual. Não por acaso, a distância entre púlpito e público é uma barreira que separa o detentor da fala e seus ouvintes. O orador é o interprete fiel do texto divino, através de suas palavras, o auditório nota que Cristo disse algo. A tribuna é o lugar do fascinante poder da linguagem. Nesse palco retórico, Vieira é o próprio porta-voz de Deus; ao ouvinte só resta ouvir e acreditar. Seu discurso pode sinalizar segurança e solução dos problemas. citações em latim As citações latinas são imprescindíveis nos sermões de Vieira, mas, como analisa o ensaísta Luiz Roncari, não é imprescindível para seu entendimento compreender o latim das citações, isto porque, geralmente, o orador traduz tais citações ou aclara seu conteúdo exaustivamente reproduzindo ou repetindo ao longo da prédica. Roncari afirma que as citações latinas são próprias da mentalidade da época, torna as autoridades do passado como fontes de verdades que vêm comprovar suas afirmações sobre o presente. O que é dito em latim soa como verdade imutável.
  • 11. O ESTILO a língua e o lúdico precisão semântica propensão lúdica da linguagem Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte há de estar branco, de outra há de estar negro; se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? apesar de metafórica, a linguagem elege com precisão o objeto de sua análise
  • 12. O ESTILO a língua e o lúdico rigor no amarramento sintático Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados. Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós. uso de estruturas linguísticas elaboradas, rigorosas
  • 13. O ESTILO a língua e o lúdico recurso a um conceito sintetizador Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências, que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência com os argumentos contrários, e depois disso há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é o sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. através do recurso anafórico [enumerativo], o locutor define a matéria de sua prédica
  • 14. O ESTILO a língua e o lúdico construção tipicamente anafórica A omissão é um pecado que se faz não fazendo... Estava o profeta Elias em um deserto metido em uma cova, aparece-lhe Deus e diz-lhe: Quid hic agis, Elia? E bem Elias, vós aqui? Aqui, Senhor! Pois aonde estou eu? Não estou metido em uma cova? Não estou retirado do mundo? Não estou sepultado em vida? Quid hic agis? E que faço eu? Não estou disciplinando, não estou jejuando, não estou contemplando e orando a Deus? Assim era. Pois se Elias estava fazendo penitência em uma cova, como o repreende Deus e lho estranha tanto? Porque ainda que eram boas as obras as que fazia, eram melhores as que deixava de fazer. O que fazia era devoção, o que deixava de fazer era obrigação. Tinha Deus feito a Elias profeta do povo de Israel, tinha-lhe dado ofício público; e estar Elias no deserto, quando havia de andar na corte; estar metido em uma cova, quando havia de aparecer na praça; estar contemplando o Céu, quando havia de estar emendando a terra; era muito grande culpa. uso de anáfora [construção de estruturas sintaticamente paralelas]
  • 15. O ESTILO a língua e o lúdico frase recolhitiva acumulação enumerativa de palavras Por isso Isaías chamou aos pregadores nuvens: qui sunt isti, qui ut nubes volant? A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio: relâmpago par os olhos, trovão para os ouvidos, raio para o coração: com o relâmpago alumia, com o trovão assombra, com o raio mata. Mas o raio fere um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos. Assim há de ser a voz do pregador; um trovão do Céu, que assombra e faça tremer ao mundo. uso da técnica de disseminação e recolha: depois de apresentar elementos, retorma-os em ordem
  • 16. A ESTRUTURA DO SERMÃO um gênero da perenética prólogo, exórdio é a parte que inicia o sermão e é composto de três elementos Momento em que uma passagem da Bíblia é eleita para ilustrar-embasar o tema sermão. Pode ser versículo ou trecho mais amplo. Vieira ancora sua argumentação fundamenta seu raciocínio nessa passagem da Bíblia. Apresentação do assunto. É um campo que apresenta grande variedade de intróito temas, abordando questões filosóficas, políticas ou morais. Fatos históricos e sociais também entram na pauta do sermão. Pedido de auxílio divino para que o pregador consiga realizar o seu intuito. invocação Tal pedido é feito geralmente à Virgem Maria e, caso os ouvintes saiam da Igreja tocados e transformados, infere-se que houve um milagre.
