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SITUANDO O BARROCO


     Europa/1.517: Reforma Protestante (padre alemão Martinho Lutero) –
denunciava a venda de indulgências como prática corrupta da Igreja Católica. Foi
excomungado pelo papa Leão X.

     Caminho da salvação: vida regrada, religiosidade, arrependimento sincero
dos pecados e confiança na misericórdia de Deus.

      João Calvino, luterano convertido, passou a defender a ideia de que a
prosperidade era manifestação do fator divino, via trabalho. O lucro passou a ser
visto como algo aceitável.

      A burguesia passa a aderir ao protestantismo.



REAÇÃO CATÓLICA: CONTRARREFORMA



      Concílio de Trento – medidas mais importantes:

      Tribunal do Santo Ofício/Sagrada Inquisição;

      Índice dos livros proibidos (Index Librorum Proibitorum);

      Companhia de        Jesus,   modelo   militarizado   de   combate   à   Reforma
Protestante (jesuítas);

      Barroco, movimento cultural e artístico, iniciado na Itália ;

      Características: tensão que nasce da tentativa de fundir visões opostas: a
perspectiva antropocêntrica, herdada do Renascimento, e a teocêntrica,
resgatada pela Contrarreforma. Posturas conflitantes. A arte barroca será
marcada pela angústia de um ser humano atormentado por grandes dúvidas
existenciais;

     Mestres da pintura (temas religiosos): Caravaggio, Rembrandt, Velázquez e
Rubens- expressam contradições.



BARROCO: A HARMONIA DA DISSONÂNCIA



      Final do séc. XVI até início do séc. XVIII.

      Começa na Itália, vai para outros países da Europa, chega ao Brasil.

      Caraterísticas: há tensão na tentativa de fundir/aproximar visões opostas
– a visão antropocêntrica (racional), herdada do Renascimento, e a teocêntrica
(fé), do movimento de Contrarreforma (posturas conflitantes/contraste). O
Fusionismo.

     Arte Barroca: marcada pela angústia de um ser humano atormentado por
grandes dúvidas existenciais.

       Temas religiosos (mestres da pintura): Caravaggio, Rembrandt,
Rubens e Velázquez. União de aspectos contraditórios :o sagrado e o profano; a
luz e a sombra (técnica conhecida como chiaroscuro); o paganismo e o
cristianismo; o racional e o irracional.

       Desafio Barroco: representar o mundo instável, os contrastes; a tensão
entre o desejo de harmonia e a felicidade eterna, e a beleza vista na luta e no
sofrimento humanos.



O PROJETO LITERÁRIO BARROCO



      O poeta italiano, Giambattista Marini, resume o projeto Barroco: “A
poesia tem o desejo de produzir o espanto”.

      Os agentes do discurso e o contexto de circulação : os textos literários
barrocos, no começo da produção, eram ainda bastante restritos à Corte (centro
de poder) e às universidades (centros de saber).

      Surgem as ACADEMIAS – agremiações culturais em que vários escritores
se reuniam, a fim de ler e estudar a poesia e os tratados de retórica (oratória,
discurso, eloquência) dos clássicos latinos. Cópias acessíveis a poucos, pois os
escritores acreditavam que, se fossem pelo grande público, seriam tidos como
“vulgares”. Poeta e leitor: alta distinção e reconhecimento.

      A poesia barroca é escrita por poetas para poetas (muito estudo e
trabalho/sofisticação textual) e seu objetivo é demonstrar o domínio da retórica
clássica em temas consagrados. Uso de antíteses e paradoxos.



      O fusionismo e o culto do contraste: fusão das visões medievais e
renascentistas, antagônicas (luz e sombra; racional e irracional, razão e fé=
dualidade de ver o mundo). Interesse por antíteses e paradoxos.

       Tentativa        de       conciliar      extremos:     pecadoXperdão;
erotismoXespiritualidade. Indefinição como o crepúsculo (transição entre dia e
noite) e a aurora (transição entre noite e dia).



O PESSIMISMO E O FEÍSMO



     Caráter dramático da vida. Olhar pessimista do mundo. Miséria da
condição humana.
      Vida terrena= tristeza e sofrimento oposta à felicidade da vida celestial
(razão x religião). O homem opta pela religião, a fim de alcançar a glória divina.

     O REBUSCAMENTO: minucioso na composição dos detalhes                          e
ornamentação excessiva. Linguagem trabalhada, cheia de imagens e figuras.

      DINAMISMO E TEATRALIDADE: Sensação de movimento. Linhas curvas, na
pintura, diferente das retas da arte renascentista. Traços hiper-realistas (retratar a
realidade de modo exagerado, imprecisão barroca, humano menos idealizado,
mais teatral para chocar o observador.)



TEMAS MAIS RECORRENTES



     Fragilidade da vida humana; fugacidade do tempo e valorização do “ carpe
diem”, crítica à vaidade (a beleza é efêmera/efemeridade), as contradições do
amor.

      A escolha dos temas tem menos importância do que o trabalho com a
linguagem.

     AGUDEZA E ENGENHO: Agudeza é a capacidade de dizer algo de modo
imprevisto e inteligente, criando metáforas, analogias e imagens. Já engenho
promove correspondências inesperadas entre ideias e consegue sintetizar um
pensamento com “palavras brilhantes”. O trabalho com a Linguagem é o
segredo da construção das agudezas.

      Disseminação e Recolha= distribuição de metáforas pelo poema, em que
as imagens são “espalhadas” ao longo das 3 primeiras estrofes e “recolhidas” na
última (2 últimos versos)



Antologias acadêmicas célebres em Portugal: A Fênix renascida e o Postilhão de
Apolo. Destacam-se Francisco de Vasconcelos e Sóror Violante do Céu (freira),
denominada “décima musa” e “fênix dos engenhos lusitanos”.

      A LINGUAGEM BARROCA: contrasta fortemente com o equilíbrio, a clareza
e a linearidade da linguagem clássica. O rebuscamento barroco é uma tentativa
de expressar a angústia e a incerteza do período. A desarmonia e o desequilíbrio
resultam num estilo exagerado, repleto de figuras de linguagem e de outros
recursos de expressão, como: metáforas, antíteses, paradoxos, hipérbatos
(inversão das palavras/labirinto do raciocínio barroco), frases interrogativas, etc.



AS CORRENTES DO BARROCO



      A) CULTISMO OU GONGORISMO (Luís de Góngora). Caracteriza-se pela
elaboração muito rebuscada da linguagem. Utilizam 3 artifícios os poetas: 1) jogos
de palavras (sinonímia, antonímia, perífrase, etc.), 2) jogos de imagens (figuras de
linguagem) e 3) jogos de construção (estruturação sintática elaborada).
Exploração de estímulos sensoriais, trabalho com o som e as cores.

      B) CONCEPTISMO OU QUEVEDISMO (Francisco Quevedo)

     O escritor procura seduzir o leitor pela construção intelectual, valorizando
o conteúdo, o conceito, a essência da significação, ao invés de investir no
rebuscamento linguístico.

       Desenvolvimento de um raciocínio (Silogismo) apurado, o que leva muitas
vezes à dificuldade na compreensão do conteúdo. O Conceptismo foi mais
utilizado na prosa. Nos poemas, há o predomínio do Cultismo. Mas podem ocorrer
as duas correntes simultaneamente, no Barroco literário.



TEMAS DA LITERATURA BARROCA



      Transitoriedade da vida e dos bens materiais;

      “Carpe diem” = viver intensamente o momento presente, já que a vida é
fugaz e o futuro incerto;

      Preocupação com a morte= o artista desse movimento debate-se entre
a culpa de ser um pecador e a esperança da salvação;

     Duelo entre o desejo e a castidade, o céu e a terra, Deus e o Diabo,
pureza e pecado;

Locus horrendus= o mundo é concebido como um “lugar horrível”, fonte de dor
e de desilusão.

     Os escritores viviam isolados. As obras que escreviam raramente
chegavam a ser publicadas. Sua difusão era oral ou manuscrita, mas com pouca
frequência.

       Havia apenas manifestações literárias, no período colonial. A produção
literária brasileira só alcança a condição plena de literatura nacional no século
XIX, quando é possível identificar produção constante de obras literárias
publicadas e lidas com regularidade.

      Prosopopeia , de Bento Teixeira, é considerado o marco inicial da literatura
barroca brasileira, em 1601 (séc. XVII).



PADRE ANTÔNIO VIEIRA (Conceptista)



      Sermão, discurso religioso voltado à divulgação dos valores da Igreja
romana. Vieira ficou famoso, na prosa, pela argumentação engenhosa e pela
retórica perfeita, (arte de usar uma linguagem para comunicar de forma eficaz e
persuasiva.). Ideologia contrarreformista.

     Sua extensa obra contém 207 sermões e muitas cartas. Entre seus
sermões mais importantes estão:

     Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de
Holanda – pregado na Bahia, em 1640 - reação contra a invasão holandesa,
defendendo-se da ameaça protestante;

     Sermão da primeira dominga da Quaresma (Maranhão/1653) – tenta
convencer os colonos a libertarem os indígenas que escravizavam;

Sermão da sexagésima (Lisboa/Capela Real/1655)- tematiza a arte de pregar e
tenta convencer os fiéis de que a culpa de a palavra de Deus não frutificar é dos
pregadores, que enfeitam a linguagem, mas acabam dificultando o texto, a
mensagem.

Sermão de Santo Antônio (aos peixes) – (Maranhão/1654) – ataca a
escravização dos índios.



