Sistema de Bibliotecas UCS - Cantos do fim do século
Guia Historia
1. Folha de S. Paulo, domingo, 02 de abril de 2000
Sete historiadores sugerem e comentam livros essenciais para conhecer o passado do país
Guia de leitura da história brasileira
ANGELA DE CASTRO GOMES JOÃO JOSÉ REIS
É professora titular de história do Brasil da Universidade É professor do departamento de história da Universidade
Federal Fluminense, pesquisadora da Fundação Getúlio Federal da Bahia e autor de quot;A Morte É uma Festa
Vargas e autora de quot;A Invenção do Trabalhismoquot;, entre (Companhia das Letras), entre outros.
outros.
LAURA DE MELLO E SOUZA
BORIS FAUSTO É professora de história da USP, autora de quot;O Diabo e a
É professor da Universidade de São Paulo e autor de quot;A Terra de Santa Cruzquot; (Companhia) e quot;Desclassificados do
Revolução de 30quot; (Cia. das Letras) e quot;História do Brasilquot; Ouroquot; (Graal).
(Edusp), entre outros. É colunista da Folha.
MANOLO FLORENTINO
EVALDO CABRAL DE MELLO É professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
É historiador e diplomata aposentado, autor de quot;Rubro Veioquot; autor de quot;Em Costas Negrasquot; (Cia. das Letras), entre outros.
e quot;Olinda Restauradaquot; (Topbooks), entre outros. Ele escreve
mensalmente no Mais!, na seção quot;Brasil 500 d.C.quot;. RONALDO VAINFAS
É professor de história moderna da Universidade Federal
Fluminense e autor, entre outros, de quot;Confissões da Bahiaquot;
(Companhia das Letras).
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Colônia - 5 datas
1500 - Em 22 de abril, Pedro Álvares Cabral aporta no Brasil, na região de Porto Seguro (Bahia).
1624 - Primeira tentativa -fracassada- de invasão dos holandeses, em Salvador. Os holandeses se estabelecem em Pernambuco, em
1630, e de lá são expulsos em 1654.
1650 - Começa o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, principal atividade econômica da colônia, sustentada pelo trabalho escravo de
negros e índios.
1789 - A Inconfidência Mineira, tentativa frustrada de independência de Portugal, termina com o enforcamento de Tiradentes, um
dos líderes rebeldes.
1808 - Chegada de d. João 6º ao Brasil. O rei, fugindo das invasões napoleônicas, se estabelece no Rio de Janeiro com a corte,
decreta a abertura dos portos e cria, entre outros, o Banco do Brasil e o primeiro jornal do país, a quot;Gazeta do Rio de Janeiroquot;.
BORIS FAUSTO O Diabo e a Terra de Santa Cruz , de Laura de Mello
e Souza (Ed. Cia das Letras) - Aproxima-se e ao
Raízes do Brasil , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. mesmo distancia-se do livro de Sérgio Buarque de
Brasiliense) - Livro que não se refere apenas à Colônia, Holanda, quot;Visão do Paraísoquot;. Fundamental para o
mas nela localiza o essencial das quot;raízes do Brasilquot;. A conhecimento da religiosidade popular e das chamadas
distinção entre colonização espanhola e portuguesa fez práticas de feitiçaria no Brasil colonial.
escola.
Olinda Restaurada , de Evaldo Cabral de Mello (Ed.
Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed. Topbooks) - Trata-se de um estudo sobre o período
Brasiliense) - Ensaio sobre o imaginário do holandês no Brasil. Focaliza os anos 1630-1654,
colonizador, como indica seu subtítulo: os motivos ampliando a compreensão dos interesses envolvidos,
edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil. ligados ao açúcar, e a natureza da guerra de expulsão.
Formação do Brasil Contemporâneo (Colônia) , de Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema
Caio Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Um clássico sobre as Colonial (1777-1808) , de Fernando A. Novais (Ed.
linhas gerais da implantação da Colônia, de inspiração Hucitec) - Monografia clássica, de inspiração marxista,
marxista, sendo referência importante para estudos versando sobre relações entre a colônia e a metrópole,
posteriores. em uma conjuntura decisiva para os rumos da
Independência brasileira.
2. Segredos Internos , de Stuart B. Schwartz (Ed. Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed.
Companhia das Letras) - Monografia que reconstitui a Brasiliense) - quot;Caminhos e Fronteirasquot; e quot;Visão do
economia e a sociedade açucareira da Bahia, a partir de Paraísoquot; constituem duas obras-primas da nossa
fontes primárias. Critica concepções tradicionais sobre historiografia colonial e, como tal, insuperadas por
a continuidade no tempo e a riqueza dos senhores de nenhum outro livro dedicado ao período. Honram a
engenho. historiografia de qualquer país. Literariamente, também
têm lugar aparte graças ao estilo espaçoso do autor.
A Devassa da Devassa , de Kenneth Maxwell (Ed. Paz
e Terra) - Estudo das relações entre Brasil e Portugal, Tempo de Flamengos , de J.A. Gonsalves de Mello -
nos anos 1750-1808, tendo como foco a análise da Na trilha de Gilberto Freyre, que o estimulou aos
Inconfidência mineira. estudos de história social, o autor oferece um quadro
abrangente da presença holandesa no cotidiano urbano
A Nação Mercantilista , de Jorge Caldeira (Ed. 34) - e rural do Nordeste e das relações do invasor com luso-
Recentemente publicado, o livro é um ensaio sobre o brasileiros, judeus, índios e negros.
Brasil colonial e do século 19, tratando de relativizar os
elementos estruturais e enfatizar uma deliberada opção Formação do Brasil Contemporâneo , de Caio Prado
dos agentes internos, na explicação do quot;atraso Júnior (Ed. Brasiliense) - Sessenta anos decorridos da
brasileiroquot;. sua redação, continua a ser uma síntese magistral da
existência material da Colônia. Quem o consulta,
D. João 6º no Brasil , de Oliveira Lima (Ed. constata invariavelmente a precisão e a seriedade com
Topbooks) - Um clássico sobre o período joanino, que seu autor se desincumbiu da tarefa, inclusive da
publicado pela primeira vez em 1908. Reavalia o papel cozinha do ofício. Obra escrita por um marxista, ela
do rei português e reconstitui a vida na corte, com uma poderia ser perfeitamente assinada por um historiador
qualidade que prenuncia a obra de Gilberto Freyre. que o não fosse.
EVALDO CABRAL DE MELLO Salvador Correia de Sá e a Luta pelo Brasil e
Angola , de Charles R. Boxer - Trata-se da mais
História do Brasil , de Robert Southey - O profundo importante das obras dedicadas ao Brasil por este
conhecimento da história de uma distante colônia eminente historiador do mundo luso-brasileiro em
portuguesa por parte deste quot;poeta laureadoquot; da Grã- língua inglesa. Seu conhecimento das fontes do século
Bretanha foi motivo de mofa para seus contemporâneos 17 é algo de notável, servindo para demonstrar que a
ingleses; mas se ainda hoje ele é lido não o deve a sua erudição ainda é o melhor antídoto contra o
poesia. envelhecimento dos livros de história.
História do Brasil , de H. Handelmann - Publicada dez Segredos Internos , de Stuart B. Schwarz (Ed.
anos decorridos da primeira edição da quot;História do Companhia das Letras) -Verdadeiramente
Brasilquot;, de Varnhagen (1854), a obra do historiador insubstituível para o estudo da mais antiga das nossas
alemão só em 1931 mereceu tradução brasileira, sociedades coloniais, a canavieira do Nordeste.
tratando-se ainda hoje de livro escassamente lido,
embora possa ser considerado o iniciador do estudo da
história brasileira sob critério regional. LAURA DE MELLO E SOUZA
Capítulos de História Colonial , de J. Capistrano de Histoire d'un Voyage Fait en la Terre du Brésil
Abreu (Ed. Itatiaia/ Edusp) - A despeito de redigido há (História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil,
quase um século, permanece obra indispensável, 1578), de Jean de Léry - Com o extraordinário livro de
devido à garra sintetizadora do autor. Não é o produto Léry -que Lévi-Strauss chamou de quot;breviário do
de intuições deixadas no ar, mas elaboradas ao longo etnólogoquot;-, o Brasil e os tupinambá entram na Europa e
de muitos anos de convívio diário com as fontes da lançam-se as bases do relativismo cultural. A grande
história colonial. edição é a de Frank Lestringant (1994, para quot;Livres de
Pochequot;), que tomou por base a edição de 1580. A
Casa-Grande & Senzala , de Gilberto Freyre (Ed. tradução brasileira, de Sérgio Milliet, parece-me
Record) - Obra de intuições certeiras e de outras não basear-se na de 1578 e é bastante incompleta, deixando
tão certeiras assim, proporciona uma visão poderosa do de fora passagens fundamentais.
nosso passado colonial. Submetido a análises pontuais,
mostra deficiências compreensíveis num livro escrito História do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador
nos anos 30 do século 20, quando o autor não dispunha (Ed. Itatiaia) - Frei Vicente escreveu a primeira história
de uma infra-estrutura monográfica capaz de embasar do Brasil, antes mesmo de existir um Brasil. De certa
estudo de escopo tão ambicioso. forma, ele nos quot;inventouquot;. É importantíssimo para os
fatos ocorridos nos primeiros tempos da colonização e
Caminhos e Fronteiras , de Sérgio Buarque de arguto ao perceber as contradições entre o lá (Portugal)
Holanda (Ed. Companhia das Letras). e o cá (o Brasil).
