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LAERTE RAMOS DE CARVALHO
AS REFORMAS
POMBALINAS DA
INSTRUÇÃO PÚBLICA
-
1978
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
SARAIVA S/A - LIVREIROS EDITOR~
UNICAMP ,,
R r () Tr:f A r n I ... .... . .
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP
Carvalho, Laerte Ramos de, 1922-1972.
'::325r As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo,
Saraiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978.
1. Educação e Estado - Portugal 2. Educação - Por-
tugal - História 3. Pombal, Sebastião José de Carvalho e
Melo, Marquês de, 1699-1782 4. Reforma do ensino - Por-
tugal I. Título.
77-1534
CDD-370 .9469
-379.469
índices para catálogo sistemático:
1. Portugal : Educação : História 370.9469
2 . Portugal : Instrução pública : Reformas pombalinas
379.469
3 . Reformas pombalinas : Instrução pública : Portugal
379.469
Assessoria editorial: João Gualberto de Carvalho Meneses, da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo.
Capa e diagramação: Francisco Gualbernei A. de Andrade.
Produção gráfica: Arlindo André Batista Meira.
Classif~...•.....~................~:..........
Auto r..C..&.~..J.L................
V..................................Ex ..................
Tombo
2700
IVA S.A. - Livreiros Editores
São Paulo - SP
Av. do Emissário, 1897
Tol: 10111826·8422
Belo Horizonte - MG
R. Cólia de Souza, 571 - Bairro Sagrada Famllia
Tols: {031)461-9962 o461-9995
Rio de Janeiro - RJ
Av. Marechal Rondon, 2231
Tol: 10211 201-7149 o261-4811
.,
1
,
Indice
Prefácio
Prólogo ...........................................
Capítulo I - lluminismo e Pombalismo .............. .
Capítulo II - A Reforma dos Estudos Menores e a Defesa
do Regalismo ......................,.. .
Capítulo III - O Desenvolvimento da Reforma dos Estudos
Menores ..................... : . ..... .
Capítulo IV - As Diretrizes da Reforma Universitária de
Conclusão
Apêndice
Bibliografia
1772 ............................... .
1
11
25
59
99
141
189.
193
231
VII
-· Prefácio
No conjunto das manifestações espirituais do século XVIII
português, as reformas pombalinas da instrução pública ocupam
lugar de excepcional significação. Críticos e historiadores têm insis-
tido na contribuição dada por algumas das mais expressivas figuras
intelectuais do tempo às sucessivas e progressivas reformas pelas quais
o Marquês de Pombal, no seu consulado, tentou substituir os tra-
dicionais m'étodos pedagógicos por outros mais condizentes com os
ideais da época. Já Camilo falava, no Pe1jil do Marquês de Pom-
bal1, dos oráculos que guiaram Sebastião de Carvalho e Melo na es-
colha dos meios e dos fins de sua ação econômica, política, educacio-
nal e religiosa. Depois disto, outros estudos apareceram e a lista des-
tes arautos foi aumentando. Ao lado de D. Luiz da Cunha, Luiz
Antonio Verney, Antonio Ribeiro Sanches, cresceram outras figuras
que, direta ou indiretamente, influíram nos sucessos das reformas
pombalinas - Seabra da Silva, o Bispo Cenáculo Villas Boas, João
Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, o Cardeal da Cunha, Sachetti
Barbosa, Antonio Pereira de Figueiredo, Tomaz Lemos de Azeredo
Coutinho e muitos outros mais. A simples reunião de homens que,
embora: diversos em suas preocupações intelectuais, se encontram ir-
1') manadas num único propósito político, por si só demonstra a com-
plexa fisionomia do período pombalino.
A historiografia portuguesa do século passado - e em certo
sentido isto se aplica aos autores contemporâneos que continuaram
esta tradição - tem procurado encontrar, nos fatos referentes à
1. Camilo Castelo Branco, Perfil do Marquês de Pombal, 2.a ed., Porto,
Lopes & Cia., 1900, Cap. "Oráculo do Marquês, de Pombal", págs. 89 a 108.
1
época pombalina, o exemplo edificante para uns, ruinoso para outros,
de uma política que a experiência histórica dos tempos recentes, nas
suas contradições doutrinárias, parecia justificar. Para estes histo-
riadores, Pombal é ponto de partida e razão de ser de todos os
acontecimentos do reinado de D. José I. Afirma com muita razão
Jorge Macedo: "Em numerosos trabalhos sobre o período a ativi-
dade de Sebastião José de Carvalho e Melo na história de Portugal
lembra-nos - com critério de crítica histórica - o primeiro motor
aristotélico: durante vinte e sete anos Pombal é causa de tudo o que
sucedeu em Portugal - o bem ou mal conforme as simpatias" 2•
Ora, não nos parece que a história das reformas pombalinas possa
compreender-se por intermédio de um critério tão estreito. Nelas
colaboraram homens desiguais na mentalidade: ao lado de um até
então obscuro opositor da Universidade de Coimbra, o brasileiro
João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, o Bispo Manuel Cenáculo
Villas Boas; ao lado do médico judeu, o estrangeiro Ribeiro Sanches,
os oratorianos da Real Casa de Nossa Senhora das Necessidades
de Lisboa, ao lado de Seabra da Silva, com sua manhosa indiscrição,
o leal Bispo reformador da Universidade. As reformas pombalinas
foram, desta forma,· muito mais um denominador coinum de opiniões
do que a expressão de uma vontade única que se impusesse, de cima
para baixo, intJ;ansigentemente, feita e acabada. Este fato, por si
só, testemunha o excepcional significado das reformas pombalinas da
instrução pública. No conjunto das manifestações espirituais do
século XVIII português, os alvarás régios que instituíram as aulas
de gramática grega, latina, hebraica e de retórica, o Compêndio
Histórico, os Estatutos do Colégio dos Nobres e da Universidade de
Coimbra, a regulamentação das aulas de comércio e das aulas do
Porto representam um esforço de integração de vontades e opiniões,
que traduz, na forma e nos fins de sua manifestação, um programa
pedagógico sem o qual não seria possível a justa compreensão do
sentido da cultura portuguesa no período que pretendemos analisar.
Somente em função da filosofia que animou estas reformas é que
ganha melhor significado a posição dos rebeldes, velados ou ostensi-
vos, os desterrados, os incompreendidos e os "estrangeirados".
2. Jorge Macedo, A Situação Econômica no Tempo de Pombal, Alguns
Aspectos, Porto, Liv. Portugália, 1951, pág, 25.
O autor seguiu as sugestões da obra de Antonio de Souza Pedroso Carna-
xide, O Brasil na Administração Pombalina (Economia e Política Extema).
2
Esta questão parece-nos de interesse fundamental. As reformas
da instrução pública encerram, mais do que um plano pedagógico,
uma filosofia política, em função da qual se definem, em seus traços
mais característicos, a fisionomia do período histórico de que são
expressiva manifestação. Pretenderam alguns historiadores ver na
época de Pombal um esforço de renovação cultural e política, situado
historicamente entre um período de obscurantismo beato, que o an-
tecedeu, e de reação policial, que se lhe seguiu. A administração
pombalina seria, desta forma, um intervalo iluminado da história por-
tuguesa, eqüidistante tanto da tradição beata imperante nos tempos
de D. João V, como do progresso policiado que se iniciou com
D. Maria I e se manteve, cada vez mais feroz, até que a idéia liberal
encontrou o terreno propício para a sua fecundação. Pombal expri-
miu, desta forma, a "reação contra o Portugal braganção, jesuíta
e inglês ... ", na expressão de Oliveira Martins, reação que se per-
deu, logo depois, carente de uma vontade firme, na "anarquia espon-
tânea" que se inicia com o reinado de D. Maria J3. Não é de
estranhar, portanto, que os historiadores tenham caracterizado o
Comp. Ed. Nacional, 1940. Aliás, no prefácio de Afrânio Peixoto a esta
obra encontra-se o ponto de partida de uma compreensão das ações do Mar-
quês de Pombal, por intermédio das condições econômicas da colônia brasi-
leira, e até mesmo, num sentido mais geral, dos fenômenos político-sociais
despersonalizados como até então não se verificava na investigação histórica
do período em questão. Neste prefácio, escreveu Afrânio Peixoto: ... "Em
França, Inglaterra, Rússia, Áustria, Toscana, Prússia, Nápoles, Espanha... é
o mesmo. Mas em Portugal, não deve ser. . . Como não querem ofender ao
princípio monárquico, divino, hereditário do rei, o culpado de tudo é apenas
o ministro. . . O rei nem sequer tem a culpa do ministro que escolheu e
mantém. Daí Pombal bode-emissário. Como reação a esta reação, os libe-
rais, que endeusam o ministro e, daí, o divino Pombal dos outros, a quem
erguem um monumento, mais alto do que o que ele erguera ao rei. . . É
assim que, uns e outros, vêm escrevendo a história, vêm há século e meio ...
Duas falsidades opostas...
"Foi ao que chamei Pombal 'causa' (Revista do Brasil, Rio, agosto/1939,
n.0 14, págs. 1-6): ninguém quer ver o tempo, nem os vizinhos, que, ignorân-
cia ou candura, esquecem ou suprimem. Não creio na má fé que, ao menos
na insinceridade, é inteligente. É que acreditamos: tudo o que se passa conos-
co é privativo. . . Ainda agora escrevemos história, omitindo o resto do mundo.
A do Brasil é daqui só, de 1500 a 1940, intramuros, até sem os portugueses ...
A de Portugal independe da Europa, e do tempo, que, entretanto, obriga a
toda a gente. . . menos a nós ..." Cf. ob. cit., prefácio, págs. 3f4.
3. Oliveira: Martins, História de Portugal, 11.a ed., 2 ts., Lisboa, Antonio
Maria Pereira Liv. Ed., 1927, 2.0 vol. Ver Livs. VI e VII, págs. 85 a 234.
3
período pombalino como uma crise, política e cultural, na qual se-
culares instituições são abaladas em seus fundamentos pela ação de-
cisiva de um ministro despótico.
Teófilo Braga, com o seu republicanismo positivista, foi pro-
vavelmente quem melhor compreendeu os sintomas desta crise.
Amparado na concepção histórica de Augusto Comte e tendo, por
isso mesmo, uma idéia sui generis do século XVIII, o historiador
da Universidade de Coimbra viu, nas reformas pombalinas, uma
reação ao obscurantismo e à decadência em que estavam os estu-
dos sob a direção dos mestres da Companhia de Jesus, reação es-
ta que não se perpetuou por força das próprias contradições ideo-
lógicas latentes do "pombalismo" e das vicissitudes políticas do
último quartel do século XVIII. Depois de Teófilo Braga, gene-
ralizou-se o emprego da palavra crise 4, sem que os historiadores
que assim procederam tivessem examinado, preliminarmente, até que
ponto o conceito do erudito positivista continuava a adequar-se aos
novos fatos revelados pelo progresso da historiografia. De nossa
parte acreditamos ser totalmente insubsistente falar-se de crise no
sentido peculiar de Teófilo Braga, sentido aliás perfeitamente com-
preensível dentro da concepção histórica portuguesa pós-romântica.
Parece-nos, todavia, que o progresso das investigações históricas nes-
tes ~ltimos anos se não corrige o erro do coeficiente pessoal que
Teófilo Braga, com o seu positivismo, introduziu na apreciação do
século XVIII português, impõe, pelo menos, uma revisão das premis-
sas e dos dados gerais do problema. Muitas das reformas. do período
pombalino tiveram os seus antecedentes históricos e culturais como
está sobejamente demonstrado ú, no reinado de D. João V. E'depois
4. A Crise Política e Pedag6gica do Século XVIII é o título que Te6filo
Braga dá, no t. III de sua Hist6ria da Univei·sidade de Coimbra à análise
dos acontecimentos precursores das reformas pombalinas. Este ter~o - crise
- foi o mesmo de que se serviu Hernani Cidade, em 1929, no seu Ensaio
sobre a Crise Mental no Século XVIII, Coimbra, Imp. da Universidade. O
trabalho foi posteriormente incorporado às Lições de Cultura e Literatura Por-
tuguesas.
5. Depois dos trabalhos de Pinheiros Chagas Latino Coelho e Oliveira
Martins, para mencionar apenas alguns dentre os 'muitos que foram escritos
sobre os acontecimentos do reinado de D. João V, é possível hoje corrigir os
exces~os de interpretação em que caíram os historiadores, principalmente os
do seculo passado, por intermédio de uma visão que o conhecimento mais
amplo dos documentos do tempo nos autorizam. Cf. nesse sentido a Hist6ria
4 
do trabalho do Sr. Caetano Beirão- D. Maria I- não é possível
mais encarar o período 1777-1792 como um simples episódio de
reação antipombalina submetido aos caprichos temerosos do inten-
dente Pina Manique 6•
Não pretendemos entrar no mérito de uma questão que nos
desviaria dos propósitos desta tese. O passado é para o historiador
um espelho por intermédio do qual, consciente ou inconscientemen-
te, ele vê a realidade contemporânea, projetada, num plano de obje-
tividade intencional (quando é o caso), no écran dos episódios pre-
téritos. Não é possível, em historiografia, dissociar o historiador da
concepção que ele próprio criou, pois seria a mesma coisa que re-
tirar de uma interpretação essencialmente humana - mas não sub-
jetiva, no sentido lógico e psicológico da expressão - o que de
humano que, nela residindo, a dignifica. Sobre Pombal e o seu
governo, e já nisto vai um abuso de expressão, os historiadores,
desde os contemporâneos até agora, com algumas raríssimas exce-
ções, não fizeram outra coisa senão colocar-se, em termos antinô-
micos, diante de manifestações a favor e contra a discutida persona-
lidade. Infelizmente a apreciação histórica, elaborada em função
de dados não acessíveis ao maior número de investigadores, se trans-
formou numa batalha de erudição na qual as peças fundamentais da
política pombalina - a DedUção Cronológica, o Compêndio Histó-
rico e os alvarás régios - foram, a pouco e pouco, desmerecendo-se
como documentos de parcialidades intencionais em nome de hipó-
teses que os dados históricos pósitivos não podem de maneira alguma
confirmar. Não podem confirmar porque o pombalismo é uma con-
cepção política e cultural da história portuguesa, que deve ser com-
preendida não apenas em função dos fatos "exteriores" dos quais
ela é o pensamento orientador básico, mas também, e sobretudo, na
intenção, no sentido crítico e finalístico, que animou os seus pro-
pósitos.
A história deve ser compreendida, no sentido diltheynista da
expressão. Se através dos frios e objetivos dados históricos não
Monumental de Damião Peres, vol. VI, Cap. IX, de autoria do Prof. .Ângelo
Ribeiro, págs. 179 a 193, e Hernani Cidade, Lições de Cultura e Literatura
Portuguesas, 2.0 vol., Cap. 2.0 , págs. 17 e segs. Ver também, completando
esta análise geral, no domínio da investigação filosófica, A. A. Andrade, Ver-
nâ e a Filosofia Portuguesa, especialmente Cap. X, págs. 207 a 229.
6. Caetano Beirão, D. Maria I, 1777-1792, 4.a ed., Lisboa, Empresa
Nacional de Publicidade, 1944.
5
descobrimos o "espírito" que animou estes eventos, a história -
a mais nobre e elevada concepção que até agora foi capaz de rea-
lizar a inteligência humana - se reduziria a uma casuística erudi-
ta, com todos os seus apetrechos crítico-filológicos e mais as mi-
P.udências metodológicas, que nos daria da viva realidade passada
o esquema causal, desnervado e morto, das interpretações objeti-
vas. '"'No Marquês de Pombal a historiografia portuguesa encon-
trou o espelho fiel dos problemas de Portugal contemporâneo. As
paixões e os ódios, diante da figura de Sebastião de Carvalho e Me-
lo, são de tal ordem que nem sempre permitem uma inteligência
"compreensiva" dos fatos que a ela se relacionam. Por isso, no
caso em apreço, a objetividade histórica mal disfarça intenções sec-
tárias nocivas ao progresso da historiografia.
Não pretendemos procurar na história do "consulado" pom-
balino o exemplo de que carecemos e nem desfazer, por intermé-
dio de uma erudição minudente, as razões que a investigação, a
posteriori, buscou para demonstrar a falsidade ou as lacunas dos
motivos alegados, como razão de Governo, por Pombal e seu gru-
po político. Nosso objetivo é compreender Pombal e seus homens
na ação comum que empreenderam, com as razões que invocaram,
como justificação de seus planos e atos. Não nos parace que um
esforço desta natureza se tenhà realizado. No que se refere à época
de Pombal, as paixões são tantas que a própria objetividade histó-
rica, que é um ideal de toda pesquisa legítima, se transformou num
critério e instrumento de parcialidades políticas e confessionais de
diversas ordens. Não pretendemos aqui dar um balanço geral de
todos os acontecimentos referentes à ação do Marquês de Pombal.
Importa-nos, somente, o exame dos problemas relativos às reformas
educacionais e, na medida do possível, de acordo com o plano geral
deste trabalho, indicar as conexões que estas reformas têm com os
problemas da cultura portuguesa no século XVIII.
*
* *
A história dos acontecimentos referentes às reformas pomba-
linas já foi feita em grande parte. Das modificações introduzidas
nos estudos menores já se ocuparem Teófilo Braga, na História
da Universidade de Coimbra, e Antonio Ferrão, em trabalho publi-
cado em 1915 sobre O Marquês de Pombal e (lS Reformas dos Es-
6
tudos Menores. Do Colégio dos Nobres e das reformas universitá-
rias de 1772, trata o mesmo Teófilo Braga, na obra citada, seja
de modo geral, seja pormenorizadamente, com documentação que,
em grande parte, nos dispensa da análise dos episódios diretamen-
te relacionados com o assunto que examinaremos no presente tra-
balho. Parece-nos que a documentação em que se apoiaram Teó-
filo Braga e Antonio Ferrão, sobre os acontecimentos do período
pombalino, é suficiente para permitir-nos uma interpretação de
caráter filosófico-cultural, única que, a nosso ver poderia corres-
ponder aos interesses e fins deste trabalho. No que se refere à
reforma da Universidade de Coimbra, depois dos papéis vistos e
analisados pelo paciente historiador positivista, teríamos a acres-
centar os documentos reunidos e publicados pelo Prof. M. Lo-
pes D'Almeida, diretor da Biblioteca da tradicional Universidade
portuguesa 7. Nesta biblioteca tivemos a ventura de encontr~r o~
papéis referentes à administração dos estudos menores, portenor a
radical Reforma de 1759. Estes documentos, sem dúvida, serão
completados futuramente por outros que diretamente a eles se rela-
cionam, documentos todavia, dos quais não encontramos nenhum
vestígio de sua existência, quer seja nos livros publicados sobre o
assunto, quer seja nos arquivos portugueses que, num reduzido perío-
do, freqüentamos. De qualquer forma, entretanto, os manuscritos
que tivemos a oportunidade de conhecer e as edições raras, algumas
delas, consultadas graças à amabilidade do Reitor da Universidade
de Coimbra, do Prof. Joaquim de Carvalho, do Prof. Rodrigues
Lapa, do escritor Antonio Sérgio e do Prof. Lopes D'Almeida, nos
autorizam a dispensar o tratamento das questões meramente episó-
dicas por que se manifestaram historicamente as preocupações filo-
sófico-culturais dos homens responsáveis pelo planejamento e exe-
cução das reformas pedagógicas do período pombalino.
Este trabalho constitui, sobretudo, um esforço de interpretação.
A história da educação não pode ser um simples relato de aconte-
cimentos, desprovido de quaisquer cuidados metodológicos que visam
a captar o nexo e a recíproca implicação dos fatos históricos de
um período determinado. A educação, nas formas históricas por
7. M. Lopes D'Almeida, Documentos da Reforma Pombalina, Coimbra,
Universitatis Conimbrigensis Studia ac Regesta, 1937, 1.0
vol. (1771-1782). ~s
provas do segundo volume desta obra, ainda não publicada, foram-nos gentil-
mente cedidas pelo Prof. Lopes D'Aimeida,
7
que se manifestou, antes de ser a conseqüência de uma condição real,
foi, e será sempre, a concretização de um ideal que, consciente ou
inconscientemente, animou o programa, o método e os hábitos dos
homens e das instituições escolares. Procurar fazer a história da
educação sem buscar o sentido íntimo, a filosofia, que animou os
propósitos dos reformadores, é tentar construir um castelo sobre mo-
vediços alicerces. Este trabalho é uma tentativa de compreensão dos
ideais pedagógicos de uma nação irmã, os quais estiveram presentes
na própria estruturação do ensino superior brasileiro. Estes ideais
não podemos ser compreendidos senão através das características ma-
nifestações do iluminismo português e do absolutismo doutrinário
que, na órbita do pensamento político, lhe serviu de fundamento.
Analisaremos, com o pensamento voltado para as preocupa-
ções pedagógicas do iluminismo português, nos diversos capítulos
desta obra, sucessivamente as seguintes questões: Iluminismo e
Pombalismo, A Reforma dos Estudos Menores e a Defesa do Re-
galismo. O Desenvolvimento da Reforma dos Estudos Menores e
As Diretrizes da Reforma Universitária de 1772. Se neste traba-
lho conseguirmos sugerir que a história dos fatos educacionais está
intimamente ligada às manifestações da vida social e aos elevados
fins da cultura, teremos, com as lacunas próprias de nosso entendi-
mento, justificado o programa de nossa vida intelectual como assis-
tente do Prof. Roldão Lopes de Barros, que tanto nos animou com
a sua confiança. Esta concepção se fundamenta nas preocupações
constantes e na e:x:periência de nossa vida intelectual. Possa este
trabalho contribuir para que os nossos propósitos sejam justificados:
isto será o prêmio e o estímulo de nossos esforços.
Sejam de agradecimento as últimas palavras. Ao Prof. Dr.
Eurípedes Simões de Paula, diretor da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, ao Dr. Júlio de Mesquita Filho, ao Prof. João
Cruz Costa, da Cadeira de Filosofia, da'Faculdade de Filosofia, Ciên-
cias e Letras, ao Prof. Joaquim de Carvalho, da Universidade de
Coimbra, pelo estímulo, conselhos e sugestões que deles recebeu o A.
Agradecimentos estes que estendemos ainda ao Dr. Paulo Duarte,
ao Prof. Rodrigues Lapa, aos escritores Antonio Sérgio e Adriano
Gusmão, ao Prof. Urbano Canuto Soares, ao Prof. Lopes D'Almei-
da, cujas atenções e gentilezas tanto contribuíram para a realização
deste trabalho, ao Reitor da Universidade de Coimbra, Dr. Maxi-
mino Co:rr~a que n.ol' pertnitiu a leitura do Método para Estudar a
8
Medicina, de Ribeiro Sanches, ao diretor do Arquivo da Universi-
dade de Coimbra, Prof. Mário Brandão, aos diretores do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, do Arquivo Histórico Ultramarino e
da Biblioteca Nacional de Lisboa, que nos facilitaram a reprodução
fotográfica dos documentos, aos Profs. José Aderaldo Ca~telo, Anto-
nio Cândido, Lívio Teixeira, Florestan Fernandes, Lounval Gomes
Machado, Lineu Schutzer, José Querino Ribeiro, Alfredo Ellis J:. e
ao bibliotecário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Aquiles
Raspantini, pelos livros que nos cederam. ,!"inalm~nte, ao~ meus
amigos Tristão Fonseca Filho, Eduardo Regos Sa de Mrran~a,
Moysés Brejon, Américo Marques Bronze e Roque Spencer Maciel
de Barros pelo interesse e trabalho que tiveram, tanto na prepara-
ção quanto na realização deste estudo, o agradecimento do A. Que
a experiência destes meses de trabalho em comum de um professor
com seus ex-discípulos possa reforçar e elevar, acima das contingên-
cias humanas, a fraternal camaradagem que os uniu.
9
Prólogo
A valia de uma obra de História pode ser atestada de diferentes
modos, entre os quais o grau de vigência de suas conclusões: será
esta, acaso, uma trivial aplicação da sentença evangélica - cada
árvore se conhece pelo próprio fruto.