       MONTAGEM ARGUMENTATIVA DE UM SERMÃO

    A estrutura para os sermões no séc. XVII envolvia 4 passos, com ideias que
marcam a corrente conceptista barroca de Vieira. São elas:

       A) Exórdio – introdução; exposição do plano e as ideias que vai defender;

       B) Invocação – pede auxílio divino;

       C) Confirmação – desenvolvimento e exposição do tema;

     D) Peroração – conclusão; termina com um desfecho vibrante para
impressionar os fiéis e motivá-los a seguirem os ensinamentos bíblicos
apresentados. (p. 170)



    METÁFORA DA               ÁRVORE:   REPRESENTAÇÃO         DO   SERMÃO     DA
SEXAGÉSIMA. (p. 171)

    No Semão da Sexagésima, o pregador jesuíta define os passos a serem
seguidos na montagem argumentativa. Os procedimentos defendidos
correspondem à seguinte estrutura:

1) Definir a matéria; 2) Reparti-la;      3) Confirmá-la com a Escritura; 4)
Confirmá-la com a razão; 5) Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às
objeções (argumentos contrários); 6) Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.

(Ver paralelismo sintático).

       Ex.: Se tudo são troncos – não é sermão – é madeira.
          Se tudo são flores    - não é sermão – é ramalhete.

           (condição)               (negação)         (conclusão)

      SILOGISMO/EXEMPLOS:

Um cachorro é um animal.             (premissa maior)

Totó é um cachorro.                  (premissa menor)

Logo, Totó é um animal.              (conclusão)



       Recorrendo ao exemplo clássico aristotélico:

Todo homem é mortal.                 (proposição geral)

Sócrates é homem.                    (proposição particular)

Portanto, Sócrates é mortal.                 (conclusão)



GREGÓRIO DE MATOS GUERRA: O BOCA DO INFERNO



     Filho de uma família abastada, dona de dois engenhos de cana-de-açúcar e
de 130 escravos. Estudou Direito em Coimbra. Conhecia a poesia de Sá de
Miranda e Camões. Leu obras de Quevedo e Góngora.

      A POESIA LÍRICO-AMOROSA

      Temas clássicos: oposição entre espírito e matéria, religiosidade x
sensualismo,bens    mundanos     x   celestiais.   Empregou      aspectos   do
Cultismo/Gongorismo e também do Conceptismo/Quevedismo (forma/linguagem
rebuscada e conceito/conteúdo/construção intelectual, respectivamente), em sua
obra.

      Seguiu a tradição inaugurada por Shakespeare e Camões, ao comparar a
beleza feminina às maravilhas da natureza. Ideal de beleza encontrado na
natureza. (Ver p. 172/ “Pintura admirável de uma beleza”)



PINTURA ADMIRÁVEL DE UMA BELEZA



              SONETO (pág. 172/Análise)



       Vês /es/se/ sol /de /lu/zes/ co/ro/a/do?    A

       Em/ pé/ro/las/ a au/ro/ra/ con/ver/ti/da? B
Vês /a/ lu/a/ de es/tre/las /guar/ne/ci/da? B

      Vês/ o/ céu/ de/ pla/ne/tas /a/do/ra/do?           A



      O céu deixemos; vês naquele prado

      A rosa com razão desvanecida?

      A açucena por alva presumida?

      O cravo por galã lisonjeado?



      Deixa o prado; vem cá, minha adorada:

      Vês desse mar a esfera cristalina

      Em sucessivo aljôfar desatada?



      Parece aos olhos ser de prata fina?

      Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada

      À vista do teu rosto, Catarina.



         (MATOS, Gregório de. In: José Miguel Wisnik. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 223.)




      Catarina a tudo supera em beleza: aspectos louváveis do Sol, da Lua, do
Céu, da rosa, da açucena e do mar. Paradoxo final: “ tudo é nada/ À vista do teu
rosto”



     Decassílabos, com rimas interpoladas, opostas (ABBA).




A POESIA LÍRICA : SACRA/RELIGIOSA



      Sobressai na poesia sacra de Gregório o senso de pecado, a constatação
da fragilidade humana e o temor diante da morte e da condenação eterna (o
pecador arrependido, na fase final de sua vida). Na juventude, as composições
desafiavam o poder divino.
   Uso do verso decassílabo, no soneto. Disposição: opostas (ABBA)




    BUSCANDO A CRISTO (pág. 173)



    A/ vós/ cor/ren/do/ vou,/ bra/ços/ as/gra/(dos),   A
    Nes/sa/ cruz/ sa/cros/san/ta/ des/co/ber/(tos),    B
    Que, para receber-me, estais abertos,                  B
    E, por não castigar-me, estais cravados.               A

    A vós, divinos olhos, eclipsados        A
    De tanto sangue e lágrimas abertos,      B
    Pois, para perdoar-me, estais despertos, B
    E, por não condenar-me, estais fechados.A

    A vós, pregados pés, por não deixar-me,
    A vós, sangue vertido, para ungir-me,
    A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

    A vós, lado patente, quero unir-me,
    A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
    Para ficar unido, atado e firme.



    CARACTERÍSTICAS DO SONETO BUSCANDO A CRISTO



          Situações ambivalentes: os braços de Cristo são apresentados abertos e
    cravados (presos); seus olhos despertos e fechados (avaliação positiva). Assim, os
    braços estão abertos para acolher o fiel que se dirige a Deus e cravados para
    castigá-lo pelos pecados cometidos.

          Argumentação (verdade religiosa)= o perdão de Deus é absoluto.

         Uso de metonímias (parte pelo todo)= braços, olhos (atitude acolhedora de
    bondade).

           Na última estrofe, ocorre o fusionismo: o fiel reconhece os sinais de que
    será acolhido por Deus e manifesta o desejo de “ficar unido, atado e firme” ao
    Cristo crucificado.



    A POESIA SATÍRICA
      Os poemas satíricos deram fama a Gregório, expondo de modo exemplar a
prática da maledicência. Revela aspectos negativos da vida da Bahia e de
Pernambuco. Denuncia a corrupção econômica dos políticos, comerciantes e a
corrupção moral dos padres e freiras. Dizia: “Eu falo, seja o que for”.

       Nenhum segmento da sociedade portuguesa e brasileira escapou à pena
ferina de Gregório de Matos.



      À cidade da Bahia (soneto)



      Triste Bahia! Oh quão dessemelhante

      Estás, e estou do nosso antigo estado!

      Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

      Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.



      A ti tocou-te a máquina mercante,

      Que em tua larga barra tem entrado,

      A mim foi-me trocando, e tem trocado

      Tanto negócio, e tanto negociante.



      Deste em dar tanto açúcar excelente

      Pelas drogas inúteis, que abelhuda

      Simples aceitas do sagaz Brichote.



      Oh, se quisera Deus, que de repente

      Um dia amanheceras tão sisuda

      Que fora de algodão o teu capote!



EXEMPLOS DE POESIAS SATÍRICAS



      Descreve a vida escolástica
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,

      Medíocre o vestido, bom sapato,

      Meias velhas, calção de esfola-gato,

      Cabelo penteado, bom topete;

      Presumir de dançar, cantar falsete,

      Jogo de fidalguia, bom barato,

      Tirar falsídia ao moço do seu trato,

      Furtar a carne à ama, que promete;

      A putinha aldeã achada em feira,

      Eterno murmurar de alheias famas,

      Soneto infame, sátira elegante;

      Cartinhas de trocado para a freira,

      Comer boi, ser Quixote com as damas,

     Pouco estudo: isto é ser estudante.




Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário da freguesia do
Passé



      Um branco muito encolhido,

      Um mulato muito ousado,

      Um branco todo coitado,

      Um canaz todo atrevido;

      O saber muito abatido,

      A ignorância e ignorante

      Muito ufana e mui farfante,

      Sem pena ou contradição:

      Milagres do Brasil são.



      Quem um cão revestido em padre,
Por culpa da Santa Sé,

        Seja tão ousado que

        Contra um branco honrado ladre;

        E que esta ousadia quadre

        Ao bispo, ao governador,

        Ao cortesão, ao senhor,

        Tendo naus no maranhão:

        Milagres do Brasil são.




ALEIJADINHO (ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA



       O trabalho artístico formado por 66 imagens religiosas esculpidas em
madeira e 12 feitas de pedra-sabão, é considerado um dos mais importantes e
representativos do barroco brasileiro.



A OBRA DE ALEIJADINHO



       A obra de Aleijadinho mistura diversos estilos do barroco. Em suas
esculturas estão presentes características do rococó e dos estilos clássico e
gótico. Utilizou como material de suas obras de arte, principalmente a pedra-
sabão, matéria-prima brasileira. A madeira também foi utilizada pelo artista.

       Morreu pobre, doente e abandonado na cidade de Ouro Preto no ano de
1814 (ano provável). O conjunto de sua obra foi reconhecido como importante
muitos anos depois. Atualmente, Aleijadinho é considerado o mais importante
artista plástico do barroco mineiro.




PRINCIPAIS OBRAS DE ALEIJADINHO:



Talha
- Retábulo da capela-mor da Igreja de São Francisco em São João del-Rei

- Retábulo da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto

- Retábulo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto




Arquitetura




- Projetos de fachadas de duas igrejas (Igreja de São Francisco em São João del-
Rei e Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto).




Escultura




- Conjunto de esculturas do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (incluíndo as
mais conhecidas: "Os Doze Profetas"

                            IMAGENS BARROCAS
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA – Seleção


01 - A Nosso Senhor Jesus Christo com actos de arrependimento e
suspiros de amor



Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,

É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,

Delinqüido vos tenho, e ofendido,

Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha à vaidade,

Vaidade, que todo me há vencido;

Vencido quero ver-me, e arrependido,

Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de coração,

De coração vos busco, dai-me os braços,

Abraços, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvação,

A salvação pertendo em tais abraços,

Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.



02 - Inconstância dos bens do mundo



Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
03 - À cidade da Bahia (soneto)
Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Estás, e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.

A ti tocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado
Tanto negócio, e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

04 - A Maria dos povos, sua futura esposa

Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:
Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:
Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.
Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.

05 - Epílogos (Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo
da república)

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.3
Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.
Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.
E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.
O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.
A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
06- A uma dama

Vês esse Sol de luzes coroado,
Em pérolas a Aurora convertida;
Vês a Lua, de estrelas guarnecida;
Vês o Céu, de planetas adornado?
O céu deixemos: vês, naquele prado,
A rosa com razão desvanecida,
A açucena por alva presumida,
O cravo por galã lisonjeado?
Deixa o prado: vem cá, minha adorada:
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?
Parece aos olhos ser de prata fina...
Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Catarina.