3. complexo sul-atlântico do império português,
Capítulos de História Colonial (1907), de J. destrinchando a constituição e consolidação dos nexos
Capistrano de Abreu (Ed. Itatiaia/Edusp) - Capistrano é estabelecidos entre a América portuguesa, a África e a
o antepassado direto das interpretações do Brasil que Europa no século 17. Por fim, realiza ao mesmo tempo
voltam ao período colonial para entender o processo a biografia da sua personagem, Salvador Correia, e a
formativo do país. A melhor coisa do livro é a ênfase história do Atlântico Sul, mostrando como, às vezes,
na interiorização do processo colonizador. certos agentes históricos encarnam a História.
Vida e Morte do Bandeirante (1929), de José A Fronda dos Mazombos (1995), de Evaldo Cabral de
Alcântara Machado (Ed. Itatiaia) - É, a meu ver, a Mello (Ed. Topbooks) - É um marco na historiografia
primeira monografia da moderna historiografia social do Brasil. Sendo uma narrativa assentada na
brasileira. Recorta um objeto -São Paulo nos séculos 16 minúcia e na atenção à especificidade -Pernambuco
e 17-, destaca um problema -a pobreza econômica- e entre 1660 e 1715-, cria, contudo, o melhor quot;modeloquot;
quot;inventaquot; uma fonte documental: os inventários e de análise das sublevações coloniais.
testamentos, só muito depois utilizados pela
historiografia do hemisfério Norte. MANOLO FLORENTINO
Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre - O Império Marítimo Português - 1415-1825 , de
É um dos mais importantes trabalhos das ciências Charles R. Boxer (Edições 70, Lisboa) - Imprescindível
sociais neste século. Polêmico e discutível, tem demonstração da natureza arcaica e parasitária do
aspectos geniais. Influenciou a historiografia norte- Antigo Regime lusitano e do lugar da Colônia
americana sobre escravidão e inaugurou temas só brasileira nos quadros do império português.
tratados pela escola dos Annales décadas depois. No
que diz respeito à colônia, traz para a sua análise uma Transformation in Slavery - A History of Slavery in
renovação de enfoque e temas sem precedentes. Africa , de Paul E. London Lovejoy (Cambridge
University Press) - Explica a inserção estrutural da
Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio África no sistema Atlântico (via tráfico negreiro) a
Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Este livro deu, como logo partir de motivações intrínsecas à própria história
no início nos alerta o autor, sentido à colonização africana. Fundamental para pôr fim ao mito do quot;bom
brasileira e forneceu instrumentos para importantes selvagemquot;.
análises estruturais subsequentes. Envelhecido e
discutível nas partes sobre sociedade e administração, é A Sociedade contra o Estado , de Pierre Clastres (Ed.
argutíssimo ao apontar os canais para a dinamização Francisco Alves) - Para entender politicamente as
interna da economia -os circuitos de muares, a sociedades pré-cabralinas. Originalíssima contribuição
pecuária, a economia de subsistência. etno-histórica deste anarquista, discípulo de Lizot,
precocemente desaparecido.
Caminhos e Fronteiras (1956), de Sérgio Buarque de
Holanda (Ed. Companhia das Letras) - Compreende Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda (Ed.
uma série de exercícios de história cultural que, apesar Brasiliense) -Para além da riqueza e do poder,
de breves, têm um fôlego surpreendente. Abre conquista e colonização do Brasil obedeceram a
perspectivas de análise ainda irrealizadas, e é intrigante profundas motivações edênicas. Um verdadeiro show
que seja um livro tão pouco lido e citado. de elegância e erudição.
Visão do Paraíso (1959), de Sérgio Buarque de Casa-Grande & Senzala (Formação da Família
Holanda (Ed. Brasiliense) -É a obra mais notável de Brasileira sob o Regime de Economia Patriarcal) ,
toda a historiografia brasileira. Tem erudição, reflexão de Gilberto Freyre (Record) - Genial. Antecipou
e originalidade ímpares. Por ser tão superlativa, talvez algumas das mais importantes conquistas
iniba um pouco o leitor. É mais uma obra-prima de metodológicas da historiografia ocidental. É difícil
Sérgio que não conheceu a repercussão merecida e só encontrar hoje em dia quem escreva com tanta
começou a ter impacto na historiografia brasileira por coragem.
volta do meado dos anos 80.
Segredos Internos , de Stuart B. Schwartz (Ed.
Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Companhia das Letras) - A mais qualificada síntese
Colonial (1979), de Fernando A . Novais (Ed. Hucitec) moderna da história baiana. Incorpora o que há de
- Esta obra retoma a idéia do sentido da colonização de melhor entre as pesquisas sobre a região, esmerando-se
Caio Prado e analisa de forma notável o quot;sistema no trânsito entre diversos tipos de fontes.
colonialquot;, mostrando suas contradições e a necessidade
de se entender metrópole e colônia, Europa e Brasil em A Escravidão Africana no Brasil (Das Origens à
suas relações dinâmicas. Extinção do Tráfico) , de Maurício Goulart (Ed.
AlfaÔmega) - Até o momento, a mais sólida estimativa
Salvador Correia de Sá e a Luta pelo Brasil e das importações brasileiras de escravos africanos. Uma
Angola (1952), de Charles R. Boxer - Este é, até hoje, verdadeira aula sobre como abordar consistentemente
o único estudo de fôlego sobre a formação do grandes questões a partir de poucos dados.
4. História Geral do Brasil , de Francisco Adolpho de A Organização Social dos Tupinambás (1946), de
Varnhagen (Ed. Melhoramentos) - O grande tratado Florestan Fernandes - O melhor livro de Florestan, que
onomástico da história brasileira, como recentemente fez história sem ser historiador. Acho que os
definiu-o um arguto crítico. Devem ser consultadas as antropólogos não gostam, mas o livro dá lição de como
anotações de Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia. explorar etnograficamente as fontes européias para
desvendar a cultura tupinambá.
A Devassa da Devassa (A Inconfidência Mineira:
Brasil-Portugal, 1750-1808) , de Kenneth Maxwell Visão do Paraíso (1959), de Sérgio Buarque de
(Ed. Paz e Terra) - Para entender a Inconfidência Holanda (Ed. Brasiliense) - É o melhor livro do maior
Mineira a partir de uma perspectiva verdadeiramente historiador brasileiro, pois inaugura o estudo do
atlântica. imaginário do Descobrimento e avança na comparação
entre a colonização portuguesa e a espanhola da
O Espelho de Próspero (Cultura e Idéias nas América, por ele mesmo esboçada em quot;Raízes do
Américas) , de Richard M. Morse (Ed. Companhia das Brasilquot; (1936).
Letras) - Se nada nos une, o que de fato nos separa?
Explica, dentre outros tópicos, as marcantes diferenças Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema
culturais entre a colonização ibérica e a anglo-saxã, Colonial (1979), de Fernando Novais (Ed. Hucitec) -
partindo da própria Idade Média européia. Erudição Avançou na tese da colonização moderna como
borgiana. sistema, o que causou muita polêmica. Mas o melhor
do livro é a maneira de articular as transformações
RONALDO VAINFAS econômicas européias e a política portuguesa no fim do
século 18.
História do Brasil (1627), de Frei Vicente do Salvador
(Ed. Itatiaia) - O primeiro que escreveu um livro com Relações Raciais no Império Colonial Português
este título. Rigoroso nos fatos e muito crítico. (1967), de Charles Boxer (Ed. Afrontamento, Lisboa) -
Franciscano, foi nosso primeiro historiador. Nosso maior brasilianista, autor de copiosa obra.