  • 17. A ESTRUTURA DO SERMÃO um gênero da perenética desenvolvimento é o corpo do sermão, onde o tema é esclarecido, dividido, desenvolvido Procedimentos argumentativos: exemplificação, comparações, deduções, indagações, silogismos; Alusões a outros episódios bíblicos; Alusão a figuras expoentes da Filosofia e da História, como forma de ilustrar os raciocínios desenvolvidos; Apresentação do tema e antecipação de questionamento, de modo a evitar a refutação por parte do auditório; Perguntas retóricas;
  • 18. A ESTRUTURA DO SERMÃO um gênero da perenética peroração conclusão do argumento e exortação [advertência relativa aos valores propostos pelo sermão] Ao final de seu texto, o pregador retorna ao tema, esclarecendo-o e resolvendo-o em definitivo. Posto que o sermão é o desenvolvimento de uma tese, ao final da peroração, o auditório está convencido do valor da pregação e transformado pela ação moralizante.
  • 19. O TÍTULO um libelo contra os maus pregadores local e data Capela Real de Lisboa, penúltimo domingo antes da Quaresma [sexagésima] de 1655 metassermão sermão sobre a arte de pregar [pode ser considerado um tratado sobre a perenética do século XVII] tema ineficácia da Palavra de Deus, utilizada pelos contemporâneos de Vieira uso recorrente do estilo cultista por parte dos pregadores da Ordem Dominicana
  • 20. DISCUTINDO O TEMA um libelo contra os maus pregadores por que teria a palavra de Deus pouco fruto? 1) Pregadores usam a perenética para agradar os ouvintes; 2) Pregadores usam a perenética para divulgar seus dons oratórios; 3) Pregadores fazem da perenética uma forma vaidosa e estéril de divulgar suas habilidades retóricas.
  • 21. DISCUTINDO O TEMA um libelo contra os maus pregadores No século XVII, o pregador era uma figura pública e sua palavra era respeitada e difundida entre os fiéis. Por isso mesmo, se os pregadores preferiam exibir seus dons literários a moralizar os ouvintes, o uso da palavra divina perdia não só sua eficácia, mas sua razão de existir. Vieira critica, então, a quebra do decoro [adequação ao estilo, intenção] dos oradores barrocos. fiéis jesuítas política dominicanos
  • 22. DISCUTINDO O TEMA um libelo contra os maus pregadores O Sermão da sexagésima pode ser considerado um libelo contra os maus pregadores, aqueles que abusavam das formas cultistas. Estes, segundo Vieira, pregavam a si mesmos e não à palavra Pregar a si significa demonstrar suas habilidades literárias e se esquecer da relação divina e transcendente entre as palavras e as coisas do mundo. O mau pregador seria aquele que estivesse utilizando de forma inadequada o estilo próprio da oratória sacra para tratar da palavra de Deus, que seria o seu tema fundamental. Mais: nesses lugares, nesses textos que alegais para prova do que dizeis, é esse o sentido em que Deus os disse? É esse o sentido em que os entendem os padres da Igreja? É esse o sentido da mesma gramática das palavras? Não, por certo; porque muitas vezes as tomais pelo que toam e não pelo que significam, e talvez nem pelo que toam. Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras de Deus. E se não são palavras de Deus, que nos queixamos que não façam fruto as pregações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e coisas não havemos de querer o que elas dizem?! E então ver cabecear o auditório a estas coisas, quando devíamos de dar com a cabeça pelas paredes de as ouvir! Verdadeiramente não sei de que mais me espante, se dos nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o pregador! Assim é: mas que levantou? Um falso testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de ambos. Então que se converta o mundo com falsos testemunhos da palavra de Deus?
  • 23. SERMÃO DA SEXAGÉSIMA a estrutura prólogo partes I e II desenvolvimento partes III, IV, V, VI, VII e VIII peroração partes IX e X Intervalos entre cada parte: silêncio do pregador, preparação do ouvinte.