07 - A instabilidade das cousas no mundo1

1Apesar de um titulo diferente, trata-se do mesmo poema que aparece sob nome
de Inconstância dos bens do mundo.

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

08 - A certa personagem desvanecida

Um soneto começo em vosso gabo:
Contemos esta regra por primeira;
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo,
Na quinta torce agora a porca o rabo;
A sexta vá também d'esta maneira:
Na sétima entro já com gran canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.
Agora nos tercetos que direi:
Direi que vós, Senhor, a mim me honrais
Gabando-vos a vós, e eu fico um rei.
N'esta vida um soneto já ditei;
Se d'esta agora escapo, nunca mais:
Louvado seja Deus, que o acabei.
09 - Aos principais da Bahia chamados caramurus

Um calção de pindoba a meia zorra
Camisa de urucu, mantéu de arara,
Em lugar de cotó, arco, e taquara,
Penacho de guarás em vez de gorra.
Furado o beiço, e sem temer que morra
O pai, que lho envazou cuma titara,
Porém a Mãe a pedra lhe aplicara
Por reprimir-lhe o sangue que não corra,
Alarve sem razão, bruto sem fé,
Sem mais leis, que as do gosto, quando erra,
De Paiaiá tornou-se em Abaeté.
Não sei onde acabou, ou em que guerra,
Só sei que deste Adão de Massapé,
Procedem os fidalgos desta terra.

10 - À procissão de cinza em Pernambuco

Um negro magro de sufulié justo,
Dois azorragues de um joá pendentes,
Barbado o Peres, mais dois penitentes,
Seis crianças com asas sem mais custo.
De vermelho o mulato mais robusto,
Três fradinhos meninos inocentes,
Dez ou doze brichotes mui agentes,
Vinte ou trinta canelas de ombro onusto.
Sem débita reverência seis andores,
Um pendão de algodão tinto em tijuco,
Em fileira dez pares de menores.
Atrás um cego, um negro, um mameluco,
Três lotes de rapazes gritadores:
É a procissão de cinza em Pernambuco.

11 - Milagres do Brasil São

Um branco muito encolhido,
Um mulato muito ousado,
Um branco todo coitado,
Um canaz todo atrevido;
O saber muito abatido,
A ignorância e ignorante
Muito ufana e mui farfante,
Sem pena ou contradição:
Milagres do Brasil são.
Quem um cão revestido em padre,
Por culpa da Santa Sé,
Seja tão ousado que
Contra um branco honrado ladre;
E que esta ousadia quadre
Ao bispo, ao governador,
Ao cortesão, ao senhor,
Tendo naus no maranhão:
Milagres do Brasil são.
Se este tal podengo asneiro
O pai o esvanece já,
A mãe lhe lembro que está
Roendo em um tamoeiro:
Que importa um branco cueiro,
Se o... É tão denegrido!
Mas se nomisto sentido
Se lhe esconde a negridão,
Milagres do Brasil são.
Prega o perro frandulário,
E como a licença o cega,
Cuida que em púlpito prega,
E ladra num campanário:
Vão ouvi-lo de ordinário
Tios e tias do Congo,
E se, suando o mondongo,
Eles só gabo lhe dão,
Milagres do Brasil são.
Que há de pregar o cachorro,
Sendo uma vil criatura,
Que não sabe de escritura
Mais que aquela o pôs forro?
Quem lhe dá ajuda e socorro
São quatro sermões antigos;
E se amigos tem um cão,
Milagres do Brasil são.
Um cão é o timbre maior
Da Ordem predicatória,
Mas não acho em toda a história
Que um cão fosse pregador,
Se nunca falta um senhor:
Que lhe alcance esta licença
De Lourenço por Lourença,
Que as pardas tudo farão,
Milagres do Brasil são.
Té em versos quer dar penada,
E por que o gênio desbroche,
Como é cão, a troche-moche
Mete a unha e dá dentada:
O Perro não sabe nada,
E se com pouca vergonha
Tudo abate, é porque sonha
Que sabe alguma questão,
Milagres do Brasil são.
Do Perro afirmam doutores
Que fez uma apologia
Ao Mestre da teologia,
Se da lua aos resplendores
Outra ao sol dos pregadores:
Late um cão a noite inteira,
E ela, seguindo a carreira,
Luz com mais ostentação,
Milagres do Brasil são.
Que vos direi do Mulato,
Que vos não tenha já dito,
Se será amanhã delito
Falar dele sem recato?
Não faltará um mentecapto,
Que como vilão de encerro
Sinta que dêem no seu perro,
E se porta como um cão:
Milagres do Brasil são.
Imaginais que o insensato
De canzarrão fala tanto
Porque sabe tanto ou quanto?
Não, se não porque é mulato;
Ter sangue de carrapato,
Seu estorraque de congo,
Cheirar-lhe a roupa amondongo,
É cifra da perfeição:
Milagres do Brasil são.

12 – Retrato / Dona Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.


13 - Contemplando nas cousas do mundo

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O Velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por Tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazio a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
14 - E pois coronista sou

E pois coronista sou.
Se souberas falar também falaras
também satirizaras, se souberas,
e se foras poeta, poetaras.
Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar,
por quem de mim não tem mágoa?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?
Permiti., minha formosa,
que esta prosa envolta em verso
de um Poeta tão perverso
se consagre a vosso pé,
pois rendido à vossa fé
sou lá Poeta converso
Mas amo por amar, que é liberdade.

15 - Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário
da freguesia do Passé2
2Apesar de um titulo diferente, trata-se do mesmo poema que aparece sob nome
de Milagres do Brasil São

Um branco muito encolhido,
Um mulato muito ousado,
Um branco todo coitado,
Um canaz todo atrevido;
O saber muito abatido,
A ignorância e ignorante
Muito ufana e mui farfante,
Sem pena ou contradição:
Milagres do Brasil são.
Quem um cão revestido em padre,
Por culpa da Santa Sé,
Seja tão ousado que
Contra um branco honrado ladre;
E que esta ousadia quadre
Ao bispo, ao governador,
Ao cortesão, ao senhor,
Tendo naus no maranhão:
Milagres do Brasil são.
Se este tal podengo asneiro
O pai o esvanece já,
A mãe lhe lembro que está
Roendo em um tamoeiro:
Que importa um branco cueiro,
Se o... É tão denegrido!
Mas se nomisto sentido
Se lhe esconde a negridão,
Milagres do Brasil são.
Prega o perro frandulário,
E como a licença o cega,
Cuida que em púlpito prega,
E ladra num campanário:
Vão ouvi-lo de ordinário
Tios e tias do Congo,
E se, suando o mondongo,
Eles só gabo lhe dão,
Milagres do Brasil são.
Que há de pregar o cachorro,
Sendo uma vil criatura,
Que não sabe de escritura
Mais que aquela o pôs forro?
Quem lhe dá ajuda e socorro
São quatro sermões antigos;
E se amigos tem um cão,
Milagres do Brasil são.
Um cão é o timbre maior
Da Ordem predicatória,
Mas não acho em toda a história
Que um cão fosse pregador,
Se nunca falta um senhor:
Que lhe alcance esta licença
De Lourenço por Lourença,
Que as pardas tudo farão,
Milagres do Brasil são.
Té em versos quer dar penada,
E por que o gênio desbroche,
Como é cão, a troche-moche
Mete a unha e dá dentada:
O Perro não sabe nada,
E se com pouca vergonha
Tudo abate, é porque sonha
Que sabe alguma questão,
Milagres do Brasil são.
Do Perro afirmam doutores
Que fez uma apologia
Ao Mestre da teologia,
Se da lua aos resplendores
Outra ao sol dos pregadores:
Late um cão a noite inteira,
E ela, seguindo a carreira,
Luz com mais ostentação,
Milagres do Brasil são.
Que vos direi do Mulato,
Que vos não tenha já dito,
Se será amanhã delito
Falar dele sem recato?
Não faltará um mentecapto,
Que como vilão de encerro
Sinta que dêem no seu perro,
E se porta como um cão:
Milagres do Brasil são.
Imaginais que o insensato
De canzarrão fala tanto
Porque sabe tanto ou quanto?
Não, se não porque é mulato;
Ter sangue de carrapato,
Seu estorraque de congo,
Cheirar-lhe a roupa amondongo,
É cifra da perfeição:
Milagres do Brasil são.

16 - Define a sua cidade

De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.
Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

17 - Descreve a vida escolástica

Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
Medíocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete;
Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsídia ao moço do seu trato,
Furtar a carne à ama, que promete;
A putinha aldeã achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante;
Cartinhas de trocado para a freira,
Comer boi, ser Quixote com as damas,
Pouco estudo: isto é ser estudante.

18 - À cidade da Bahia (2)

A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

19 - Aos vícios

Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em plectro diferente.
Já sinto que me inflama e que me inspira
Talia, que anjo é da minha guarda
Dês que Apolo mandou que me assistira.
Arda Baiona e todo o mundo arda
Que a quem de profissão falta à verdade
Nunca a dominga das verdades tarda.
Nenhum tempo excetua a cristandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para falar em sua liberdade.
A narração há de igualar ao caso
E se talvez acaso o não iguala
Não tenho por poeta o que é Pegaso.
De que pode servir calar quem cala?
Nunca se há de falar o que se sente
Sempre se há de sentir o que se fa1a.
Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia
Não chore, não suspire e não lamente?
Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.
O néscio, o ignorante, o inexperto
Que não elege o bom, nem mau reprova
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem e o mal vituperado
A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado:
-Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.
Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazaras
Musas, que estimo ter, quando as invoco.
Se souberas falar, também falaras
Também satirizaras, se souberas
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorancia dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não? -por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos
Quem maior a tiver do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem-se os mais chitom, e haja saúde.