Com isto se pretende dizer que o modo de um livro sobreviver,
de resistir à inexorável usura do tempo, depende dessa sua capaci-
dade de resposta ao questionário a que fica constantemente subme-
tido, resultante das revisões exigidas pelos novos avanços da meto-
dologia e teorias historiográficas. ·
Vem o comento a propósito da presente reedição de As Refor-
mas Pombalinas da Instrução Pública, de Laerte Ramos de Carva-
lho: transcorridos vinte e cinco anos sobre o momento em que o
livro apareceu, vale a pena refletir sobre o itinerário por ele per-
corrido.
Para além do registro em jeito comemorativo da efeméride, um
quarto de século permite já, pelo recuo suficiente no tempo, abarcar
uma perspectiva mais ampla, de modo a separar a obra do seu con-
texto histórico-cultural e verificar se resistiu.
Mas, se oremos possível, desde já, uma primeira avaliação do
significado de As Reformas Pombalinas, não dispomos ainda de con-
dições para assegurar a validade da posição do seu Autor. :É ainda
cedo, a nosso ver, para uma visão objetiva e abrangente do papel
que Laerte Ramos de Carvalho - o pedagogo singular, o pensador
fecundo, o filósofo sempre vigilante na inquieta demanda dos cami-
nhos do Saber, senão dos fundamentos da Realidade - efetivamente
' "· exerceu, no seu tempo. Certo é, porém, que se constituiu como
pessoa e exerceu um magistério eficaz. Isso podemos dizer.
11
Viemos ainda encontrar - quando, chegados em 1975 ao
Brasil, iniciamos a atividade docente na Universidade de São Paulo
- a reverberação da presença viva desse grande professor, desapa-
recido três anos antes. Pressentimos sua forte personalidade, ao
prosseguirmos na esteira de projetos de pesquisa e de iniciativas es-
colares que o mesmo animara, visível ainda na marca indelével por
ele deixada em muitos dos antigos discípulos, e até nos reflexos per-
sistentes em nossos colegas, como se fosse, porventura, um eco do
seu convívio fecundo, por onde se adivinhava aquela profunda capa-
cidade de compreensão e de simpatia humanas, natural irradiação da
altitude moral e intelectual de que fora dotado.
Será indispensável proceder, um dia, ao balanço da obra de
Ramos de Carvalho à luz de uma história da Inteligência brasileira;
temos bem presente a sua posição cimeira como teorizador da idéia
de Universidade, o papel de evidente relevância histórica que lhe
coube no incremento funcional do Ensino Superior em São Paulo.
Mas por estrito respeito à memória daquele e pela consciência de
nossos limites, eximir-nos-emas a tal tarefa, mais indicada para quem
tenha acompanhado, de modo assíduo e direto, no quadro da vida
pública e intelectual do seu tempo, essa figura maior de scholar, em
suas numerosas atuações literárias e pedagógicas.
Voltando à apreciação da monografia em causa, ela se nos apre-
senta hoje como uma das peças fundamentais para a compreensão
mais profunda da história intelectual do povo brasileiro. Impõe-se,
seja a partir de agora submetida a nova leitura teórica, à luz dos
princípios metodológicos reitores de uma História da Educação e de
uma Filosofia da Cultura.
O Prof. Laerte Ramos de Carvalho em mais de um sentido foi
precursor, quando no estudo em apreço rasgou rumos pioneiros para
a pesquisa histórico-pedagógica, ao antever, com lúcido discernimen-
to, a rede complexa das inter-relações estabelecidas no século XVIII
entre os povos de fala portuguesa das duas margens do Atlântico.
Na verdade, um leitor estrangeiro pode colher a impressão, a
avaliar por estudos que, ao sabor das opiniões fáceis e comuns, à
História da Cultura brasileira se referem, que o Brasil permaneceu
sepultado em espessas trevas de ignorância, inconsciente de suas po-
tencialidades como Nação, até época recente e já bem próxima da
nossa, quando despertavam os primeiros alvores do Liberalismo ro-
mântico, e brotavam, nos melhores espíritos, os incipientes anseios
de brasilidade.
12
<f'
I
Daí resulta a moderna tendência - ou pré-conceito seletivo -
em valorizar os períodos a partir do Império e da República. Linha
de orientação, em si, pertinente - quando ela se não haja de esta-
belecer em detrimento ou menoscabo do estudo dum passado mais
longínquo, ignorando-se as raízes que estão envolvidas na época a
que se convencionou chamar Brasil~Colônia. A vasta rede de rela-
ções de natureza econômica, social, política e cultural que entretanto
se define entre o reino de Portugal e o país "já-nação" do Brasil,
entre luso-europeus e luso-americanos, forma um tecido tipicamente
cerzido, com um traçado original de formas de vida, padrões de sen-
sibilidade, interesses e motivações específicas, de alternativas pró-
prias, para cuja compreensão as correntias explicações monolíticas,
do tipo rudimentar "reino-colônia", se tornam não só insuficientes,
como passam ao lado do essencial. Explicações essas a que certa
historiografia - não toda, entenda-se. . . - numa posição contrária
à sua própria ontologia, deu franco acolhimento. Esqueceu a neces-
sária cautela crítica exigida pelo prévio exame dos fundamentos ou
supostos teóricos e pela análise da importância específica da expe-
riência brasílica, já aqui definida. Mais uma vez se verifica a apli-
cação inconseqüente de esquemas padronizados e oriundos do exte-
rior, dispensando o esforço para a compreensão mais funda das
diversidades conjunturais, verdadeiramente criadoras. Seria mesmo
elucidativo - para demonstrar o grau de dependência de algumas
das construções sobre História do Brasil pretensamente independen-
tistas - estabelecer a genealogia dessas idéias, aproximando-as dos
modelos que, de modo expresso ou implícito, lhes serviram afinal,
mais do que de inspiração, de guia cegamente obedecido!
A observação deste quadro permite salientar, na devida pers-
!Pectiva histórico-cultural, o interesse redivivo para o nosso tempo, o
singular valor paradigmático - como estímulo de novas pesquisas
- da obra de Ramos de Carvalho.
Foi essa sua poderosa capacidade compreensiva que permitiu
ao Autor perscrutar melhor os eventos da Educação setecentista
brasileira.
Chegou assim à diferenciação do plano normativo e de aplica-
ção legal do regime comum ao Ultramar português, de outro nível
de realidade, em que se situavam as relações efetivamente eXistentes,
numa lúcida analítica do hic et nunc da conjuntura social, política
e pedagógica do Brasil de então. Isso mesmo o levou a surpreender,
sem esforço, o fenômeno coletivo original, de onde já brotava, como
13
força espiritual pujante, a nascente nacionalidade. Daí, a nosso ver,
a urgência da presente reedição e, em seqüência, a necessidade de
as idéias fulcrais, as teses desta obra, serem remeditadas, retomadas
em novas direções de ~rabalho. Chegaremos então à mais profunda
apreensão dum período histórico fundamental na gênese nacional, e
sobre o qual pairam resistências, senão relutâncias, em lhe reconhecer
o papel privilegiado que teve na formação da Inteligência brasileira.
Para além da direta contribuição que o presente estudo oferece
à história pedagógica do terceiro quartel do século XVIII no Brasil
- e, desde já se diga, foi decisivo esse esclarecimento, prestado em
primeira mão, substituindo equivocadas apreciações anteriores - ele
assume nova dimensão e ganha atualidade, quando apreciado o al-
cance geral das teses que introduz no tratamento da História da
Cultura, a propósito do caso específico da problemática pombalina.
Só a reduzida circulação do n.0 160 do "Boletim da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo" que
em 1952 acolhera, em primeira edição, As Reformas Pombalinas,
pode porventura justificar a escassa projeção da obra na subseqüente
historiografia brasileira e portuguesa, e assim explicar a persistente
repetição de lugares-comuns, por parte de autores que desconhece-
ram, ou não utilizaram, as importantes reflexões metodológicas que
fundamentam o estudo do eminente mestre.
Sirva de exemplo, no que toca aos antecedentes históricos do
consulado pombalino, a fina visão crítica que permitiu ao Autor sur-
preender a genealogia, as motivações ideológicas, as urgências polí-
ticas, que levaram à formação da tese decadentista portuguesa (que
teve seus epígonos em Oliveira Martins, Teófilo Braga e A. Sérgio),
explicativa da interpretação que converte o reinado Joanino em um
período de obscurantismo beato e, por contraste, torna progressista
toda a atuação do "iluminado" Marquês de Pombal.
Mantém assim plena atualidade a consideração expendida pelo
Autor, no Prefácio, de que "o pombalismo é uma concepção política
e cultural da história portuguesa, que deve ser compreendida não
apenas em função dos fatos 'exteriores' dos quais ela é o pensamento
orientador básico, mas também, e sobretudo, na intenção, no sen-
tido crítico e finalístico, que animou os seus propósitos". E con-
tinua, indicando o fundamento metodológico para essa revisão: "A
história deve ser compreendida, no sentido diltheynista da expressão.
.Se através dos frios e objetivos dados históricos não descobrimos o
14
i
'l
'espírito' que animou estes eventos, a história - a mais nobre e
elevada concepção que até agora foi capaz de realizar a inteligência
humana - se reduziria a uma casuística erudita, com todos os seus
apetrechos crítico-filológicos e mais as minudências metodológicas,
que nos daria da viva realidade passada o esquema causal, desner-
vado e morto, das interpretações objetivas. No Marquês de Pombal
a historiografia portuguesa encontrou o espelho fiel dos problemas de
Portugal contemporâneo. As paixões e os ódios, diante da figura de
Sebastião de Carvalho e Melo, são de tal ordem que nem sempre
permitem uma inteligência 'compreensiva' dos fatos que a ela se re-
lacionam. Por isso, no caso em apreço, a objetividade histórica mal
disfarça intenções sectárias nocivas ao progresso da historiografia".
Lição esta que não obteve a devida audiência, ao menos na-
queles autores portugueses que, tranqüilamente, a continuam repe-
tindo. A roupagem é outra, mais à moda e com renovada ornamen-
tação do aparato erudito, mas não passando do comentário às mes-
mas "razões", as mesmas teses de O. Martins, de Teófilo e seus
seqüazes.
Anteviu com meridiana clareza o Autor que, sendo o pomba-
lismo uma concepção política e cultural de algum modo inspirada na
ideologia iluminista, "as reformas da instrução pública encerram,
mais do que um plano pedagógico, uma filosofia política, em função
da qual se define, em seus traços mais característicos, a fisionomia
do período histórico de que são expressiva manifestação".
A tese enunciada coloca o problema gnoseológico e metódico,
da maior fecundidade à luz da História da Educação, das inter-rela-
ções estabelecidas entre o factum educativo, a pedagogia (entendida
esta como forma de concretização peculiar das culturas, anseios co-
letivos e mentalidades dos grupos humanos de certa época) e, fi-
nalmente, a filosofia ou ideologia políticas, o que permite abranger,
em unitária e coerente explicação, tanto a teoria como a prática
pedagógica vigentes. Seria importante examinar, de futuro, as con-
cepções de Teoria da História que fundamentam metodologicamente
os vários trabalhos de Laerte Ramos de Carvalho. Para além de
estimular a uma análise comparativa com vários outros pensadores,
na forma específica de abordar a realidade educativa pretérita (p. ex.,
com um Dilthey, um Lucien Febvre, um Kurt Lewin, um Malinowski
ou um A. Clausse), tal estudo contribuiria para uma mais perfeita
compreensão do seu pensar filosófico, situando-o no quadro exato
da história da Inteligência brasileira.
15
Talvez por se tornar mais fácil, para um autor de outra nacio-
nalidade, o libertar-se da carga emocional que, até aos dias de hoje,
envolve portugueses na polêmica, tornada autêntica vexata quaestio,
em torno do Marquês de Pombal (figura que continua dominando
o estudo do reinado de D. José I) foi Ramos de Carvalho, a nosso
ver, um dos raros que, com total serenidade valorativa, com pene-
tração, equilibrado senso crítico e acribologia, discerniu, na complexa
teia dos acontecimentos históricos, o fato de relevância decisiva, por
contraste do meramente acidental, por maior aparato que este tivesse
tido nos enredos da intriga do tempo.
Assim entendeu, certeiramente, que os termos da alternativa je-
suitismo-anti-jesuitismo constituem um dos graves impedimentos
para a justa compreensão de um dos momentos mais lúcidos da his-
tória lusitana. Isso o levou a perscrutar, superando falsas antinomias,
o caminho que conduziria ao espírito moderno - neste caso reto-
mando uma das caracterizações do pombalismo preferidas pela es-
cola positivista de Teófilo (que convertia o Marquês em corifeu do
Progresso) mas imprimindo-lhe direção diferente. Moderno, mais
do que um termo, .diz-nos o Autor, é uma condição de pensamento,
uma atitude diante dos valores e processos de cultura. Mas pode,
também, ser uma aspiração, ou seja, um ideal de transformação da
ideologia em formas concretas, de acordo com objetivos claramente
predefinidos, conforme a doutrina política imperante. Há dois mo-
dos de pensar "moderno", assim pressupunha o professor paulista.
Como será compreensível, nem todas as interpretações expressas
n'As Reformas Pombalinas merecem hoje pacífica aceitação; e se
vivo fosse o Autor, ele próprio preferiria decerto, por parte de seus
leitores, em lugar da congratulatória adesão ao que sem maior difi-
culdade se admitiu, o exigente e diuturno esforço da discussão que
sujeita a exaustivo comentário crítico o seu próprio texto.
Como seria natural, já depois de publicada a obra, surgiram
importantes revisões - de natureza metodológica e documental -
na mesma área historiográfica que, se não retiram àquela o seu in-
discutível interesse ou oportunidade, sugerem entretanto outro ensaio
de leitura, feito à nova luz.
Nesse sentido - mesmo correndo o risco de omitir válidas e
recentes contribuições, cuja enumeração sairia fora do propósito deste
:prólogo tem especial pertinência salientar (pelo que representa de
estimulante confrontação de conceitos e de categorias teóricas fun-
16
damentais, com vista ao aludido exerc1C1o de leitura) o caso para-
digmático do historiador contemporâneo português Jorge Borges de
Macedo, cujas últimas investigações - ainda insuficientemente co-
nhecidas no Brasil - Ramos de Carvalho, há 25 anos - como é
óbvio - não podia ter aproveitado. Na verdade, no que toca ao
período setecentista em Portugal e suas imbricações no quadro bra-
sileiro, foram inovadoras e decisivas as conclusões do historiador
Borges de Macedo, não apenas na demolição de lugares-comuns
apressadamente erigidos em mitos, como ainda na descoberta lúcida
de novas vias de acesso à compreensão histórica. Para a salutar des-
truição do elemento mitológico que sutilmente se insinuou nas mo-
nografias sobre a época pombalina, nenhuma outra crítica terá con-
tribuído tanto como a feita por Borges de Macedo a um tópico da
historiografia do século XVIII: "'Estrangeirados', um conceito a
rever" (Braga, 1974).
Embora com total independência da obra do Prof. Laerte Ra-
mos de Carvalho (que acaso o historiador português não terá co-
nhecido) ambos partiram de um ponto comum na crítica, a des-
montagem, pP-ça por peça, da tese "decadentista", identificando as
facetas de que ela se revestiu, por motivações mais ou menos atua-
listas.
Examinando a evolução das teses da decadência portuguesa e,
dessoutra a ela interligada, dos "estrangeirados", Borges de Macedo
foi levado a enquadrá-las no panorama da "história-condenação" (que
já Lucien Febvre havia exautorado) e conseqüentemente a apontar
novos caminhos para a pesquisa histórica: "Importa aplicar ao es-
tudo dos séculos XVII e XVIII outra problemática e outras técnicas
de trabalho que correspondam melhor à evolução e exigências da
história científica ( ... ). O que interessa é colocar os homens no
seu meio social próprio e imediato, descrevê-los no seu campo de
ação, não abstrato, mas concretamente definido nos seus estímulos,
necessidades, exigências e possibilidades. ( ... ) Interessa, por con-
seqüência, definir as vias, os padrões, ou os enquadramentos, que
orientaram e determinaram as condições da sociedade portuguesa,
nos índices reais da sua existência concreta" 1• Numa aplicação des-
tas diretrizes ao campo da cultura setecentista portuguesa (que o
Autor articula, em vários passos, à realidade brasileira) prossegue:
1. Vias de Expressão da Cultura e da Sociedade Portuguesas nos Séculos
XVII e XVIII, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1966,
págs. 122 e 123.
17
"Mal equipados na linguagem, mas seguros das posições toma-
das, os debates culturais (e não só literários) ocupam o seu lugar
na vida da cultura portuguesa do século XVIII. Não é, como na
Inglaterra, à volta do problema do conhecimento que se definem as
posições diversas no campo das preocupações filosóficas. São os
problemas da educação, são os debates sobre os fenômenos naturais
que constituem a forma que revestem esses interesses. ( ... ) Luís
Antonio Verney não surge subitamente no deserto cultural joanino.
Tem uma sólida base de atmosfera crítica, que lhe foi preparada por
este debate sobre os cataclismos naturais, pela crítica ao ensino ver-
balista, pela análise dos fundamentos do Estado, expressa na divul-
gação de Locke, na tradução do espanhol Feijoo, na curiosidade
pelas luzes". ( ... ) "Praticamente, as novas instituições [as do rei-
nado de D. José I] permitiram que o país pudesse enfrentar os gran-
des problemas econômicos, políticos e culturais do final do século,
sem que se desse desagregação sensível. ( ... ) A cultura portuguesa
utiliza da cultura européia os resultados que realmente lhe interessam
e procura entendê-los, desenvolvê-los e aplicá-los aos problemas na-
cionais. Vista desta maneira, na exposição que decorre dos próprios
interesses da época, a cultura portuguesa adquire unidade e sen-
tido" 2 •
A Ramos de Carvalho não interessaria talvez levar tão longe
essa análise, nos termos em que Borges de Macedo a levou. Os
pontos de partida dos dois historiadores eram em parte diferentes:
para o brasileiro, legitimava-se o interesse na exploração desse mes-
mo tema apenas como explicitação correlativa do conceito de Ilus-
tração e da Pedagogia das "Luzes" (alicerce fundamental de As Re-
formas Pombalinas), uma vez que o fenômeno dos "estrangeirados",
em si mesmo, não chegou a ter direta incidência com igual relevo no
Brasil setecentista; para o português, o debate justificava-se em cheio,
dado o intento específico da revisão proposta.
Ao estabelecer, em moldes renovadores, para os reinados de D.
João V e D. José I, os quadros, estratos e grupos sociais, a definição
das linhas de forças políticas e ideológicas, a dinâmica dos fatores
em presença na economia interna de Portugal e do Brasil, em suas
inter-relações e em sua integração no espaço geo-político internacio-
nal, Borges de Macedo veio alterar o anterior equipamento metodo-
lógico de serventia, obrigou a uma seleção diferente dos materiais
2. Idem, ibidem, págs. 129, 131 e 132.
18
''!
para a pesquisa e, sobretudo, modificou os termos do questionário
endereçado à vida cultural e pedagógica do tempo, numa reformu-
lação de importância fundamental.
São ainda de considerar, nesta perspectiva de revisão historio-
gráfica, os estudos de síntese que o autor lusitano dedicou a "Des-
potismo Esclarecido", "D. João V" e "D. José I" 8 e, sobretudo, a
"Marquês de Pombal" 4, entre outros mais.
Neste conjunto bibliográfico podemos reconhecer de modo vir-
tual, não só a convergência e desenvolvimento dos temas tratados
em As Reformas Pombalinas, como até uma desejável e estimulante
confrontação crítica, quanto ao suporte teórico deste último estudo.
Sirva de exemplo a analítica que permitiu discernir, dentro dum pe-
ríodo comumente considerado de modo unitário - o "Pombalismo"
- várias fases distintas, intenções políticas diferentes, equipes de
colaboradores diversificadas; ou, ainda, o inter-relacionamento, tal
como historicamente se verificou, de "Iluminismo" e "Despotismo
Esclarecido", cujas conseqüências práticas se refletiram no Brasil.
Ambos os historiadores, porém, viram a importância simultânea
da especificidade e globalidade dos fenômenos humanos e entende-
ram que a análise histórica não o podia esquecer.
Havendo nós tomado o encargo - na mesma Escola onde
nosso ilustre antecessor exercera fecundo magistério - de ministrar
o ensino da História da Educação brasileira do século XVIII, em
cursos de pós-graduação, sabemos, hoje, por experiência vivida, que
a obra daquele continua suscitando o mais veemente interesse: nos-
sos alunos se propõem retomar para suas dissertações a mesma área
de estudo, embora, naturalmente, a partir de acervo documental mais
amplo, e em novas direções de pesquisa. Mas parece-nos, sem dú-
vida, gratificante, para a memória do Mestre, e até promissor para
o alicerce duma tradição escolar, que assim se estejam preparando
várias teses, ao nível do mestrado e do doutorado.
Como quer que seja, entre a bibliografia conhecida, o estudo
do Prof. Ramos de Carvalho constitui, indiscutivelmente, no mo-
3. Dicionário da História .de Portugal, vol. I, págs. 804-806 e vol. li,
págs. 623-626, 630-632, respectivamente.
4. Idem, ibidem, vol. lii, pág. 416; Os Grandes Portugueses, dir. por
Hernani Cidade, Lisboa, Ed. Arcádia, s/d, vol. li, págs. 141-152; A Situação
Econômica no Tempo de Pombal (alguns aspectos), Porto; Ed. Portugália, 1951.
19
mento em que foi dado à estampa, o mais significativo avanço não
só para o conhecimento das reformas da Instrução pombalina na
América de fala portuguesa, como, numa visão mais ampla, para a
própria história da Educação brasileira no século XVIII, como ali-
cerce de um espírito nacional.
Como é óbvio, o eminente professor da Universidade de São
Paulo não podia - nem tampouco pretendeu - esgotar o tema; e
se, como atrás já anotamos, a revisão de alguns dados teóricos tor-
nou possível e desejável fossem introduzidas, em novo ensaio de lei-
tura, uma conceituação histórica e metodologia diferentes - também,
no que toca às fontes, progressos sensíveis se registraram, na am-
pliação da base documental disponível nos últimos 25 anos.
Deixando de lado a apreciável bibliografia brasileira entretanto
publicada, em geral mais empenhada na análise· do Regalismo e dos
aspectos político-econômicos da administração pombalina do que nos
aspectos pedagógicos da época, surgiram todavia alguns trabalhos
importantes em que estes últimos foram especificamente tratados.
Cingindo-se o presente prólogo à genérica intenção de comentar
As Reformas Pombalinas em contexto atual (e o intento identifica-se
aqui plenamente com a significação do étimo latino de commentare
- cum-mentare: pensar-com o Autor... ), tem sentido aludir ao
que esta obra - já hoje clássica, na literatura pedagógica de ex-
pressão portuguesa - representa como comprovação do estimulante
incentivos que vem exercendo em novas pesquisas realizadas na mes-
ma área.
Na dissertação mimeografada de doutoramento O Ensino Régio
na Capitania de São Paulo (1759-1801), apresentada em 1972 à
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo por Myriam
Xavier Fragoso, a "Nota Prévia" abre com estas elucidativas pala-
vras: "A elaboração de uma tese sobre oensino régio na Capitania
de São Paulo foi sugerida pelo trabalho pioneiro do falecido Prof.
Dr. Laerte Ramos de Carvalho [refere-se a As Reformas Pombali-
nas]. A indiscutível vocação pedagógica do mestre motivou a con-
fiança e o estímulo dedicados a uma aluna do Curso de Pedagogia,
ainda não licenciada".