  • 24. O INTERTEXTO Mateus, 12: Parábola do Semeador 03. E seus discursos foram uma série de parábolas. 04. Disse ele: Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e comeram. 05. Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda. 06. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes. 07. Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram. 08. Outras, enfim, caíram em terra boa, deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um. 09. Aquele que tem ouvidos, ouça.
  • 25. PARTE I apresentação do tema tema a semente é a palavra de Deus [semen est verbum dei] objetivo examinar a palavra divina [metassermão] Depois de propor tema e objetivo, o locutor lança um desafio: E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador? Atente-se que a intencionalidade do sermão é a de provocar, desenganar. O sermão não visa ao contentamento, mas ao descontentamento, que promoverá a mudança.
  • 26. PARTE I apresentação do tema Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Quiasmo: disposição cruzada da ordem das partes simétricas de duas linguagem frases, de modo que formem uma antítese ou um paralelo. O sair é uma virtude do pregador, representa a divulgação dos ideais cristãos. Aqui se nota uma valorização dos procedimentos dos jesuítas e uma crítica aos dominicanos que não faziam missões. O pregador que semeia sem sair prefere a comodidade de pregar na terra local. Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos. Exit seminare. Paronomásia: palavras se aproximam pelo som, mas cujo sentido pode ou linguagem não se relacionar. Paço: palácio x Passos: ato de caminhar. O pregador defende que os pregadores saiam de suas terras e que divulguem os ideais cristãos em terras distantes e pagãs, como Índia, China e Japão.
  • 27. PARTE I apresentação do tema O tom predominante nesta primeira parte é de crítica e advertência. Trabalha-se com analogias: Quando Cristo mandou pregar os Apóstolos pelo Mundo, disse-lhes dessa maneira? Euntes in mundum universum, praedicate omni creaturae (Mc. 16:15): “Ide, e pregai a toda a criatura”. Como assim, senhor?! Os animais não são criaturas?! As árvores não são criaturas?! As pedras não são criaturas?! Pois hão os Apóstolos de pregar às pedras?! Hão de pregar aos animais?! Sim, diz S. Gregório, depois de Santo Agostinho. Porque como os Apóstolos iam pregar a todas as nações do mundo, muitas delas bárbaras e incultas, haviam de achar homens degenerados em todas as espécies de criaturas? haviam de achar homens homens, haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens troncos, haviam de achar homens pedras. Note-se a presença de analogias dispostas, num primeiro momento, e linguagem recolhidas, num segundo. O trecho se estrutura através de anáforas. Questiona-se a perseverança do pregador e seu compromisso com a semeadura. Para tanto, vale-se de uma passagem do livro de Ezequiel, como prova da firmeza necessária ao pregador. O pregador precisa de uma postura íntegra e determinada. O desafio inicial é retomado: Eis aqui por que eu dizia ao princípio, que vindes enganados com o pregador. Mas para que possas ir desenganados com o sermão, tratarei nele uma matéria de grande peso e importância. Servirá como prólogo aos sermões que hei de pregar, e aos mais que ouvirdes esta Quaresma. Confirmação do caráter metalinguístico do sermão e reforço à idéia linguagem segundo a qual o sermão deve ferir para curar.
  • 28. PARTE II definição da matéria do sermão tema explicar por que a palavra de Deus não tem frutificado muito nos dias atuais objetivo criticar o estilo de pregação dos dominicanos e cultistas O trigo que semeou o Pregador Evangélico, diz Cristo, que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa, em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos, e perturbados com a passagem e o tropel das cousas do mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque ou a desatendem, ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et fructum fecit centuplum. Uso de analogias, metáforas e alegorias. O locutor levanta dúvidas que linguagem serão prontamente resolvidas, sem dar ao ouvinte o tempo necessário para elucidar a questão.
  • 29. PARTE II definição da matéria do sermão A pergunta fundamental aparece no segundo e no último parágrafos, cuja resposta se estenderá por todo o corpo do sermão. Aqui a questão é problematizada, e sua resolução será dilatada ao máximo, chegando até a nona parte do sermão. Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa, se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, para que aprendam a ouvir.