20 -Descreve a confusão do festejo do Entrudo

Filhós, fatias, sonhos, mal-assadas,
Galinhas, porco, vaca, e mais carneiro,
Os perus em poder do pasteleiro,
Esguichar, deitar pulhas, laranjadas;
Enfarinhar, pôr rabos, dar risadas,
Gastar para comer muito dinheiro,
Não ter mãos a medir o taverneiro,
Com réstias de cebolas dar pancadas;
Das janelas com tanhos dar nas gentes,
A buzina tanger, quebrar panelas,
Querer em um só dia comer tudo;
Não perdoar arroz, nem cuscuz quente,
Despejar pratos, e alimpar tijelas:
Estas as festas são do Santo Entrudo.
21 - Solitário em seu mesmo quarto à vista da luz

Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.
Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo, que exalou, morro abrasado.
Ambos de firme anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.
Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.

22 - Aos afetos e lágrimas derramadas

Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:
Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.
Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

23 - Admirável expressão que faz o poeta de seu atencioso
silêncio

Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.
O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é, que sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.
Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.
Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro no peito.
24 - Definição do amor – romance

Mandai-me, Senhores, hoje,
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que da clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas, que Amor carrega.
Outros, que fora ferreiro
seu pai, onde Vênus bela
serviu de bigorna, em que
malhava com grã destreza.
Que a dois assopros lhe fez
o fole inchar de maneira,
que nele o fogo acendia,
nela aguava a ferramenta.
Nada disto é, nem se ignora,
que o Amor é fogo, e bem era
tivesse por berço as chamas
se é raio nas aparências.
Este se chama Monarca,
ou Semideus se nomeia,
cujo céu são esperanças,
cujo inferno são ausências.
Um Rei, que mares domina,
Um Rei, o mundo sopeia,
sem mais tesouro que um arco,
sem mais arma que uma seta.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez de esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira.
Um maltrapilho, um ninguém,
que anda hoje nestas eras
com o cu à mostra, jogando
com todos a cabra-cega.
Tapando os olhos da cara,
por deixar o outro alerta,
por detrás à italiana,
por diante à portuguesa.
Diz que é cego, porque canta,
ou porque vende gazetas
das vitórias, que alcançou
na conquista das finezas.
Que vende também folhinhas
cremos por coisa mui certa,
pois nos dá os dias santos,
sem dar ao cuidado tréguas;
E porque despido o pintam
é tudo mentira certa,
mas eu tomara ter junto
o que Amor a mim me leva.
Que tem asas com que voa
e num pensamento chega
assistir hoje em Cascais
logo em Coina, e Salvaterra.
Isto faz um arrieiro
com duas porradas tesas:
e é bem, que no Amor se gabe,
o que o vinho só fizera!
E isto é Amor? é um corno.
Isto é Cupido? má peça.
Aconselho que o não comprem
ainda que lhe achem venda.
Isto, que o Amor se chama,
este, que vidas enterra,
este, que alvedrios prostra,
este, que em palácios entra:
Este, que o juízo tira,
este, que roubou a Helena,
este, que queimou a Tróia,
e a Grã-Bretanha perdera:
Este, que a Sansão fez fraco,
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento,
é assunto dos poetas:
Faz o sisudo andar louco,
faz pazes, ateia a guerra,
o frade andar desterrado,
endoidece a triste freira.
Largar a almofada a moça,
ir mil vezes à janela,
abrir portas de cem chaves,
e mais que gata janeira.
Subir muros e telhados,
trepar cheminés e gretas,
chorar lágrimas de punhos,
gastar em escritos resmas.
Gastar cordas em descantes,
perder a vida em pendências,
este, que não faz parar
oficial algum na tenda.
O moço com sua moça,
o negro com sua negra,
este, de quem finalmente
dizem que é glória, e que é pena.
É glória, que martiriza,
uma pena, que receia,
é um fel com mil doçuras,
favo com mil asperezas.
Um antídoto, que mata,
doce veneno, que enleia,
uma discrição, sem siso,
uma loucura discreta.
Uma prisão toda livre,
uma liberdade presa,
desvelo com mil descansos,
descanso com mil desvelos.
Uma esperança, sem posse,
uma posse, que não chega,
desejo, que não se acaba,
ânsia, que sempre começa.
Uma hidropisia d’alma,
da razão uma cegueira,
uma febre da vontade,
uma gostosa doença.
Uma ferida sem cura,
uma chaga, que deleita,
um frenesi dos sentidos,
desacordo das potências.
Um fogo incendido em mina,
faísca emboscada em pedra,
um mal, que não tem remédio,
um bem, que se não enxerga.
Um gosto, que se não conta,
um perigo, que não deixa,
um estrago, que se busca,
ruína, que lisonjeia.
Uma dor, que se não cala,
pena, que sempre atormenta,
manjar, que não enfastia,
um brinco, que sempre enleva.
Um arrojo, que enfeitiça,
um engano, que contenta,
um raio, que rompe a nuvem,
que reconcentra a esfera.
Víbora, que a vida tira
àquelas entranhas mesmas,
que segurou o veneno,
e que o mesmo ser lhe dera.
Um áspide entre boninas,
entre bosques uma fera,
entre chamas salamandra,
pois das chamas se alimenta.
Um basalisco, que mata,
lince, que tudo penetra,
feiticeiro, que adivinha,
marau, que tudo suspeita.
Enfim o Amor é um momo,
uma invenção, uma teima,
um melindre, uma carranca,
uma raiva, uma fineza.
Uma meiguice, um afago,
um arrufo, e uma guerra,
hoje volta, amanhã torna,
hoje solda, amanhã quebra.
Uma vara de esquivanças,
de ciúmes vara e meia,
um sim, que quer dizer não,
não, que por sim se interpreta.
Um queixar de mentirinha,
um folgar muito deveras,
um embasbacar na vista,
um ai, quando a mão se aperta.
Um falar por entre dentes,
dormir a olhos alerta,
que estes dizem mais dormindo,
do que a língua diz discreta.
Uns temores de mal pago,
uns receios de uma ofensa,
um dizer choro contigo,
choramingar nas ausências.
Mandar brinco de sangrias,
passar cabelos por prenda,
das palmitos pelos Ramos,
e dar folar pela festa.
Anal pelo São João,
alcachofras na fogueira,
ele pedir-lhe ciúmes,
ela sapatos e meias.
Leques, fitas e manguitos,
rendas da moda francesa,
sapatos de marroquim,
guarda-pé de primavera.
Livre Deus, a quem encontra,
ou lhe suceder ter freira;
pede-vos por um recado
sermão, cera e caramelas.
Arre lá com tal amor!
isto é amor? é quimera,
que faz de um homem prudente
converter-se logo em besta.
Uma bofia, uma mentira
chamar-lhe-ei, mais depressa,
fogo selvagem nas bolsas,
e uma sarna das moedas.
Uma traça do descanso,
do coração bertoeja,
sarampo da liberdade,
carruncho, rabuge e lepra.
É este, o que chupa, e tira,
vida, saúde e fazenda,
e se hemos falar verdade
é hoje o Amor desta era.
Tudo uma bebedice,
ou tudo uma borracheira,
que se acaba co’o dormir,
e co’o dormir começa.
O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.
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O Barroco: Harmonia da Dissonância