Escolhi esse livro de Boxer como emblema de suas
Capítulos de História Colonial (1907), de Capistrano teses. Pela inserção do Brasil nos quadros do império
de Abreu (Ed. Itatiaia/Edusp) - Deu uma guinada na português e pela crítica ao mito da quot;democracia racialquot;.
historiografia brasileira, pois questionou a quot;História
Geralquot; de Varnhagen, bem documentada, mas história Rubro Veio (1985), de Evaldo Cabral de Mello (Ed.
quot;oficialquot;. Deslocou o foco da colonização portuguesa Companhia das Letras) - Diplomata, é um dos nossos
para a Colônia na sua diversidade. melhores historiadores, autor de vasta obra sobre
Pernambuco colonial. Neste livro, Evaldo põe abaixo
Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre mitos importantes da guerra contra os holandeses como
(Ed. Record) - Livro genial, apesar de inúmeras críticas patamar da brasilidade.
que com razão lhe moveram. Concebeu como ninguém
a mestiçagem cultural inerente à nossa história e O Diabo e a Terra de Santa Cruz (1986), de Laura de
introduziu a antropologia na historiografia brasileira. Mello e Souza (Ed. Companhia das Letras) - O melhor
livro de Laura, embora muitos prefiram
Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio quot;Desclassificados do Ouroquot;. Mas é que o Diabo
Prado Jr. (Ed. Brasiliense) - Foi o primeiro a conceber inaugurou a moderna história das mentalidades no
a colonização como sistema e como estrutura, apesar Brasil, mostrou as potencialidades das fontes
dos vários deslizes na avaliação da questão racial. Ao inquisitoriais para a história cultural e entrou fundo no
contrário do que muitos dizem, percebeu muito bem as problema da religiosidade, traço essencial da história e
articulações econômicas no interior da Colônia. da vida no Brasil.
As religiosidades e africanidades
Ronaldo Vainfas
especial para a Folha
Prefiro falar de uma lacuna temática sobre o período colonial, que conheço um pouco melhor. E me espanta constatar
como nossos historiadores quase não se dedicaram às religiosidades. Isto vale para a Colônia e para toda a história
brasileira. Dentre os 30 livros que incluí nessa edição, somente um, quot;O Diabo e a Terra de Santa Cruzquot;, de Laura de
Mello e Souza, é dedicado exclusivamente ao assunto.
Não deixa de ser muito intrigante essa lacuna, sendo o Brasil até hoje embebido de religião, país católico onde se
multiplicam seitas protestantes e onde o sincretismo religioso está em toda parte, como na umbanda carioca. Isso sem
5. falar nas africanidades, como o candomblé baiano, e noutros ritos de morfologia complexa, como os catimbós
tradicionais ou o quot;modernoquot; Santo Daime. É evidente o contraste entre a força de nossas religiosidades e a desatenção
de nossa historiografia.
É verdade que alguns historiadores se dedicaram a esse campo na época colonial, além de Laura. Luiz Mott fez uma
bela biografia de uma visionária negra no Brasil setecentista. Anita Novinsky estudou os cristãos novos na Bahia. Eu
mesmo estudei a quot;santidade indígenaquot; no 16. Vários estudaram com brilho a catequese. Poderia dar mais exemplos, mas
são relativamente poucos os estudos sobre religiosidades, e a maioria prioriza os aspectos institucionais, quando não as
reduzem às determinações econômicas ou de outro tipo.
Entre os clássicos, somente Freyre deu atenção ao assunto, graças à sua genialidade e, sem dúvida, à sua formação
antropológica culturalista. E as religiosidades não estão ausentes de quot;Visão do Paraísoquot;, embora o livro seja antes uma
história das idéias do que de experiências religiosas, como o próprio Sérgio Buarque afirmou em certo prefácio.
O relativo desdém dos historiadores diante das religiosidades contrasta, aliás, com a sensibilidade de sociólogos, como
Bastide, de etnólogos, como Métraux, e sobretudo dos antropólogos, que sempre perceberam a importância do
sobrenatural e do misticismo na sociedade brasileira.
Creio que isso se deve a que os historiadores talvez sejam herdeiros mais fiéis da tradição iluminista, cultora da Razão,
sem falar no prestígio do marxismo estruturalista, não raro economicista, que grassou entre nós até os anos 1980. De
todo modo, é lacuna que prejudica a compreensão histórica de nossa sociedade.
Os documentos coloniais
Laura de Mello e Souza
especial para a Folha
O período colonial foi e tem sido objeto de algumas das análises mais brilhantes da historiografia brasileira. Mesmo
quot;Casa-Grande & Senzalaquot;, de Gilberto Freyre, que é um ensaio quase atemporal (os tempos históricos se confundem e
se misturam no livro), elege problemas referentes à colonização como pontos de referência. quot;Formação do Brasil
Contemporâneoquot;, de Caio Prado Jr., obra que originalmente deveria avançar pelo século 19, ateve-se à Colônia, criando
para ela uma explicação poderosa.
Nos últimos 20 anos, o estudo de nossos três primeiros séculos tem passado por uma renovação considerável, dentro e
fora da academia. Este é o caso da obra do embaixador Evaldo Cabral de Mello, uma das mais impressionantes da
historiografia brasileira atual.
Mas há ainda muitos problemas a resolver, como o da publicação de documentos em maior escala. Depois de
Capistrano e Rodolfo Garcia, notáveis estudiosos que prepararam edições críticas de porte e descobriram a identidade
de autores até então desconhecidos, pouca coisa foi feita.
Documentos dos tempos coloniais são manuscritos difíceis de ler, requerendo treino específico em paleografia. Muitos
dos mais importantes ainda estão nos arquivos. O Códice Costa Matoso, imprescindível para a compreensão dos
primeiros tempos das Minas, acha-se agora prestes a sair de um deles e ganhar o público por meio de uma edição
patrocinada pela Fundação João Pinheiro e realizada por uma equipe grande e competente.
Parte dos livros que indiquei nesta edição do Mais! são explicações do Brasil: querem captar nosso quot;sentidoquot;, as linhas
mestras de nossa história, desvendar nossa identidade nacional. Outros, como o trabalho pioneiro de Alcântara
Machado, debruçam-se sobre um determinado objeto e privilegiam análises mais particularizadas.
Uma lista de dez é pequena e, contemplando as preferências de quem a faz, comete eventuais injustiças. Como
Alcântara Machado, o pernambucano José Antonio Gonsalves de Mello também escreveu uma linda monografia, ainda
hoje atual: quot;Tempo dos Flamengosquot; (1947). A obra historiográfica deste autor, pouco conhecida no Sul, é das mais
completas que temos, indo dos estudos recortados à edição criteriosa de documentos.
O mais importante historiador brasileiro de todos os tempos foi também o maior historiador da Colônia, tendo escrito
trabalhos marcantes sobre outros períodos e que não menciono por fugir aos objetivos aqui propostos. Falo de Sérgio
Buarque de Holanda. Se publicado na Alemanha ou na Itália, talvez quot;Visão do Paraísoquot; fosse apenas um grande livro de
história. No Brasil, é o maior de todos: nosso atestado de maioridade intelectual, a prova de que também podemos
inovar sendo clássicos e evitando o perigosíssimo ranço do exotismo, que sempre nos garante a popularidade fácil no
exterior.
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Império - 5 datas
1822 - D. Pedro 1º, filho de d. João 6º, proclama a Independência do Brasil, em 7 de setembro.
1831 - O imperador Pedro 1º abdica em favor do filho Pedro, de 5 anos de idade, e volta a Portugal, onde assume o trono como d.
Pedro 4º. Estabelece-se um período de Regência até 1840.
6. 1850 - Termina oficialmente o tráfico negreiro com a Lei Eusébio de Queirós.
1865-1870 - Em 1º de maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai formam a Tríplice Aliança e entram em guerra contra o Paraguai. A
guerra termina em 1º de março de 1870, com a morte de Solano López e o extermínio de metade da população paraguaia.
1888 - Após duas décadas de intensa campanha abolicionista, a Lei Áurea decreta, em 13 de maio, o fim da escravidão no país.
BORIS FAUSTO favorecimento da corte e das províncias do centro-sul,
pelo império.