  • 30. PARTE III uma escolha entre três respostas A resposta divide-se em três partes e induz o interlocutor a considerá-las como formas de solução: Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Tal divisão será transformada em alegoria [para que um homem veja a si mesmo são necessários] [elementos: luz, olhos e espelho]; ver a si mesmo: converter-se, arrepender-se, orientar-se pela palavra divina empenhada no sermão: Para completar a alegoria, falta a esperada conversão É assim que tem início a análise dos elementos necessários para que o homem se veja a si mesmo, ou seja, para que a palavra de Deus frutifique.
  • 31. PARTE III uma escolha entre três respostas Em primeiro lugar, vem Deus, que é prontamente absolvido [cita-se do Concílio de Trento]. Deus é a luz e a luz nunca pode faltar. Para tanto, volta à “Parábola do semeador” e deduz algo não muito evidente, numa primeira leitura: segundo Vieira, o trigo não é atingido nem pelo sol nem pela chuva [obras do céu]; o que impediu o êxito da frutificação foram os espinhos, as pedras, os homens e as aves. Em segundo lugar, levanta-se a hipótese de o ouvinte ser culpado pela ineficácia da pregação. O ouvinte é comparado aos olhos, necessários ao homem para ver a si mesmo. Mesmo isento de culpa, o ouvinte não deixa de ser acusado. Vieira compara os ouvintes à terra onde caiu o trigo [seja nos espinhos, nas pedras ou na terra boa] e afirma que todos os solos foram férteis. Sendo assim, a culpa não podia ser dos ouvintes, pois, mesmo nos maus ouvintes a palavra divina chegou a nascer. Vejamos, pois, as analogias:
  • 32. PARTE III uma escolha entre três respostas Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no. [...] O trigo que caiu nas pedras, nasceu também, mas secou-se [...]. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou com grande multiplicação. [...] De maneira que o trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos. E por quê? – os espinhos por agudos, e as pedras por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar quem os não pica. [...] O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele; e o mesmo sucede cá. Cuidais que o ser mão vos picou a vós, e não é assim; vós sois os que picais o sermão. Por isto são maus ouvintes os de entendimentos agudos. Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agude pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra.
  • 33. PARTE III uma escolha entre três respostas AGUDOS refutam, duvidam, negam, não se deixaram convencer MAUS OUVINTES DUROS fazem-se de convictos, intransponíveis ao sermão As qualidades dos maus ouvintes estão associadas a agudeza dos espinhos e a dureza das pedras. Vieira afirma que é possível convencer as pedras e os espinhos, associando a alegoria com outro texto bíblico [Mateus, XXVII]: os espinhos acabariam por coroar Jesus, assim como as pedras seriam movidas em sua ressurreição. Assim, os ouvintes são isentos do insucesso da pregação: Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem. Quando o semeador do céu deixou o campo, saindo deste mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. Posto que Deus e os ouvintes foram isentados da culpa. Ela só pode estar no pregador.