  • 1. SITUANDO O BARROCO  Europa/1.517: Reforma Protestante (padre alemão Martinho Lutero) – denunciava a venda de indulgências como prática corrupta da Igreja Católica. Foi excomungado pelo papa Leão X.  Caminho da salvação: vida regrada, religiosidade, arrependimento sincero dos pecados e confiança na misericórdia de Deus.  João Calvino, luterano convertido, passou a defender a ideia de que a prosperidade era manifestação do fator divino, via trabalho. O lucro passou a ser visto como algo aceitável.  A burguesia passa a aderir ao protestantismo. REAÇÃO CATÓLICA: CONTRARREFORMA  Concílio de Trento – medidas mais importantes:  Tribunal do Santo Ofício/Sagrada Inquisição;  Índice dos livros proibidos (Index Librorum Proibitorum);  Companhia de Jesus, modelo militarizado de combate à Reforma Protestante (jesuítas);  Barroco, movimento cultural e artístico, iniciado na Itália ;  Características: tensão que nasce da tentativa de fundir visões opostas: a perspectiva antropocêntrica, herdada do Renascimento, e a teocêntrica, resgatada pela Contrarreforma. Posturas conflitantes. A arte barroca será marcada pela angústia de um ser humano atormentado por grandes dúvidas existenciais;  Mestres da pintura (temas religiosos): Caravaggio, Rembrandt, Velázquez e Rubens- expressam contradições. BARROCO: A HARMONIA DA DISSONÂNCIA  Final do séc. XVI até início do séc. XVIII.  Começa na Itália, vai para outros países da Europa, chega ao Brasil.  Caraterísticas: há tensão na tentativa de fundir/aproximar visões opostas – a visão antropocêntrica (racional), herdada do Renascimento, e a teocêntrica (fé), do movimento de Contrarreforma (posturas conflitantes/contraste). O
  • 2. Fusionismo.  Arte Barroca: marcada pela angústia de um ser humano atormentado por grandes dúvidas existenciais.  Temas religiosos (mestres da pintura): Caravaggio, Rembrandt, Rubens e Velázquez. União de aspectos contraditórios :o sagrado e o profano; a luz e a sombra (técnica conhecida como chiaroscuro); o paganismo e o cristianismo; o racional e o irracional.  Desafio Barroco: representar o mundo instável, os contrastes; a tensão entre o desejo de harmonia e a felicidade eterna, e a beleza vista na luta e no sofrimento humanos. O PROJETO LITERÁRIO BARROCO  O poeta italiano, Giambattista Marini, resume o projeto Barroco: “A poesia tem o desejo de produzir o espanto”.  Os agentes do discurso e o contexto de circulação : os textos literários barrocos, no começo da produção, eram ainda bastante restritos à Corte (centro de poder) e às universidades (centros de saber).  Surgem as ACADEMIAS – agremiações culturais em que vários escritores se reuniam, a fim de ler e estudar a poesia e os tratados de retórica (oratória, discurso, eloquência) dos clássicos latinos. Cópias acessíveis a poucos, pois os escritores acreditavam que, se fossem pelo grande público, seriam tidos como “vulgares”. Poeta e leitor: alta distinção e reconhecimento.  A poesia barroca é escrita por poetas para poetas (muito estudo e trabalho/sofisticação textual) e seu objetivo é demonstrar o domínio da retórica clássica em temas consagrados. Uso de antíteses e paradoxos.  O fusionismo e o culto do contraste: fusão das visões medievais e renascentistas, antagônicas (luz e sombra; racional e irracional, razão e fé= dualidade de ver o mundo). Interesse por antíteses e paradoxos.  Tentativa de conciliar extremos: pecadoXperdão; erotismoXespiritualidade. Indefinição como o crepúsculo (transição entre dia e noite) e a aurora (transição entre noite e dia). O PESSIMISMO E O FEÍSMO  Caráter dramático da vida. Olhar pessimista do mundo. Miséria da condição humana.
  • 3. Vida terrena= tristeza e sofrimento oposta à felicidade da vida celestial (razão x religião). O homem opta pela religião, a fim de alcançar a glória divina.  O REBUSCAMENTO: minucioso na composição dos detalhes e ornamentação excessiva. Linguagem trabalhada, cheia de imagens e figuras.  DINAMISMO E TEATRALIDADE: Sensação de movimento. Linhas curvas, na pintura, diferente das retas da arte renascentista. Traços hiper-realistas (retratar a realidade de modo exagerado, imprecisão barroca, humano menos idealizado, mais teatral para chocar o observador.) TEMAS MAIS RECORRENTES  Fragilidade da vida humana; fugacidade do tempo e valorização do “ carpe diem”, crítica à vaidade (a beleza é efêmera/efemeridade), as contradições do amor.  A escolha dos temas tem menos importância do que o trabalho com a linguagem.  AGUDEZA E ENGENHO: Agudeza é a capacidade de dizer algo de modo imprevisto e inteligente, criando metáforas, analogias e imagens. Já engenho promove correspondências inesperadas entre ideias e consegue sintetizar um pensamento com “palavras brilhantes”. O trabalho com a Linguagem é o segredo da construção das agudezas.  Disseminação e Recolha= distribuição de metáforas pelo poema, em que as imagens são “espalhadas” ao longo das 3 primeiras estrofes e “recolhidas” na última (2 últimos versos) Antologias acadêmicas célebres em Portugal: A Fênix renascida e o Postilhão de Apolo. Destacam-se Francisco de Vasconcelos e Sóror Violante do Céu (freira), denominada “décima musa” e “fênix dos engenhos lusitanos”.  A LINGUAGEM BARROCA: contrasta fortemente com o equilíbrio, a clareza e a linearidade da linguagem clássica. O rebuscamento barroco é uma tentativa de expressar a angústia e a incerteza do período. A desarmonia e o desequilíbrio resultam num estilo exagerado, repleto de figuras de linguagem e de outros recursos de expressão, como: metáforas, antíteses, paradoxos, hipérbatos (inversão das palavras/labirinto do raciocínio barroco), frases interrogativas, etc. AS CORRENTES DO BARROCO  A) CULTISMO OU GONGORISMO (Luís de Góngora). Caracteriza-se pela
  • 4. elaboração muito rebuscada da linguagem. Utilizam 3 artifícios os poetas: 1) jogos de palavras (sinonímia, antonímia, perífrase, etc.), 2) jogos de imagens (figuras de linguagem) e 3) jogos de construção (estruturação sintática elaborada). Exploração de estímulos sensoriais, trabalho com o som e as cores.  B) CONCEPTISMO OU QUEVEDISMO (Francisco Quevedo)  O escritor procura seduzir o leitor pela construção intelectual, valorizando o conteúdo, o conceito, a essência da significação, ao invés de investir no rebuscamento linguístico.  Desenvolvimento de um raciocínio (Silogismo) apurado, o que leva muitas vezes à dificuldade na compreensão do conteúdo. O Conceptismo foi mais utilizado na prosa. Nos poemas, há o predomínio do Cultismo. Mas podem ocorrer as duas correntes simultaneamente, no Barroco literário. TEMAS DA LITERATURA BARROCA  Transitoriedade da vida e dos bens materiais;  “Carpe diem” = viver intensamente o momento presente, já que a vida é fugaz e o futuro incerto;  Preocupação com a morte= o artista desse movimento debate-se entre a culpa de ser um pecador e a esperança da salvação;  Duelo entre o desejo e a castidade, o céu e a terra, Deus e o Diabo, pureza e pecado; Locus horrendus= o mundo é concebido como um “lugar horrível”, fonte de dor e de desilusão.  Os escritores viviam isolados. As obras que escreviam raramente chegavam a ser publicadas. Sua difusão era oral ou manuscrita, mas com pouca frequência.  Havia apenas manifestações literárias, no período colonial. A produção literária brasileira só alcança a condição plena de literatura nacional no século XIX, quando é possível identificar produção constante de obras literárias publicadas e lidas com regularidade.  Prosopopeia , de Bento Teixeira, é considerado o marco inicial da literatura barroca brasileira, em 1601 (séc. XVII). PADRE ANTÔNIO VIEIRA (Conceptista)  Sermão, discurso religioso voltado à divulgação dos valores da Igreja
  • 5. romana. Vieira ficou famoso, na prosa, pela argumentação engenhosa e pela retórica perfeita, (arte de usar uma linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva.). Ideologia contrarreformista.  Sua extensa obra contém 207 sermões e muitas cartas. Entre seus sermões mais importantes estão:  Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda – pregado na Bahia, em 1640 - reação contra a invasão holandesa, defendendo-se da ameaça protestante;  Sermão da primeira dominga da Quaresma (Maranhão/1653) – tenta convencer os colonos a libertarem os indígenas que escravizavam; Sermão da sexagésima (Lisboa/Capela Real/1655)- tematiza a arte de pregar e tenta convencer os fiéis de que a culpa de a palavra de Deus não frutificar é dos pregadores, que enfeitam a linguagem, mas acabam dificultando o texto, a mensagem. Sermão de Santo Antônio (aos peixes) – (Maranhão/1654) – ataca a escravização dos índios.  MONTAGEM ARGUMENTATIVA DE UM SERMÃO  A estrutura para os sermões no séc. XVII envolvia 4 passos, com ideias que marcam a corrente conceptista barroca de Vieira. São elas:  A) Exórdio – introdução; exposição do plano e as ideias que vai defender;  B) Invocação – pede auxílio divino;  C) Confirmação – desenvolvimento e exposição do tema;  D) Peroração – conclusão; termina com um desfecho vibrante para impressionar os fiéis e motivá-los a seguirem os ensinamentos bíblicos apresentados. (p. 170)  METÁFORA DA ÁRVORE: REPRESENTAÇÃO DO SERMÃO DA SEXAGÉSIMA. (p. 171) No Semão da Sexagésima, o pregador jesuíta define os passos a serem seguidos na montagem argumentativa. Os procedimentos defendidos correspondem à seguinte estrutura: 1) Definir a matéria; 2) Reparti-la; 3) Confirmá-la com a Escritura; 4) Confirmá-la com a razão; 5) Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções (argumentos contrários); 6) Tirar uma conclusão e persuadir, exortar. (Ver paralelismo sintático).  Ex.: Se tudo são troncos – não é sermão – é madeira.