A Construção da Ordem e Teatro de Sombras , de
José Murilo de Carvalho (Ed. Relume Dumará) - Livro A Espada de Dâmocles , de Wilma Peres Costa -
indispensável para o conhecimento do Império Estudo versando sobre o Exército, a Guerra do
brasileiro, concentrando-se, na primeira parte, na Paraguai e os anos de crise do Império, explorando,
formação da elite e, na segunda, na política imperial. entre outros aspectos, as várias vertentes do
republicanismo.
Tempo Saquarema - A Formação do Estado
Imperial , de Ilmar Rohloff de Mattos (Ed. Access) - EVALDO CABRAL DE MELLO
Faz uma dupla com o livro de José Murilo de Carvalho,
iluminando as características do conservadorismo e do D. João 6º no Brasil , de Oliveira Lima (Ed.
jogo partidário. Topbooks).
Um Estadista do Império , de Joaquim Nabuco (Ed. O Movimento da Independência , de Oliveira Lima
Topbooks) - Pela via de uma excelente biografia de seu (Ed. Topbooks) - Capistrano reputava o quot;D. João 6º no
pai, Nabuco de Araujo, Joaquim Nabuco faz desfilar Brasilquot; um livro desorganizado, mas não se pode negar
personagens centrais e analisa problemas da vida que ele oferece um panorama vigoroso do período
política imperial. juanino, que ainda não foi superado na nossa
historiografia. quot;O Movimento da Independênciaquot; lhe é
Homens Livres na Ordem Escravocrata , de Maria inferior, mas Octavio Tarquínio o considerava a obra
Sylvia de Carvalho Franco (Ed. Unesp) - Monografia mais satisfatória sobre o processo emancipacionista, e
clássica, concentrada na região do Vale do Paraíba pode-se afirmar que continua a sê-lo.
(SP), explorando temas importantes como a violência
no meio rural e as relações de compadrio. Um Estadista do Império , de Joaquim Nabuco (Ed.
Topbooks) - Dispensável reiterar o óbvio, isto é, a
Em Costas Negras , de Manolo Florentino (Ed. importância desta obra para a história do Segundo
Companhia das Letras) - Lança uma nova interpretação Reinado.
da sociedade colonial, enfatizando a acumulação
gerada pelo tráfico de escravos, a partir do Rio de Sobrados e Mucambos , de Gilberto Freyre (Ed.
Janeiro, e a formação de um poderoso setor social Record) - É o livro em que melhor se manifestou o ovo
representado pelos traficantes. de Colombo gilbertiano, vale dizer, a aplicação dos
métodos sincrônicos da antropologia cultural,
Rebelião Escrava no Brasil , de João José Reis (Ed. originalmente formulados para a compreensão das
Companhia das Letras) - Monografia por um sociedades primitivas, a uma sociedade de tipo
especialista na história social dos escravos, versando histórico e, portanto, até então convencionalmente
sobre o levante dos malês, movimento de escravos estudada através dos métodos diacrônicos próprios da
islâmicos, que ocorreu em Salvador, em 1835. historiografia.
As Barbas do Imperador , de Lilia Moritz Schwarcz Do Império à República , de Sérgio Buarque de
(Ed. Companhia das Letras) - Biografia recente de Holanda (Ed. Bertrand Brasil) - Juntamente com quot;Um
Pedro 2º, destacando-se pela reconstrução da figura do Estadista do Impérioquot;, a que nada fica a dever, constitui
imperador e da vida sociopolítica da corte. a leitura realmente indispensável para entender o
declínio do Segundo Reinado. O fato de ser parte da
Da Senzala à Colônia , de Emilia Viotti da Costa (Ed. obra coletiva permitiu ao autor optar por uma análise
Unesp) -Um clássico sobre a escravidão nas áreas exclusivamente política, que descreve de dentro o
cafeeiras, abrangendo aspectos econômicos, sociais e funcionamento das instituições imperiais, em vez de
ideológicos. examinar a crise das instituições monárquicas mediante
o estudo exógeno do sistema escravocrata ou dos seus
O Norte Agrário e o Império , de Evaldo Cabral de valores ideológicos.
Mello (Ed. Topbooks) - Estudo sobre um tema pouco
explorado -o da distribuição de recursos pelo poder História dos Fundadores do Império do Brasil , de
central monárquico-, sustentando a tese do Octavio Tarquínio de Souza (Ed. Itatiaia) - A
7. bibliografia recente sobre o processo da Independência
e o período regencial é singularmente pobre. As Rebelião Escrava no Brasil (1986), de João José Reis
biografias de Octavio Tarquínio ainda oferecem a (Companhia das Letras) -Notável espelho de quão
melhor visão de conjunto, a despeito das limitações do complexas eram as relações entre os escravos, no
gênero biográfico e das restrições ideológicas cativeiro e em meio às tentativas de superá-lo.
decorrentes da interpretação saquarema da história da Importante resgate da força que o Islã negro teve entre
fundação do Império, de que o autor não se nós.
desprendeu. Um dos raros, coisa estranha, historiadores
brasileiros a dominar a técnica narrativa. Formação da Literatura Brasileira (1959), de
Antonio Candido (Ed. Itatiaia) - Para contextualizar as
Os Donos do Poder , de Raymundo Faoro (Ed. Globo) escolas literárias e o mundo dos letrados.
- Sua análise é particularmente feliz no tocante ao
período monárquico, razão pela qual não poderia deixar A Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil (1976),
de ser incluído nesta lista, embora a utilização do de Leslie Bethell (Ed. Expressão e Cultura/Edusp) - O
conceito de estamento patrimonial paire muitas vezes que torna esse livro imprescindível é o diálogo que ele
numa região nebulosa. estabelece entre as fontes britânicas e as brasileiras.
Afinal, a escravidão esteve tão arraigada entre nós que
A Construção da Ordem , de José Murilo de somente uma forte determinação exterior poderia dar
Carvalho (Ed. Relume Dumará) - É uma análise fim ao tráfico que a alimentava.
detalhada e profunda da composição dos grupos
dirigentes, em particular a magistratura, que criaram o Os Donos do Poder (1958), de Raymundo Faoro (Ed.
Estado nacional e o consolidaram ao longo do Primeiro Gobo) - Original aplicação de alguns dos mais
Reinado, da Regência e dos primeiros anos do Segundo importantes conceitos bolados por Max Weber. Parte
Reinado. da política para, no limite, questionar a própria
existência de uma quot;cultura brasileiraquot;.
Bahia, Século 19 , de Katia de Queiroz Mattoso (Ed.
Nova Fronteira) - É um estudo modelar de uma Na Senzala, uma Flor (1999), de Robert W. Slenes
sociedade provincial do período monárquico, com base (Ed. Nova Fronteira) - Obra de alta carpintaria na qual
numa exploração hábil e exaustiva das fontes baianas. demografia, antropologia, linguística, iconografia e
É de lamentar que o modelo que a obra propõe ainda números delicadamente dão voz aos cativos. De
não tenha sido seguido por outros historiadores quebra, mostra que a distância entre nós e a África era
especializados em história provincial. bem menor do que o Atlântico.
A Abolição do Tráfico de Escravos Brasileiro , de Machado de Assis - A Pirâmide e o Trapézio (1976),
Leslie Bethell (Ed. Expressão e Cultura/Edusp) - É o de Raymundo Faoro (Ed. Globo) - Destaca-se pela
que há de melhor sobre o processo de tomada de maneira absolutamente refinada com que se utiliza da
decisões políticas no tempo do Império, inclusive no produção machadiana como fonte histórica. Um
tocante aos seus condicionamentos internacionais. espelho primoroso e sutil da Corte imperial, de seus
tipos humanos e instituições.