  • 34. PARTE IV as qualidades do pregador pessoa que é voz com ciência que fala que tem estilo matéria que segue que trata
  • 35. PARTE IV as qualidades do pregador [a pessoa] a pessoa Antigamente convertia-se o mundo, hoje por que não se converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente se pregavam palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra [...]. As vozes da harpa de David lançavam fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram vozes formadas com a mão [...]. Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar, faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cem por um. Que quer dizer isso? Quer dizer que de uma palavra nasceram cem palavras? – Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras. Pois palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras! Afirma-se que a palavra divina só é divina se vier acompanhada de obras q justifiquem sua condição. Exemplos: Deus, para converter o pecador, criou sua obra mais importante – o Deus-homem, Jesus. Exemplos: a encenação da Paixão de Cristo tem apelo maior que a simples explanação sobre ela. Essa exposição é feita através do apelo sensorial – as palavras são ouvidas e as obras são vistas:
  • 36. PARTE IV as qualidades do pregador [a pessoa] Verbo Divino é palavra divina; mas importa pouco que as nossas palavras sejam divinas, se forem desacompanhadas de obras. A razão disso é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos. No céu ninguém há que não ame a Deus, nem possa deixar de o amar. Na terra há tão poucos que o amem, todos o ofendem. Deus não é o mesmo, e tão digno de ser amado no céu e na terra? Pois como no céu obriga e necessita a todos o amarem, e na terra não? A razão é porque Deus no céu é Deus visto; Deus na terra é Deus ouvido. No céu entra o conhecimento de Deus à alma pelos olhos: Videbimus eum sicut est; na terra entra-lhe o conhecimento de Deus pelos ouvidos: Fides ex auditu; e o que entra pelos ouvidos crê-se, o que entra pelos olhos necessita. A fim de confirmar a sua tese, o pregador recorre a um exemplo de autoridade em Mateus: Por que convertia o Batista tantos pecadores? – Porque assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos. As palavras do Batista pregavam penitência [...] e o exemplo clamava: Ecce homo: “eis aqui está o homem” que é o retrato da penitência e da aspereza. As palavras do Batista pregavam jejum e repreendiam os regalos e demasias da gula; e o exemplo chamava: Ecce homo: eis aqui está o homem que se sustenta de gafanhotos e mel silvestre. As palavras do Batista pregavam composição e modéstia, e condenavam a soberba e a vaidade das galas; e o exemplo clamava: Ecce homo: eis aqui está o homem vestido de peles de camelo, com as cordas e cilício à raiz da carne. As palavras do Batista pregavam desapegos e retiros do Mundo, e fugir das ocasiões; e o exemplo clamava: Ecce homo: eis aqui o homem que deixou as cortes e as sociedades, e vive num deserto e numa cova. Se os ouvintes ouvem uma coisa e veem outra, como se hão de converter? Outra personagem bíblica que convence pelo sermão e pela ação é Jonas, cuja pessoa, segundo Vieira, é composta de palavras e obras.
  • 37. PARTE V as qualidades do pregador [o estilo] o estilo Parte mais importante do sermão, pois nela se critica a falta de decoro dos que usam o cultismo: Um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Ao discorrer sobre a naturalidade do estilo, recorre-se à metáfora da disposição das estrelas no céu: Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no mundo foi o céu. [...] Suposto que o céu é pregador, deve de ter sermões e deve de ter palavras. Sim, tem, diz o mesmo David; tem palavras e tem sermões; e mais, muito bem ouvidos [...]. E quais são estes sermões e estas palavras do céu? As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. Vede com diz o estilo de pregar do céu, com o estilo que Cristo ensinou na terra. um e outro é semear; a terra semeada de trigo, o céu semeado de estrelas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas [...]. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que faça favor. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras.
  • 38. PARTE V as qualidades do pregador [o estilo] Inicia-se virulento ataque ao estilo cultista, que é visto como um modelo que carece de fundamento divino e, por isso, não produz a verdadeira persuasão, senão a exibição estéril do estilo do pregador: Se de uma parte há de estar branco, da outra há de estar negro; se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das palavras. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o estilo da pregação; muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo; as estrelas são muito distintas e muito claras, e altíssimas. O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem. Se no plano do conteúdo, defende-se que se pregue de modo claro e distinto, do ponto de vista da forma, percebe-se que a alegoria empregada consegue o efeito pretendido [é claro e distinto].