  • 6. Se tudo são flores - não é sermão – é ramalhete.  (condição) (negação) (conclusão)  SILOGISMO/EXEMPLOS: Um cachorro é um animal. (premissa maior) Totó é um cachorro. (premissa menor) Logo, Totó é um animal. (conclusão) Recorrendo ao exemplo clássico aristotélico: Todo homem é mortal. (proposição geral) Sócrates é homem. (proposição particular) Portanto, Sócrates é mortal. (conclusão) GREGÓRIO DE MATOS GUERRA: O BOCA DO INFERNO  Filho de uma família abastada, dona de dois engenhos de cana-de-açúcar e de 130 escravos. Estudou Direito em Coimbra. Conhecia a poesia de Sá de Miranda e Camões. Leu obras de Quevedo e Góngora.  A POESIA LÍRICO-AMOROSA  Temas clássicos: oposição entre espírito e matéria, religiosidade x sensualismo,bens mundanos x celestiais. Empregou aspectos do Cultismo/Gongorismo e também do Conceptismo/Quevedismo (forma/linguagem rebuscada e conceito/conteúdo/construção intelectual, respectivamente), em sua obra.  Seguiu a tradição inaugurada por Shakespeare e Camões, ao comparar a beleza feminina às maravilhas da natureza. Ideal de beleza encontrado na natureza. (Ver p. 172/ “Pintura admirável de uma beleza”) PINTURA ADMIRÁVEL DE UMA BELEZA SONETO (pág. 172/Análise) Vês /es/se/ sol /de /lu/zes/ co/ro/a/do? A Em/ pé/ro/las/ a au/ro/ra/ con/ver/ti/da? B
  • 7. Vês /a/ lu/a/ de es/tre/las /guar/ne/ci/da? B Vês/ o/ céu/ de/ pla/ne/tas /a/do/ra/do? A O céu deixemos; vês naquele prado A rosa com razão desvanecida? A açucena por alva presumida? O cravo por galã lisonjeado? Deixa o prado; vem cá, minha adorada: Vês desse mar a esfera cristalina Em sucessivo aljôfar desatada? Parece aos olhos ser de prata fina? Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada À vista do teu rosto, Catarina. (MATOS, Gregório de. In: José Miguel Wisnik. Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 223.)  Catarina a tudo supera em beleza: aspectos louváveis do Sol, da Lua, do Céu, da rosa, da açucena e do mar. Paradoxo final: “ tudo é nada/ À vista do teu rosto”  Decassílabos, com rimas interpoladas, opostas (ABBA). A POESIA LÍRICA : SACRA/RELIGIOSA  Sobressai na poesia sacra de Gregório o senso de pecado, a constatação da fragilidade humana e o temor diante da morte e da condenação eterna (o pecador arrependido, na fase final de sua vida). Na juventude, as composições desafiavam o poder divino.
  • 8. Uso do verso decassílabo, no soneto. Disposição: opostas (ABBA) BUSCANDO A CRISTO (pág. 173) A/ vós/ cor/ren/do/ vou,/ bra/ços/ as/gra/(dos), A Nes/sa/ cruz/ sa/cros/san/ta/ des/co/ber/(tos), B Que, para receber-me, estais abertos, B E, por não castigar-me, estais cravados. A A vós, divinos olhos, eclipsados A De tanto sangue e lágrimas abertos, B Pois, para perdoar-me, estais despertos, B E, por não condenar-me, estais fechados.A A vós, pregados pés, por não deixar-me, A vós, sangue vertido, para ungir-me, A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me A vós, lado patente, quero unir-me, A vós, cravos preciosos, quero atar-me, Para ficar unido, atado e firme. CARACTERÍSTICAS DO SONETO BUSCANDO A CRISTO  Situações ambivalentes: os braços de Cristo são apresentados abertos e cravados (presos); seus olhos despertos e fechados (avaliação positiva). Assim, os braços estão abertos para acolher o fiel que se dirige a Deus e cravados para castigá-lo pelos pecados cometidos.  Argumentação (verdade religiosa)= o perdão de Deus é absoluto.  Uso de metonímias (parte pelo todo)= braços, olhos (atitude acolhedora de bondade).  Na última estrofe, ocorre o fusionismo: o fiel reconhece os sinais de que será acolhido por Deus e manifesta o desejo de “ficar unido, atado e firme” ao Cristo crucificado. A POESIA SATÍRICA
  • 9. Os poemas satíricos deram fama a Gregório, expondo de modo exemplar a prática da maledicência. Revela aspectos negativos da vida da Bahia e de Pernambuco. Denuncia a corrupção econômica dos políticos, comerciantes e a corrupção moral dos padres e freiras. Dizia: “Eu falo, seja o que for”.  Nenhum segmento da sociedade portuguesa e brasileira escapou à pena ferina de Gregório de Matos. À cidade da Bahia (soneto) Triste Bahia! Oh quão dessemelhante Estás, e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vejo eu já, tu a mi abundante. A ti tocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado Tanto negócio, e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh, se quisera Deus, que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote! EXEMPLOS DE POESIAS SATÍRICAS Descreve a vida escolástica
  • 10. Mancebo sem dinheiro, bom barrete, Medíocre o vestido, bom sapato, Meias velhas, calção de esfola-gato, Cabelo penteado, bom topete; Presumir de dançar, cantar falsete, Jogo de fidalguia, bom barato, Tirar falsídia ao moço do seu trato, Furtar a carne à ama, que promete; A putinha aldeã achada em feira, Eterno murmurar de alheias famas, Soneto infame, sátira elegante; Cartinhas de trocado para a freira, Comer boi, ser Quixote com as damas, Pouco estudo: isto é ser estudante. Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário da freguesia do Passé Um branco muito encolhido, Um mulato muito ousado, Um branco todo coitado, Um canaz todo atrevido; O saber muito abatido, A ignorância e ignorante Muito ufana e mui farfante, Sem pena ou contradição: Milagres do Brasil são. Quem um cão revestido em padre,
  • 11. Por culpa da Santa Sé, Seja tão ousado que Contra um branco honrado ladre; E que esta ousadia quadre Ao bispo, ao governador, Ao cortesão, ao senhor, Tendo naus no maranhão: Milagres do Brasil são. ALEIJADINHO (ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA O trabalho artístico formado por 66 imagens religiosas esculpidas em madeira e 12 feitas de pedra-sabão, é considerado um dos mais importantes e representativos do barroco brasileiro. A OBRA DE ALEIJADINHO A obra de Aleijadinho mistura diversos estilos do barroco. Em suas esculturas estão presentes características do rococó e dos estilos clássico e gótico. Utilizou como material de suas obras de arte, principalmente a pedra- sabão, matéria-prima brasileira. A madeira também foi utilizada pelo artista.  Morreu pobre, doente e abandonado na cidade de Ouro Preto no ano de 1814 (ano provável). O conjunto de sua obra foi reconhecido como importante muitos anos depois. Atualmente, Aleijadinho é considerado o mais importante artista plástico do barroco mineiro. PRINCIPAIS OBRAS DE ALEIJADINHO: Talha
  • 12. - Retábulo da capela-mor da Igreja de São Francisco em São João del-Rei - Retábulo da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto - Retábulo da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto Arquitetura - Projetos de fachadas de duas igrejas (Igreja de São Francisco em São João del- Rei e Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto). Escultura - Conjunto de esculturas do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (incluíndo as mais conhecidas: "Os Doze Profetas" IMAGENS BARROCAS
  • 13.
  • 14.
  • 15. GREGÓRIO DE MATOS GUERRA – Seleção 01 - A Nosso Senhor Jesus Christo com actos de arrependimento e suspiros de amor Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade, É verdade, meu Deus, que hei delinqüido, Delinqüido vos tenho, e ofendido, Ofendido vos tem minha maldade. Maldade, que encaminha à vaidade, Vaidade, que todo me há vencido; Vencido quero ver-me, e arrependido, Arrependido a tanta enormidade. Arrependido estou de coração, De coração vos busco, dai-me os braços, Abraços, que me rendem vossa luz. Luz, que claro me mostra a salvação, A salvação pertendo em tais abraços, Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus. 02 - Inconstância dos bens do mundo Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância,
  • 16. E na alegria sinta-se tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.
  • 17. 03 - À cidade da Bahia (soneto) Triste Bahia! Oh quão dessemelhante Estás, e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vejo eu já, tu a mi abundante. A ti tocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado Tanto negócio, e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh se quisera Deus, que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote! 04 - A Maria dos povos, sua futura esposa Discreta, e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia: Enquanto com gentil descortesia O ar, que fresco Adônis te namora, Te espalha a rica trança voadora, Quando vem passear-te pela fria: Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trota a toda ligeireza, E imprime em toda a flor sua pisada. Oh, não aguardes, que a madura idade Te converta em flor, essa beleza Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada. 05 - Epílogos (Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da república) Que falta nesta cidade?... Verdade. Que mais por sua desonra?... Honra. Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha. O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio. Quem causa tal perdição?... Ambição. E no meio desta loucura?... Usura. Notável desaventura De um povo néscio e sandeu, Que não sabe que perdeu Negócio, ambição, usura.3
  • 18. Quais são seus doces objetos?... Pretos. Tem outros bens mais maciços?... Mestiços. Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos. Dou ao Demo os insensatos, Dou ao Demo o povo asnal, Que estima por cabedal, Pretos, mestiços, mulatos. Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos. Quem faz as farinhas tardas?... Guardas. Quem as tem nos aposentos?... Sargentos. Os círios lá vem aos centos, E a terra fica esfaimando, Porque os vão atravessando Meirinhos, guardas, sargentos. E que justiça a resguarda?... Bastarda. É grátis distribuída?... Vendida. Que tem, que a todos assusta?... Injusta. Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça. Que anda a Justiça na praça Bastarda, vendida, injusta. Que vai pela clerezia?... Simonia. E pelos membros da Igreja?... Inveja. Cuidei que mais se lhe punha?... Unha Sazonada caramunha, Enfim, que na Santa Sé O que mais se pratica é Simonia, inveja e unha. E nos frades há manqueiras?... Freiras. Em que ocupam os serões?... Sermões. Não se ocupam em disputas?... Putas. Com palavras dissolutas Me concluo na verdade, Que as lidas todas de um frade São freiras, sermões e putas. O açúcar já acabou?... Baixou. E o dinheiro se extinguiu?... Subiu. Logo já convalesceu?... Morreu. À Bahia aconteceu O que a um doente acontece: Cai na cama, e o mal cresce, Baixou, subiu, morreu. A Câmara não acode?... Não pode. Pois não tem todo o poder?... Não quer. É que o Governo a convence?... Não vence. Quem haverá que tal pense, Que uma câmara tão nobre, Por ver-se mísera e pobre, Não pode, não quer, não vence.