O episódio da expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus
domínios, com a conseqüente abolição do ensino jesuítico, é a
pedra de toque para a maioria dos historiadores, educadores e co-
mentaristas das reformas pombalinas de ensino. .Apologistas exalta-
20
dos das realizações jesuíticas de ensino e defensores ou detratores
da política pombalina recaem igualmente no momento da expulsão
como ponto de referência inicial, decisivo e até único de um amplo
e complexo período histórico de ensino. A tomada de posição
polêmica tem caracterizado a História da Educação pombalina e
pós-pombalina como caracterizou a própria historiografia referente
àquele período. A atitude de revisão - no sentido de isenção e
objetividade - proposta por Jorge de Macedo 5, teria, ao que parece,
amplo cabimento para a compreensão históricà da política pomba-
lina do ensino. Com justeza aponta um historiador e historiógrafo
brasileiro da atualidade que a História da Educação no Brasil ainda
não foi escrita. Os estudos sobre a evolução geral do ensino em
seus vários graus carecem de pesquisa, desconhecem fontes e repe-
tem-se na compilação dos fatos sumariados" 6
•
Pelas palavras de Myriam Fragoso (releve-nos o leitor a ex-
tensão do passo transcrito) se documenta como, no apontado con-
dicionalismo da investigação histórica, em que apreciáveis lacunas
são inegáveis, As Reformas Pombalinas continuam desempenhando
um papel precursor, pois mantêm, como obra estimulante de outras
pesquisas sérias, todo o seu valor de atualidade.
No aspecto documental, todavia, a mais relevante contribuição
contemporânea, a que decididamente veio alargar o âmbito anterior
da pesquisa, é devida a Antonio Alberto Banha de Andrade, espe-
cialista português da história cultural do século XVIII, cujos tra-
balhos sobre o grande pedagogo Luiz Antonio Verney são hoje fun-
damentais.
Retomando expressamente o tema do professor da Universidade
de São Paulo, Banha de Andrade, em dois importantes estudos,
avançou dados que permitiram não só conhecer melhor, em refe-
rência às escolas m.enores, o âmbito das medidas pedagógicas pom-
balinas no Brasil, como ainda desvendar, através de preciosa do-
cumentação inédita, o interesse do período (até aí pouco menos que
desconhecido) entre 1759 e 1771.
Na verdade, a reforma pombalina do ensino elementar e secun-
dário compreendia duas fases distintas, que não têm sido devida-
5. "Portugal e a economia pombalina, Temas e hipóteses", in Revista de
História, São Paulo, USP, vol. IX, ano V, pág. 81.
6. José Honório Rodrigues, Teoria da História do Brasil, São Paulo,
1969, Ed. Nacional, pág. 196.
21
mente salientadas em sua efetiva diferenciação: a primeira, que vai
da expulsão dos Jesuítas (1759) até à remodelação orgânica da
Universidade de Coimbra e transferência dos Estudos Menores para
a Real Mesa Censória (1771-1772), e uma segunda fase, que de-
carre entre este último termo e o final do reinado de D. José I.
Ramos de Carvalho atendeu, no seu estudo, predominantemente
ao segundo período, sobre o qual dispunha de apreciáveis recursos
documentais. Na rota dos arquivos portugueses surpreendeu com
aquela rara intuição de que fora dotado, preciosos filões doc~men­
tais, e só a curteza de .prazos lhe impediu uma mais funda explo-
ração. O convívio intelectual com alguns dos maiores especialistas
d~ssa área - como o eminente historiador das instituições pedagó-
giCas e das relações luso-brasileiras, Prof. Manuel Lopes de Almeida
- facilitou ao jovem brasileiro o acesso a importantes fundos bi-
bliográficos, incentivo que ele havia de no seu livro reconhecidamente
lembrar. Não teve porém acesso às fontes que permitiram a An-
drade distinguir, no processo pedagógico "pombalino", dois períodos
bem marcados, com mentores, executantes e intenções diversas e
que no Brasil se projetam de modo inconfundível. '
Em 1977, inserido no n.0 112 da Revista de História da USP,
Banha de Andrade publica "A .Reforma Pombalina dos Estudos Me-
nores em Portugal e no Brasil (Linhas gerais de um livro que im-
porta escrever)", artigo em que já anuncia a importância da atuação
pedagógica no Brasil desse ignorado personagem, Principal da Igreja
Patriarcal de Lisboa, D. Tomás de Almeida - que foi o verdadeiro
executor, nesses primeiros 12 anos, das Reformas de Pombal sobre
a Instrução.
Não tardou o Autor com o livro que "importava escrever", em
prosseguimento daquele seu artigo anterior: A Reforma Pombalina
dos Estudos Secundários no Brasil (Rumo da primeira fase- 1759
a 1771 - segundo a correspondência do Diretor-Geral e seus cola-
boradores), São Paulo, 1977.
Não interessa agora proceder à apreciação da monografia de
Banha de Andrade, no que representa de pesquisa inovadora sobre
as estruturas do ensino régio no Brasil, na fase inicial das reformas
educativas; obrigaria aqui a injustificado desvio. Salientamos apenas
nela o mérito do inteligente aproveitamento de extensos e inexplo-
rados núcleos de documentação, do mais evidente interesse para a
história da Inteligência brasileira.
22 
A intenção colaborante do Autor, pretendendo completar a pes-
quisa de Ramos de Carvalho, está expressa nas palavras com que
encerra esse livro: "Talvez um dia seja possível topar· nova do-
cumentação e ajuizar melhor os benefícios e os fracassos da Re-
forma. No entanto, por agora, creio ter conseguido ultrapassar um
pouco a dificuldade que o Prof. Laerte de Carvalho vincava em 1952:
'É muito difícil precisar até que ponto e em que escala se fez sentir
a Reforma de 1759 no Brasil'".
O estudo de Andrade, completando o de Laerte Ramos de Car-
valho, numa zona praticamente omissa, dá-nos um excelente exem-
plo de solidariedade entre investigadores, e dos avanços científicos
resultantes da continuidade metódica na pesquisa - mas, do mesmo
modo, ilustra a evidente fecundidade da obra do professor brasileiro,
em cuja temática aquela se inspirou. .
Para terminar esta necessariamente breve apresentação, um voto:
o de que a nova fase da vida que para As Reformas Ponvbalinas se
inaugura com a presente reedição, lhe proporcione o fim do imere-
cido ostracismo cultural, do quase-esquecimento, a saída da penum-
brosa letargia que a relegara para a raridade "brasiliana", obra para
especialistas, senão curiosidade de bibliófilo. Nada de mais injusto.
Ela tem jus, por vocação específica - como obra clássica da
cultura moderna que é, e, simultaneamente, de plena atualidade -
a destino diferente. E pode apontar idêntico caminho para o estudo
das estruturas sociais e - por que não? - até políticas.
Como chave de compreensão para o muito que da vida contem-
porânea brasileira alcança sua mais funda significação nas raízes de
uma afirmação cultural do país, quando mergulha na personalidade
histórica da coletividade, a obra destina-se não só ao intelectual e
estudioso da história da Inteligência brasileira, mas a mais vasto
público, abrangendo todo o homem culto e, em especial, a Juven-
tude - que a partir do conhecimento mais consciente do seu pas-
sado encontrará energias espirituais e motivações para prosseguir em
renovados rumos a construção, que lhe cabe, do Futuro.
Francisco da Gama Caeiro
Professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo
Catedrático da Universidade de Lisboa
(Portugal)
23
I
·I
I
Iluminismo e
Pombalismo
I - Tradição e modernidade. Antijesuitismo do{tfailprio. Vemey e a
luta contra a tradição. O Modemismo vemeyano.( li/- A modemidade
e os jesuítas. União cristã e sociedade civil. Os {esúítas e o ensino por-
tuguês. Os jesuítas como educadores da burguesia. O ensino de Aris-
t6teles nas escolas da Companhia de Jesus. Os Oitavos Estatutos da
_f.l.IJjy.J3J:.~i.flqçk__çle_Qpi.W1l.l:a.JL!J.. resistência_ às inovaçõ~Lcf2_z_ltj_fu~:{(z~, ·· ·III -
O antijesuitismo da pedagogia pombalina. O Compêndio Histórico. O
sentido econômico-político da luta contra os jesuítas. A renovação das
escolas portuguesas. Per,f'éífii'yzobre e comerciante perfeito. Os rumos
da pedagogia pombalina.V IV 1 Iluminismo e pombalismo. Os jesuítas
e o pensamento regalistaie/Pombal. Pombal Libertino? Ordem civil e
jesuitismo. A escola a serviço dos interesses do despotismo. A reação
a Arist6teles e ao método escolástico. O novo rumo: o empirismo. A
l6gica e os estudos universitários. o ectéíimio..-:A/6gic~..-êal1íõ--õrganon.
da ética do .l:O.'!l~_à_I~~Tf!: - - · ·------------------..··---------· -----------
I
As reformas pombalinas da instrução pública constituem ex-
pressão altamente significativa do iluminismo português. Nelas se
encontra consubstanciado um programa pedagógico que, se por um
lado, representa o reflexo das idéias que agitavam a mentalidade
européia, por outro, traduz, nas condições da vida peninsular, moti-
vos, preocupações e problemas tipicamente lusitanos. No complexo
quadro das manifestações espirituais do período pombalino, as refor-
25
mas do ensino são como que o denominador comum de uma aspira-
ção generalizada. Um de seus objetivos, a remodelação dos métodos
educacionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das
ciências da natureza em Portugal, era a preocupação constante df
algumas das mais expressivas figuras intelectuais da época. Nestas
condições, a indagação do significado e da orientação destes esfor-
ços no sentido de renovar a mentalidade imperante se impõe como
tarefa preliminar para quem pretenda compreender a fisionomia es-
piritual do pombalismo.
Ora, se o nosso problema é uma questão de ordem pedagógica,
e por isso mesmo cultural, e se devemos partir antes de tudo das
manifestações contemporâneas, o primeiro fato que chama a nossa
atenção é a consciência que tiveram os próprios letrados do século
XVIII da oposição entre o pensamento "tradicional" e o pensamen-
to "moderno". Os histmiadores registram e encarecem, de alguns
anos a esta parte, as raras opiniões filosóficas de alguns letrados
q~e, contr~ a rotina dos métodos de pensamento vigentes, se insur-
giram, abrmdo aos olhos portugueses as novas perspectivas do pen-
samento moderno. Se compreendermos não apenas o valor destas
críticas - o que elas encerram de verdadeiro ou de falso - mas
a intenção que as animou, resulta claramente que um dos traços
inconfundíveis da cultura lusitana do século XVIII é a sua mani-
festação literária, expressa como um programa de modernismo filo-
sófico contra a tradição. Reconheçamos, todavia, que esta renova-
ção pedagógica, inspirada nos ideais e problemas da filosofia
moderna, não é uma manifestação exclusiva do período pombalino;
ela ~e inicia no reinado de D. João V e prolonga-se, sem solução de
contmuidade, e através de vicissitudes diversas, no governo de D.
Maria I. Da Academia Real de História, fundada em 1720, à Re-
forma da Universidade, em 1772, e desta à Academia Real de
. Ciências, criada em 1779, se efetuou um esforço de renovação de
métodos e de atitudes de pensamento e de integração de novos
ideais, esforço este que não disfarça os propósitos "iluministas"
que animaram estas iniciativas e reformas.
Certamente não poderemos falar de um "ilurinismo" português
no mesmo sentido pelo qual nos expressamos ao caracterizar as
manifestações do pensamento inglês, francês e alemão. O ilumi-
nismo português - afirmou o Prof. Cabral de Moncada - foi
"essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era,
26
I.I
:d
não revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o fran-
cês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e hu-
manista. Era o iluminismo italiano: um iluminismo essencialmente
cristão e católico" 1• Todavia, forçoso é reconhecer, o iluminis'-
mo, em que pesem as peculiaridade que historicamente assumiu nos
diversos países, foi sempre um programa pedagógico, uma atitude
crítica de revisão de problemas do qual não se podem dissociar, no
fundo, as intenções de uma reforma, tanto das instituições, quanto
dos. hábitos de pensamento. Seus propósitos mais significativos se
resumem no lema por que Kant, num breve escrito 2, procurou vis-
lumbrar, através de uma variada gama de matizes doutrinários, o
sentido íntimo de uma aspiração geral - sapere aude.
Em Portugal, o eco destes ideais europeus se manifestou, con-
creta e historicamente, como um programa político de governo.
· Um dos traços mais significativos do iluminismo português é a sua
expressão de modernidade consciente e de não menos consciente
repúdio às formas e hábitos de pensamento até então imperantes.
É mister esclarecer, todavia, que tanto esta modernidade quanto
este repúdio revestiram-se de um formalismo pedagógico bastante
característico. O hábito das disputas, tão fortemente enraizado na
escola e na mentalidade portuguesas, pelo trabalho de vários séculos
de tradição escolástica, não permitiu que o programa de renovação
cultural se processasse, livre de quaisquer fatores restritivos, no deba-
te amplo dos reais interesses ideológicos da modernidade. Os filó-
sofos recentiores se preocuparam, desta forma, muito mais com a
transformação dos programas do pensamento moderno, em novas
questões a serem tratadas nos, apertados limites das oposições aca-
dêmicas, do que com a perfeita elucidação dos principais temas do
pensamento posterior à reforma cartesiana. Certamente os prejuízos
decorrentes das tradições pedagógicas não foram os únicos a deter-
minar e a influir na maneira de ser do iluminismo português. A
história de uma cultura não se processa independentemente dos fato-
res econômicos, sociais e políticos que, de certa forma, a condicio-
1. Cabral de Moncada, Um "Iluminista" Português do Século XVIII;
Luiz Antonio Verney, São Paulo, Liv. Acadêmica, 1941, pág. 12. Este ensaio
foi reproduzido em Estudos de Hist6ria do Direito, do mesmo autor, vol. UI,
incluídos na Acta Universitatis Conimbrigensis. O passo se encontra à pág. 8.
2. Que es la llustraci6n? Trad. espanhola de E. Imaz, no volume Filo-
sofía de la Historía, Colegio dei Mexico, 1947, pág. 25.
27
nam. As reformas pombalinas da instrução constituem, neste sen-
tido, expressivo exemplo. Ao lado das medidas de diferentes ordens,
adotadas pelo ministro de D. José I, estas reformas traduzem, den-
tro do plano de recuperação nacional, a política que as condições
econômicas e sociais do país pareciam reclamar.
Cumpre-nos, portanto, indagar do sentido e objetivo por que
se concretizaram as aspirações dos letrados que, direta ou indireta-
mente, influíram nas reformas pombalinas da instrução. O primeiro
problema que chama nossa atenção, porque o encontramos sempre
presente em quase todas as vicissitudes dos vinte e sete anos de
administração pombalina, é a questão dos jesuítas. Tanto a Dedu-
ção Cronológica quanto o Compêndio Histórico constituem do-
cumentos intencionalmente escritos para atribuir aos jesuítas a causa
de todos os males do país. Não nos compete examinar o acerto
ou desacerto dessa compreensão histórica, apoiada, de resto, no
século passado, pelos historiadores liberais, republicanos e socialis-
tas. Importa-nos, sobretudo, registrar que o antijesuitismo daque-
les escritos, como de outros tantos documentos de igual inspiração,
representa a expressão de uma atitude generalizada nos países euro-
peus. Na esfera dos problemas da educação e, no sentido mais
amplo, da cultura, atribuiu-se àos jesuítas a responsabilidade pelo
. atraso em que se encontravam as letras portuguesas no século XVIII.
Os jesuítas seriam, desta forma, os principais fatores da resistência
à introdução das idéias novas e da "boa" filosofia em Portugal.
As dezesseis cartas que, no anonimato, Luiz Antonio Verney
escreveu sobre o estado da instrução pública lusitana são, a este
respeito, muito expressivas. Não é sem exagero que, como um filó-
sofo recentior, Verney criticava os métodos jesuíticos: "O que sei
porém - dizia ele na Oitava Carta - é que nestes países não se
sabe de que cor seja isto a que chamam boa filosofia. Este vocá-
bulo, ou por ele entendamos ciência, ou com rigor gramático, amor
da ciência é vocábulo bem grego nestes países" 8• O disfarçado
plural tinha, entretanto, um endereço certo: E as réplicas e tré-
plicas não tardaram, veementes e, algumas vezes, desabusadas.
Aparentemente, os debates se processaram como se fossem uma sim-
3. Verdadeiro Método de Estudar, Valença, na oficina de Antonio Baile,
1747, t. I, págs. 227/8. Cf. na edição organizada pelo Prof. Antonio Salgado
J'r., Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1950, vol. IH, pág. 3. ·
28
Vf,
i
pies questão entre ordens religiosas 4
; mas tal era a mag11itude do
assunto que a própria coroa real, posteriormente, em nome dos inte-
resses seculares, -reivindicou para si a execução de tarefas educa-
cionais até então quase exclusivas dos poderes espirituais. No que
se refere ao ensino das humanidades, a reforma pombalina foi uma
tentativa de secularização. das instituições, no sentido sociológico do
termo, secularização esta a meio caminho da laicização, tão de gosto
dos teóricos educacionais do século XIX e, também, de nosso tempo.
Ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos são examinados
como se não houvesse um outro caminho entre a alternativa que
então se propôs: jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os
jesuítas representam para os historiadores tudo o que há de anti-
moderno e Pombal, com seus homens, a autêntica antecipação das
aspirações modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os termos desta
alternativa constituem um dos mais graves impedimentos para a
justa compreensão de um dos momentos. mais lúcidos da história
lusitana. Se um caminho existe entre os escolhos de uma investi-
gação tão cheia de percalços, onde as paixões e, algumas vezes, os
ódios obnubilam a clara visão dos fatos, este caminho será aquele
em que o historiador, diante de tão variadas e contraditórias ma-
nifestações da cultura portuguesa, procurará apenas definir o sentido
do m:odernismo filosófico consubstanciado nas obras dos letrados da
época em questão. Moderno, no caso, não é apenas um termo: é
uma condição dialética de pensamento ___, uma atitude diante dos
valores e processos da cultura - e, ao mesmo tempo, a aspiração
- o ideal, essencialmente pedagógico da transformação da ideolo-
gia nos seus hábitos tradicionais, transformação esta orientada para
objetivos claramente predeterminados, de acordo com as exigências
da doutrina política imperante.
A introdução da filosofia moderna em Portugal se efetuou, den-
tro das condições soçiais da época, por intermédio de um programa
do qual não estiveram ausentes o espírito e os interesses do despo-
tismo esclarecido. Numa carta ao Pe. Joaquim de Foyos, declarou
Verney que tivera "ao princípio particular ordem da Corte de ilu-
4. Cf. João Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua Época,
2.n ed. com emendas, Rio de Janeiro-Porto, Anuário do Brasil-Seara Nova-
Renascença Portuguesa, 1922, Cap. X, III, pág. 338.
29
minar a nossa Nação em tudo o que pudesse... " 5• :É muito pro-
vável que o Verdadeiro Método de Estudar, um dos mais preciosos
documentos para o estudo da cultura lusitana no século XVIII, te-
nha sido redigido dentro destes propósitos iluministas. Nas idéias
desenvolvidas por Verney neste livro o que mais interessa é a natu-
reza crítica e assistemática de sua doutrina. A feição pedagógica,
intencional na obra, decorre da própria posição "moderna" assumi-
da pelo Autor. :É bastante significativo que, na Oitava Carta do
Verdadeiro Método de Estudar, Verney, depois de traçar o quadro
dos estudos filosóficos em Portugal no qual se patenteiam a resis-
tência e até mesmo o desconhecimento da filosofia moderna, lembre
que o melhor modo de afastar estes erros e "desenganar esta gente
e mostrar-lhe· os seus prejuízos é pôr-lhe diante dos olhos uma breve
história da matéria que tratam: e persuado-me - continua o Barba-
dinho - que este é ·o mais necessário prolegômeno em todas as
ciências" 6• A história filosófica não foi, entretanto, além de uma
limitada propedêutica, com fins pedagógicos claramente determina-
dos. Através da história das seitas filosóficas, procura Verney, no
relativismo das posições doutrinárias diversas e, algumas vezes, até
contraditórias, o caminho da "boa" filosofia.
Há em Verney, entretanto, um modernismo mais de forma do
que de conteúdo. Os autores modernos são apenas, no Verdadeiro
Método de Estudar, simples instrumentos de que o Autor lança mão
para melhor justificar o pensamento nuclear de seus intentos refor-
mistas. O Prof. Joaquim de Carvalho, num excelente estudo, trans-
crevendo um passo característico da Décima Carta da referida obra,
chamou a atenção dos estudiosos para o verbalismo do saber cien-
tífico de Verney e da sua "inapreensão do alcance da concepção
mecanicista da Natureza". Em Verney - afirma o eminente pro-
fessor - a "razão de militante estava mais bem instruída do que
devia remover-se do que devia fundar-se" 7• Em lógica, seu em-
5. Esta carta foi publicada no Conimbricense, por Inocêncio, no n.0
2.229, de 5 de dezembro de 1868, e reproduzida em Estudos de História do
Direito, cit., págs. 424/8.
6. Verney, ob. cit., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 232, e ed. A.
Salgado Jr., t. Ill, pág. 19.
7. Introdução do Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano (Re-
sumo dos Livs. I e li, recusado pela Real Mesa Censória é agora dado ao prelo
com introdução e apêndice), Coleção lnedita ac Rediviva, Biblioteca da Uni-
versidade, 1950, pág. 37.
30 
)
. I
pmsmo, visivelmente inspirado em Locke 8, mal disfarça as sutis
distinções da dialética tradicional. Numa época em que o conhe-
cimento fez da análise o instrumento adequado da compreensão da
natureza e do homem em todas as suas manifestações, nela não viu
o autor do De Re Logica mais do que um simples processo didáti-
co de estudos: "As leis do método analítico são estas: entender
os vocábulos; determinar as questões, separar as partes delas; fugir
de todo o gênero de equívocos; fugir das obscuridades; estabelecer
termos comuns e claros; entender os testemunhos e autoridades em
que se funda. Além disso, saber os requisitos que s~o necessários
para entrar em uma questão, v. g., para a história, as antigüidades,
cronologia, geografia etc.; para a física a notícia das melhores ex-
periências etc. Ler o contexto, e ver as mais coisas que apontam
os outros, para não errar no critério. Ter presentes os cânones
que comumente se assinam, para distinguir as obras supostas das
verdadeiras" 0• No plano de uma lógica moderna bem pouco sig-
nifica este modo característico de conceituar o problema da análise.
11
Todavia, completa ou não esta concepção é bem característica,
pois nela se antecipam os fins de uma doutrina que os novos Esta-
tutos da Universidade de- Coimbra, em 1772, consagrariam. Verney
não foi o único "moderno", pois os letrados portugueses não fica-
ram inteiramente indiferentes à renovação espiritual que então se
processava. Nos seminários e colégios oratorianos, jesuítas, fran-
ciscanos, teatinos, para falar apenas dos que mais se destacaram
já se demonstrou em trabalho recente 10 - a filosofia mo-
8. Sobre a influência de Locke na doutrina lógica de Verney, ver as
notas do Prof. Antonio Salgado Jr., que acompanham e esclarecem os passos
da Oitava Carta que se referem ao problema; cf. especialmente t. III, notas
das págs. 54 a 72. Uma análise mais completa, entretanto, das idéias de Ver-
ney se encontra no trabalho de D. Mariana Amélia Machado Santos, Vemey
contra Genovesi, Apontamentos para o Estudo do "De Re Logica", Coimbra,
1939.
9. Verney, ob. cit., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 262; ed. A. Sal-
gado Jr., t. Ill, pág. 106. ·
10. Ver Antonio Alberto de Andrade, Vernei e a Filosofia Portuguesa.
No 2.° Centenário do aparecimento do Verdadeiro Método de Estudar, Braga,
Liv. Cruz, 1946.