MANOLO FLORENTINO
Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil (1850-
Formação Econômica do Brasil (1959), de Celso 1888) (1978), de Robert Conrad (Ed. Civilização
Furtado (Companhia Editora Nacional) - Um de seus Brasileira) - O melhor painel sobre o abolicionismo e a
grandes méritos é o de haver montado um modelo destruição do escravismo em cada uma das regiões do
econômico que qualquer leitor culto pode ver país. Alia a sistematicidade anglo-saxã a uma
funcionando em todas as conjunturas do mercado extraordinária coleção de fontes.
internacional. Seco e movido por uma lógica
implacável. JOÃO JOSÉ REIS
Homens de Grossa Aventura - Acumulação e O Brasil Monárquico - Tomo 2 da quot;História Geral
Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro, 1790- da Civilização Brasileiraquot;, org. de Sérgio Buarque de
1830 (1998), de João Fragoso (Ed. Civilização Holanda (Difusão Européia do Livro, 1970-1972) -
Brasileira) - Produto arrojado da recente Obra coletiva, permanece o melhor panorama do Brasil
profissionalização do ofício de historiador. Não faz monárquico, com capítulos de história política (maior
concessões. ênfase), econômica, diplomática, militar, religiosa,
escravidão, influência britânica, emancipação política e
A Construção da Ordem (1980), de José Murilo de revoltas regionais, entre outros temas. Reflete bem o
Carvalho (Ed. UFRJ/Relume-Dumará) - Identifica os estado da pesquisa histórica, sobretudo paulista, no
meios pelos quais o Estado imperial herdou e redefiniu início dos anos 70 do Novecentos.
a tradição absolutista e patrimonial portuguesa,
gerando unidade, centralização e ordem. Exemplo do Império - A Corte e a Modernidade Imperial - Vol.
que a historiografia pode lograr mediante o diálogo 2 da quot;História da Vida Privadaquot;, org. de Luiz Felipe de
interdisciplinar profundo. Alencastro, direção de Fernando A. Novais (Ed.
8. Companhia das Letras) - Obra coletiva, com exemplos
de abordagens emergentes. Mas não é só quot;história Pátria Coroada , de Iara Lis Carvalho Souza (Ed.
novaquot;, e é algo mais que quot;história da vida privadaquot;. O Unesp).
Império visto através do escravo e do senhor, do
imigrante e nativo, dos comportamentos e Da Senzala à Colônia , de Emilia Viotti da Costa (Ed.
representações diante da vida e da morte, temas Unesp) - Escrita há mais de 30 anos, continua a melhor
amarrados e acrescidos de outros, em penetrante obra de síntese sobre a ascensão e queda da escravidão
capítulo introdutório. no império do café.
Um Estadista do Império , de Joaquim Nabuco (Ed. Obra Completa , de Machado de Assis (Ed. Nova
Topbooks) - Fosse apenas uma biografia do pai Aguilar) - O mestiço Machado pode ter sido quem mais
Nabuco de Araújo, este livro do filho seria suspeito. bem entendeu o branco da corte. Visão penetrante e
Tornou-se um clássico indispensável porque é uma impiedosa, embora sutil, da classe senhorial e da
história envolvente, testemunho honesto e bem resistência astuciosa dos subalternos apanhados nas
documentado do Império. rédeas da dominação paternalista.
Sobrados e Mucambos , de Gilberto Freyre (Ed. Primeiras Trovas Burlescas , de Luiz (Getulino)
Record) - A ordem senhorial urbana, num livro mais Gama - Poemas do militante abolicionista negro, de
bem contextualizado que quot;Casa-Grande & Senzalaquot;. 1904, talvez a primeira expressão literária de orgulho
Trata com originalidade e sem cerimônia assuntos que racial afro-brasileiro. É também poesia de crítica
vão dos mais surpreendentes, como estilos de barba e divertida e contundente ao racismo em seu tempo.
bigode, aos convencionais, como escravidão e
miscigenação. Nem tudo faz sentido, mas quase tudo RONALDO VAINFAS
faz pensar.
O Abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco (Ed.
Tempo Saquarema , de Ilmar Rolf Mattos (Ed. Nova Fronteira) - Livro engajado na causa
Access) - Vai ao âmago da calmaria do Segundo abolicionista de forma moderada, um clássico do
Reinado. A construção do Estado nacional é a história pensamento liberal à moda brasileira. O melhor do
da afirmação da classe senhorial brasileira, em torno do livro é o fato de Nabuco ter percebido a especificidade
pacto conservador contra a desordem nas ruas e da escravidão brasileira em relação à norte-americana,
senzalas. salientando que, entre nós, ela não correspondia
exatamente às hierarquias raciais.
A Construção da Ordem e Teatro de Sombras , de
José Murilo de Carvalho (Ed. Relume-Dumará) - Sobrados e Mucambos (1936), de Gilberto Freyre
Introduz modo novo de fazer história política. Traça (Ed. Record) - O segundo grande livro de tantos quanto
perfil da elite política imperial, suas origens sociais, escreveu Freyre, neste caso desvendando o cotidiano da
regionais, ocupacionais. É sobre essa gente em batalhas escravidão no cenário urbano do Rio de Janeiro no
cruciais, como a abolição e a lei de terras, em relação século 19. Complementa seu livro maior, quot;Casa-
às quais os senhores rurais, bem representados no Grande & Senzalaquot;, de 1933.
poder, nem sempre foram servidos pelo senhor do
trono. Formação da Literatura Brasileira (1957), de
Antonio Candido (Ed. Itatiaia) - Clássico do maior
As Barbas do Imperador , de Lilia Moritz Schwarcz crítico literário brasileiro e historiador de nossa
(Ed. Companhia das Letras) - Abordagem original de literatura. Com máxima acuidade e erudição, desvenda
Pedro 2º, trata sobretudo da construção da imagem a constituição de um sistema literário no Brasil desde
pública do monarca, a partir de vastíssima 1750 até 1880. Combina análise estética com
documentação iconográfica. Se às vezes passa muito interpretação histórica, atento à formação da
rápido sobre tais fontes, deixa sempre pistas nacionalidade e suas representações.
inteligentes.
Da Senzala à Colônia (1966), de Emília Viotti da
Visões da Liberdade , de Sidney Chalhoub (Ed. Costa (Ed. Unesp) - O título não é bom, mas o livro é
Companhia das Letras) - É a corte da perspectiva do clássico sobre o complexo jogo de interesses envolvido
escravo. Mostra como ele construiu a derrocada da na abolição do tráfico e da escravidão no Brasil.
escravidão no dia-a-dia, avançando suas próprias
visões de liberdade, finamente elucidadas pelo Homens Livres na Ordem Escravocrata (1969), de
historiador. Análise de classe com classe. Maria Sylvia de Carvalho Franco (Ed. Unesp) - O
primeiro livro que, estudando a sociedade escravista,
Bahia, Século 19 , de Kátia M. de Queirós Mattoso pôs em cena os brasileiros que não eram senhores nem
(Ed. Nova Fronteira) - É o Império visto da periferia, escravos, utilizando-se pioneiramente de processos-
nesta radiografia bem documentada da província crime como fonte histórica.
baiana. Geografia, demografia, economia, família,
escravidão, riqueza, pobreza, governo, religião -esforço Nordeste 1817 (1972), de Carlos Guilherme Mota -
exemplar em direção à inalcançável história totalizante. Um grande livro sobre o conflito de classes e suas
9. representações na Revolução de 1817, umas das várias
insurgências da história pernambucana. Incluo o livro Bahia, Século 19 - Uma Província no Império (1992),
no período imperial porque trata do contexto joanino, de Kátia Mattoso (Ed. Nova Fronteira) - Reúne
pré-emancipatório. resultados de pesquisas realizadas desde os anos 60.
Historiadora quot;greco-baianaquot; de forte formação
Rebelião Escrava no Brasil (1985), de João José Reis braudeliana, foi uma das primeiras a valorizar as
(Ed. Companhia das Letras) - O melhor livro de um relações entre geografia e história, as fontes seriais e a
dos melhores historiadores brasileiros atuais, na minha demografia histórica. Utilizou números sem prejuízo da
opinião o melhor. É livro sobre a Revolta dos Malês, narrativa e a favor de uma história social global.
na Bahia, em 1835: uma lição de como estudar o
conflito social em conexão com o poder, a cultura e as Na Senzala, uma Flor (1999), de Robert Slenes (Ed.
religiosidades, além de ligar a história brasileira à Nova Fronteira) - Apesar de publicado somente em
africana. 1999, reúne pesquisas e textos que o autor realiza há
décadas. É o principal historiador da cultura banto na
Tempo Saquarema (1986), de Ilmar Mattos (Ed. diáspora da escravidão brasileira. Explica a recriação
Access) - A melhor interpretação sobre a formação do de identidades culturais africanas, apesar e através da
Estado imperial numa perspectiva de luta de classes, escravidão.
explicando a hegemonia alcançada pelo Rio de Janeiro
escravocrata no século 19.
A Independência e a Regência
Evaldo Cabral de Mello
especial para a Folha
A historiografia pode conter buracos negros de várias espécies. A primeira decorre da carência de documentação no
tocante aos períodos mais recuados. É assim que os historiadores da alta Idade Média alemã tornaram-se mestres
exímios em tirar partido de simples listas de nomes. A segunda variedade tem a ver com o fato de que a documentação
existe, mas, devido a limitações de natureza material ou ideológica, não foi aproveitada no todo ou em parte. O livro de
Kátia de Queirós Mattoso sobre a Bahia no século 19 é um bom exemplo. Os acervos estavam em Salvador, mas não
haviam sido devidamente explorados.