  • 19. 06- A uma dama Vês esse Sol de luzes coroado, Em pérolas a Aurora convertida; Vês a Lua, de estrelas guarnecida; Vês o Céu, de planetas adornado? O céu deixemos: vês, naquele prado, A rosa com razão desvanecida, A açucena por alva presumida, O cravo por galã lisonjeado? Deixa o prado: vem cá, minha adorada: Vês desse mar a esfera cristalina Em sucessivo aljôfar desatada? Parece aos olhos ser de prata fina... Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada À vista do teu rosto, Catarina. 07 - A instabilidade das cousas no mundo1 1Apesar de um titulo diferente, trata-se do mesmo poema que aparece sob nome de Inconstância dos bens do mundo. Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância. 08 - A certa personagem desvanecida Um soneto começo em vosso gabo: Contemos esta regra por primeira; Já lá vão duas, e esta é a terceira, Já este quartetinho está no cabo, Na quinta torce agora a porca o rabo; A sexta vá também d'esta maneira: Na sétima entro já com gran canseira, E saio dos quartetos muito brabo. Agora nos tercetos que direi: Direi que vós, Senhor, a mim me honrais Gabando-vos a vós, e eu fico um rei. N'esta vida um soneto já ditei; Se d'esta agora escapo, nunca mais: Louvado seja Deus, que o acabei.
  • 20. 09 - Aos principais da Bahia chamados caramurus Um calção de pindoba a meia zorra Camisa de urucu, mantéu de arara, Em lugar de cotó, arco, e taquara, Penacho de guarás em vez de gorra. Furado o beiço, e sem temer que morra O pai, que lho envazou cuma titara, Porém a Mãe a pedra lhe aplicara Por reprimir-lhe o sangue que não corra, Alarve sem razão, bruto sem fé, Sem mais leis, que as do gosto, quando erra, De Paiaiá tornou-se em Abaeté. Não sei onde acabou, ou em que guerra, Só sei que deste Adão de Massapé, Procedem os fidalgos desta terra. 10 - À procissão de cinza em Pernambuco Um negro magro de sufulié justo, Dois azorragues de um joá pendentes, Barbado o Peres, mais dois penitentes, Seis crianças com asas sem mais custo. De vermelho o mulato mais robusto, Três fradinhos meninos inocentes, Dez ou doze brichotes mui agentes, Vinte ou trinta canelas de ombro onusto. Sem débita reverência seis andores, Um pendão de algodão tinto em tijuco, Em fileira dez pares de menores. Atrás um cego, um negro, um mameluco, Três lotes de rapazes gritadores: É a procissão de cinza em Pernambuco. 11 - Milagres do Brasil São Um branco muito encolhido, Um mulato muito ousado, Um branco todo coitado, Um canaz todo atrevido; O saber muito abatido, A ignorância e ignorante Muito ufana e mui farfante, Sem pena ou contradição: Milagres do Brasil são. Quem um cão revestido em padre, Por culpa da Santa Sé, Seja tão ousado que Contra um branco honrado ladre; E que esta ousadia quadre Ao bispo, ao governador, Ao cortesão, ao senhor, Tendo naus no maranhão:
  • 21. Milagres do Brasil são. Se este tal podengo asneiro O pai o esvanece já, A mãe lhe lembro que está Roendo em um tamoeiro: Que importa um branco cueiro, Se o... É tão denegrido! Mas se nomisto sentido Se lhe esconde a negridão, Milagres do Brasil são. Prega o perro frandulário, E como a licença o cega, Cuida que em púlpito prega, E ladra num campanário: Vão ouvi-lo de ordinário Tios e tias do Congo, E se, suando o mondongo, Eles só gabo lhe dão, Milagres do Brasil são. Que há de pregar o cachorro, Sendo uma vil criatura, Que não sabe de escritura Mais que aquela o pôs forro? Quem lhe dá ajuda e socorro São quatro sermões antigos; E se amigos tem um cão, Milagres do Brasil são. Um cão é o timbre maior Da Ordem predicatória, Mas não acho em toda a história Que um cão fosse pregador, Se nunca falta um senhor: Que lhe alcance esta licença De Lourenço por Lourença, Que as pardas tudo farão, Milagres do Brasil são. Té em versos quer dar penada, E por que o gênio desbroche, Como é cão, a troche-moche Mete a unha e dá dentada: O Perro não sabe nada, E se com pouca vergonha Tudo abate, é porque sonha Que sabe alguma questão, Milagres do Brasil são. Do Perro afirmam doutores Que fez uma apologia Ao Mestre da teologia, Se da lua aos resplendores Outra ao sol dos pregadores: Late um cão a noite inteira, E ela, seguindo a carreira, Luz com mais ostentação, Milagres do Brasil são.
  • 22. Que vos direi do Mulato, Que vos não tenha já dito, Se será amanhã delito Falar dele sem recato? Não faltará um mentecapto, Que como vilão de encerro Sinta que dêem no seu perro, E se porta como um cão: Milagres do Brasil são. Imaginais que o insensato De canzarrão fala tanto Porque sabe tanto ou quanto? Não, se não porque é mulato; Ter sangue de carrapato, Seu estorraque de congo, Cheirar-lhe a roupa amondongo, É cifra da perfeição: Milagres do Brasil são. 12 – Retrato / Dona Ângela Anjo no nome, Angélica na cara Isso é ser flor, e Anjo juntamente Ser Angélica flor, e Anjo florente Em quem, se não em vós se uniformara? Quem veria uma flor, que a não cortara De verde pé, de rama florescente? E quem um Anjo vira tão luzente Que por seu Deus, o não idolatrara? Se como Anjo sois dos meus altares Fôreis o meu custódio, e minha guarda Livrara eu de diabólicos azares Mas vejo, que tão bela, e tão galharda Posto que os Anjos nunca dão pesares Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda. 13 - Contemplando nas cousas do mundo Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais carepa: Com sua língua ao nobre o vil decepa: O Velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazio a tripa, E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa.
  • 23. 14 - E pois coronista sou E pois coronista sou. Se souberas falar também falaras também satirizaras, se souberas, e se foras poeta, poetaras. Cansado de vos pregar cultíssimas profecias, quero das culteranias hoje o hábito enforcar: de que serve arrebentar, por quem de mim não tem mágoa? Verdades direi como água, porque todos entendais os ladinos, e os boçais a Musa praguejadora. Entendeis-me agora? Permiti., minha formosa, que esta prosa envolta em verso de um Poeta tão perverso se consagre a vosso pé, pois rendido à vossa fé sou lá Poeta converso Mas amo por amar, que é liberdade. 15 - Ao padre Lourenço Ribeiro, homem pardo que foi vigário da freguesia do Passé2 2Apesar de um titulo diferente, trata-se do mesmo poema que aparece sob nome de Milagres do Brasil São Um branco muito encolhido, Um mulato muito ousado, Um branco todo coitado, Um canaz todo atrevido; O saber muito abatido, A ignorância e ignorante Muito ufana e mui farfante, Sem pena ou contradição: Milagres do Brasil são. Quem um cão revestido em padre, Por culpa da Santa Sé, Seja tão ousado que Contra um branco honrado ladre; E que esta ousadia quadre Ao bispo, ao governador, Ao cortesão, ao senhor, Tendo naus no maranhão: Milagres do Brasil são. Se este tal podengo asneiro O pai o esvanece já, A mãe lhe lembro que está Roendo em um tamoeiro: Que importa um branco cueiro,
  • 24. Se o... É tão denegrido! Mas se nomisto sentido Se lhe esconde a negridão, Milagres do Brasil são. Prega o perro frandulário, E como a licença o cega, Cuida que em púlpito prega, E ladra num campanário: Vão ouvi-lo de ordinário Tios e tias do Congo, E se, suando o mondongo, Eles só gabo lhe dão, Milagres do Brasil são. Que há de pregar o cachorro, Sendo uma vil criatura, Que não sabe de escritura Mais que aquela o pôs forro? Quem lhe dá ajuda e socorro São quatro sermões antigos; E se amigos tem um cão, Milagres do Brasil são. Um cão é o timbre maior Da Ordem predicatória, Mas não acho em toda a história Que um cão fosse pregador, Se nunca falta um senhor: Que lhe alcance esta licença De Lourenço por Lourença, Que as pardas tudo farão, Milagres do Brasil são. Té em versos quer dar penada, E por que o gênio desbroche, Como é cão, a troche-moche Mete a unha e dá dentada: O Perro não sabe nada, E se com pouca vergonha Tudo abate, é porque sonha Que sabe alguma questão, Milagres do Brasil são. Do Perro afirmam doutores Que fez uma apologia Ao Mestre da teologia, Se da lua aos resplendores Outra ao sol dos pregadores: Late um cão a noite inteira, E ela, seguindo a carreira, Luz com mais ostentação, Milagres do Brasil são. Que vos direi do Mulato, Que vos não tenha já dito, Se será amanhã delito Falar dele sem recato? Não faltará um mentecapto, Que como vilão de encerro
  • 25. Sinta que dêem no seu perro, E se porta como um cão: Milagres do Brasil são. Imaginais que o insensato De canzarrão fala tanto Porque sabe tanto ou quanto? Não, se não porque é mulato; Ter sangue de carrapato, Seu estorraque de congo, Cheirar-lhe a roupa amondongo, É cifra da perfeição: Milagres do Brasil são. 16 - Define a sua cidade De dois ff se compõe esta cidade a meu ver: um furtar, outro foder. Recopilou-se o direito, e quem o recopilou com dous ff o explicou por estar feito, e bem feito: por bem digesto, e colheito só com dous ff o expõe, e assim quem os olhos põe no trato, que aqui se encerra, há de dizer que esta terra de dous ff se compõe. Se de dous ff composta está a nossa Bahia, errada a ortografia, a grande dano está posta: eu quero fazer aposta e quero um tostão perder, que isso a há de perverter, se o furtar e o foder bem não são os ff que tem esta cidade ao meu ver. Provo a conjetura já, prontamente como um brinco: Bahia tem letras cinco que são B-A-H-I-A: logo ninguém me dirá que dous ff chega a ter, pois nenhum contém sequer, salvo se em boa verdade são os ff da cidade um furtar, outro foder. 17 - Descreve a vida escolástica Mancebo sem dinheiro, bom barrete, Medíocre o vestido, bom sapato, Meias velhas, calção de esfola-gato,