31
derna era de certo modo, em maior ou menor alcance, conhecida
e examinada. Não será de estranhar, portanto, que, em 1766, Frei
Fortunato de Brescia, em sua classificação das "seitas filosóficas",
colocasse, ao lado dos escolásticos, os novadores e os ecléticos que,
na opinião do Prof. Joaquim de Carvalho, "foram os pioneiros do
pensamento moderno em Portugal" 11
•
O "modernismo" português, embora em última análise seja
simples conseqüência do iluminismo europeu, apresenta, entretanto,
raízes nacionais que o caracterizam. O que nos interessa, antes de
tudo, é a indagação do sentido da modernidade portuguesa: até que
ponto, de que natureza e quais os objetivos da renovação cultural
que, através de vicissitudes várias, se inicia com as providências
desconexas de D. João V, que mais pretendia ilustrar a sua Corte
do que os povos, até a unificação destes esforços num plano con-
jugado de reformas pedagógicas, orientado no sentido de um pro-
grama político de secularização, ao mesmo tempo nacional e cristão,
das instituições escolares? Quando, em 1759, se instituíram as aulas
régias de gramática latina, grega, hebraica e de retórica, no mesmo
alvará em que suprimia o ensino dos jesuítas, invocou-se, como razão
de Estado, a necessidade de se "conservarem a união cristã e a
sociedade civil". Se é verdade que não cabia ao governo português
indicar quais os melhores meios para a conservação da unidade cris-
tã, não é menos certo que esta simples invocação, de resto cons-
tantemente lembrada nos diplomas régios, se apoiou nas opiniões de
algumas das mais expressivas figuras da vida religiosa da época. O
tão celebrado ódio do ·Marquês de Pombal à Companhia de Jesus
não decorreu dos prejuízos opiniáticos de uma posição sistemática
previamente traçada. Fatores vários e complexos, de ordem social,
política e ideológica, influíram decisivamente na evolução de uma
questão que ainda hoje apaixona e obnubila a visão dos espíritos
mais esclarecidos. Na brevidade desta forma de ideal político na-
cional - a conservação da união cristã e da sociedade civil -
se condensa toda uma filosofia com objetivos claramente definidos,
responsável, aliás, de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos
vícios do despotismo imperante. Não se definira ainda, como mais
tarde se fará, na Dedução Cronológica, numa concepção peculiar da
história portuguesa que tamanhos créditos teve na historiografia pos-
terior, o jesuitismo como a causa primacial dos males e da deca-
11. Joaquim de Carvalho, ob. cit., pág. 6.
32
dência nacionais. Os interesses civis e cristãos, na opinião de Pom-
bal e de seus homens, coerentes com aquela ciência certa que, no
espírito do despotismo esclarecido, era a prerrogativa infalível a que
a si invocava a coroa, reclamavam o advento de uma ordem em
que o poder secular fosse o principal fiador da unidade civil na
harmonia da família cristã. Os jesuítas procuraram confundir as
regras da sua Constituição com os interesses seculares do Papado.
Daí a generalização de uma disputa que acabou por fazer do jesui-
tismo o símbolo do obscurantismo retrógrado, antimoderno, oposto,
recalcitrante e ostensivamente, a todas as formas de modernização
da cultura. Não é questão aqui indagar do acerto ou desacerto
desta manifestação. Interessa-nos, apenas, pelo seu aspecto expres-
sivo de intenções, doutrinariamente justificadas, da política de uma
época.
O antijesuitismo pombalino, no setor da educação, estribou-se
numa série de fatos ainda não suficientemente contestados. Ale-
gou-se, por exemplo, que com a entrega do Colégio das Artes da
Universidade de Coimbra à Companhia de Jesus e, posteriormente,
com as provisões segundo as quais nenhum estudante seria admi-
tido nos cursos de Leis e Cânones da Universidade de Coimbra
sem os prévios exames no referido Colégio, o ensino português se
transformou, praticamente, num monopólio da Companhia de Jesus,
Numa de suas notas explicativas na História da Companhia de
Jesus na Assistênckt de Portugal, contestou o historiador Jesuíta
Francisco Rodrigues a existência de semelhante fato pois, nas ex-
pressões textuais do laborioso historiador, não havia monopólio "de
nenhuma espécie, nem ambição de singularidade e exclusivismo do
ensino, mas sim dedicação generosa e benefício inestimável da
cultura" 12
• O certo porém é que, apenas transcorridos alguns anos
depois da introdução da Companhia em Portugal, os colégios jesuítas
possuíam numerosos professores cujos cursos eram freqüentados por
apreciável número de alunos 13• Não foram certamente apenas os
inegáveis méritos pedagógicos dos inacianos que lhes asseguraram
12. Francisco Rodrigues, S. J., História da Companhia de Jesus na Assis-
tência de Portugal, Porto, Liv. Apostolado da Imprensa, em publicação, de
1931 a 1950, 7 vols. aparecidos, t. 2.0 , vol. II, pág. 17, nota.
13. Ver nesse sentido, no Cap. I, ''Nos colégios: ensino, educação", t. li,
vol. II, da ob. cit. de Francisco Rodrigues, o desenvolvimento das escolas je.
suíticas em Portugal, às págs. 11 a 46.
33
tão privilegiada situação. Sucessivas vantagens foram concedidas aos
colégios mantidos pela Companhia de Jesus de tal forma que, nas
reais condições em que se encontrava a cultura portuguesa, as esco-
las jesuíticas exerceram, até o governo pombalino, um autêntico mo-
nop01io da instrução secundária 14
•
A história da disputa havida entre o Colégio das Artes e a
Universidade de Coimbra, depois que a direção daquele estabeleci-
mento· passou às mãos dos jesuítas, demonstra muito bem até que
ponto os interesses seculares, encarnados nas decisões e na obstinada
resistência dos professores da Universidade, foram a pouco e pouco
cedendo até a aprovação dos Estatutos de 1565, elaborados, como
se julgou provável 15, pelos próprios inacianos. Já foram minu-
ciosamente analisados, num livro abundantemente documentado, os
insistentes apelos feitos a D. João III, no sentido de entregar à
Companhia de Jesus o Colégio que o próprio rei organizara com
o concurso de humanistas nacionais e estrangeiros 16• A decisão
do rei, depois de muita resistência, se deveu sobretudo aos insis-
tentes rogos de seus válidos. Em Carta de 6 de dezembro de 1557,
confessou o jesuíta. Luiz Gonçalves da Câmara, o mesmo que o
Geral Lainez recomendava como mestre de D. Sebastião: "No haver
el (Rei) sido author desta mutation, sino que se la hizieron hazer" 17.
Não se detiveram aí, entretanto, os padres jesuítas.
O Colégio mantinha-se com recursos provenientes da fazenda
real. Depois da morte de D. João III, D. Catarina determinou
que fossem separados da Universidade e entregues ao colégio subs-
14. Antonio José Teixeira reuniu a documentação dos fatos referentes à
história dos jesuítas em Portugal. Um grande número desses documentos se
relaciona com a Universidade e o Colégio das Artes. Cf. Antonio José Tei-
xeira, Documentos para a História dos Jesuítas em Portugal, Coimbra, Imp.
da Universidade, 1899. Neste livro se reproduzem documentos sobre assuntos
os mais diversos referentes à administração, manutenção, privilégios e regalias
que foram concedidos aos jesuítas desde a entrega do Colégio das Artes à
Companhia de Jesus.
15. Mário Brandão e M. Lopes D'Almeida, A Universidade de Coimbra,
Esboço da sua História, memória histórica publicada por ordem do Senado
Universitário, no IV centenário do estabelecimento definitivo da Universidade
em Coimbra, 1937, Parte I, págs. 225 e segs.
16. Mário Brandão, O Colégio das Artes, 2 vols., Coimbra, 1924, 1933,
ver especialmente o vol. li.
17. Apud Francisco Rodrigues, ob. cit., t. I, vol. li, pág. 347, nota 1.
34
:r
tanciais haveres de sua fazenda. A Universidade resistiu até que,
passados catorze anos, não pôde livrar-se do compromisso de entre-
gar ao colégio, anualmente, 3.000 cruzados. Saía desta forma a
Universidade "vencida e humilhada" 18• Semelhantes regalias obti-
veram os padres da Companhia de Jesus na questão dos graus aca-
dêmicos. Sem submeter-se à administração da Universidade, des-
sangrando-lhe os recursos financeiros, admitindo ao grau de mestre
os professores do Colégio "sem fazerem auto algum dos que man-
dam os estatutos" 10, e sobretudo, amparando-se em provisões nas
quais se determinava que nenhum estudante fosse admitido nos estu-
dos de Leis e Cânones da Universidade sem prévio exame no Colé-
gio das Artes 2(}, os jesuítas reuniram em suas mãos privilégios de
tamanho alcance que não é de estranhar crescesse o seu ensino
quantitativamente, e com enorme rapidez o número de seus colégios
e dos estudantes que neles iam buscar não só o aproveitamento nas
letras, mas também nos costumes.
Não há motivos para censurar os jesuítas por terem alcançado
uma posição que lhes garantiu incontestável predomínio na vida po-
lítica portuguesa. A Companhia de Jesus surgiu com propósitos
que devem ser compreendidos, antes de tudo, em função dos reais
interesses históricos que animaram os seus primitivos objetivos. A
história, quando muito, justifica os homens e não as "éticas" - a
ideologia - dos grupos organizados ou não, de que fazem parte.
A "ética" jesuítica teve uma finalidade imediata, de valor histórico
semelhante à finalidade das demais ordens religiosas no momento
em que surgiram. Não se pode discutir o seu sublime fim - Ad
majorem gloriam Dei - porque, na órbita dos interesses espiri-
tuais, todas as religiões, como se dizia naqueles tempos, perseguiam
iguais objetivos; mas pode-se discutir os seus processos, os meios
de que lançou mão, porque, enquanto historicamente realizados,
estes processos não puderam escapar ao jogo fortuito dos interesses
que, na ordem temporal, condicionam as ações humanas. Desde
o momento em que os inacianos pretenderam confundir os ideais
sublimes da Fé com os interesses seculares do Império, a sua messiâ-
18. Mário Brandão e M. Lopes D'Almeida, ob. cit., Parte I, pág. 220.
19. Antonio José Teixeira, ·Ob. cit., Parte III, Doc. XXXVII, pág. 217.
20. Idem, ibidem, Parte V, Doc. VIII, págs. 400 a 402. Alvará de 3
de agosto de 1561, confirmado por D. Felipe I, a 20 de janeiro de 1591, e
por D. Felipe III, a 16 de maio de 1634.
35
nica ortodoxia foi impotente para resistir, de um lado, às novas
exigências impostas pela transformação das condições de vida na
sociedade burguesa e, de outro, na esfera espiritual, à inquieta
heterodoxia da alma moderna. Houve um momento em que o equi-
líbrio foi possível.
Com sua ética heterônoma, que realçava o valor da ordem e
da obediência, os jesuítas também foram, até certo ponto, os edu-
cadores da burguesia 21• "Foi necessário que houvesse diversas
classes - afirmava Bordaloue - e, antes de tudo, foi inevitável
que houvesse pobres, a fim de que existissem na sociedade humana
obediência e ordem" 22• Com aquele realismo característico, que
tão bem garantiu o êxito de seus empreendimentos, reconheceram
os padres da Companhia de Jesus o novo sentido da vida que o
progresso da burguesia propiciava. E não tiveram dúvidas de ir
ao encontro destas aspirações, securalizando, pela dignificação do
trabalho, os ideais do cristianismo: "Quero dizer que cumprir fiel-
mente os seus deveres - pregava ainda Bordaloue - trabalhar
com zelo e ser diligente dentro do próprio estado, conforme a von-
tade e os desejos de Deus, significa orar" 23• A despeito destes
esforços não se puderam conter nos quadros da Igreja militante as
forças históricas que preparavam o advento de uma nova ordem
social. Acima dos credos e das confissões, elaborou-se, no século
XVIII, uma nova concepção da vida moral que, com a idéia do
direito natural, despojado de seus pressupostos teológicos, e com a
doutrina de uma religião natural, numa introspecção altamente sig-
nificativa, descobriu na consciência o dever como o tribunal, deso-
brigado de sanções externas, de uma ética ecumênica e sem fron-
teiras espirituais. No fundo, esta ética filosófica pressupunha, a
partir da consciência moral e do dever, como imperativo categórico,
uma ordenação autônoma das vontades, bem diferente da ordem
preconizada pelos inacianos, na qual a obediência e a humilde doci-
lidade constituíam, na visão dos iluministas, formas de alienação
da pessoa que a clara geometria de um sistema ético-político, arden-
temente almejado, não podia justificar.
21. Sobre os Jesuítas como educadores da burguesia, ver Bernhard Groe-
thuysen, La Formación de la Consciencia Burguesa en Francia durante el Siglo
XIII, trad. espanhola de José Gaos, México, Fondo de Cultura Económica,
1943, 2.a Parte, III; Los Teologos como Educadores de la Burguesia, especial-
mente págs. 280 e 290, e as notas às págs. 575 a 578.
22. Apud Groethuysen, ob. cit., pág. 285.
23. Idem, pág. 284.
36
O desenvolvimento posterior dos estudos e da especulação nas
escolas da Companhia de Jesus já estava, de certa forma, determi-
nado nestas sucintas disposições. de suas Constituições: "In Theolo-
gia legetur vetus et Novum Testamentum et doctrina scholastica divi
Thomae. . . In logica et philosophia naturali et morali, et ·meta-
physica, doctrina Aristotelis sequenda est" 24
• Com certa liberdade
na interpretação dos textos e incorporando as conquistas do huma-
nismo, de acordo aliás, com a imposição das circunstâncias histó-
ricas, criaram os jesuítas nas suas escolas, do velho e do novo mun-
do, uma constante de pensamento, uma nova tradição filosófica a
que já se deu o nome de tomismo moderado 25• Orientação esta
que encontrou nos problemas políticos e jurídicos o assunto em que
eles exerceram com maior originalidade 26• Preferiram Aristóteles
a Platão, porque a doutrina do estagirita, na sua opinião, atendia
melhor às exigências de uma concepção católica do mundo e do
homem. Não era, entretanto, apenas o Aristóteles da tradição esco-
lástica, mas o Aristóteles do humanismo, renovado pelos comen-
tadores que não desprezavam sequer a lição de alexandristas e aver-
roístas 27• Estribando-se, desta forma, na autoridade dos textos
aristotélicos, que eram examinados em função dos interesses da re-
ligião católica, este ensino, sem renovar-se em sua estrutura e pro-
cessos, logo descambou para o aparato das disputas verbais. Os
esforços isolados, entre os quais o do jesuíta Cristovam Borri, não
foram suficientemente eficazes para modificar a força dos hábitos
pedagógicos então vigentes. Aliás, a formalística do regime univer-
sitário, com os seus atos e oposições, favorecia muito mais as exi-
24. Constitutiones Societatis Jesu, P. IV, Cap. XIV. Na tradução espa-
nhola da Biblioteca de Autores Cristianos, organizada pelos especialistas do
Instituto Histórico da Companhia de Jesus- Obras Completas de Santo lnacio
de Loyola - Madrid, 1952, o passo se encontra à pág. 474.
25. Ver Carlo Giacon, S. J. La Seconda Scolastica, 3 vols., Milão, Fra-
telli Bocca, 1944, 1947 e 1950, t. ll, Cap. I, especialmente 2 e 3, págs. 17 a 30.
26. É a opinião do historiador da segunda escolástica; cf. os prefácios
dos dois primeiros volumes e, especialmente, do terceiro da citada obra.
27. "Alia Seconda Scolastica - escreve Carlo Giacon S. J. - incombe-
va il problema di conciliare il valore reate dei pensiero aristotelico con te
impellenti esigenze della nuova .cultura umanistica", ob. cit., t. li, pág. 35.
Sobre as relações dos jesuítas com o humanismo da Renascença em Portugal,
ver A. Alberto de Andrade, ob. cit., Cap. III, págs. 70. a 104 e, ainda do
mesmo Autor, "A Renascença dos 'Conimbricensis' ", in Brotéria, 1943, vol.
xxxvn,. págs. 480 a 501.
37
gências de um saber verbal - propno de canonistas, teólogos e
legistas - do que as necessidades de um conhecimento amparado
na experiência e nas matemáticas. Bastante expressivo, neste sen-
tido, era o descrédito em que se achavam os estudos médicos até a
iutrodução das reformas pombalinas. Nestas condições, a Universi-
dade portuguesa que, com as primeiras iniciativas de D. João III,
parecia destinada a palmilhar mais amplos e abertos caminhos, subi-
tamente enveredou por nova direção e se transformou no reduto,
fortemente garantido, dos ideais da Contra-Reforma.
Depois de sucessivas reformas, aceitou a Universidade os Oita-
vos Estatutos que, confirmados em 1612, foram novamente confir-
mados em 1653, por D. João IV. As novas "modificações introdu-
zidas nos estatutos - observa o Prof. Lopes D'Almeida - corres-
pondiam às pressões e à defesa que a Companhia de Jesus e a Uni-
versidade procuravam fazer valer junto do monarca, uma dos seus
objetivos pedagógicos, a outra de seus direitos e interesses prejudi-
cados. Ambas, quando lhes parecia ter junto do rei ou dos executo-
res da sua autoridade agente ou pessoas de sua confiança, tenta-
vam impor os seus pontos de vista e daí as alterações quase nunca
atingiram a orgânica do ensino que se imobilizou na generalidade
em fórmulas em desuso" 28• Estes estatutos vigoraram até às refor-
mas de 1772. Não foi possível fazer vingar qualquer programa de
renovação cultural porque a disputa entre os inacianos e a Univer-
sidade não foi além de um mero conflito de interesses materiais e
nunca, em qualquer ocasião, se patenteou uma possível divergência
de propósitos e objetivos no setor da cultura e da educação. Houve,
sem dúvida, tanto entre os jesuítas quanto na própria Universidade,
esforços isolados no sentido de introduzir em Portugal os novos
problemas que o progresso das ciências experimentais e da especula-
ção filosófica tanto encareciam. Estes esforços, todavia, foram impo-
tentes para modificar a rotina imperante. Lembremos, a propósito,
a provisão de 23 de setembro de 1712, na qual D. João V, tendo
notícia de que "no colégio da Companhia dessa cidade (Coimbra)
se quer introduzir nas cadeiras de filosofia outra forma de Lição
da que até agora se observava, e mandam os estatutos", ordena
o reitor do Colégio das Artes "que havendo nesta matéria alguma
alteração a façais evitar, ficando de vosso Zelo não consintais esta
28. Mário :Brandão e M. Lopes D'Almeida, ob. cit., Parte IT, pág. 17.
38
J.y
nova introdução" ... 29• E, mais tarde, o reitor do Colégio das
Artes, em edital de 7 de Maio de 1746, determinou que "nos exa-
mes, ou Lições, Conclusões públicas, ou particulares se não ensine
defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para o estu-
do das Ciências maiores como são as de Renato Descartes, Gassen-
do Newton, e outros, e nomeadamente qualquer Ciência, que defen-
da os átomos de Epicuro, ou negue as realidades dos acidentes
Eucarísticos, ou outras quaisquer conclusões opostas ao sistema de
Aristóteles, o qual nestas escolas se deve seguir, como repetidas
vezes se recomenda nos estatutos deste Colégio das Artes" Bfr.
m
Nas publicações antijesuíticas da administração do Marquês
de Pombal, transparece claramente a preocupação de atribuir aos
inacianos a principal responsabilidade pela decadência em que se
encontravam os estudos em Portugal. O Compêndio Histórico do
Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos deno-
minados jesuítas e dos estragos feitos nas ciências, nos professores, e
diretores que a regiam pelas maquinações e publicações de novos es-
tatutos por ele fabricados, aparecido em 1772, constitui, em suas
linhas essenciais, apesar das parcialidades notórias, um programa de
alta significação pedagógico-cultural, pois nele se encontra, ainda
hoje, o melhor documento que, do ponto de vista crítico, se fez em
Portugal sobre a situação em que se encontrava a Universidade de
Coimbra até a promulgação dos ~statutos pombalinos. A erudição
histórica posterior retificou muitos dos erros contidos nesta publi-
cação, mas estas emendas de maneira alguma alteram a própria
substância do programa educacional traçado pela Junta de Provi-
dência Literária. :É preciso lembrar que o Compêndio foi redigido
num momento em que a questão dos jesuítas, transformada num
problema político dos governos de Espanha, França e Portugal ainda
não se resolvera. Devido ao prestígio que gozava a Companhia
de Jesus, junto à Cúria Romana, os delegados dos governos que
se empenhavam na luta contra os jesuítas não tinham vencido até
29. Provisão publicada por Joaquim de Carvalho in Ensaio Filosófico
sobre o Entendimento Humano, Apêndice A, pág. 169.
30. Edital reproduzido por Joaquim de Carvalho, in ob. cit., Apêndict:
A, 2, págs. 170 a 172; cf. loc. cit., pág. 171.
39
aquela data as últimas resistências de Ganganelli e alcançado, desta
torma, o objetivo comum: a extinção da ordem. Compreende-se,
portanto, que a reforma da Universidade se transformasse em mais
um documento da política antijesuítica que há dezesseis anos se
i.ornara uma das principais preocupações da administração pomba-
Una. No Compêndio Histórico, todos os elementos úteis à justifi-
cação doutrinária do pombalismo foram aproveitados: desde a en-
trega do Colégio das Artes à Companhia de Jesus, com os episó-
dios que se lhe seguiram, até à análise minuciosa dos acontecimen-
tos políticos em que os inacianos tiveram uma parcela, mínima que
fosse, de responsabilidade. Todos os fatos referentes à ação dos
jesuítas foram invocados para demonstrar, num quadro de tintas
sombrias, que, até mesmo no setor do ensino, a decadência da na-
ção era sobretudo obra dos padres da Companhia de Jesus. O
Compêndio Histórico constitui, desta forma, a conseqüência natu-
ral da doutrina da Dedução Cronológica e Analítica, de 1765, como
esta representa também o corolário generalizado e minucioso da
Relação abreviada da República que os religiosos jesuítas das pro-
víncias de Portugal e Espanha estabeleceram nos domínios ultrama-
rinos das duas monarquias e das guerras que neles tem movido e
sustentado contra os exércitos espanhóis e portugueses, de 1756.
No Compêndio Histórico, ao mesmo tempo que se recapitu-
lam os fatos indicados na Dedução Cronológica, particularizam-se
"os outros estragos, que os mesmos regulares fizeram em cada uma
das quatro Ciências maiores" 31 - teologia, leis e cânones, medi-
cina e matemática. Na teologia, o predomínio da filosofia aristo-
télica, que relegou ao esquecimento a teologia primitiva, com o sa-
crifício dos estudos da Escritura, da Tradição dos Concílios, dos
Santos Padres e da História Sagrada 82; na jurisprudência canônica
e civil, a adoção de uma metafísica "errônea e sumamente preju-
dicial" 83 e o ensino. da Moral Cristã por intermédio da ética de
Aristóteles, Filósofo Ateísta, "que nenhuma crença teve em Deus,
e na Vida Eterna; que em vez de ditar princípios para a probidade
interior do ânimo, e para a justiça natural, foi o Autor de um sis-
tema estofado de máximas dirigidas a formarem um Áulico das
Cortes de Felipe e Alexandre, e um Hipócrita armado contra a
31. Compêndio Histórico, pág. XII.
32. Idem, págs. XII e Xlll.
33. Idem, pág. XIV.
40
r
lr
inocência dos crédulos com virtudes externas, e fingidas" 34• Neste
mesmo domínio ainda, o esquecimento em que foram lançados os
estudos das histórias do direito romano e pátrio, do direito canônico,
da história geral e da doutrina do método 35• Na medicina, a obsti-
nada adesão à física aristotélica, com o sacrifício da verdadeira
física, da química filosófica, da botânica e da anatomia e a confusão
do estudo teórico com o prático 36• Tais foram, na opinião dos
relatores da Junta de Providência Literária, os principais estragos
causados pelos jesuítas nos estudos das ciências universitárias.