Enfim, o terceiro gênero de buraco negro na historiografia é o que cava a própria passagem do tempo. Como toda
história, Croce quot;dixitquot;, é história contemporânea, periodicamente os historiadores voltam aos velhos temas, munidos
com outras lentes ou inspirados por novos interesses.
A esse respeito, ocorre-me o período da Independência. Os livros de síntese (Varnhagen, Oliveira Lima, Tobias
Monteiro) estão todos envelhecidos, e a última tentativa feita neste sentido, a de José Honório Rodrigues, resultou em
algo descosido, mal concebido e mais mal escrito.
Daí que as biografias de Octavio Tarquínio de Souza ainda sirvam de excelente leitura mesmo para o iniciado. E,
contudo, as universidades brasileiras têm produzido nos últimos decênios uma boa quantidade de monografias sobre os
aspectos os mais diversos dos anos 1808-1825, as quais poderiam servir de base a uma nova tentativa de síntese do
nosso processo emancipacionista.
Caso ainda mais gritante de buraco negro é o da Regência. É simplesmente escandaloso que não se disponha de obra,
antiga ou recente, dedicada ao período regencial, a despeito de ele haver sido uma das fases mais vigorosas e vibrantes
do nosso passado. A esse respeito, como no tocante à Independência, a historiografia brasileira continua sob a férrea
tutela da historiografia saquarema, isto é, a historiografia da Corte fluminense e dos seus epígonos na República, para
quem a história da emancipação reduz-se à da construção de um Estado unitário, concebido e realizado por alguns
indivíduos dotados de grande descortino político, que tiveram a felicidade de nascer no triângulo Rio-São Paulo-Minas.
Sobre a Regência, continua a pesar o anátema de período anárquico e irresponsável, dominado por interesses
provinciais, como se estes fossem por definição ilegítimos, e caracterizado pelo gosto, digamos, ibero-americano, pela
turbulência e pela agitação estéril, período que poderia ter comprometido a sacrossanta unidade nacional, não fosse a
sabedoria política de Eusébio, Paulino e Rodrigues Torres.
A unidade nacional
João José Reis
especial para a Folha
Permanece um enigma a transformação da América portuguesa em um só país chamado Brasil, enquanto a América
espanhola se dividiu em numerosas nações. A luso-monarquia parlamentar e a afro-escravidão generalizada não bastam
10. para explicar a unidade, embora não sejam elementos desprezíveis.
Ao longo das duas décadas que se seguiram à Independência, tanto a monarquia como a escravidão foram contestadas
em rebeliões que poderiam redundar no esfacelamento da recém-criada nação. Por que, como, quando, onde exatamente
foram vencidos esses movimentos?
Quem vivia no Brasil do período regencial, por exemplo, não dormia com a certeza de que o país acordaria unificado e,
em alguns lugares, sob controle dos brancos. Existem estudos sobre movimentos separatistas e/ou republicanos
específicos e sobre a política imperial desde Pedro 1º, mas não uma obra ao mesmo tempo abrangente e profunda, com
pesquisas feitas, articuladamente, no centro e nas diversas periferias do Império.
Pesquisa desse porte provavelmente demanda trabalho em equipe. Mas por que não? O importante é concordar sobre
uma estratégia sistemática de levantamento de fontes comparáveis, a partir de um elenco de problemas a serem
investigados e hipóteses a serem testadas, em torno da questão dispersão/unidade. Seria um bom projeto sobre como e
quando o Brasil realmente nasceu.
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República - 5 datas
1889 - Em 15 de novembro é proclamada a República. O marechal Deodoro da Fonseca torna-se o primeiro presidente do país.
1930 - Getúlio Vargas chega ao poder após a Revolução de 30, liderada pelas classes médias urbanas e jovens oficias (tenentismo).
1937 - No final do ano, a pretexto de uma fictícia conspiração comunista (Plano Cohen), Vargas dissolve o Congresso e implanta a
ditadura (Estado Novo), que se estende até 1945. Vargas se reelege em 51 e, pressionado por ultraliberais, se mata em 54.
1964 - Descontentes com o governo democrático de João Goulart, conservadores e Forças Armadas instalam o regime militar no
país, que recrudesce em 68 com o AI-5.
1985 - Depois de intensa campanha, em 1984, por eleições diretas, o país restabelece a democracia com a eleição indireta de
Tancredo Neves, que morre antes de assumir a Presidência.
BORIS FAUSTO (Ed. Nova Fronteira) - Clássico sobre o tema, no qual o
autor utiliza proveitosamente sua formação jurídica.
A Formação das Almas , de José Murilo de Carvalho Relativizou a importância do município na constituição
(Ed. Companhia das Letras) - Ensaio sobre a do coronelismo, enfatizando o papel das unidades
construção do imaginário republicano, com fecunda estaduais. Coffee, Contention and Change in the
utilização de fontes iconográficas e de monumentos. Making of Modern Brazil , de Mauricio Font
(Cambridge University Press) - Monografia que critica
Borracha na Amazônia , de Barbara Weinstein (Ed. teses tradicionais, como a da associação entre o PRP e
Hucitec) - Estudo sobre um tema pouco explorado -a os interesses cafeeiros, chamando a atenção para a
expansão e a crise da borracha na Amazônia e suas diversificação das atividades econômicas em São Paulo
consequências socioeconômicas assim como políticas. durante a Primeira República.
Os Sertões , de Euclides da Cunha (Ed. Francisco Estudo sobre as Origens do Empresariado Paulista ,
Alves) - Não é um livro de história, mas uma de Warren Dean - Enfatiza o papel dos grandes
verdadeira introdução a um quot;outro Brasilquot;, via episódio fazendeiros e do comércio exportador no início da
de Canudos. A própria ambiguidade de Euclides, entre industrialização. Bases do Autoritarismo Brasileiro , de
a quot;civilizaçãoquot; e a quot;barbáriequot;, tornou-se um importante Simon Schwartzman (Ed. Campus) - Estudo
caminho para a reflexão sobre o quot;dualismoquot; brasileiro. sociológico que busca desvendar as raízes históricas do
autoritarismo, criticando a tese da dominação política
O Regionalismo Gaúcho , de Joseph. L. Love (Ed. de São Paulo na Primeira República.
Perspectiva) - Reconstrução da sociedade e sobretudo
da política do Rio Grande do Sul, entre 1882-1930. Seminário Internacional sobre a Revolução de 30 ,
Abriu caminho para se rever o papel daquele Estado no promovido pelo CPDOC (Centro de Pesquisa e
âmbito da política do quot;café-com-leitequot;. Documentação de História Contemporânea do Brasil) -
Publicação de vários textos sobre os anos 30 no Brasil,
Política e Parentela na Paraíba , de Linda Lewin (Ed. destacando-se, entre outros, os de Angela de Castro
Record) - Monografia inovadora, concentrada no Gomes (classes populares), Gerson Moura (relações
período da Primeira República, lançando luz sobre uma internacionais) e José Murilo de Carvalho (Forças
oligarquia de base familiar. Armadas).
Coronelismo, Enxada e Voto , de Victor Nunes Leal Nota: Deixei de mencionar alguns livros importantes,
11. por não se enquadrarem na cronologia escolhida. Evaristo Moraes Filho (Ed. Alfa-Ômega) - Outro texto
Dentre eles, cito Gilberto Freyre, quot;Casa-Grande & clássico que aborda tema emblemático de estudos sobre
Senzalaquot;; Celso Furtado, quot;Formação Econômica do o período republicano: a montagem do sistema sindical
Brasilquot;; Raymundo Faoro, quot;Os Donos do Poderquot;; do pós-30 e a questão do corporativismo. Publicado
Florestan Fernandes, quot;A Integração do Negro na pela primeira vez em 1952, o livro, de um dos
Sociedade de Classesquot;. primeiros professores de direito do trabalho no Brasil,
inaugura uma longa lista de seguidores, que reúne
ANGELA DE CASTRO GOMES sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e
historiadores, desde então.
À Margem da História da República (1981), de
Vicente Licínio Cardoso (org.) (Ed. UnB) - Livro A Revolução Brasileira (1966), de Caio Prado Jr. (Ed.
histórico, organizado por um engenheiro positivista, Brasiliense) - Logo após o movimento militar de 1964,
reunindo ensaios produzidos pelos mais representativos o livro deste prestigioso historiador desencadeou
intelectuais atuantes nas primeiras décadas da muitos debates, especialmente pelas críticas
República: Alceu Amoroso Lima, Oliveira Viana, desenvolvidas às interpretações compartilhadas sobre a
Ronald de Carvalho, Pontes de Miranda etc. É um formação histórica brasileira, que, até então,
precioso balanço crítico, realizado por ocasião das orientavam particularmente as atividades da esquerda
comemorações do centenário da Independência, cuja brasileira. Neste sentido, torna-se um texto-referência,
primeira edição é de 1924. quer para os trabalhos que se voltaram para a análise do
período do pré 1964, quer para os que investiram no
Coronelismo, Enxada e Voto (1975), de Victor Nunes estudo do regime militar.
Leal (Ed. Nova Fronteira) - Um clássico da literatura
sobre a Primeira República que muito extrapola este Cidadania e Justiça (1979), de Wanderley Guilherme
período, colocando sob enfoque questões fundamentais dos Santos (Ed. Campus) - Um livro que marcou os
para o exercício da dominação política em nosso país. debates de fins dos anos 70 e da década seguinte,
Um grande número de trabalhos foram produzidos incorporando-se definitivamente à bibliografia de todos
desde que o autor, em 1949, defendeu sua os que desejam pesquisas e temas vinculados à política
interpretação. Todos lhe são tributários, reconhecendo social e à organização do trabalho no Brasil. Uma
seu pioneirismo e agudeza de análise. contribuição decisiva à reflexão sobre os caminhos e os
obstáculos do processo de construção da cidadania na
A Revolução de 30 (1970), de Boris Fausto (Ed. República.
Companhia das Letras) - Análise historiográfica que
retoma e aprofunda as críticas à concepção, vigente à A Ordem do Progresso (1989), de Marcelo Paiva
época, de que os conflitos da Primeira República e a Abreu (org.) (Ed. Campus) - Coletânea produzida por
própria Revolução de 30 adviriam do enfrentamento ocasião das comemorações do centenário da República,
entre setor agroexportador e setor urbano-industrial. reúne textos que procuram fazer uma análise da
Com sólida pesquisa histórica, o autor impõe uma nova economia brasileira, em perspectiva histórica, cobrindo
interpretação, centrada nos conflitos intra-oligáquicos o período que vai da proclamação até o governo
fortalecidos por movimentos militares, que não mais Sarney.
abandonaria a produção de textos sobre o período
republicano. História da Vida Privada no Brasil (1998-99), de
Fernando Novais (org.), volumes 3 e 4 (Ed. Companhia
O Brasil Republicano (1975-86), de Boris Fausto das Letras) - Volumes organizados, respectivamente,
(org.), (volumes 8, 9, 10 e 11 da quot;História Geral da por Nicolau Sevcenko e Lilia M. Schwarcz, trata-se de
Civilização Brasileira) (Ed. Bertrand) - Grande obra, obra conjunta, em que vários colaboradores examinam
reunindo numerosos colaboradores de formações diferenciados temas, todos confluindo para a questão
acadêmicas diferenciadas, que procura abordar temas e das relações entre o público e o privado no Brasil. Um
questões da história política, econômica, social e rico, recente e estimulante panorama da história
cultural da República no Brasil. Referência obrigatória sociocultural do período republicano.
para os que desejam conhecer o período, tanto em
termos históricos quanto historiográficos. EVALDO C. DE MELLO
A Formação das Almas (1990), de José Murilo de Os Sertões , de Euclides da Cunha (Ed. Francisco
Carvalho (Ed. Companhia das Letras) - Autor com Alves) - A importância da obra cifra-se hoje não na sua
ampla produção sobre o período imperial inova a inspiração teórica ou doutrinária, mas no vigor da
literatura que analisa a República, colocando como seu narrativa, que sobreviveu bem melhor à prova do
objeto a produção de símbolos e o estudo do tempo do que a parte ambiciosamente interpretativa do
imaginário político. É excelente exemplo da renovação livro, que já nasceu inatual.
da história política no Brasil, do trabalho
interdisciplinar e do uso de fontes ainda hoje pouco Ordem e Progresso , de Gilberto Freyre (Ed. Record)
frequentadas, como telas, caricaturas e charges. - Sob a aparência desorganizada e boêmia da obra,
característica mais presente nela do que em outros
O Problema do Sindicato Único no Brasil (1978), de livros do autor e da qual ele fazia garbo, encontram-se
12. várias idéias originais sobre a República Velha, a que uma enorme capacidade de síntese a grande
não se tem dado a devida atenção. As duas primeiras profundidade tópica.
páginas do primeiro capítulo constituem ponto
altíssimo da prosa em língua portuguesa. A Formação das Almas (1990), de José Murilo de
Carvalho (Ed. Companhia das Letras) - Ensina que a
Um Estadista da República , de A.A. de Melo Franco idéia de República também tem suportes e história.
- Trata-se de um livro que, graças à pesquisa sólida e
ao estilo sóbrio, oferece o que até agora se escreveu de Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha (Ed.
melhor em matéria de história política da República Francisco Alves) - É obra seminal para a compreensão
Velha. de um certo tipo de expressão cultural bem
característico do Brasil.
O Brasil Republicano , de Boris Fausto (org.) (Ed.
Bertrand) -Obra coletiva, tem as virtudes e os defeitos População e Desenvolvimento Econômico no Brasil
dos projetos desta natureza no Brasil, de vez que não é (1981), de Thomas W. Merrick & Douglas H. Graham
possível preservar um alto nível de qualidade para (Ed. Jorge Zahar) - Dos poucos tratados sobre a
todas as contribuições individuais. O mesmo ocorrera história da população brasileira. Fundamental para o
com as séries anteriores relativas ao Brasil colonial e entendimento de nosso evolver demográfico, sobretudo
ao Brasil monárquico. a partir de fins do século 19.
História da República , de José Maria Belo - Trata-se Preto no Branco - Raça e Nacionalidade no
de uma síntese da história política da República Velha Pensamento Brasileiro (1976), de Thomas E.
que nada tem de extraordinária, mas que, dada a Skidmore (Ed. Paz e Terra) - Queira-se ou não, este
pobreza da historiografia sobre o assunto, ainda pode livro ainda é uma incontornável referência quando o
ser lida com interesse. assunto é pensamento racial brasileiro.
De Getúlio a Castelo , de Thomas Skidmore (Ed. Paz Coronelismo, Enxada e Voto (1948), de Victor Nunes
e Terra) -É uma obra de síntese cuja leitura pode servir Leal (Ed. Nova Fronteira) - Desvenda os processos de
de continuação ao livro de José Maria Belo. reprodução do poder local antes da industrialização
acelerada.
Lanterna na Popa , de Roberto Campos (Topbooks) -
quot;Lanterna na Popaquot; é, na realidade, dois livros em um: A Invenção do Trabalhismo (1994), de Angela de
uma análise crítica da política econômica do Brasil Castro Gomes (Ed. Relume-Dumará) - Para
desde os meados do século 20; e as recomendações compreender como Getúlio e o trabalhismo se
pessoais acerca de episódios em que esteve envolvido o entranharam tanto e por tanto tempo nos mais
autor e dos homens públicos que conheceu. Do ponto recônditos cantos de nossa consciência; para entender
de vista do leitor, teria sido preferível que tivessem como se pode ouvir e atender aos reclamos de muitos -
sido separados. para mantê-los em seu devido lugar.
A Vida do Barão do Rio Branco , de Luiz Viana 1964 - A Conquista do Estado, Ação Política, Poder
Filho (Ed. José Olympio) - É a obra-prima de um e Golpe de Classe (1981), de Rene A. Dreifuss (Ed.
mestre da arte da biografia, que, como Octavio Vozes) - Uma radiografia gramsciana sobre o
Tarquínio, tinha o dom narrativo que no Brasil parece envolvimento político de parcela expressiva do
ser monopólio dos biógrafos. empresariado na crise que desembocou no golpe de
1964.
Memórias , de Gilberto Amado - Qualquer um dos
volumes de memórias de Gilberto Amado pode ser lido Os Militares na Política - As Mudanças de Padrões
com interesse, mas quot;História da Minha Infânciaquot; e na Vida Brasileira (1975), de Alfred Stepan (Ed. Paz
quot;Minha Formação no Recifequot; são especialmente e Terra) - Uma boa radiografia da presença dos
valiosos para captar o tom da existência provinciana na militares na vida política nacional. Uma pesquisa que
República Velha. mereceria sequência.