  • 26. Cabelo penteado, bom topete; Presumir de dançar, cantar falsete, Jogo de fidalguia, bom barato, Tirar falsídia ao moço do seu trato, Furtar a carne à ama, que promete; A putinha aldeã achada em feira, Eterno murmurar de alheias famas, Soneto infame, sátira elegante; Cartinhas de trocado para a freira, Comer boi, ser Quixote com as damas, Pouco estudo: isto é ser estudante. 18 - À cidade da Bahia (2) A cada canto um grande conselheiro. que nos quer governar cabana, e vinha, não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro. Em cada porta um freqüentado olheiro, que a vida do vizinho, e da vizinha pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para a levar à Praça, e ao Terreiro. Muitos mulatos desavergonhados, trazidos pelos pés os homens nobres, posta nas palmas toda a picardia. Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia. 19 - Aos vícios Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos. E bem que os descantei bastantemente, Canto segunda vez na mesma lira O mesmo assunto em plectro diferente. Já sinto que me inflama e que me inspira Talia, que anjo é da minha guarda Dês que Apolo mandou que me assistira. Arda Baiona e todo o mundo arda Que a quem de profissão falta à verdade Nunca a dominga das verdades tarda. Nenhum tempo excetua a cristandade Ao pobre pegureiro do Parnaso Para falar em sua liberdade. A narração há de igualar ao caso E se talvez acaso o não iguala Não tenho por poeta o que é Pegaso. De que pode servir calar quem cala? Nunca se há de falar o que se sente Sempre se há de sentir o que se fa1a. Qual homem pode haver tão paciente, Que, vendo o triste estado da Bahia
  • 27. Não chore, não suspire e não lamente? Isto faz a discreta fantasia: Discorre em um e outro desconcerto Condena o roubo, increpa a hipocrisia. O néscio, o ignorante, o inexperto Que não elege o bom, nem mau reprova Por tudo passa deslumbrado e incerto. E quando vê talvez na doce trova Louvado o bem e o mal vituperado A tudo faz focinho, e nada aprova. Diz logo prudentaço e repousado: -Fulano é um satírico, é um louco, De língua má, de coração danado. Néscio, se disso entendes nada ou pouco, Como mofas com riso e algazaras Musas, que estimo ter, quando as invoco. Se souberas falar, também falaras Também satirizaras, se souberas E se foras poeta, poetizaras. A ignorancia dos homens destas eras Sisudos faz ser uns, outros prudentes, Que a mudez canoniza bestas feras. Há bons, por não poder ser insolentes, Outros há comedidos de medrosos, Não mordem outros não? -por não ter dentes. Quantos há que os telhados têm vidrosos, E deixam de atirar sua pedrada, De sua mesma telha receosos? Uma só natureza nos foi dada Não criou Deus os naturais diversos; Um só Adão criou e esse de nada. Todos somos ruins, todos perversos, Só nos distingue o vício e a virtude, De que uns são comensais, outros adversos Quem maior a tiver do que eu ter pude, Esse só me censure, esse me note, Calem-se os mais chitom, e haja saúde. 20 -Descreve a confusão do festejo do Entrudo Filhós, fatias, sonhos, mal-assadas, Galinhas, porco, vaca, e mais carneiro, Os perus em poder do pasteleiro, Esguichar, deitar pulhas, laranjadas; Enfarinhar, pôr rabos, dar risadas, Gastar para comer muito dinheiro, Não ter mãos a medir o taverneiro, Com réstias de cebolas dar pancadas; Das janelas com tanhos dar nas gentes, A buzina tanger, quebrar panelas, Querer em um só dia comer tudo; Não perdoar arroz, nem cuscuz quente, Despejar pratos, e alimpar tijelas: Estas as festas são do Santo Entrudo.
  • 28. 21 - Solitário em seu mesmo quarto à vista da luz Ó tu do meu amor fiel traslado Mariposa entre as chamas consumida, Pois se à força do ardor perdes a vida, A violência do fogo me há prostrado. Tu de amante o teu fim hás encontrado, Essa flama girando apetecida; Eu girando uma penha endurecida, No fogo, que exalou, morro abrasado. Ambos de firme anelando chamas, Tu a vida deixas, eu a morte imploro Nas constâncias iguais, iguais nas chamas. Mas ai! que a diferença entre nós choro, Pois acabando tu ao fogo, que amas, Eu morro, sem chegar à luz, que adoro. 22 - Aos afetos e lágrimas derramadas Ardor em firme coração nascido; Pranto por belos olhos derramado; Incêndio em mares de água disfarçado; Rio de neve em fogo convertido: Tu, que um peito abrasas escondido; Tu, que em um rosto corres desatado; Quando fogo, em cristais aprisionado; Quando cristal, em chamas derretido. Se és fogo, como passas brandamente, Se és neve, como queimas com porfia? Mas ai, que andou Amor em ti prudente! Pois para temperar a tirania, Como quis que aqui fosse a neve ardente, Permitiu parecesse a chama fria. 23 - Admirável expressão que faz o poeta de seu atencioso silêncio Largo em sentir, em respirar sucinto Peno, e calo tão fino, e tão atento, Que fazendo disfarce do tormento Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto. O mal, que fora encubro, ou que desminto, Dentro no coração é, que sustento, Com que para penar é sentimento, Para não se entender é labirinto. Ninguém sufoca a voz nos seus retiros; Da tempestade é o estrondo efeito: Lá tem ecos a terra, o mar suspiros. Mas oh do meu segredo alto conceito! Pois não me chegam a vir à boca os tiros Dos combates, que vão dentro no peito.
  • 29. 24 - Definição do amor – romance Mandai-me, Senhores, hoje, que em breves rasgos descreva do Amor a ilustre prosápia, e de Cupido as proezas. Dizem que da clara escuma, dizem que do mar nascera, que pegam debaixo d’água as armas, que Amor carrega. Outros, que fora ferreiro seu pai, onde Vênus bela serviu de bigorna, em que malhava com grã destreza. Que a dois assopros lhe fez o fole inchar de maneira, que nele o fogo acendia, nela aguava a ferramenta. Nada disto é, nem se ignora, que o Amor é fogo, e bem era tivesse por berço as chamas se é raio nas aparências. Este se chama Monarca, ou Semideus se nomeia, cujo céu são esperanças, cujo inferno são ausências. Um Rei, que mares domina, Um Rei, o mundo sopeia, sem mais tesouro que um arco, sem mais arma que uma seta. O arco talvez de pipa, a seta talvez de esteira, despido como um maroto, cego como uma toupeira. Um maltrapilho, um ninguém, que anda hoje nestas eras com o cu à mostra, jogando com todos a cabra-cega. Tapando os olhos da cara, por deixar o outro alerta, por detrás à italiana, por diante à portuguesa. Diz que é cego, porque canta, ou porque vende gazetas das vitórias, que alcançou na conquista das finezas. Que vende também folhinhas cremos por coisa mui certa, pois nos dá os dias santos, sem dar ao cuidado tréguas; E porque despido o pintam é tudo mentira certa, mas eu tomara ter junto
  • 30. o que Amor a mim me leva. Que tem asas com que voa e num pensamento chega assistir hoje em Cascais logo em Coina, e Salvaterra. Isto faz um arrieiro com duas porradas tesas: e é bem, que no Amor se gabe, o que o vinho só fizera! E isto é Amor? é um corno. Isto é Cupido? má peça. Aconselho que o não comprem ainda que lhe achem venda. Isto, que o Amor se chama, este, que vidas enterra, este, que alvedrios prostra, este, que em palácios entra: Este, que o juízo tira, este, que roubou a Helena, este, que queimou a Tróia, e a Grã-Bretanha perdera: Este, que a Sansão fez fraco, este, que o ouro despreza, faz liberal o avarento, é assunto dos poetas: Faz o sisudo andar louco, faz pazes, ateia a guerra, o frade andar desterrado, endoidece a triste freira. Largar a almofada a moça, ir mil vezes à janela, abrir portas de cem chaves, e mais que gata janeira. Subir muros e telhados, trepar cheminés e gretas, chorar lágrimas de punhos, gastar em escritos resmas. Gastar cordas em descantes, perder a vida em pendências, este, que não faz parar oficial algum na tenda. O moço com sua moça, o negro com sua negra, este, de quem finalmente dizem que é glória, e que é pena. É glória, que martiriza, uma pena, que receia, é um fel com mil doçuras, favo com mil asperezas. Um antídoto, que mata, doce veneno, que enleia, uma discrição, sem siso, uma loucura discreta. Uma prisão toda livre,
  • 31. uma liberdade presa, desvelo com mil descansos, descanso com mil desvelos. Uma esperança, sem posse, uma posse, que não chega, desejo, que não se acaba, ânsia, que sempre começa. Uma hidropisia d’alma, da razão uma cegueira, uma febre da vontade, uma gostosa doença. Uma ferida sem cura, uma chaga, que deleita, um frenesi dos sentidos, desacordo das potências. Um fogo incendido em mina, faísca emboscada em pedra, um mal, que não tem remédio, um bem, que se não enxerga. Um gosto, que se não conta, um perigo, que não deixa, um estrago, que se busca, ruína, que lisonjeia. Uma dor, que se não cala, pena, que sempre atormenta, manjar, que não enfastia, um brinco, que sempre enleva. Um arrojo, que enfeitiça, um engano, que contenta, um raio, que rompe a nuvem, que reconcentra a esfera. Víbora, que a vida tira àquelas entranhas mesmas, que segurou o veneno, e que o mesmo ser lhe dera. Um áspide entre boninas, entre bosques uma fera, entre chamas salamandra, pois das chamas se alimenta. Um basalisco, que mata, lince, que tudo penetra, feiticeiro, que adivinha, marau, que tudo suspeita. Enfim o Amor é um momo, uma invenção, uma teima, um melindre, uma carranca, uma raiva, uma fineza. Uma meiguice, um afago, um arrufo, e uma guerra, hoje volta, amanhã torna, hoje solda, amanhã quebra. Uma vara de esquivanças, de ciúmes vara e meia, um sim, que quer dizer não,
  • 32. não, que por sim se interpreta. Um queixar de mentirinha, um folgar muito deveras, um embasbacar na vista, um ai, quando a mão se aperta. Um falar por entre dentes, dormir a olhos alerta, que estes dizem mais dormindo, do que a língua diz discreta. Uns temores de mal pago, uns receios de uma ofensa, um dizer choro contigo, choramingar nas ausências. Mandar brinco de sangrias, passar cabelos por prenda, das palmitos pelos Ramos, e dar folar pela festa. Anal pelo São João, alcachofras na fogueira, ele pedir-lhe ciúmes, ela sapatos e meias. Leques, fitas e manguitos, rendas da moda francesa, sapatos de marroquim, guarda-pé de primavera. Livre Deus, a quem encontra, ou lhe suceder ter freira; pede-vos por um recado sermão, cera e caramelas. Arre lá com tal amor! isto é amor? é quimera, que faz de um homem prudente converter-se logo em besta. Uma bofia, uma mentira chamar-lhe-ei, mais depressa, fogo selvagem nas bolsas, e uma sarna das moedas. Uma traça do descanso, do coração bertoeja, sarampo da liberdade, carruncho, rabuge e lepra. É este, o que chupa, e tira, vida, saúde e fazenda, e se hemos falar verdade é hoje o Amor desta era. Tudo uma bebedice, ou tudo uma borracheira, que se acaba co’o dormir, e co’o dormir começa. O Amor é finalmente um embaraço de pernas, uma união de barrigas, um breve tremor de artérias. Uma confusão de bocas, uma batalha de veias, um reboliço de ancas, quem diz outra coisa, é besta.