Quer nos parecer que este antijesuitismo foi muito mais a con-
seqüência das lutas políticas do Gabinete com a Cúria Romana do
que a verdadeira causa do programa pedagógico formulado pela
Junta de Providência Literária. Tamanha foi a força das vicissi-
tudes políticas, e tão acirrados andavam os ânimos, que um progra-
ma, para cuja justificação bastava apenas a incontestável grandeza
de seus fins, se transformou, impelido pelas circunstâncias históri-
cas, num documento com deliberados propósitos de fazer dos jesuítas
a universal causa de todos os males portugueses. De há muito já se
sentiam, na vida do país, os inconvenientes que traziam para a eco-
nomia e o trabalho nacionais o acúmulo de bens imóveis e as de-
mais regalias e privilégio que, diante das leis civis, gozavam as ordens
religiosas. O assunto já fora ventilado nas Cortes de 1562 e, agora,
D. Luiz da Cunha, no Testamento Político, insistia novamente no
problema. Sebastião de Carvalho e Melo, como bom discípulo de
D. Luiz da Cunha, que aproveitara a sua estadia em Londres para
estudar, com meticuloso interesse, os problemas e as conseqüências
econômicas dos tratados comerciais luso-britânicos 37, não devia
ignorar este delicado aspecto da questão. Sua luta contra os jesuítas,
se, anos mais tarde, se inspirará em alguns dos motivos e razões da
ideologia dos iluministas de outros países, no início foi causada
principalmente pelo conflito entre os interesses do Estado e os da
Companhia de Jesus.
34. Idem, ibidem.
35. Idem, págs. XIV e XV.
36. Idem, pág. XVI.
37. Ver, especialmente, J. Lúcio de Azevedo, ob. cit., Cap. I, A Embai-
xada de Londres, págs. 9 a 43. Vê o Autor na Relação dos Gravames do
Comércio e Vassalos de Portugal na Inglaterra, redigida por Sebastião de Car-
valho e Melo, durante a sua permanência em Londres, "a origem de vários
dos seus atos posteriores quando governou"; cf. ob. cit., pág. 29.
41
As reformas pombalinas da instrução publica - Laerte Ramos de Carvalho
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As reformas pombalinas da instrução publica - Laerte Ramos de Carvalho

  • 1. LAERTE RAMOS DE CARVALHO AS REFORMAS POMBALINAS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA - 1978 EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SARAIVA S/A - LIVREIROS EDITOR~ UNICAMP ,, R r () Tr:f A r n I ... .... . .
  • 2. CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP Carvalho, Laerte Ramos de, 1922-1972. '::325r As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo, Saraiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. 1. Educação e Estado - Portugal 2. Educação - Por- tugal - História 3. Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de, 1699-1782 4. Reforma do ensino - Por- tugal I. Título. 77-1534 CDD-370 .9469 -379.469 índices para catálogo sistemático: 1. Portugal : Educação : História 370.9469 2 . Portugal : Instrução pública : Reformas pombalinas 379.469 3 . Reformas pombalinas : Instrução pública : Portugal 379.469 Assessoria editorial: João Gualberto de Carvalho Meneses, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Capa e diagramação: Francisco Gualbernei A. de Andrade. Produção gráfica: Arlindo André Batista Meira. Classif~...•.....~................~:.......... Auto r..C..&.~..J.L................ V..................................Ex .................. Tombo 2700 IVA S.A. - Livreiros Editores São Paulo - SP Av. do Emissário, 1897 Tol: 10111826·8422 Belo Horizonte - MG R. Cólia de Souza, 571 - Bairro Sagrada Famllia Tols: {031)461-9962 o461-9995 Rio de Janeiro - RJ Av. Marechal Rondon, 2231 Tol: 10211 201-7149 o261-4811 ., 1 , Indice Prefácio Prólogo ........................................... Capítulo I - lluminismo e Pombalismo .............. . Capítulo II - A Reforma dos Estudos Menores e a Defesa do Regalismo ......................,.. . Capítulo III - O Desenvolvimento da Reforma dos Estudos Menores ..................... : . ..... . Capítulo IV - As Diretrizes da Reforma Universitária de Conclusão Apêndice Bibliografia 1772 ............................... . 1 11 25 59 99 141 189. 193 231 VII
  • 3. -· Prefácio No conjunto das manifestações espirituais do século XVIII português, as reformas pombalinas da instrução pública ocupam lugar de excepcional significação. Críticos e historiadores têm insis- tido na contribuição dada por algumas das mais expressivas figuras intelectuais do tempo às sucessivas e progressivas reformas pelas quais o Marquês de Pombal, no seu consulado, tentou substituir os tra- dicionais m'étodos pedagógicos por outros mais condizentes com os ideais da época. Já Camilo falava, no Pe1jil do Marquês de Pom- bal1, dos oráculos que guiaram Sebastião de Carvalho e Melo na es- colha dos meios e dos fins de sua ação econômica, política, educacio- nal e religiosa. Depois disto, outros estudos apareceram e a lista des- tes arautos foi aumentando. Ao lado de D. Luiz da Cunha, Luiz Antonio Verney, Antonio Ribeiro Sanches, cresceram outras figuras que, direta ou indiretamente, influíram nos sucessos das reformas pombalinas - Seabra da Silva, o Bispo Cenáculo Villas Boas, João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, o Cardeal da Cunha, Sachetti Barbosa, Antonio Pereira de Figueiredo, Tomaz Lemos de Azeredo Coutinho e muitos outros mais. A simples reunião de homens que, embora: diversos em suas preocupações intelectuais, se encontram ir- 1') manadas num único propósito político, por si só demonstra a com- plexa fisionomia do período pombalino. A historiografia portuguesa do século passado - e em certo sentido isto se aplica aos autores contemporâneos que continuaram esta tradição - tem procurado encontrar, nos fatos referentes à 1. Camilo Castelo Branco, Perfil do Marquês de Pombal, 2.a ed., Porto, Lopes & Cia., 1900, Cap. "Oráculo do Marquês, de Pombal", págs. 89 a 108. 1
  • 4. época pombalina, o exemplo edificante para uns, ruinoso para outros, de uma política que a experiência histórica dos tempos recentes, nas suas contradições doutrinárias, parecia justificar. Para estes histo- riadores, Pombal é ponto de partida e razão de ser de todos os acontecimentos do reinado de D. José I. Afirma com muita razão Jorge Macedo: "Em numerosos trabalhos sobre o período a ativi- dade de Sebastião José de Carvalho e Melo na história de Portugal lembra-nos - com critério de crítica histórica - o primeiro motor aristotélico: durante vinte e sete anos Pombal é causa de tudo o que sucedeu em Portugal - o bem ou mal conforme as simpatias" 2• Ora, não nos parece que a história das reformas pombalinas possa compreender-se por intermédio de um critério tão estreito. Nelas colaboraram homens desiguais na mentalidade: ao lado de um até então obscuro opositor da Universidade de Coimbra, o brasileiro João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, o Bispo Manuel Cenáculo Villas Boas; ao lado do médico judeu, o estrangeiro Ribeiro Sanches, os oratorianos da Real Casa de Nossa Senhora das Necessidades de Lisboa, ao lado de Seabra da Silva, com sua manhosa indiscrição, o leal Bispo reformador da Universidade. As reformas pombalinas foram, desta forma,· muito mais um denominador coinum de opiniões do que a expressão de uma vontade única que se impusesse, de cima para baixo, intJ;ansigentemente, feita e acabada. Este fato, por si só, testemunha o excepcional significado das reformas pombalinas da instrução pública. No conjunto das manifestações espirituais do século XVIII português, os alvarás régios que instituíram as aulas de gramática grega, latina, hebraica e de retórica, o Compêndio Histórico, os Estatutos do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, a regulamentação das aulas de comércio e das aulas do Porto representam um esforço de integração de vontades e opiniões, que traduz, na forma e nos fins de sua manifestação, um programa pedagógico sem o qual não seria possível a justa compreensão do sentido da cultura portuguesa no período que pretendemos analisar. Somente em função da filosofia que animou estas reformas é que ganha melhor significado a posição dos rebeldes, velados ou ostensi- vos, os desterrados, os incompreendidos e os "estrangeirados". 2. Jorge Macedo, A Situação Econômica no Tempo de Pombal, Alguns Aspectos, Porto, Liv. Portugália, 1951, pág, 25. O autor seguiu as sugestões da obra de Antonio de Souza Pedroso Carna- xide, O Brasil na Administração Pombalina (Economia e Política Extema). 2 Esta questão parece-nos de interesse fundamental. As reformas da instrução pública encerram, mais do que um plano pedagógico, uma filosofia política, em função da qual se definem, em seus traços mais característicos, a fisionomia do período histórico de que são expressiva manifestação. Pretenderam alguns historiadores ver na época de Pombal um esforço de renovação cultural e política, situado historicamente entre um período de obscurantismo beato, que o an- tecedeu, e de reação policial, que se lhe seguiu. A administração pombalina seria, desta forma, um intervalo iluminado da história por- tuguesa, eqüidistante tanto da tradição beata imperante nos tempos de D. João V, como do progresso policiado que se iniciou com D. Maria I e se manteve, cada vez mais feroz, até que a idéia liberal encontrou o terreno propício para a sua fecundação. Pombal expri- miu, desta forma, a "reação contra o Portugal braganção, jesuíta e inglês ... ", na expressão de Oliveira Martins, reação que se per- deu, logo depois, carente de uma vontade firme, na "anarquia espon- tânea" que se inicia com o reinado de D. Maria J3. Não é de estranhar, portanto, que os historiadores tenham caracterizado o Comp. Ed. Nacional, 1940. Aliás, no prefácio de Afrânio Peixoto a esta obra encontra-se o ponto de partida de uma compreensão das ações do Mar- quês de Pombal, por intermédio das condições econômicas da colônia brasi- leira, e até mesmo, num sentido mais geral, dos fenômenos político-sociais despersonalizados como até então não se verificava na investigação histórica do período em questão. Neste prefácio, escreveu Afrânio Peixoto: ... "Em França, Inglaterra, Rússia, Áustria, Toscana, Prússia, Nápoles, Espanha... é o mesmo. Mas em Portugal, não deve ser. . . Como não querem ofender ao princípio monárquico, divino, hereditário do rei, o culpado de tudo é apenas o ministro. . . O rei nem sequer tem a culpa do ministro que escolheu e mantém. Daí Pombal bode-emissário. Como reação a esta reação, os libe- rais, que endeusam o ministro e, daí, o divino Pombal dos outros, a quem erguem um monumento, mais alto do que o que ele erguera ao rei. . . É assim que, uns e outros, vêm escrevendo a história, vêm há século e meio ... Duas falsidades opostas... "Foi ao que chamei Pombal 'causa' (Revista do Brasil, Rio, agosto/1939, n.0 14, págs. 1-6): ninguém quer ver o tempo, nem os vizinhos, que, ignorân- cia ou candura, esquecem ou suprimem. Não creio na má fé que, ao menos na insinceridade, é inteligente. É que acreditamos: tudo o que se passa conos- co é privativo. . . Ainda agora escrevemos história, omitindo o resto do mundo. A do Brasil é daqui só, de 1500 a 1940, intramuros, até sem os portugueses ... A de Portugal independe da Europa, e do tempo, que, entretanto, obriga a toda a gente. . . menos a nós ..." Cf. ob. cit., prefácio, págs. 3f4. 3. Oliveira: Martins, História de Portugal, 11.a ed., 2 ts., Lisboa, Antonio Maria Pereira Liv. Ed., 1927, 2.0 vol. Ver Livs. VI e VII, págs. 85 a 234. 3
  • 5. período pombalino como uma crise, política e cultural, na qual se- culares instituições são abaladas em seus fundamentos pela ação de- cisiva de um ministro despótico. Teófilo Braga, com o seu republicanismo positivista, foi pro- vavelmente quem melhor compreendeu os sintomas desta crise. Amparado na concepção histórica de Augusto Comte e tendo, por isso mesmo, uma idéia sui generis do século XVIII, o historiador da Universidade de Coimbra viu, nas reformas pombalinas, uma reação ao obscurantismo e à decadência em que estavam os estu- dos sob a direção dos mestres da Companhia de Jesus, reação es- ta que não se perpetuou por força das próprias contradições ideo- lógicas latentes do "pombalismo" e das vicissitudes políticas do último quartel do século XVIII. Depois de Teófilo Braga, gene- ralizou-se o emprego da palavra crise 4, sem que os historiadores que assim procederam tivessem examinado, preliminarmente, até que ponto o conceito do erudito positivista continuava a adequar-se aos novos fatos revelados pelo progresso da historiografia. De nossa parte acreditamos ser totalmente insubsistente falar-se de crise no sentido peculiar de Teófilo Braga, sentido aliás perfeitamente com- preensível dentro da concepção histórica portuguesa pós-romântica. Parece-nos, todavia, que o progresso das investigações históricas nes- tes ~ltimos anos se não corrige o erro do coeficiente pessoal que Teófilo Braga, com o seu positivismo, introduziu na apreciação do século XVIII português, impõe, pelo menos, uma revisão das premis- sas e dos dados gerais do problema. Muitas das reformas. do período pombalino tiveram os seus antecedentes históricos e culturais como está sobejamente demonstrado ú, no reinado de D. João V. E'depois 4. A Crise Política e Pedag6gica do Século XVIII é o título que Te6filo Braga dá, no t. III de sua Hist6ria da Univei·sidade de Coimbra à análise dos acontecimentos precursores das reformas pombalinas. Este ter~o - crise - foi o mesmo de que se serviu Hernani Cidade, em 1929, no seu Ensaio sobre a Crise Mental no Século XVIII, Coimbra, Imp. da Universidade. O trabalho foi posteriormente incorporado às Lições de Cultura e Literatura Por- tuguesas. 5. Depois dos trabalhos de Pinheiros Chagas Latino Coelho e Oliveira Martins, para mencionar apenas alguns dentre os 'muitos que foram escritos sobre os acontecimentos do reinado de D. João V, é possível hoje corrigir os exces~os de interpretação em que caíram os historiadores, principalmente os do seculo passado, por intermédio de uma visão que o conhecimento mais amplo dos documentos do tempo nos autorizam. Cf. nesse sentido a Hist6ria 4 do trabalho do Sr. Caetano Beirão- D. Maria I- não é possível mais encarar o período 1777-1792 como um simples episódio de reação antipombalina submetido aos caprichos temerosos do inten- dente Pina Manique 6• Não pretendemos entrar no mérito de uma questão que nos desviaria dos propósitos desta tese. O passado é para o historiador um espelho por intermédio do qual, consciente ou inconscientemen- te, ele vê a realidade contemporânea, projetada, num plano de obje- tividade intencional (quando é o caso), no écran dos episódios pre- téritos. Não é possível, em historiografia, dissociar o historiador da concepção que ele próprio criou, pois seria a mesma coisa que re- tirar de uma interpretação essencialmente humana - mas não sub- jetiva, no sentido lógico e psicológico da expressão - o que de humano que, nela residindo, a dignifica. Sobre Pombal e o seu governo, e já nisto vai um abuso de expressão, os historiadores, desde os contemporâneos até agora, com algumas raríssimas exce- ções, não fizeram outra coisa senão colocar-se, em termos antinô- micos, diante de manifestações a favor e contra a discutida persona- lidade. Infelizmente a apreciação histórica, elaborada em função de dados não acessíveis ao maior número de investigadores, se trans- formou numa batalha de erudição na qual as peças fundamentais da política pombalina - a DedUção Cronológica, o Compêndio Histó- rico e os alvarás régios - foram, a pouco e pouco, desmerecendo-se como documentos de parcialidades intencionais em nome de hipó- teses que os dados históricos pósitivos não podem de maneira alguma confirmar. Não podem confirmar porque o pombalismo é uma con- cepção política e cultural da história portuguesa, que deve ser com- preendida não apenas em função dos fatos "exteriores" dos quais ela é o pensamento orientador básico, mas também, e sobretudo, na intenção, no sentido crítico e finalístico, que animou os seus pro- pósitos. A história deve ser compreendida, no sentido diltheynista da expressão. Se através dos frios e objetivos dados históricos não Monumental de Damião Peres, vol. VI, Cap. IX, de autoria do Prof. .Ângelo Ribeiro, págs. 179 a 193, e Hernani Cidade, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas, 2.0 vol., Cap. 2.0 , págs. 17 e segs. Ver também, completando esta análise geral, no domínio da investigação filosófica, A. A. Andrade, Ver- nâ e a Filosofia Portuguesa, especialmente Cap. X, págs. 207 a 229. 6. Caetano Beirão, D. Maria I, 1777-1792, 4.a ed., Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1944. 5
  • 6. descobrimos o "espírito" que animou estes eventos, a história - a mais nobre e elevada concepção que até agora foi capaz de rea- lizar a inteligência humana - se reduziria a uma casuística erudi- ta, com todos os seus apetrechos crítico-filológicos e mais as mi- P.udências metodológicas, que nos daria da viva realidade passada o esquema causal, desnervado e morto, das interpretações objeti- vas. '"'No Marquês de Pombal a historiografia portuguesa encon- trou o espelho fiel dos problemas de Portugal contemporâneo. As paixões e os ódios, diante da figura de Sebastião de Carvalho e Me- lo, são de tal ordem que nem sempre permitem uma inteligência "compreensiva" dos fatos que a ela se relacionam. Por isso, no caso em apreço, a objetividade histórica mal disfarça intenções sec- tárias nocivas ao progresso da historiografia. Não pretendemos procurar na história do "consulado" pom- balino o exemplo de que carecemos e nem desfazer, por intermé- dio de uma erudição minudente, as razões que a investigação, a posteriori, buscou para demonstrar a falsidade ou as lacunas dos motivos alegados, como razão de Governo, por Pombal e seu gru- po político. Nosso objetivo é compreender Pombal e seus homens na ação comum que empreenderam, com as razões que invocaram, como justificação de seus planos e atos. Não nos parace que um esforço desta natureza se tenhà realizado. No que se refere à época de Pombal, as paixões são tantas que a própria objetividade histó- rica, que é um ideal de toda pesquisa legítima, se transformou num critério e instrumento de parcialidades políticas e confessionais de diversas ordens. Não pretendemos aqui dar um balanço geral de todos os acontecimentos referentes à ação do Marquês de Pombal. Importa-nos, somente, o exame dos problemas relativos às reformas educacionais e, na medida do possível, de acordo com o plano geral deste trabalho, indicar as conexões que estas reformas têm com os problemas da cultura portuguesa no século XVIII. * * * A história dos acontecimentos referentes às reformas pomba- linas já foi feita em grande parte. Das modificações introduzidas nos estudos menores já se ocuparem Teófilo Braga, na História da Universidade de Coimbra, e Antonio Ferrão, em trabalho publi- cado em 1915 sobre O Marquês de Pombal e (lS Reformas dos Es- 6 tudos Menores. Do Colégio dos Nobres e das reformas universitá- rias de 1772, trata o mesmo Teófilo Braga, na obra citada, seja de modo geral, seja pormenorizadamente, com documentação que, em grande parte, nos dispensa da análise dos episódios diretamen- te relacionados com o assunto que examinaremos no presente tra- balho. Parece-nos que a documentação em que se apoiaram Teó- filo Braga e Antonio Ferrão, sobre os acontecimentos do período pombalino, é suficiente para permitir-nos uma interpretação de caráter filosófico-cultural, única que, a nosso ver poderia corres- ponder aos interesses e fins deste trabalho. No que se refere à reforma da Universidade de Coimbra, depois dos papéis vistos e analisados pelo paciente historiador positivista, teríamos a acres- centar os documentos reunidos e publicados pelo Prof. M. Lo- pes D'Almeida, diretor da Biblioteca da tradicional Universidade portuguesa 7. Nesta biblioteca tivemos a ventura de encontr~r o~ papéis referentes à administração dos estudos menores, portenor a radical Reforma de 1759. Estes documentos, sem dúvida, serão completados futuramente por outros que diretamente a eles se rela- cionam, documentos todavia, dos quais não encontramos nenhum vestígio de sua existência, quer seja nos livros publicados sobre o assunto, quer seja nos arquivos portugueses que, num reduzido perío- do, freqüentamos. De qualquer forma, entretanto, os manuscritos que tivemos a oportunidade de conhecer e as edições raras, algumas delas, consultadas graças à amabilidade do Reitor da Universidade de Coimbra, do Prof. Joaquim de Carvalho, do Prof. Rodrigues Lapa, do escritor Antonio Sérgio e do Prof. Lopes D'Almeida, nos autorizam a dispensar o tratamento das questões meramente episó- dicas por que se manifestaram historicamente as preocupações filo- sófico-culturais dos homens responsáveis pelo planejamento e exe- cução das reformas pedagógicas do período pombalino. Este trabalho constitui, sobretudo, um esforço de interpretação. A história da educação não pode ser um simples relato de aconte- cimentos, desprovido de quaisquer cuidados metodológicos que visam a captar o nexo e a recíproca implicação dos fatos históricos de um período determinado. A educação, nas formas históricas por 7. M. Lopes D'Almeida, Documentos da Reforma Pombalina, Coimbra, Universitatis Conimbrigensis Studia ac Regesta, 1937, 1.0 vol. (1771-1782). ~s provas do segundo volume desta obra, ainda não publicada, foram-nos gentil- mente cedidas pelo Prof. Lopes D'Aimeida, 7
  • 7. que se manifestou, antes de ser a conseqüência de uma condição real, foi, e será sempre, a concretização de um ideal que, consciente ou inconscientemente, animou o programa, o método e os hábitos dos homens e das instituições escolares. Procurar fazer a história da educação sem buscar o sentido íntimo, a filosofia, que animou os propósitos dos reformadores, é tentar construir um castelo sobre mo- vediços alicerces. Este trabalho é uma tentativa de compreensão dos ideais pedagógicos de uma nação irmã, os quais estiveram presentes na própria estruturação do ensino superior brasileiro. Estes ideais não podemos ser compreendidos senão através das características ma- nifestações do iluminismo português e do absolutismo doutrinário que, na órbita do pensamento político, lhe serviu de fundamento. Analisaremos, com o pensamento voltado para as preocupa- ções pedagógicas do iluminismo português, nos diversos capítulos desta obra, sucessivamente as seguintes questões: Iluminismo e Pombalismo, A Reforma dos Estudos Menores e a Defesa do Re- galismo. O Desenvolvimento da Reforma dos Estudos Menores e As Diretrizes da Reforma Universitária de 1772. Se neste traba- lho conseguirmos sugerir que a história dos fatos educacionais está intimamente ligada às manifestações da vida social e aos elevados fins da cultura, teremos, com as lacunas próprias de nosso entendi- mento, justificado o programa de nossa vida intelectual como assis- tente do Prof. Roldão Lopes de Barros, que tanto nos animou com a sua confiança. Esta concepção se fundamenta nas preocupações constantes e na e:x:periência de nossa vida intelectual. Possa este trabalho contribuir para que os nossos propósitos sejam justificados: isto será o prêmio e o estímulo de nossos esforços. Sejam de agradecimento as últimas palavras. Ao Prof. Dr. Eurípedes Simões de Paula, diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, ao Dr. Júlio de Mesquita Filho, ao Prof. João Cruz Costa, da Cadeira de Filosofia, da'Faculdade de Filosofia, Ciên- cias e Letras, ao Prof. Joaquim de Carvalho, da Universidade de Coimbra, pelo estímulo, conselhos e sugestões que deles recebeu o A. Agradecimentos estes que estendemos ainda ao Dr. Paulo Duarte, ao Prof. Rodrigues Lapa, aos escritores Antonio Sérgio e Adriano Gusmão, ao Prof. Urbano Canuto Soares, ao Prof. Lopes D'Almei- da, cujas atenções e gentilezas tanto contribuíram para a realização deste trabalho, ao Reitor da Universidade de Coimbra, Dr. Maxi- mino Co:rr~a que n.ol' pertnitiu a leitura do Método para Estudar a 8 Medicina, de Ribeiro Sanches, ao diretor do Arquivo da Universi- dade de Coimbra, Prof. Mário Brandão, aos diretores do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, do Arquivo Histórico Ultramarino e da Biblioteca Nacional de Lisboa, que nos facilitaram a reprodução fotográfica dos documentos, aos Profs. José Aderaldo Ca~telo, Anto- nio Cândido, Lívio Teixeira, Florestan Fernandes, Lounval Gomes Machado, Lineu Schutzer, José Querino Ribeiro, Alfredo Ellis J:. e ao bibliotecário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Aquiles Raspantini, pelos livros que nos cederam. ,!"inalm~nte, ao~ meus amigos Tristão Fonseca Filho, Eduardo Regos Sa de Mrran~a, Moysés Brejon, Américo Marques Bronze e Roque Spencer Maciel de Barros pelo interesse e trabalho que tiveram, tanto na prepara- ção quanto na realização deste estudo, o agradecimento do A. Que a experiência destes meses de trabalho em comum de um professor com seus ex-discípulos possa reforçar e elevar, acima das contingên- cias humanas, a fraternal camaradagem que os uniu. 9