Baú de Ossos , de Pedro Nava (Ateliê Editorial) - O Processos e Escolhas - Estudos de Sociologia Política
livro é o ponto alto da memorialística brasileira. O (1998), de Elisa Pereira Reis (Ed. Contracapa) -Mais
historiador da vida social da República Velha não o um vigoroso exemplo da interdisciplinaridade nas
pode dispensar. É uma pena que os volumes seguintes ciências humanas. Destaca-se sobretudo pela análise da
não tenham a mesma densidade. Afinal de contas, não iníqua desigualdade social, este traço tão recorrente de
se é Proust facilmente. nossa história.
MANOLO FLORENTINO RONALDO VAINFAS
Da Monarquia à República - Momentos Decisivos Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha (Ed.
(1977), de Emília Viotti da Costa (Ed. Unesp) - Para Francisco Alves) - Não era historiador, mas com razão
entender a transição em seus aspectos mais gerais. Alia é considerado um dos primeiros sociólogos brasileiros.
13. Pôs em cena o sertão nordestino e foi cronista da reflexão teórica. É definitiva sua análise sobre a
guerra de Canudos, iluminando face até hoje encoberta superação do quot;liberalismo fordistaquot; pelo
do Brasil. corporativismo getulista, baseado em Gramsci.
Coronelismo, Enxada e Voto (1949), de Victor Nunes O Cativeiro da Terra (1979), de José de Souza
Leal (Ed. Nova Fronteira) - Um clássico sobre as Martins (Ed. Hucitec) -Um livro cirúrgico sobre as
relações entre poder local e poder central no Brasil. relações de trabalho presentes no colonato, emblema de
Mostra como o primeiro sempre foi chave, apesar da como se fez a transição para o assalariamento rural no
centralização política brasileira vigente desde o Brasil. Teoricamente denso, é livro que ensina muito
Império. sobre a burguesia não-capitalista do país.
Os Donos do Poder (1959), 2 volumes, de Raymundo 1930 - O Silêncio dos Vencidos (1981), de Edgard De
Faoro (Ed. Globo) -A melhor síntese sobre a história Decca (Brasiliense) - Um exemplo da historiografia
político-institucional brasileira desde a Colônia até a paulista exageradamente antivarguista. No entanto,
década de 50. A segunda edição de 1975 avança e descortinou as alternativas revolucionárias nos anos 20
ajuda a compreender a instauração do regime militar e 30 e mostrou como as desastradas atitudes do Partido
em 1964. Comunista puseram a perder o movimento operário no
Brasil.
O Colapso do Populismo no Brasil (1967), de
Octávio Ianni (Ed. Civilização Brasileira) - Livro Os Bestializados (1987), de José Murilo de Carvalho
admirável, entre tantos de Ianni, porque defende como (Ed. Companhia das Letras) - Outro clássico de nossa
ninguém a interpretação do populismo como quot;pactoquot; historiografia, pois mostra como o quot;povo brasileiroquot; era
entre a burguesia e o proletariado. É antivarguista, mais esperto do que pensavam os adversos. Não ligou
claro, mas ilumina uma aliança fundamental para os para a proclamação da República nem para a política
trabalhadores brasileiros. institucional, percebendo-as como vis, e foi tratar de
outras coisas, resistindo à sua maneira.
A Revolução de 1930 (1970), de Boris Fausto (Ed.
Companhia das Letras) -Ensaio clássico sobre o jogo A Invenção do Trabalhismo , (1988) de Angela de
de forças políticas que levou à ascensão de Getúlio Castro Gomes (Ed. Relume-Dumará) - É a grande
Vargas, com destaque para a análise da quot;crise dos anos referência para estudar o regime instaurado entre 1930
20quot;. e 37 no Brasil em contraponto à historiografia paulista,
na verdade muito opositora de Vargas. Ângela leva o
Liberalismo e Sindicato no Brasil (1976), de Luís trabalhismo a sério e, sem endossar o quot;getulismoquot;,
Werneck Vianna - (Ed. Paz e Terra) - Creio ser o consegue explicar a longevidade do regime no campo
melhor estudo sobre a história do sindicalismo no do imaginário político.
Brasil, porque combina informação institucional com
A velha elite paulista
Boris Fausto
Colunista da Folha
Parto do princípio de que, na pesquisa sobre a história do Brasil ou de qualquer outro país não faz muito sentido falar
em lacunas a serem preenchidas. Melhor será falar de campos novos, suscetíveis de exploração, ou de reelaboração da
interpretação de processos, personagens, fatos históricos etc. Preencher lacunas significaria dar idéia de um álbum a ser
completado, que, afinal, permaneceria estático para sempre.
A partir daí, faço algumas sugestões exemplificativas sobre temas com pressupostos metodológicos diversos. Do ponto
de vista dos grandes conjuntos sociais, seria importante um estudo que aprofundasse o conhecimento da ascensão e
queda da velha elite e da classe média paulista, a partir dos últimos decênios do século 19 até os anos 30 deste
século,tendo como um de seus eixos a crise aberta em 1929 -fator aparentemente muito importante para a explicação da
mobilidade social ascendente e descendente.
Passando ao terreno da microhistória, o que não diminui sua relevância, sugeriria um estudo sobre a gripe espanhola,
epidemia mundial que, em 1918, assolou também os centros urbanos brasileiros. De um lado, esse estudo pode iluminar
temas significativos diversos, como o da desigualdade do tratamento social diante da doença, o do sentimento
generalizado de ansiedade e medo, o das concepções e da prática médica.
14. O pós-Segunda Guerra
Angela de Castro Gomes
especial para a Folha
De uma forma geral, sobretudo se comparados aos estudos sobre o Brasil colonial e imperial, são recentes os textos que
contemplam o período republicano. Isto se deve a uma antiga e atualmente não tão forte desconfiança dos historiadores
de ofício em relação ao quot;tempo presentequot;. Por essa razão, também de uma forma geral, há muito o que pesquisar,
sobretudo quando se ultrapassam os anos do pós-Segunda Guerra, quando os acontecimentos ganham enorme
velocidade e densidade, relacionando-se cada vez mais com as questões que nos são contemporâneas. Uma sugestão,
contudo, tem importância particular. Ela diz respeito à realização de estudos que tenham como objeto a própria
produção do conhecimento histórico no Brasil: as instituições, os autores e as obras que construíram nossa memória e
história. Aí o período republicano ganha espaço especial e convida a todos a se debruçar, diligentemente, sobre ele.
Critérios da lista
A seleção de livros que realizei para esta edição do Mais! seguiu alguns critérios. Aqui estão livros de autores
brasileiros, que analisam a experiência de nossas várias repúblicas, desde a Proclamação até o período posterior ao
regime militar. Evitou-se, assim, os títulos que contemplam a história do Brasil de maneira geral.
Por outro lado, privilegiou-se tanto textos considerados, hoje, clássicos para a historiografia do período, por seu
pioneirismo e pelo debate que produzem, quanto textos recentes que reúnem a contribuição de vários autores. Também
houve a preocupação em contemplar a história política, econômica, social e cultural, assumindo uma perspectiva
multidisciplinar para pensar a produção do conhecimento histórico.
A herança africana
Manolo Florentino
especial para a Folha
Para mim a grande lacuna da história brasileira é representada, paradoxalmente, pelo que de africano temos. Explico-
me: durante mais de 300 anos dependemos dos africanos para reproduzir nossa economia e nossa sociedade. Isso
significa que parcela expressiva da população colonial era formada por homens e mulheres que não apenas haviam
nascido na África, mas que também vieram ao mundo livres. Logo, o cativeiro não era de modo algum uma espécie de
destino manifesto.
Do ponto de vista analítico, creio perder-se muito quando se ignora ter sido o quot;africanoquot; (assim mesmo, entre aspas)
uma cruel invenção do cativeiro, já que aqueles que por séculos a fio desembarcaram nos portos coloniais eram, antes
que nada, minas, cabindas, quiloas, rebolos, cassanjes, moçambiques e demais -experiências que nada indicam haver
fenecido sob a rubrica jurídica de quot;escravoquot;.
Por isso, a grande lacuna da historiografia brasileira deriva de tomar o escravo africano unicamente a partir de seu
desembarque nos portos brasileiros, procedimento que tem ensejado a apresentação de soluções algo artificiais a
intrincados problemas de nossa história -especialmente os relativos a nossa identidade.