  • 39. PARTE V as qualidades do pregador [o estilo] Segue-se uma série de acusações, demonstradas de forma cáustica e agressiva: Sim, Padre; porém esse estilo de pregar não é pregar culto. Mas fosse! Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe culto, os que o condenam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem muita honra. O estilo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito cerrado. É possível que somos portugueses e havemos de ouvir um pregador em português e não haver de entender o que diz?! Assim como há Lexicon para o grego e Calepino para o latim, assim é necessário haver um vocabulário do púlpito. Eu ao menos o tomara para nomes próprios, porque os cultos têm desbatizado os santos, e cada autor que alegam é um enigma. Criticam-se, agora, as perífrases e antonomásias usadas pelos pregadores cultistas: Assim o disse o Cetro Penitente, assim o disse o Evangelista Apeles, assim o disse a Águia de África, o Favo de Claraval, a Púrpura de Belém, a Boca de Ouro. Há tal modo de alegar! O Cetro Penitente dizem que é David, como se todos os cetros não foram penitência; o Evangelista Apeles, que é S. Lucasw; o Favo de Claraval, S. Bernardo; a Água de África, Santo Agostinho; a Púrpura de Belém, S. Jerônimo; a Boca de Ouro, S. Crisóstomo. E quem quitaria ao outro cuidar que a Púrpura de Belém é Herodes, que a Água de África é Cipião, e a Boca de Ouro é Midas? Se houvesse um advogado que alegasse assim a Bartolo e Baldo, havíeis de fiar dele o vosso pleito? Se houvesse um homem que assim falasse na conversação, não o havíeis de ter por néscio? Pois o que na conversação seria necedade, como há de ser discrição no púlpito. O estilo necessita ser alto e claro, para não afastar o ouvinte do sentido final do sermão – a pregação.
  • 40. PARTE VI as qualidades do pregador [o assunto] o assunto Primeiramente há que se notar que Viera põe em execução, no Sermão da sexagésima, o modelo de sermão proposto: ao mesmo tempo que defende um estilo, o pregador o demonstra no sermão: Há de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la, para que se distinga; há de prová-la com a Escritura; há de declará-la com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de apartar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é o sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.
  • 41. PARTE VI as qualidades do pregador [o assunto] Para explicar em que consiste a divisão do assunto, o locutor usa o exemplo da árvore [alegoria]: Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão; há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios, há de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto o fim a que se há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Método da disseminação e recolha: os elementos da árvore são dispostos linguagem numa ordem gradativa e em seguida são examinados e recolhidos na disposição exatamente inversa. Mais adiante, usa-se o expediente intertextual para invocar figuras da arte oratória:
  • 42. PARTE VI as qualidades do pregador [o assunto] Tudo o que tenho dito pudera demonstrar largamente, não só com os preceitos dos Aristóteles, dos Túlios, dos Quintilianos, mas com a prática observada do príncipe dos pregadores evangélicos, S. João Crisóstomo, de S. Basílio Magno, S. Bernardo, S. Cipriano, e com as famosíssimas orações de s. Gregório Nazianzeno, mestre de ambas as Igrejas. E posto que nestes mesmo Padres, como em Santo Agostinho, S. Gregório e muitos outros, se acham os Evangelhos apostilados com nomes de sermão e homilias, uma coisa é expor, e outra pregar; uma ensinar, e outra persuadir, desta última é que eu falo. Neste trecho, revelam-se suas influências. Revela, ainda, seu modelo de pregar [alegoria da árvore] tronco assunto raízes evangelho ramos discursos, argumentos folhas palavras, ornamentos varas moralização, repreensão flores sentenças, raciocínios frutos finalidade do sermão
  • 43. PARTE VII as qualidades do pregador [a ciência] a ciência Cada pregador tem sua própria razão e esta não pode ser tomada de outro; o pregador deve pregar com sua própria ciência, nascida de seu próprio juízo. O que se condena aqui é o uso indevido do raciocínio alheio, da palavra alheia, atitude que impossibilita, segundo Vieira, qualquer persuasão: Eis aqui por que muitos pregadores não fazem fruto; porque pregam o alheio, e não o seu; Semem suum. O pregar é entrar em batalha com os vícios; e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles, a ninguém deram vitória. Quando David saiu a campo com o gigante, ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as quis aceitar. Com armas alheias ninguém pode vencer ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de David a David; e mais aproveita um cajado e uma funda própria, que a espada e a lança alheia. Pregador que peleja com as armas alheias, não hajais medo que derrube gigante. O uso de exemplos advindos tanto da Bíblia quanto da tradição grega confirmam a erudição de Vieira e comprovam seu caráter barroco – ligado tanto à tradição teocêntrica, quanto à antropocêntrica.