  • 8. Prólogo A valia de uma obra de História pode ser atestada de diferentes modos, entre os quais o grau de vigência de suas conclusões: será esta, acaso, uma trivial aplicação da sentença evangélica - cada árvore se conhece pelo próprio fruto. Com isto se pretende dizer que o modo de um livro sobreviver, de resistir à inexorável usura do tempo, depende dessa sua capaci- dade de resposta ao questionário a que fica constantemente subme- tido, resultante das revisões exigidas pelos novos avanços da meto- dologia e teorias historiográficas. · Vem o comento a propósito da presente reedição de As Refor- mas Pombalinas da Instrução Pública, de Laerte Ramos de Carva- lho: transcorridos vinte e cinco anos sobre o momento em que o livro apareceu, vale a pena refletir sobre o itinerário por ele per- corrido. Para além do registro em jeito comemorativo da efeméride, um quarto de século permite já, pelo recuo suficiente no tempo, abarcar uma perspectiva mais ampla, de modo a separar a obra do seu con- texto histórico-cultural e verificar se resistiu. Mas, se oremos possível, desde já, uma primeira avaliação do significado de As Reformas Pombalinas, não dispomos ainda de con- dições para assegurar a validade da posição do seu Autor. :É ainda cedo, a nosso ver, para uma visão objetiva e abrangente do papel que Laerte Ramos de Carvalho - o pedagogo singular, o pensador fecundo, o filósofo sempre vigilante na inquieta demanda dos cami- nhos do Saber, senão dos fundamentos da Realidade - efetivamente ' "· exerceu, no seu tempo. Certo é, porém, que se constituiu como pessoa e exerceu um magistério eficaz. Isso podemos dizer. 11
  • 9. Viemos ainda encontrar - quando, chegados em 1975 ao Brasil, iniciamos a atividade docente na Universidade de São Paulo - a reverberação da presença viva desse grande professor, desapa- recido três anos antes. Pressentimos sua forte personalidade, ao prosseguirmos na esteira de projetos de pesquisa e de iniciativas es- colares que o mesmo animara, visível ainda na marca indelével por ele deixada em muitos dos antigos discípulos, e até nos reflexos per- sistentes em nossos colegas, como se fosse, porventura, um eco do seu convívio fecundo, por onde se adivinhava aquela profunda capa- cidade de compreensão e de simpatia humanas, natural irradiação da altitude moral e intelectual de que fora dotado. Será indispensável proceder, um dia, ao balanço da obra de Ramos de Carvalho à luz de uma história da Inteligência brasileira; temos bem presente a sua posição cimeira como teorizador da idéia de Universidade, o papel de evidente relevância histórica que lhe coube no incremento funcional do Ensino Superior em São Paulo. Mas por estrito respeito à memória daquele e pela consciência de nossos limites, eximir-nos-emas a tal tarefa, mais indicada para quem tenha acompanhado, de modo assíduo e direto, no quadro da vida pública e intelectual do seu tempo, essa figura maior de scholar, em suas numerosas atuações literárias e pedagógicas. Voltando à apreciação da monografia em causa, ela se nos apre- senta hoje como uma das peças fundamentais para a compreensão mais profunda da história intelectual do povo brasileiro. Impõe-se, seja a partir de agora submetida a nova leitura teórica, à luz dos princípios metodológicos reitores de uma História da Educação e de uma Filosofia da Cultura. O Prof. Laerte Ramos de Carvalho em mais de um sentido foi precursor, quando no estudo em apreço rasgou rumos pioneiros para a pesquisa histórico-pedagógica, ao antever, com lúcido discernimen- to, a rede complexa das inter-relações estabelecidas no século XVIII entre os povos de fala portuguesa das duas margens do Atlântico. Na verdade, um leitor estrangeiro pode colher a impressão, a avaliar por estudos que, ao sabor das opiniões fáceis e comuns, à História da Cultura brasileira se referem, que o Brasil permaneceu sepultado em espessas trevas de ignorância, inconsciente de suas po- tencialidades como Nação, até época recente e já bem próxima da nossa, quando despertavam os primeiros alvores do Liberalismo ro- mântico, e brotavam, nos melhores espíritos, os incipientes anseios de brasilidade. 12 <f' I Daí resulta a moderna tendência - ou pré-conceito seletivo - em valorizar os períodos a partir do Império e da República. Linha de orientação, em si, pertinente - quando ela se não haja de esta- belecer em detrimento ou menoscabo do estudo dum passado mais longínquo, ignorando-se as raízes que estão envolvidas na época a que se convencionou chamar Brasil~Colônia. A vasta rede de rela- ções de natureza econômica, social, política e cultural que entretanto se define entre o reino de Portugal e o país "já-nação" do Brasil, entre luso-europeus e luso-americanos, forma um tecido tipicamente cerzido, com um traçado original de formas de vida, padrões de sen- sibilidade, interesses e motivações específicas, de alternativas pró- prias, para cuja compreensão as correntias explicações monolíticas, do tipo rudimentar "reino-colônia", se tornam não só insuficientes, como passam ao lado do essencial. Explicações essas a que certa historiografia - não toda, entenda-se. . . - numa posição contrária à sua própria ontologia, deu franco acolhimento. Esqueceu a neces- sária cautela crítica exigida pelo prévio exame dos fundamentos ou supostos teóricos e pela análise da importância específica da expe- riência brasílica, já aqui definida. Mais uma vez se verifica a apli- cação inconseqüente de esquemas padronizados e oriundos do exte- rior, dispensando o esforço para a compreensão mais funda das diversidades conjunturais, verdadeiramente criadoras. Seria mesmo elucidativo - para demonstrar o grau de dependência de algumas das construções sobre História do Brasil pretensamente independen- tistas - estabelecer a genealogia dessas idéias, aproximando-as dos modelos que, de modo expresso ou implícito, lhes serviram afinal, mais do que de inspiração, de guia cegamente obedecido! A observação deste quadro permite salientar, na devida pers- !Pectiva histórico-cultural, o interesse redivivo para o nosso tempo, o singular valor paradigmático - como estímulo de novas pesquisas - da obra de Ramos de Carvalho. Foi essa sua poderosa capacidade compreensiva que permitiu ao Autor perscrutar melhor os eventos da Educação setecentista brasileira. Chegou assim à diferenciação do plano normativo e de aplica- ção legal do regime comum ao Ultramar português, de outro nível de realidade, em que se situavam as relações efetivamente eXistentes, numa lúcida analítica do hic et nunc da conjuntura social, política e pedagógica do Brasil de então. Isso mesmo o levou a surpreender, sem esforço, o fenômeno coletivo original, de onde já brotava, como 13
  • 10. força espiritual pujante, a nascente nacionalidade. Daí, a nosso ver, a urgência da presente reedição e, em seqüência, a necessidade de as idéias fulcrais, as teses desta obra, serem remeditadas, retomadas em novas direções de ~rabalho. Chegaremos então à mais profunda apreensão dum período histórico fundamental na gênese nacional, e sobre o qual pairam resistências, senão relutâncias, em lhe reconhecer o papel privilegiado que teve na formação da Inteligência brasileira. Para além da direta contribuição que o presente estudo oferece à história pedagógica do terceiro quartel do século XVIII no Brasil - e, desde já se diga, foi decisivo esse esclarecimento, prestado em primeira mão, substituindo equivocadas apreciações anteriores - ele assume nova dimensão e ganha atualidade, quando apreciado o al- cance geral das teses que introduz no tratamento da História da Cultura, a propósito do caso específico da problemática pombalina. Só a reduzida circulação do n.0 160 do "Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo" que em 1952 acolhera, em primeira edição, As Reformas Pombalinas, pode porventura justificar a escassa projeção da obra na subseqüente historiografia brasileira e portuguesa, e assim explicar a persistente repetição de lugares-comuns, por parte de autores que desconhece- ram, ou não utilizaram, as importantes reflexões metodológicas que fundamentam o estudo do eminente mestre. Sirva de exemplo, no que toca aos antecedentes históricos do consulado pombalino, a fina visão crítica que permitiu ao Autor sur- preender a genealogia, as motivações ideológicas, as urgências polí- ticas, que levaram à formação da tese decadentista portuguesa (que teve seus epígonos em Oliveira Martins, Teófilo Braga e A. Sérgio), explicativa da interpretação que converte o reinado Joanino em um período de obscurantismo beato e, por contraste, torna progressista toda a atuação do "iluminado" Marquês de Pombal. Mantém assim plena atualidade a consideração expendida pelo Autor, no Prefácio, de que "o pombalismo é uma concepção política e cultural da história portuguesa, que deve ser compreendida não apenas em função dos fatos 'exteriores' dos quais ela é o pensamento orientador básico, mas também, e sobretudo, na intenção, no sen- tido crítico e finalístico, que animou os seus propósitos". E con- tinua, indicando o fundamento metodológico para essa revisão: "A história deve ser compreendida, no sentido diltheynista da expressão. .Se através dos frios e objetivos dados históricos não descobrimos o 14 i 'l 'espírito' que animou estes eventos, a história - a mais nobre e elevada concepção que até agora foi capaz de realizar a inteligência humana - se reduziria a uma casuística erudita, com todos os seus apetrechos crítico-filológicos e mais as minudências metodológicas, que nos daria da viva realidade passada o esquema causal, desner- vado e morto, das interpretações objetivas. No Marquês de Pombal a historiografia portuguesa encontrou o espelho fiel dos problemas de Portugal contemporâneo. As paixões e os ódios, diante da figura de Sebastião de Carvalho e Melo, são de tal ordem que nem sempre permitem uma inteligência 'compreensiva' dos fatos que a ela se re- lacionam. Por isso, no caso em apreço, a objetividade histórica mal disfarça intenções sectárias nocivas ao progresso da historiografia". Lição esta que não obteve a devida audiência, ao menos na- queles autores portugueses que, tranqüilamente, a continuam repe- tindo. A roupagem é outra, mais à moda e com renovada ornamen- tação do aparato erudito, mas não passando do comentário às mes- mas "razões", as mesmas teses de O. Martins, de Teófilo e seus seqüazes. Anteviu com meridiana clareza o Autor que, sendo o pomba- lismo uma concepção política e cultural de algum modo inspirada na ideologia iluminista, "as reformas da instrução pública encerram, mais do que um plano pedagógico, uma filosofia política, em função da qual se define, em seus traços mais característicos, a fisionomia do período histórico de que são expressiva manifestação". A tese enunciada coloca o problema gnoseológico e metódico, da maior fecundidade à luz da História da Educação, das inter-rela- ções estabelecidas entre o factum educativo, a pedagogia (entendida esta como forma de concretização peculiar das culturas, anseios co- letivos e mentalidades dos grupos humanos de certa época) e, fi- nalmente, a filosofia ou ideologia políticas, o que permite abranger, em unitária e coerente explicação, tanto a teoria como a prática pedagógica vigentes. Seria importante examinar, de futuro, as con- cepções de Teoria da História que fundamentam metodologicamente os vários trabalhos de Laerte Ramos de Carvalho. Para além de estimular a uma análise comparativa com vários outros pensadores, na forma específica de abordar a realidade educativa pretérita (p. ex., com um Dilthey, um Lucien Febvre, um Kurt Lewin, um Malinowski ou um A. Clausse), tal estudo contribuiria para uma mais perfeita compreensão do seu pensar filosófico, situando-o no quadro exato da história da Inteligência brasileira. 15
  • 11. Talvez por se tornar mais fácil, para um autor de outra nacio- nalidade, o libertar-se da carga emocional que, até aos dias de hoje, envolve portugueses na polêmica, tornada autêntica vexata quaestio, em torno do Marquês de Pombal (figura que continua dominando o estudo do reinado de D. José I) foi Ramos de Carvalho, a nosso ver, um dos raros que, com total serenidade valorativa, com pene- tração, equilibrado senso crítico e acribologia, discerniu, na complexa teia dos acontecimentos históricos, o fato de relevância decisiva, por contraste do meramente acidental, por maior aparato que este tivesse tido nos enredos da intriga do tempo. Assim entendeu, certeiramente, que os termos da alternativa je- suitismo-anti-jesuitismo constituem um dos graves impedimentos para a justa compreensão de um dos momentos mais lúcidos da his- tória lusitana. Isso o levou a perscrutar, superando falsas antinomias, o caminho que conduziria ao espírito moderno - neste caso reto- mando uma das caracterizações do pombalismo preferidas pela es- cola positivista de Teófilo (que convertia o Marquês em corifeu do Progresso) mas imprimindo-lhe direção diferente. Moderno, mais do que um termo, .diz-nos o Autor, é uma condição de pensamento, uma atitude diante dos valores e processos de cultura. Mas pode, também, ser uma aspiração, ou seja, um ideal de transformação da ideologia em formas concretas, de acordo com objetivos claramente predefinidos, conforme a doutrina política imperante. Há dois mo- dos de pensar "moderno", assim pressupunha o professor paulista. Como será compreensível, nem todas as interpretações expressas n'As Reformas Pombalinas merecem hoje pacífica aceitação; e se vivo fosse o Autor, ele próprio preferiria decerto, por parte de seus leitores, em lugar da congratulatória adesão ao que sem maior difi- culdade se admitiu, o exigente e diuturno esforço da discussão que sujeita a exaustivo comentário crítico o seu próprio texto. Como seria natural, já depois de publicada a obra, surgiram importantes revisões - de natureza metodológica e documental - na mesma área historiográfica que, se não retiram àquela o seu in- discutível interesse ou oportunidade, sugerem entretanto outro ensaio de leitura, feito à nova luz. Nesse sentido - mesmo correndo o risco de omitir válidas e recentes contribuições, cuja enumeração sairia fora do propósito deste :prólogo tem especial pertinência salientar (pelo que representa de estimulante confrontação de conceitos e de categorias teóricas fun- 16 damentais, com vista ao aludido exerc1C1o de leitura) o caso para- digmático do historiador contemporâneo português Jorge Borges de Macedo, cujas últimas investigações - ainda insuficientemente co- nhecidas no Brasil - Ramos de Carvalho, há 25 anos - como é óbvio - não podia ter aproveitado. Na verdade, no que toca ao período setecentista em Portugal e suas imbricações no quadro bra- sileiro, foram inovadoras e decisivas as conclusões do historiador Borges de Macedo, não apenas na demolição de lugares-comuns apressadamente erigidos em mitos, como ainda na descoberta lúcida de novas vias de acesso à compreensão histórica. Para a salutar des- truição do elemento mitológico que sutilmente se insinuou nas mo- nografias sobre a época pombalina, nenhuma outra crítica terá con- tribuído tanto como a feita por Borges de Macedo a um tópico da historiografia do século XVIII: "'Estrangeirados', um conceito a rever" (Braga, 1974). Embora com total independência da obra do Prof. Laerte Ra- mos de Carvalho (que acaso o historiador português não terá co- nhecido) ambos partiram de um ponto comum na crítica, a des- montagem, pP-ça por peça, da tese "decadentista", identificando as facetas de que ela se revestiu, por motivações mais ou menos atua- listas. Examinando a evolução das teses da decadência portuguesa e, dessoutra a ela interligada, dos "estrangeirados", Borges de Macedo foi levado a enquadrá-las no panorama da "história-condenação" (que já Lucien Febvre havia exautorado) e conseqüentemente a apontar novos caminhos para a pesquisa histórica: "Importa aplicar ao es- tudo dos séculos XVII e XVIII outra problemática e outras técnicas de trabalho que correspondam melhor à evolução e exigências da história científica ( ... ). O que interessa é colocar os homens no seu meio social próprio e imediato, descrevê-los no seu campo de ação, não abstrato, mas concretamente definido nos seus estímulos, necessidades, exigências e possibilidades. ( ... ) Interessa, por con- seqüência, definir as vias, os padrões, ou os enquadramentos, que orientaram e determinaram as condições da sociedade portuguesa, nos índices reais da sua existência concreta" 1• Numa aplicação des- tas diretrizes ao campo da cultura setecentista portuguesa (que o Autor articula, em vários passos, à realidade brasileira) prossegue: 1. Vias de Expressão da Cultura e da Sociedade Portuguesas nos Séculos XVII e XVIII, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1966, págs. 122 e 123. 17
  • 12. "Mal equipados na linguagem, mas seguros das posições toma- das, os debates culturais (e não só literários) ocupam o seu lugar na vida da cultura portuguesa do século XVIII. Não é, como na Inglaterra, à volta do problema do conhecimento que se definem as posições diversas no campo das preocupações filosóficas. São os problemas da educação, são os debates sobre os fenômenos naturais que constituem a forma que revestem esses interesses. ( ... ) Luís Antonio Verney não surge subitamente no deserto cultural joanino. Tem uma sólida base de atmosfera crítica, que lhe foi preparada por este debate sobre os cataclismos naturais, pela crítica ao ensino ver- balista, pela análise dos fundamentos do Estado, expressa na divul- gação de Locke, na tradução do espanhol Feijoo, na curiosidade pelas luzes". ( ... ) "Praticamente, as novas instituições [as do rei- nado de D. José I] permitiram que o país pudesse enfrentar os gran- des problemas econômicos, políticos e culturais do final do século, sem que se desse desagregação sensível. ( ... ) A cultura portuguesa utiliza da cultura européia os resultados que realmente lhe interessam e procura entendê-los, desenvolvê-los e aplicá-los aos problemas na- cionais. Vista desta maneira, na exposição que decorre dos próprios interesses da época, a cultura portuguesa adquire unidade e sen- tido" 2 • A Ramos de Carvalho não interessaria talvez levar tão longe essa análise, nos termos em que Borges de Macedo a levou. Os pontos de partida dos dois historiadores eram em parte diferentes: para o brasileiro, legitimava-se o interesse na exploração desse mes- mo tema apenas como explicitação correlativa do conceito de Ilus- tração e da Pedagogia das "Luzes" (alicerce fundamental de As Re- formas Pombalinas), uma vez que o fenômeno dos "estrangeirados", em si mesmo, não chegou a ter direta incidência com igual relevo no Brasil setecentista; para o português, o debate justificava-se em cheio, dado o intento específico da revisão proposta. Ao estabelecer, em moldes renovadores, para os reinados de D. João V e D. José I, os quadros, estratos e grupos sociais, a definição das linhas de forças políticas e ideológicas, a dinâmica dos fatores em presença na economia interna de Portugal e do Brasil, em suas inter-relações e em sua integração no espaço geo-político internacio- nal, Borges de Macedo veio alterar o anterior equipamento metodo- lógico de serventia, obrigou a uma seleção diferente dos materiais 2. Idem, ibidem, págs. 129, 131 e 132. 18 ''! para a pesquisa e, sobretudo, modificou os termos do questionário endereçado à vida cultural e pedagógica do tempo, numa reformu- lação de importância fundamental. São ainda de considerar, nesta perspectiva de revisão historio- gráfica, os estudos de síntese que o autor lusitano dedicou a "Des- potismo Esclarecido", "D. João V" e "D. José I" 8 e, sobretudo, a "Marquês de Pombal" 4, entre outros mais. Neste conjunto bibliográfico podemos reconhecer de modo vir- tual, não só a convergência e desenvolvimento dos temas tratados em As Reformas Pombalinas, como até uma desejável e estimulante confrontação crítica, quanto ao suporte teórico deste último estudo. Sirva de exemplo a analítica que permitiu discernir, dentro dum pe- ríodo comumente considerado de modo unitário - o "Pombalismo" - várias fases distintas, intenções políticas diferentes, equipes de colaboradores diversificadas; ou, ainda, o inter-relacionamento, tal como historicamente se verificou, de "Iluminismo" e "Despotismo Esclarecido", cujas conseqüências práticas se refletiram no Brasil. Ambos os historiadores, porém, viram a importância simultânea da especificidade e globalidade dos fenômenos humanos e entende- ram que a análise histórica não o podia esquecer. Havendo nós tomado o encargo - na mesma Escola onde nosso ilustre antecessor exercera fecundo magistério - de ministrar o ensino da História da Educação brasileira do século XVIII, em cursos de pós-graduação, sabemos, hoje, por experiência vivida, que a obra daquele continua suscitando o mais veemente interesse: nos- sos alunos se propõem retomar para suas dissertações a mesma área de estudo, embora, naturalmente, a partir de acervo documental mais amplo, e em novas direções de pesquisa. Mas parece-nos, sem dú- vida, gratificante, para a memória do Mestre, e até promissor para o alicerce duma tradição escolar, que assim se estejam preparando várias teses, ao nível do mestrado e do doutorado. Como quer que seja, entre a bibliografia conhecida, o estudo do Prof. Ramos de Carvalho constitui, indiscutivelmente, no mo- 3. Dicionário da História .de Portugal, vol. I, págs. 804-806 e vol. li, págs. 623-626, 630-632, respectivamente. 4. Idem, ibidem, vol. lii, pág. 416; Os Grandes Portugueses, dir. por Hernani Cidade, Lisboa, Ed. Arcádia, s/d, vol. li, págs. 141-152; A Situação Econômica no Tempo de Pombal (alguns aspectos), Porto; Ed. Portugália, 1951. 19
  • 13. mento em que foi dado à estampa, o mais significativo avanço não só para o conhecimento das reformas da Instrução pombalina na América de fala portuguesa, como, numa visão mais ampla, para a própria história da Educação brasileira no século XVIII, como ali- cerce de um espírito nacional. Como é óbvio, o eminente professor da Universidade de São Paulo não podia - nem tampouco pretendeu - esgotar o tema; e se, como atrás já anotamos, a revisão de alguns dados teóricos tor- nou possível e desejável fossem introduzidas, em novo ensaio de lei- tura, uma conceituação histórica e metodologia diferentes - também, no que toca às fontes, progressos sensíveis se registraram, na am- pliação da base documental disponível nos últimos 25 anos. Deixando de lado a apreciável bibliografia brasileira entretanto publicada, em geral mais empenhada na análise· do Regalismo e dos aspectos político-econômicos da administração pombalina do que nos aspectos pedagógicos da época, surgiram todavia alguns trabalhos importantes em que estes últimos foram especificamente tratados. Cingindo-se o presente prólogo à genérica intenção de comentar As Reformas Pombalinas em contexto atual (e o intento identifica-se aqui plenamente com a significação do étimo latino de commentare - cum-mentare: pensar-com o Autor... ), tem sentido aludir ao que esta obra - já hoje clássica, na literatura pedagógica de ex- pressão portuguesa - representa como comprovação do estimulante incentivos que vem exercendo em novas pesquisas realizadas na mes- ma área. Na dissertação mimeografada de doutoramento O Ensino Régio na Capitania de São Paulo (1759-1801), apresentada em 1972 à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo por Myriam Xavier Fragoso, a "Nota Prévia" abre com estas elucidativas pala- vras: "A elaboração de uma tese sobre oensino régio na Capitania de São Paulo foi sugerida pelo trabalho pioneiro do falecido Prof. Dr. Laerte Ramos de Carvalho [refere-se a As Reformas Pombali- nas]. A indiscutível vocação pedagógica do mestre motivou a con- fiança e o estímulo dedicados a uma aluna do Curso de Pedagogia, ainda não licenciada". O episódio da expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios, com a conseqüente abolição do ensino jesuítico, é a pedra de toque para a maioria dos historiadores, educadores e co- mentaristas das reformas pombalinas de ensino. .Apologistas exalta- 20 dos das realizações jesuíticas de ensino e defensores ou detratores da política pombalina recaem igualmente no momento da expulsão como ponto de referência inicial, decisivo e até único de um amplo e complexo período histórico de ensino. A tomada de posição polêmica tem caracterizado a História da Educação pombalina e pós-pombalina como caracterizou a própria historiografia referente àquele período. A atitude de revisão - no sentido de isenção e objetividade - proposta por Jorge de Macedo 5, teria, ao que parece, amplo cabimento para a compreensão históricà da política pomba- lina do ensino. Com justeza aponta um historiador e historiógrafo brasileiro da atualidade que a História da Educação no Brasil ainda não foi escrita. Os estudos sobre a evolução geral do ensino em seus vários graus carecem de pesquisa, desconhecem fontes e repe- tem-se na compilação dos fatos sumariados" 6 • Pelas palavras de Myriam Fragoso (releve-nos o leitor a ex- tensão do passo transcrito) se documenta como, no apontado con- dicionalismo da investigação histórica, em que apreciáveis lacunas são inegáveis, As Reformas Pombalinas continuam desempenhando um papel precursor, pois mantêm, como obra estimulante de outras pesquisas sérias, todo o seu valor de atualidade. No aspecto documental, todavia, a mais relevante contribuição contemporânea, a que decididamente veio alargar o âmbito anterior da pesquisa, é devida a Antonio Alberto Banha de Andrade, espe- cialista português da história cultural do século XVIII, cujos tra- balhos sobre o grande pedagogo Luiz Antonio Verney são hoje fun- damentais. Retomando expressamente o tema do professor da Universidade de São Paulo, Banha de Andrade, em dois importantes estudos, avançou dados que permitiram não só conhecer melhor, em refe- rência às escolas m.enores, o âmbito das medidas pedagógicas pom- balinas no Brasil, como ainda desvendar, através de preciosa do- cumentação inédita, o interesse do período (até aí pouco menos que desconhecido) entre 1759 e 1771. Na verdade, a reforma pombalina do ensino elementar e secun- dário compreendia duas fases distintas, que não têm sido devida- 5. "Portugal e a economia pombalina, Temas e hipóteses", in Revista de História, São Paulo, USP, vol. IX, ano V, pág. 81. 6. José Honório Rodrigues, Teoria da História do Brasil, São Paulo, 1969, Ed. Nacional, pág. 196. 21
  • 14. mente salientadas em sua efetiva diferenciação: a primeira, que vai da expulsão dos Jesuítas (1759) até à remodelação orgânica da Universidade de Coimbra e transferência dos Estudos Menores para a Real Mesa Censória (1771-1772), e uma segunda fase, que de- carre entre este último termo e o final do reinado de D. José I. Ramos de Carvalho atendeu, no seu estudo, predominantemente ao segundo período, sobre o qual dispunha de apreciáveis recursos documentais. Na rota dos arquivos portugueses surpreendeu com aquela rara intuição de que fora dotado, preciosos filões doc~men­ tais, e só a curteza de .prazos lhe impediu uma mais funda explo- ração. O convívio intelectual com alguns dos maiores especialistas d~ssa área - como o eminente historiador das instituições pedagó- giCas e das relações luso-brasileiras, Prof. Manuel Lopes de Almeida - facilitou ao jovem brasileiro o acesso a importantes fundos bi- bliográficos, incentivo que ele havia de no seu livro reconhecidamente lembrar. Não teve porém acesso às fontes que permitiram a An- drade distinguir, no processo pedagógico "pombalino", dois períodos bem marcados, com mentores, executantes e intenções diversas e que no Brasil se projetam de modo inconfundível. ' Em 1977, inserido no n.0 112 da Revista de História da USP, Banha de Andrade publica "A .Reforma Pombalina dos Estudos Me- nores em Portugal e no Brasil (Linhas gerais de um livro que im- porta escrever)", artigo em que já anuncia a importância da atuação pedagógica no Brasil desse ignorado personagem, Principal da Igreja Patriarcal de Lisboa, D. Tomás de Almeida - que foi o verdadeiro executor, nesses primeiros 12 anos, das Reformas de Pombal sobre a Instrução. Não tardou o Autor com o livro que "importava escrever", em prosseguimento daquele seu artigo anterior: A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários no Brasil (Rumo da primeira fase- 1759 a 1771 - segundo a correspondência do Diretor-Geral e seus cola- boradores), São Paulo, 1977. Não interessa agora proceder à apreciação da monografia de Banha de Andrade, no que representa de pesquisa inovadora sobre as estruturas do ensino régio no Brasil, na fase inicial das reformas educativas; obrigaria aqui a injustificado desvio. Salientamos apenas nela o mérito do inteligente aproveitamento de extensos e inexplo- rados núcleos de documentação, do mais evidente interesse para a história da Inteligência brasileira. 22 A intenção colaborante do Autor, pretendendo completar a pes- quisa de Ramos de Carvalho, está expressa nas palavras com que encerra esse livro: "Talvez um dia seja possível topar· nova do- cumentação e ajuizar melhor os benefícios e os fracassos da Re- forma. No entanto, por agora, creio ter conseguido ultrapassar um pouco a dificuldade que o Prof. Laerte de Carvalho vincava em 1952: 'É muito difícil precisar até que ponto e em que escala se fez sentir a Reforma de 1759 no Brasil'". O estudo de Andrade, completando o de Laerte Ramos de Car- valho, numa zona praticamente omissa, dá-nos um excelente exem- plo de solidariedade entre investigadores, e dos avanços científicos resultantes da continuidade metódica na pesquisa - mas, do mesmo modo, ilustra a evidente fecundidade da obra do professor brasileiro, em cuja temática aquela se inspirou. . Para terminar esta necessariamente breve apresentação, um voto: o de que a nova fase da vida que para As Reformas Ponvbalinas se inaugura com a presente reedição, lhe proporcione o fim do imere- cido ostracismo cultural, do quase-esquecimento, a saída da penum- brosa letargia que a relegara para a raridade "brasiliana", obra para especialistas, senão curiosidade de bibliófilo. Nada de mais injusto. Ela tem jus, por vocação específica - como obra clássica da cultura moderna que é, e, simultaneamente, de plena atualidade - a destino diferente. E pode apontar idêntico caminho para o estudo das estruturas sociais e - por que não? - até políticas. Como chave de compreensão para o muito que da vida contem- porânea brasileira alcança sua mais funda significação nas raízes de uma afirmação cultural do país, quando mergulha na personalidade histórica da coletividade, a obra destina-se não só ao intelectual e estudioso da história da Inteligência brasileira, mas a mais vasto público, abrangendo todo o homem culto e, em especial, a Juven- tude - que a partir do conhecimento mais consciente do seu pas- sado encontrará energias espirituais e motivações para prosseguir em renovados rumos a construção, que lhe cabe, do Futuro. Francisco da Gama Caeiro Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Catedrático da Universidade de Lisboa (Portugal) 23
  • 15. I ·I I Iluminismo e Pombalismo I - Tradição e modernidade. Antijesuitismo do{tfailprio. Vemey e a luta contra a tradição. O Modemismo vemeyano.( li/- A modemidade e os jesuítas. União cristã e sociedade civil. Os {esúítas e o ensino por- tuguês. Os jesuítas como educadores da burguesia. O ensino de Aris- t6teles nas escolas da Companhia de Jesus. Os Oitavos Estatutos da _f.l.IJjy.J3J:.~i.flqçk__çle_Qpi.W1l.l:a.JL!J.. resistência_ às inovaçõ~Lcf2_z_ltj_fu~:{(z~, ·· ·III - O antijesuitismo da pedagogia pombalina. O Compêndio Histórico. O sentido econômico-político da luta contra os jesuítas. A renovação das escolas portuguesas. Per,f'éífii'yzobre e comerciante perfeito. Os rumos da pedagogia pombalina.V IV 1 Iluminismo e pombalismo. Os jesuítas e o pensamento regalistaie/Pombal. Pombal Libertino? Ordem civil e jesuitismo. A escola a serviço dos interesses do despotismo. A reação a Arist6teles e ao método escolástico. O novo rumo: o empirismo. A l6gica e os estudos universitários. o ectéíimio..-:A/6gic~..-êal1íõ--õrganon. da ética do .l:O.'!l~_à_I~~Tf!: - - · ·------------------..··---------· ----------- I As reformas pombalinas da instrução pública constituem ex- pressão altamente significativa do iluminismo português. Nelas se encontra consubstanciado um programa pedagógico que, se por um lado, representa o reflexo das idéias que agitavam a mentalidade européia, por outro, traduz, nas condições da vida peninsular, moti- vos, preocupações e problemas tipicamente lusitanos. No complexo quadro das manifestações espirituais do período pombalino, as refor- 25
  • 16. mas do ensino são como que o denominador comum de uma aspira- ção generalizada. Um de seus objetivos, a remodelação dos métodos educacionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza em Portugal, era a preocupação constante df algumas das mais expressivas figuras intelectuais da época. Nestas condições, a indagação do significado e da orientação destes esfor- ços no sentido de renovar a mentalidade imperante se impõe como tarefa preliminar para quem pretenda compreender a fisionomia es- piritual do pombalismo. Ora, se o nosso problema é uma questão de ordem pedagógica, e por isso mesmo cultural, e se devemos partir antes de tudo das manifestações contemporâneas, o primeiro fato que chama a nossa atenção é a consciência que tiveram os próprios letrados do século XVIII da oposição entre o pensamento "tradicional" e o pensamen- to "moderno". Os histmiadores registram e encarecem, de alguns anos a esta parte, as raras opiniões filosóficas de alguns letrados q~e, contr~ a rotina dos métodos de pensamento vigentes, se insur- giram, abrmdo aos olhos portugueses as novas perspectivas do pen- samento moderno. Se compreendermos não apenas o valor destas críticas - o que elas encerram de verdadeiro ou de falso - mas a intenção que as animou, resulta claramente que um dos traços inconfundíveis da cultura lusitana do século XVIII é a sua mani- festação literária, expressa como um programa de modernismo filo- sófico contra a tradição. Reconheçamos, todavia, que esta renova- ção pedagógica, inspirada nos ideais e problemas da filosofia moderna, não é uma manifestação exclusiva do período pombalino; ela ~e inicia no reinado de D. João V e prolonga-se, sem solução de contmuidade, e através de vicissitudes diversas, no governo de D. Maria I. Da Academia Real de História, fundada em 1720, à Re- forma da Universidade, em 1772, e desta à Academia Real de . Ciências, criada em 1779, se efetuou um esforço de renovação de métodos e de atitudes de pensamento e de integração de novos ideais, esforço este que não disfarça os propósitos "iluministas" que animaram estas iniciativas e reformas. Certamente não poderemos falar de um "ilurinismo" português no mesmo sentido pelo qual nos expressamos ao caracterizar as manifestações do pensamento inglês, francês e alemão. O ilumi- nismo português - afirmou o Prof. Cabral de Moncada - foi "essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era, 26 I.I :d não revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o fran- cês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e hu- manista. Era o iluminismo italiano: um iluminismo essencialmente cristão e católico" 1• Todavia, forçoso é reconhecer, o iluminis'- mo, em que pesem as peculiaridade que historicamente assumiu nos diversos países, foi sempre um programa pedagógico, uma atitude crítica de revisão de problemas do qual não se podem dissociar, no fundo, as intenções de uma reforma, tanto das instituições, quanto dos. hábitos de pensamento. Seus propósitos mais significativos se resumem no lema por que Kant, num breve escrito 2, procurou vis- lumbrar, através de uma variada gama de matizes doutrinários, o sentido íntimo de uma aspiração geral - sapere aude. Em Portugal, o eco destes ideais europeus se manifestou, con- creta e historicamente, como um programa político de governo. · Um dos traços mais significativos do iluminismo português é a sua expressão de modernidade consciente e de não menos consciente repúdio às formas e hábitos de pensamento até então imperantes. É mister esclarecer, todavia, que tanto esta modernidade quanto este repúdio revestiram-se de um formalismo pedagógico bastante característico. O hábito das disputas, tão fortemente enraizado na escola e na mentalidade portuguesas, pelo trabalho de vários séculos de tradição escolástica, não permitiu que o programa de renovação cultural se processasse, livre de quaisquer fatores restritivos, no deba- te amplo dos reais interesses ideológicos da modernidade. Os filó- sofos recentiores se preocuparam, desta forma, muito mais com a transformação dos programas do pensamento moderno, em novas questões a serem tratadas nos, apertados limites das oposições aca- dêmicas, do que com a perfeita elucidação dos principais temas do pensamento posterior à reforma cartesiana. Certamente os prejuízos decorrentes das tradições pedagógicas não foram os únicos a deter- minar e a influir na maneira de ser do iluminismo português. A história de uma cultura não se processa independentemente dos fato- res econômicos, sociais e políticos que, de certa forma, a condicio- 1. Cabral de Moncada, Um "Iluminista" Português do Século XVIII; Luiz Antonio Verney, São Paulo, Liv. Acadêmica, 1941, pág. 12. Este ensaio foi reproduzido em Estudos de Hist6ria do Direito, do mesmo autor, vol. UI, incluídos na Acta Universitatis Conimbrigensis. O passo se encontra à pág. 8. 2. Que es la llustraci6n? Trad. espanhola de E. Imaz, no volume Filo- sofía de la Historía, Colegio dei Mexico, 1947, pág. 25. 27
  • 17. nam. As reformas pombalinas da instrução constituem, neste sen- tido, expressivo exemplo. Ao lado das medidas de diferentes ordens, adotadas pelo ministro de D. José I, estas reformas traduzem, den- tro do plano de recuperação nacional, a política que as condições econômicas e sociais do país pareciam reclamar. Cumpre-nos, portanto, indagar do sentido e objetivo por que se concretizaram as aspirações dos letrados que, direta ou indireta- mente, influíram nas reformas pombalinas da instrução. O primeiro problema que chama nossa atenção, porque o encontramos sempre presente em quase todas as vicissitudes dos vinte e sete anos de administração pombalina, é a questão dos jesuítas. Tanto a Dedu- ção Cronológica quanto o Compêndio Histórico constituem do- cumentos intencionalmente escritos para atribuir aos jesuítas a causa de todos os males do país. Não nos compete examinar o acerto ou desacerto dessa compreensão histórica, apoiada, de resto, no século passado, pelos historiadores liberais, republicanos e socialis- tas. Importa-nos, sobretudo, registrar que o antijesuitismo daque- les escritos, como de outros tantos documentos de igual inspiração, representa a expressão de uma atitude generalizada nos países euro- peus. Na esfera dos problemas da educação e, no sentido mais amplo, da cultura, atribuiu-se àos jesuítas a responsabilidade pelo . atraso em que se encontravam as letras portuguesas no século XVIII. Os jesuítas seriam, desta forma, os principais fatores da resistência à introdução das idéias novas e da "boa" filosofia em Portugal. As dezesseis cartas que, no anonimato, Luiz Antonio Verney escreveu sobre o estado da instrução pública lusitana são, a este respeito, muito expressivas. Não é sem exagero que, como um filó- sofo recentior, Verney criticava os métodos jesuíticos: "O que sei porém - dizia ele na Oitava Carta - é que nestes países não se sabe de que cor seja isto a que chamam boa filosofia. Este vocá- bulo, ou por ele entendamos ciência, ou com rigor gramático, amor da ciência é vocábulo bem grego nestes países" 8• O disfarçado plural tinha, entretanto, um endereço certo: E as réplicas e tré- plicas não tardaram, veementes e, algumas vezes, desabusadas. Aparentemente, os debates se processaram como se fossem uma sim- 3. Verdadeiro Método de Estudar, Valença, na oficina de Antonio Baile, 1747, t. I, págs. 227/8. Cf. na edição organizada pelo Prof. Antonio Salgado J'r., Lisboa, Ed. Sá da Costa, 1950, vol. IH, pág. 3. · 28 Vf, i pies questão entre ordens religiosas 4 ; mas tal era a mag11itude do assunto que a própria coroa real, posteriormente, em nome dos inte- resses seculares, -reivindicou para si a execução de tarefas educa- cionais até então quase exclusivas dos poderes espirituais. No que se refere ao ensino das humanidades, a reforma pombalina foi uma tentativa de secularização. das instituições, no sentido sociológico do termo, secularização esta a meio caminho da laicização, tão de gosto dos teóricos educacionais do século XIX e, também, de nosso tempo. Ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos são examinados como se não houvesse um outro caminho entre a alternativa que então se propôs: jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os jesuítas representam para os historiadores tudo o que há de anti- moderno e Pombal, com seus homens, a autêntica antecipação das aspirações modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os termos desta alternativa constituem um dos mais graves impedimentos para a justa compreensão de um dos momentos. mais lúcidos da história lusitana. Se um caminho existe entre os escolhos de uma investi- gação tão cheia de percalços, onde as paixões e, algumas vezes, os ódios obnubilam a clara visão dos fatos, este caminho será aquele em que o historiador, diante de tão variadas e contraditórias ma- nifestações da cultura portuguesa, procurará apenas definir o sentido do m:odernismo filosófico consubstanciado nas obras dos letrados da época em questão. Moderno, no caso, não é apenas um termo: é uma condição dialética de pensamento ___, uma atitude diante dos valores e processos da cultura - e, ao mesmo tempo, a aspiração - o ideal, essencialmente pedagógico da transformação da ideolo- gia nos seus hábitos tradicionais, transformação esta orientada para objetivos claramente predeterminados, de acordo com as exigências da doutrina política imperante. A introdução da filosofia moderna em Portugal se efetuou, den- tro das condições soçiais da época, por intermédio de um programa do qual não estiveram ausentes o espírito e os interesses do despo- tismo esclarecido. Numa carta ao Pe. Joaquim de Foyos, declarou Verney que tivera "ao princípio particular ordem da Corte de ilu- 4. Cf. João Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua Época, 2.n ed. com emendas, Rio de Janeiro-Porto, Anuário do Brasil-Seara Nova- Renascença Portuguesa, 1922, Cap. X, III, pág. 338. 29
  • 18. minar a nossa Nação em tudo o que pudesse... " 5• :É muito pro- vável que o Verdadeiro Método de Estudar, um dos mais preciosos documentos para o estudo da cultura lusitana no século XVIII, te- nha sido redigido dentro destes propósitos iluministas. Nas idéias desenvolvidas por Verney neste livro o que mais interessa é a natu- reza crítica e assistemática de sua doutrina. A feição pedagógica, intencional na obra, decorre da própria posição "moderna" assumi- da pelo Autor. :É bastante significativo que, na Oitava Carta do Verdadeiro Método de Estudar, Verney, depois de traçar o quadro dos estudos filosóficos em Portugal no qual se patenteiam a resis- tência e até mesmo o desconhecimento da filosofia moderna, lembre que o melhor modo de afastar estes erros e "desenganar esta gente e mostrar-lhe· os seus prejuízos é pôr-lhe diante dos olhos uma breve história da matéria que tratam: e persuado-me - continua o Barba- dinho - que este é ·o mais necessário prolegômeno em todas as ciências" 6• A história filosófica não foi, entretanto, além de uma limitada propedêutica, com fins pedagógicos claramente determina- dos. Através da história das seitas filosóficas, procura Verney, no relativismo das posições doutrinárias diversas e, algumas vezes, até contraditórias, o caminho da "boa" filosofia. Há em Verney, entretanto, um modernismo mais de forma do que de conteúdo. Os autores modernos são apenas, no Verdadeiro Método de Estudar, simples instrumentos de que o Autor lança mão para melhor justificar o pensamento nuclear de seus intentos refor- mistas. O Prof. Joaquim de Carvalho, num excelente estudo, trans- crevendo um passo característico da Décima Carta da referida obra, chamou a atenção dos estudiosos para o verbalismo do saber cien- tífico de Verney e da sua "inapreensão do alcance da concepção mecanicista da Natureza". Em Verney - afirma o eminente pro- fessor - a "razão de militante estava mais bem instruída do que devia remover-se do que devia fundar-se" 7• Em lógica, seu em- 5. Esta carta foi publicada no Conimbricense, por Inocêncio, no n.0 2.229, de 5 de dezembro de 1868, e reproduzida em Estudos de História do Direito, cit., págs. 424/8. 6. Verney, ob. cit., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 232, e ed. A. Salgado Jr., t. Ill, pág. 19. 7. Introdução do Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano (Re- sumo dos Livs. I e li, recusado pela Real Mesa Censória é agora dado ao prelo com introdução e apêndice), Coleção lnedita ac Rediviva, Biblioteca da Uni- versidade, 1950, pág. 37. 30 ) . I pmsmo, visivelmente inspirado em Locke 8, mal disfarça as sutis distinções da dialética tradicional. Numa época em que o conhe- cimento fez da análise o instrumento adequado da compreensão da natureza e do homem em todas as suas manifestações, nela não viu o autor do De Re Logica mais do que um simples processo didáti- co de estudos: "As leis do método analítico são estas: entender os vocábulos; determinar as questões, separar as partes delas; fugir de todo o gênero de equívocos; fugir das obscuridades; estabelecer termos comuns e claros; entender os testemunhos e autoridades em que se funda. Além disso, saber os requisitos que s~o necessários para entrar em uma questão, v. g., para a história, as antigüidades, cronologia, geografia etc.; para a física a notícia das melhores ex- periências etc. Ler o contexto, e ver as mais coisas que apontam os outros, para não errar no critério. Ter presentes os cânones que comumente se assinam, para distinguir as obras supostas das verdadeiras" 0• No plano de uma lógica moderna bem pouco sig- nifica este modo característico de conceituar o problema da análise. 11 Todavia, completa ou não esta concepção é bem característica, pois nela se antecipam os fins de uma doutrina que os novos Esta- tutos da Universidade de- Coimbra, em 1772, consagrariam. Verney não foi o único "moderno", pois os letrados portugueses não fica- ram inteiramente indiferentes à renovação espiritual que então se processava. Nos seminários e colégios oratorianos, jesuítas, fran- ciscanos, teatinos, para falar apenas dos que mais se destacaram já se demonstrou em trabalho recente 10 - a filosofia mo- 8. Sobre a influência de Locke na doutrina lógica de Verney, ver as notas do Prof. Antonio Salgado Jr., que acompanham e esclarecem os passos da Oitava Carta que se referem ao problema; cf. especialmente t. III, notas das págs. 54 a 72. Uma análise mais completa, entretanto, das idéias de Ver- ney se encontra no trabalho de D. Mariana Amélia Machado Santos, Vemey contra Genovesi, Apontamentos para o Estudo do "De Re Logica", Coimbra, 1939. 9. Verney, ob. cit., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 262; ed. A. Sal- gado Jr., t. Ill, pág. 106. · 10. Ver Antonio Alberto de Andrade, Vernei e a Filosofia Portuguesa. No 2.° Centenário do aparecimento do Verdadeiro Método de Estudar, Braga, Liv. Cruz, 1946. 31
  • 19. derna era de certo modo, em maior ou menor alcance, conhecida e examinada. Não será de estranhar, portanto, que, em 1766, Frei Fortunato de Brescia, em sua classificação das "seitas filosóficas", colocasse, ao lado dos escolásticos, os novadores e os ecléticos que, na opinião do Prof. Joaquim de Carvalho, "foram os pioneiros do pensamento moderno em Portugal" 11 • O "modernismo" português, embora em última análise seja simples conseqüência do iluminismo europeu, apresenta, entretanto, raízes nacionais que o caracterizam. O que nos interessa, antes de tudo, é a indagação do sentido da modernidade portuguesa: até que ponto, de que natureza e quais os objetivos da renovação cultural que, através de vicissitudes várias, se inicia com as providências desconexas de D. João V, que mais pretendia ilustrar a sua Corte do que os povos, até a unificação destes esforços num plano con- jugado de reformas pedagógicas, orientado no sentido de um pro- grama político de secularização, ao mesmo tempo nacional e cristão, das instituições escolares? Quando, em 1759, se instituíram as aulas régias de gramática latina, grega, hebraica e de retórica, no mesmo alvará em que suprimia o ensino dos jesuítas, invocou-se, como razão de Estado, a necessidade de se "conservarem a união cristã e a sociedade civil". Se é verdade que não cabia ao governo português indicar quais os melhores meios para a conservação da unidade cris- tã, não é menos certo que esta simples invocação, de resto cons- tantemente lembrada nos diplomas régios, se apoiou nas opiniões de algumas das mais expressivas figuras da vida religiosa da época. O tão celebrado ódio do ·Marquês de Pombal à Companhia de Jesus não decorreu dos prejuízos opiniáticos de uma posição sistemática previamente traçada. Fatores vários e complexos, de ordem social, política e ideológica, influíram decisivamente na evolução de uma questão que ainda hoje apaixona e obnubila a visão dos espíritos mais esclarecidos. Na brevidade desta forma de ideal político na- cional - a conservação da união cristã e da sociedade civil - se condensa toda uma filosofia com objetivos claramente definidos, responsável, aliás, de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos vícios do despotismo imperante. Não se definira ainda, como mais tarde se fará, na Dedução Cronológica, numa concepção peculiar da história portuguesa que tamanhos créditos teve na historiografia pos- terior, o jesuitismo como a causa primacial dos males e da deca- 11. Joaquim de Carvalho, ob. cit., pág. 6. 32 dência nacionais. Os interesses civis e cristãos, na opinião de Pom- bal e de seus homens, coerentes com aquela ciência certa que, no espírito do despotismo esclarecido, era a prerrogativa infalível a que a si invocava a coroa, reclamavam o advento de uma ordem em que o poder secular fosse o principal fiador da unidade civil na harmonia da família cristã. Os jesuítas procuraram confundir as regras da sua Constituição com os interesses seculares do Papado. Daí a generalização de uma disputa que acabou por fazer do jesui- tismo o símbolo do obscurantismo retrógrado, antimoderno, oposto, recalcitrante e ostensivamente, a todas as formas de modernização da cultura. Não é questão aqui indagar do acerto ou desacerto desta manifestação. Interessa-nos, apenas, pelo seu aspecto expres- sivo de intenções, doutrinariamente justificadas, da política de uma época. O antijesuitismo pombalino, no setor da educação, estribou-se numa série de fatos ainda não suficientemente contestados. Ale- gou-se, por exemplo, que com a entrega do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra à Companhia de Jesus e, posteriormente, com as provisões segundo as quais nenhum estudante seria admi- tido nos cursos de Leis e Cânones da Universidade de Coimbra sem os prévios exames no referido Colégio, o ensino português se transformou, praticamente, num monopólio da Companhia de Jesus, Numa de suas notas explicativas na História da Companhia de Jesus na Assistênckt de Portugal, contestou o historiador Jesuíta Francisco Rodrigues a existência de semelhante fato pois, nas ex- pressões textuais do laborioso historiador, não havia monopólio "de nenhuma espécie, nem ambição de singularidade e exclusivismo do ensino, mas sim dedicação generosa e benefício inestimável da cultura" 12 • O certo porém é que, apenas transcorridos alguns anos depois da introdução da Companhia em Portugal, os colégios jesuítas possuíam numerosos professores cujos cursos eram freqüentados por apreciável número de alunos 13• Não foram certamente apenas os inegáveis méritos pedagógicos dos inacianos que lhes asseguraram 12. Francisco Rodrigues, S. J., História da Companhia de Jesus na Assis- tência de Portugal, Porto, Liv. Apostolado da Imprensa, em publicação, de 1931 a 1950, 7 vols. aparecidos, t. 2.0 , vol. II, pág. 17, nota. 13. Ver nesse sentido, no Cap. I, ''Nos colégios: ensino, educação", t. li, vol. II, da ob. cit. de Francisco Rodrigues, o desenvolvimento das escolas je. suíticas em Portugal, às págs. 11 a 46. 33
  • 20. tão privilegiada situação. Sucessivas vantagens foram concedidas aos colégios mantidos pela Companhia de Jesus de tal forma que, nas reais condições em que se encontrava a cultura portuguesa, as esco- las jesuíticas exerceram, até o governo pombalino, um autêntico mo- nop01io da instrução secundária 14 • A história da disputa havida entre o Colégio das Artes e a Universidade de Coimbra, depois que a direção daquele estabeleci- mento· passou às mãos dos jesuítas, demonstra muito bem até que ponto os interesses seculares, encarnados nas decisões e na obstinada resistência dos professores da Universidade, foram a pouco e pouco cedendo até a aprovação dos Estatutos de 1565, elaborados, como se julgou provável 15, pelos próprios inacianos. Já foram minu- ciosamente analisados, num livro abundantemente documentado, os insistentes apelos feitos a D. João III, no sentido de entregar à Companhia de Jesus o Colégio que o próprio rei organizara com o concurso de humanistas nacionais e estrangeiros 16• A decisão do rei, depois de muita resistência, se deveu sobretudo aos insis- tentes rogos de seus válidos. Em Carta de 6 de dezembro de 1557, confessou o jesuíta. Luiz Gonçalves da Câmara, o mesmo que o Geral Lainez recomendava como mestre de D. Sebastião: "No haver el (Rei) sido author desta mutation, sino que se la hizieron hazer" 17. Não se detiveram aí, entretanto, os padres jesuítas. O Colégio mantinha-se com recursos provenientes da fazenda real. Depois da morte de D. João III, D. Catarina determinou que fossem separados da Universidade e entregues ao colégio subs- 14. Antonio José Teixeira reuniu a documentação dos fatos referentes à história dos jesuítas em Portugal. Um grande número desses documentos se relaciona com a Universidade e o Colégio das Artes. Cf. Antonio José Tei- xeira, Documentos para a História dos Jesuítas em Portugal, Coimbra, Imp. da Universidade, 1899. Neste livro se reproduzem documentos sobre assuntos os mais diversos referentes à administração, manutenção, privilégios e regalias que foram concedidos aos jesuítas desde a entrega do Colégio das Artes à Companhia de Jesus. 15. Mário Brandão e M. Lopes D'Almeida, A Universidade de Coimbra, Esboço da sua História, memória histórica publicada por ordem do Senado Universitário, no IV centenário do estabelecimento definitivo da Universidade em Coimbra, 1937, Parte I, págs. 225 e segs. 16. Mário Brandão, O Colégio das Artes, 2 vols., Coimbra, 1924, 1933, ver especialmente o vol. li. 17. Apud Francisco Rodrigues, ob. cit., t. I, vol. li, pág. 347, nota 1. 34 :r tanciais haveres de sua fazenda. A Universidade resistiu até que, passados catorze anos, não pôde livrar-se do compromisso de entre- gar ao colégio, anualmente, 3.000 cruzados. Saía desta forma a Universidade "vencida e humilhada" 18• Semelhantes regalias obti- veram os padres da Companhia de Jesus na questão dos graus aca- dêmicos. Sem submeter-se à administração da Universidade, des- sangrando-lhe os recursos financeiros, admitindo ao grau de mestre os professores do Colégio "sem fazerem auto algum dos que man- dam os estatutos" 10, e sobretudo, amparando-se em provisões nas quais se determinava que nenhum estudante fosse admitido nos estu- dos de Leis e Cânones da Universidade sem prévio exame no Colé- gio das Artes 2(}, os jesuítas reuniram em suas mãos privilégios de tamanho alcance que não é de estranhar crescesse o seu ensino quantitativamente, e com enorme rapidez o número de seus colégios e dos estudantes que neles iam buscar não só o aproveitamento nas letras, mas também nos costumes. Não há motivos para censurar os jesuítas por terem alcançado uma posição que lhes garantiu incontestável predomínio na vida po- lítica portuguesa. A Companhia de Jesus surgiu com propósitos que devem ser compreendidos, antes de tudo, em função dos reais interesses históricos que animaram os seus primitivos objetivos. A história, quando muito, justifica os homens e não as "éticas" - a ideologia - dos grupos organizados ou não, de que fazem parte. A "ética" jesuítica teve uma finalidade imediata, de valor histórico semelhante à finalidade das demais ordens religiosas no momento em que surgiram. Não se pode discutir o seu sublime fim - Ad majorem gloriam Dei - porque, na órbita dos interesses espiri- tuais, todas as religiões, como se dizia naqueles tempos, perseguiam iguais objetivos; mas pode-se discutir os seus processos, os meios de que lançou mão, porque, enquanto historicamente realizados, estes processos não puderam escapar ao jogo fortuito dos interesses que, na ordem temporal, condicionam as ações humanas. Desde o momento em que os inacianos pretenderam confundir os ideais sublimes da Fé com os interesses seculares do Império, a sua messiâ- 18. Mário Brandão e M. Lopes D'Almeida, ob. cit., Parte I, pág. 220. 19. Antonio José Teixeira, ·Ob. cit., Parte III, Doc. XXXVII, pág. 217. 20. Idem, ibidem, Parte V, Doc. VIII, págs. 400 a 402. Alvará de 3 de agosto de 1561, confirmado por D. Felipe I, a 20 de janeiro de 1591, e por D. Felipe III, a 16 de maio de 1634. 35
  • 21. nica ortodoxia foi impotente para resistir, de um lado, às novas exigências impostas pela transformação das condições de vida na sociedade burguesa e, de outro, na esfera espiritual, à inquieta heterodoxia da alma moderna. Houve um momento em que o equi- líbrio foi possível. Com sua ética heterônoma, que realçava o valor da ordem e da obediência, os jesuítas também foram, até certo ponto, os edu- cadores da burguesia 21• "Foi necessário que houvesse diversas classes - afirmava Bordaloue - e, antes de tudo, foi inevitável que houvesse pobres, a fim de que existissem na sociedade humana obediência e ordem" 22• Com aquele realismo característico, que tão bem garantiu o êxito de seus empreendimentos, reconheceram os padres da Companhia de Jesus o novo sentido da vida que o progresso da burguesia propiciava. E não tiveram dúvidas de ir ao encontro destas aspirações, securalizando, pela dignificação do trabalho, os ideais do cristianismo: "Quero dizer que cumprir fiel- mente os seus deveres - pregava ainda Bordaloue - trabalhar com zelo e ser diligente dentro do próprio estado, conforme a von- tade e os desejos de Deus, significa orar" 23• A despeito destes esforços não se puderam conter nos quadros da Igreja militante as forças históricas que preparavam o advento de uma nova ordem social. Acima dos credos e das confissões, elaborou-se, no século XVIII, uma nova concepção da vida moral que, com a idéia do direito natural, despojado de seus pressupostos teológicos, e com a doutrina de uma religião natural, numa introspecção altamente sig- nificativa, descobriu na consciência o dever como o tribunal, deso- brigado de sanções externas, de uma ética ecumênica e sem fron- teiras espirituais. No fundo, esta ética filosófica pressupunha, a partir da consciência moral e do dever, como imperativo categórico, uma ordenação autônoma das vontades, bem diferente da ordem preconizada pelos inacianos, na qual a obediência e a humilde doci- lidade constituíam, na visão dos iluministas, formas de alienação da pessoa que a clara geometria de um sistema ético-político, arden- temente almejado, não podia justificar. 21. Sobre os Jesuítas como educadores da burguesia, ver Bernhard Groe- thuysen, La Formación de la Consciencia Burguesa en Francia durante el Siglo XIII, trad. espanhola de José Gaos, México, Fondo de Cultura Económica, 1943, 2.a Parte, III; Los Teologos como Educadores de la Burguesia, especial- mente págs. 280 e 290, e as notas às págs. 575 a 578. 22. Apud Groethuysen, ob. cit., pág. 285. 23. Idem, pág. 284. 36 O desenvolvimento posterior dos estudos e da especulação nas escolas da Companhia de Jesus já estava, de certa forma, determi- nado nestas sucintas disposições. de suas Constituições: "In Theolo- gia legetur vetus et Novum Testamentum et doctrina scholastica divi Thomae. . . In logica et philosophia naturali et morali, et ·meta- physica, doctrina Aristotelis sequenda est" 24 • Com certa liberdade na interpretação dos textos e incorporando as conquistas do huma- nismo, de acordo aliás, com a imposição das circunstâncias histó- ricas, criaram os jesuítas nas suas escolas, do velho e do novo mun- do, uma constante de pensamento, uma nova tradição filosófica a que já se deu o nome de tomismo moderado 25• Orientação esta que encontrou nos problemas políticos e jurídicos o assunto em que eles exerceram com maior originalidade 26• Preferiram Aristóteles a Platão, porque a doutrina do estagirita, na sua opinião, atendia melhor às exigências de uma concepção católica do mundo e do homem. Não era, entretanto, apenas o Aristóteles da tradição esco- lástica, mas o Aristóteles do humanismo, renovado pelos comen- tadores que não desprezavam sequer a lição de alexandristas e aver- roístas 27• Estribando-se, desta forma, na autoridade dos textos aristotélicos, que eram examinados em função dos interesses da re- ligião católica, este ensino, sem renovar-se em sua estrutura e pro- cessos, logo descambou para o aparato das disputas verbais. Os esforços isolados, entre os quais o do jesuíta Cristovam Borri, não foram suficientemente eficazes para modificar a força dos hábitos pedagógicos então vigentes. Aliás, a formalística do regime univer- sitário, com os seus atos e oposições, favorecia muito mais as exi- 24. Constitutiones Societatis Jesu, P. IV, Cap. XIV. Na tradução espa- nhola da Biblioteca de Autores Cristianos, organizada pelos especialistas do Instituto Histórico da Companhia de Jesus- Obras Completas de Santo lnacio de Loyola - Madrid, 1952, o passo se encontra à pág. 474. 25. Ver Carlo Giacon, S. J. La Seconda Scolastica, 3 vols., Milão, Fra- telli Bocca, 1944, 1947 e 1950, t. ll, Cap. I, especialmente 2 e 3, págs. 17 a 30. 26. É a opinião do historiador da segunda escolástica; cf. os prefácios dos dois primeiros volumes e, especialmente, do terceiro da citada obra. 27. "Alia Seconda Scolastica - escreve Carlo Giacon S. J. - incombe- va il problema di conciliare il valore reate dei pensiero aristotelico con te impellenti esigenze della nuova .cultura umanistica", ob. cit., t. li, pág. 35. Sobre as relações dos jesuítas com o humanismo da Renascença em Portugal, ver A. Alberto de Andrade, ob. cit., Cap. III, págs. 70. a 104 e, ainda do mesmo Autor, "A Renascença dos 'Conimbricensis' ", in Brotéria, 1943, vol. xxxvn,. págs. 480 a 501. 37
  • 22. gências de um saber verbal - propno de canonistas, teólogos e legistas - do que as necessidades de um conhecimento amparado na experiência e nas matemáticas. Bastante expressivo, neste sen- tido, era o descrédito em que se achavam os estudos médicos até a iutrodução das reformas pombalinas. Nestas condições, a Universi- dade portuguesa que, com as primeiras iniciativas de D. João III, parecia destinada a palmilhar mais amplos e abertos caminhos, subi- tamente enveredou por nova direção e se transformou no reduto, fortemente garantido, dos ideais da Contra-Reforma. Depois de sucessivas reformas, aceitou a Universidade os Oita- vos Estatutos que, confirmados em 1612, foram novamente confir- mados em 1653, por D. João IV. As novas "modificações introdu- zidas nos estatutos - observa o Prof. Lopes D'Almeida - corres- pondiam às pressões e à defesa que a Companhia de Jesus e a Uni- versidade procuravam fazer valer junto do monarca, uma dos seus objetivos pedagógicos, a outra de seus direitos e interesses prejudi- cados. Ambas, quando lhes parecia ter junto do rei ou dos executo- res da sua autoridade agente ou pessoas de sua confiança, tenta- vam impor os seus pontos de vista e daí as alterações quase nunca atingiram a orgânica do ensino que se imobilizou na generalidade em fórmulas em desuso" 28• Estes estatutos vigoraram até às refor- mas de 1772. Não foi possível fazer vingar qualquer programa de renovação cultural porque a disputa entre os inacianos e a Univer- sidade não foi além de um mero conflito de interesses materiais e nunca, em qualquer ocasião, se patenteou uma possível divergência de propósitos e objetivos no setor da cultura e da educação. Houve, sem dúvida, tanto entre os jesuítas quanto na própria Universidade, esforços isolados no sentido de introduzir em Portugal os novos problemas que o progresso das ciências experimentais e da especula- ção filosófica tanto encareciam. Estes esforços, todavia, foram impo- tentes para modificar a rotina imperante. Lembremos, a propósito, a provisão de 23 de setembro de 1712, na qual D. João V, tendo notícia de que "no colégio da Companhia dessa cidade (Coimbra) se quer introduzir nas cadeiras de filosofia outra forma de Lição da que até agora se observava, e mandam os estatutos", ordena o reitor do Colégio das Artes "que havendo nesta matéria alguma alteração a façais evitar, ficando de vosso Zelo não consintais esta 28. Mário :Brandão e M. Lopes D'Almeida, ob. cit., Parte IT, pág. 17. 38 J.y nova introdução" ... 29• E, mais tarde, o reitor do Colégio das Artes, em edital de 7 de Maio de 1746, determinou que "nos exa- mes, ou Lições, Conclusões públicas, ou particulares se não ensine defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para o estu- do das Ciências maiores como são as de Renato Descartes, Gassen- do Newton, e outros, e nomeadamente qualquer Ciência, que defen- da os átomos de Epicuro, ou negue as realidades dos acidentes Eucarísticos, ou outras quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles, o qual nestas escolas se deve seguir, como repetidas vezes se recomenda nos estatutos deste Colégio das Artes" Bfr. m Nas publicações antijesuíticas da administração do Marquês de Pombal, transparece claramente a preocupação de atribuir aos inacianos a principal responsabilidade pela decadência em que se encontravam os estudos em Portugal. O Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos deno- minados jesuítas e dos estragos feitos nas ciências, nos professores, e diretores que a regiam pelas maquinações e publicações de novos es- tatutos por ele fabricados, aparecido em 1772, constitui, em suas linhas essenciais, apesar das parcialidades notórias, um programa de alta significação pedagógico-cultural, pois nele se encontra, ainda hoje, o melhor documento que, do ponto de vista crítico, se fez em Portugal sobre a situação em que se encontrava a Universidade de Coimbra até a promulgação dos ~statutos pombalinos. A erudição histórica posterior retificou muitos dos erros contidos nesta publi- cação, mas estas emendas de maneira alguma alteram a própria substância do programa educacional traçado pela Junta de Provi- dência Literária. :É preciso lembrar que o Compêndio foi redigido num momento em que a questão dos jesuítas, transformada num problema político dos governos de Espanha, França e Portugal ainda não se resolvera. Devido ao prestígio que gozava a Companhia de Jesus, junto à Cúria Romana, os delegados dos governos que se empenhavam na luta contra os jesuítas não tinham vencido até 29. Provisão publicada por Joaquim de Carvalho in Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano, Apêndice A, pág. 169. 30. Edital reproduzido por Joaquim de Carvalho, in ob. cit., Apêndict: A, 2, págs. 170 a 172; cf. loc. cit., pág. 171. 39
  • 23. aquela data as últimas resistências de Ganganelli e alcançado, desta torma, o objetivo comum: a extinção da ordem. Compreende-se, portanto, que a reforma da Universidade se transformasse em mais um documento da política antijesuítica que há dezesseis anos se i.ornara uma das principais preocupações da administração pomba- Una. No Compêndio Histórico, todos os elementos úteis à justifi- cação doutrinária do pombalismo foram aproveitados: desde a en- trega do Colégio das Artes à Companhia de Jesus, com os episó- dios que se lhe seguiram, até à análise minuciosa dos acontecimen- tos políticos em que os inacianos tiveram uma parcela, mínima que fosse, de responsabilidade. Todos os fatos referentes à ação dos jesuítas foram invocados para demonstrar, num quadro de tintas sombrias, que, até mesmo no setor do ensino, a decadência da na- ção era sobretudo obra dos padres da Companhia de Jesus. O Compêndio Histórico constitui, desta forma, a conseqüência natu- ral da doutrina da Dedução Cronológica e Analítica, de 1765, como esta representa também o corolário generalizado e minucioso da Relação abreviada da República que os religiosos jesuítas das pro- víncias de Portugal e Espanha estabeleceram nos domínios ultrama- rinos das duas monarquias e das guerras que neles tem movido e sustentado contra os exércitos espanhóis e portugueses, de 1756. No Compêndio Histórico, ao mesmo tempo que se recapitu- lam os fatos indicados na Dedução Cronológica, particularizam-se "os outros estragos, que os mesmos regulares fizeram em cada uma das quatro Ciências maiores" 31 - teologia, leis e cânones, medi- cina e matemática. Na teologia, o predomínio da filosofia aristo- télica, que relegou ao esquecimento a teologia primitiva, com o sa- crifício dos estudos da Escritura, da Tradição dos Concílios, dos Santos Padres e da História Sagrada 82; na jurisprudência canônica e civil, a adoção de uma metafísica "errônea e sumamente preju- dicial" 83 e o ensino. da Moral Cristã por intermédio da ética de Aristóteles, Filósofo Ateísta, "que nenhuma crença teve em Deus, e na Vida Eterna; que em vez de ditar princípios para a probidade interior do ânimo, e para a justiça natural, foi o Autor de um sis- tema estofado de máximas dirigidas a formarem um Áulico das Cortes de Felipe e Alexandre, e um Hipócrita armado contra a 31. Compêndio Histórico, pág. XII. 32. Idem, págs. XII e Xlll. 33. Idem, pág. XIV. 40 r lr inocência dos crédulos com virtudes externas, e fingidas" 34• Neste mesmo domínio ainda, o esquecimento em que foram lançados os estudos das histórias do direito romano e pátrio, do direito canônico, da história geral e da doutrina do método 35• Na medicina, a obsti- nada adesão à física aristotélica, com o sacrifício da verdadeira física, da química filosófica, da botânica e da anatomia e a confusão do estudo teórico com o prático 36• Tais foram, na opinião dos relatores da Junta de Providência Literária, os principais estragos causados pelos jesuítas nos estudos das ciências universitárias. Quer nos parecer que este antijesuitismo foi muito mais a con- seqüência das lutas políticas do Gabinete com a Cúria Romana do que a verdadeira causa do programa pedagógico formulado pela Junta de Providência Literária. Tamanha foi a força das vicissi- tudes políticas, e tão acirrados andavam os ânimos, que um progra- ma, para cuja justificação bastava apenas a incontestável grandeza de seus fins, se transformou, impelido pelas circunstâncias históri- cas, num documento com deliberados propósitos de fazer dos jesuítas a universal causa de todos os males portugueses. De há muito já se sentiam, na vida do país, os inconvenientes que traziam para a eco- nomia e o trabalho nacionais o acúmulo de bens imóveis e as de- mais regalias e privilégio que, diante das leis civis, gozavam as ordens religiosas. O assunto já fora ventilado nas Cortes de 1562 e, agora, D. Luiz da Cunha, no Testamento Político, insistia novamente no problema. Sebastião de Carvalho e Melo, como bom discípulo de D. Luiz da Cunha, que aproveitara a sua estadia em Londres para estudar, com meticuloso interesse, os problemas e as conseqüências econômicas dos tratados comerciais luso-britânicos 37, não devia ignorar este delicado aspecto da questão. Sua luta contra os jesuítas, se, anos mais tarde, se inspirará em alguns dos motivos e razões da ideologia dos iluministas de outros países, no início foi causada principalmente pelo conflito entre os interesses do Estado e os da Companhia de Jesus. 34. Idem, ibidem. 35. Idem, págs. XIV e XV. 36. Idem, pág. XVI. 37. Ver, especialmente, J. Lúcio de Azevedo, ob. cit., Cap. I, A Embai- xada de Londres, págs. 9 a 43. Vê o Autor na Relação dos Gravames do Comércio e Vassalos de Portugal na Inglaterra, redigida por Sebastião de Car- valho e Melo, durante a sua permanência em Londres, "a origem de vários dos seus atos posteriores quando governou"; cf. ob. cit., pág. 29. 41