  • 44. PARTE VII as qualidades do pregador [a ciência] Eis outra alegoria que visa a esclarecer como deve ser a ciência do pregador: Fez Cristo aos Apóstolos pescadores de homem, que foi ordená-los de pregadores. E que faziam os Apóstolos? Diz o texto que estavam refientes retia sua: refazendo as redes suas; eram as redes dos Apóstolos, e não eram alheias. Notai: retia sua: Não diz que eram suas porque as compraram, senão que eram suas porque as faziam; não eram suas porque lhes custaram o seu dinheiro, senão porque lhes custavam o seu trabalho. Desta maneira eram as redes suas; e porque desta maneira eram suas, por isso eram redes de pescadores que haviam de pescar homens. Com redes alheias, ou feitas por mão alheia, podem-se pescar peixes, homens não se podem pescar. A razão disto é porque nesta pesca de entendimentos só quem sabe fazer a rede sabe fazer o lanço. Como se faz uma rede? Do fio e do nó se compõe a malha; quem não enfia nem ata, como há de fazer rede? E quem não sabe enfiar nem sabe atar, como há pescar homens? A rede tem chumbada que vai ao fundo, e tem cortiça que nada em cima da água. A pregação tem umas coisas de mais peso e de mais fundo, e tem outras mais superficiais e mais leves; e governar o leve e o pesado, só o sabe fazer quem faz a rede. Na boca de quem não faz a pregação, até o chumbo é cortiça. A analogia dilata as possibilidades de leitura do Evangelho. Para evitar refutação, comprova-se que a razão deve vir do próprio entendimento [não do alheio], ao citar os apóstolos e idiossincrasias: Se de cinco temos escrituras; mas a diferença com que escrevem [...] é admirável. As penas todas eram tiradas das asas daquela pomba divina; mas o estilo tão diverso, tão particular e tão próprio de cada um, quem bem mostra que era seu. Mateus fácil, João misterioso, Pedro grave, Jacob forte, Tadeu sublime, e todos com tal valentia no dizer, que cada palavra era um trovão, cada cláusula um raio e cada razão um triunfo. Ajuntai a estes cinco S. Lucas e S Marcos, que também ali estavam, e achareis o número daqueles sete trovões que ouviu S. João no Apocalipse.
  • 45. PARTE VIII as qualidades do pregador [a voz] a voz Vieira examina, aqui, as possibilidades físicas da voz do orador [trovão do céu]: Por isso Isaías chamou aos pregadores “nuvens”: Qui sunt isti, qui ut nubes volant? A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio: relâmpago para os olhos, trovão para os ouvidos e raio para o coração; com o relâmpago alumia, com o trovão assombra, com o raio mata. Mais o raio fere a um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos. Assim há de ser a voz do pregador, um trovão do Céu, que assombre e faça tremer o mundo. Através da técnica da disseminação e recolha, o pregador chega ao final da sua argumentação. Após examinar pormenorizadamente os elementos que compõe a pessoa do pregador, conclui: Em conclusão que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com a palavra de Deus, nem é a circunstância da pessoa: Qui semint: nem a do estilo: Seminare; nem a da matéria: Semen; nem a da ciência: Suum; nem a da voz: Clamabat. Moisés tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro estilo; Salomão multiplicava e variava os assuntos; Balaão não tinha exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência; e contudo todos estes, falando, persuadiam e convenciam. Pois se nenhuma destas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a verdadeira causa?
  • 46. PARTE IX a acusação feita aos pregadores Constata-se que a falta de decoro do pregador é a causa de a palavra de Deus fazer pouco fruto: É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na terra faz fruto, mas até nas pedras e no espinho nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os efeitos da palavra de Deus? […]. Diz o Espírito Santo: “Quem semeia ventos colhe tempestades”. Se os pregadores semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há a Igreja de Deus de correr da tormenta, em vez de colher fruto? Observe-se que o vento é um elemento metafórico que indica a vacuidade linguagem do que se prega e ainda o intertexto com o ditado popular [Quem semeia vento colhe tempestades]. Atente, agora, para o fato de que o locutor lança uma pergunta, para, em seguida, respondê-la: Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus. As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus, mas pregadas no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demônio. Através de um silogismo e de um paradoxo [as palavras de Deus, quando não pregadas no sentido em que Deus as disse, não são palavras de Deus], linguagem o pregador critica virulentamente os maus pregadores – os que se preocupam em agradar aos ouvintes com seus dotes oratórios.
  • 47. PARTE IX a acusação feita aos pregadores Tais pregadores [q exibem seu estilo ao invés de se preocuparem com o sentido da palavra de Deus] são indignos do nome de pregadores. Os aplausos que recebe, ao invés de serem de aprovação são símbolo da reprovação ao estilo. A partir de agora, o pregador justifica sua condenação: Pois se não é esse o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras de Deus. E se não são palavras de Deus, que nos queixamos que não façam fruto as pregações? Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e não havemos de querer dizer o que elas dizem?! E então ver cabecear o auditório a estas coisas, quando devíamos de dar com a cabeça pelas paredes de as ouvir?! Verdadeiramente não sei de que mais me espante, se dos nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o pregador! Assim é mas que levantou? Um falso testemunho ao texto, outro falso testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de ambos. Então que se converta o mundo com falsos testemunhos da palavra de Deus? Se a alguém parecer demasiada a censura, ouça-me.
  • 48. PARTE IX a acusação feita aos pregadores O sermão que se desvia das palavras de Deus é comparado à fábula e à comédia: E nós que é o que vemos? Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajos, uma voz muito afetada e muito polida, e logo começar com muito desgarro a quê? A motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar finezas, a lisonjear precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins, a toucar primaveras, e outras mil indignidades destas. Repare que a voz do pregador é caracterizada como indecorosa. Ademais, linguagem Vieira utiliza um expediente cultista [estrutura anafórica] de forma irônica, de modo a criticar tal estilo e os pregadores que o utilizam. Nesta nona parte, evocam-se dramaturgos da Antiguidade Clássica e os relacionam aos pregadores: Não é isto farsa a mais digna de riso, se não fora tanto para chorar? Na comédia o rei veste como rei, e fala como rei; o lacaio, veste como lacaio, e fala como lacaio; o rústico veste como rústico, e fala como rústico; mas um pregador, vestir como religioso e falar como... não o quero dizer, por reverência do lugar. Satirizam-se os efeitos sensoriais próprios do cultismo [apelo à visão – linguagem roupas – e à audição – fala –]. Apesar de não se dita, o termo irônico [palhaço, bobo da corte] salta aos olhos do leitor/ouvinte.
  • 49. PARTE X a finalidade do sermão finalidade do sermão persuadir o ouvinte; o orador não se deve preocupar com o gosto do ouvinte Pois o gostarem ou não gostarem os ouvintes! Oh, que advertência tão digna! Que médico há que repare no gosto do enfermo, quando trata de lhe dar saúde? Sarem e não gostem; salvem-se e amargue-lhes, que para isso somos médicos das almas. Quais vos parece que são as pedras sobre que caiu parte do trigo do Evangelho? Explicando Cristo a parábola, diz que as pedras são aqueles que ouvem a pregação com gosto [...]. Pois será bem que os ouvintes gostem e que no cabo fiquem pedras? Não gostem e abrandem-se; não gostem e quebrem-se; não gostem e frutifiquem. [...] De maneira que o frutificar não se ajunta com o gostar, senão com o padecer; frutifiquemos n[os, e tenham eles paciência. A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a preparação qual convém, então se pode esperar que faça fruto. o sucesso do pregador seria o fracasso dos pecados do ouvinte, que deve se arrepender e converter
  • 50. PARTE X a finalidade do sermão finalidade do sermão ferir, causticar, incomodar Com isto tenho acabado. Algum dia vos enganastes tanto comigo, que saíeis do sermão muito contentes do pregador; agora quisera eu desenganar-vos tanto, que as[ireis muito descontentes de vós. Semeadores do Evangelho, eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes parecem bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados. Contanto que se descontentem-se de si, descontentem-se embora de nós. a admiração pelo orador deve dar lugar ao arrependimento e à conversão do ouvinte: Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na Igreja, e em que ela se arma contra os vícios. Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades.