Atores sociais não privilegiados: textos, língua e história
1. Atores sociais não privilegiados:
seus textos, sua língua,
sua história
Under-privileged social actors: their texts,
their language, their history
Rita Marquilhas
The Lower Classes, Scripturality, and the History of Language.
An Interdisciplinary Balance
International symposium at the Christian-Albrechts-Universität zu Kiel (6-7 Nov 2014)
2. Estrutura do Simpósio (7 perguntas)
• Qual era o estado real da alfabetização e o nível de alfabetização das
classes populares na Idade Moderna
• Que relações existem entre as formas verbais (escritas) das élites e as
das classes populares?
• Que modelos guiavam as classes populares?
• Houve desenvolvimentos independentes entre las classes populares, ou
antes a aquisição imperfeita das formas linguísticas usadas pelas
élites?
• Teve o desenvolvimento dos media (existência de livros e acesso a eles,
ao papel, aos serviços postais)?
• Que fontes se podem encontrar sobre o uso da língua escrita por parte
das classes populares?
• Que técnicas de edição são mais úteis para a publicaçãoo de textos
escritos pelas classes populares (princípios de transliteração
diplomática, métodos de indexação digital, edições em XML, anotação
linguística, etc.)?
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3. Interdisciplinaridade
• Prática de mais do que uma disciplina, sozinho ou em
equipa
• Constante recordação da ideia que desencadeou logo
de início a necessidade de interdisciplinaridade: objetos
de estudo demasiado complexos
• O que se perde:
– Respeito dos pares. Causas:
• Abandono de terminologia muito específica
• Abandono de princípios muito inflexíveis
• Solução:
– Regressar vezes sem conta à complexidade do objeto
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4. Classes Populares na História e sua língua
(Idade Moderna)
• Classe popular é uma categoria social
– Compreensão da vida em sociedade e da sociedade
histórica específica que se estuda
• Língua das classes populares é linguagem e é
comportamento
– Compreensão pragmática da performance dos falantes e
compreensão teórica das caraterísticas universais da
linguagem humana
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5. Oposições contidas nas
7 perguntas do Simpósio
• Alfabetizados versus analfabetos
• Classes altas versus classes baixas
• Oralidade versus escrita
• Variantes linguísticas desenvolvidas versus variantes
adquiridas
• Presença de media versus sua ausência
• Existência de fontes conservadas versus sua
inexistência
• Técnicas de edição úteis versus técnicas inúteis
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6. Alfabetizados versus analfabetos
• Disciplinas pertinentes: história da educação e história
cultural
• Inconvenientes das fontes: descrições feitas tipicamente
por falantes cultos e com poder, autores do discurso
‘político’ (=polido)
• Compensação: medição da capacidade para assinar na
época, abordagem sempre um pouco incerta
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7. Discurso político nos séculos XVI e XVII
(Portugal)
• Trabalhos de Diogo Ramada Curto (1988, 2007, 2011)
– Um gosto aristocrático pelo debate sobre a língua
– Constante atenção às performances linguísticas e à
distância do nobre ao plebeu, do avisado ao indiscreto,
do vicioso ao bem instruído (Duarte Nunes de Leão,
1576)
• Abordagem à la Bourdieu
– Busca da presença inconsciente de testemunhos sobre
capital cultural e sobre distinção
• A corte era o contexto por excelência para a incorporação da
variedade de língua enquanto capital cultural e marca de
distinção
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8. Taxas de alfabetização em Portugal no
século XVII
• Referência do Recenseamento de 1878 – 79,4% de
Portugueses maiores de 6 anos residentes no
Continente não sabiam ler (Ramos 1988)
• alfabetização restrita (Goody 1968)
• Medição da capacidade das testemunhas para assinar
depoimentos no século XVII (Marquilhas 2000)
– Portugueses, urbanos e rurais, ao nível dos espanhóis
urbanos (Rodríguez e Bennassar 1978)
– Portugueses do norte abaixo do nível dos ingleses de
Norwich, portugueses do sul ao nível dos ingleses,
portugueses do Centro acima do nível dos ingleses (Cressy
1980)
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9. Capacidade para assinar depoimentos em Portugal s. XVII Norte Centro Sul
1. Clero e religiosos 99,2% 99,0% 100%
2. Nobres, cidadãos, criados de grandes famílias, letrados,
estudantes, profissões liberais, ofícios elevados da
administração central,snhorial, corporativa e periférica da
coroa, mercadores, familiares do Santo Ofício
87,5% 92,3% 93,7%
3. Pequeno comércio, mesteirais, pilotos, mareantes, ofícios
subalternos
51,6% 58,9% 51,6%
4. Lavradores, os que vivem de sua fazenda, nobreza local,
ofícios elevados da administração local
48,3% 68,0% 66,0%
5. Criados, jornaleiros, braceiros, aprendizes, soldados,
trabalhadores, pescadores, escravos e mendigos
15,7% 30,7% 21,6%
6. Classe social ou profissão não especificadas 34,1% 54,4% 32,4%
Média 60,1%
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10. Analfabetismo no Sul da Europa
Idade Moderna – ultra-simplificação de
David Cressy
• Sem o impulso de uma campanha protestante
de alfabetização nem os requisitos de uma
economia complexa e dinâmica, é natural que
a maior parte da Europa mediterrânica tenha
permanecido no analfabetismo.
Cressy, 1980:179, 181
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11. Alfabetização em Portugal
Século XVII
–População portuguesa era escassa
• c. 1 milhão e 900 mil em 1640
–Lisboa era um grande porto e era economicamente vibrante
atraindo imigração rural
–Império exigia soldados, marinheiros e colonos
–Homens de ambientes rurais, arrancados do seu grupo de
origem, precisavam da escrita para sobreviver
200 anos depois, no século XIX
–População tinha mais que dobrado
• c. 4 milhões e 700 mil em 1878, 80% de analfabetos
–Impérios brasileiro e asiático inexistentes, império africano
ainda por explorar
100 anos mais tarde, no século XX
• c. 8 milhões e 900 mil em 1960, 17% de analfabetos
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12. Oposição língua escrita vs língua falada –I
One of the main points of modern linguistic research is that
spontaneous spoken languages are not a defective or
imperfect implementation of written standard languages.
These latter languages are based on cultural elaborations
of the former and they are to a lesser or greater extent
artificial. This explains why non-educated speakers make
mistakes when trying to speak a written standard
language: they tend to naturalize that artificial language in
order to make it adequate for normal everyday linguistic
interaction, introducing a degree of variation and the
under-determination typical of natural languages, but which
is not permitted in cultivated languages (cont.)
Moreno & Mendívil Giró 2014: 153
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13. Oposição língua escrita vs língua falada –II
Cultivated languages can only be usefully described and
studied when the natural languages on which they are
based are taken as a reference. On the contrary, natural
languages can be studied in themselves, without reference
to their elaborated versions. Of course, in communities
with a standard language tradition, some influence of the
standard language on the spoken natural language can be
expected; but this influence is superficial […] and does not
affect any essential features of the corresponding natural
language
Moreno & Mendívil Giró 2014: 153
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14. Escritos de classes populares
• Pouco treino com o instrumento de expressão
• Maior imunidade ao artificialismo da prática da escrita
• Maior fidelidade ao registo da variedade falada
MAS
É sobretudo a sua cultura que ali está testemunhada
Os traços da sua gramática tem de ser teorizados
antes e só ali buscados depois
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15. Volumes da população portuguesa
Idade Moderna, segundo Rodrigues 2009
Years
Mainland
Portugal
Islands Total
1530 1,120,000 1,120,000
1580 1,200,000 1,200,000
1620 1,200,000 1,200,000
1640 1,900,000 1,900,000
1700 2,050,000 125,897 2,175,897
1732 2,143,368 159,921 2,303,289
1768 2,409,698 2,409,698
1801 2,931,930 283,400 3,215,330
1821 3,026,450 3,026,450
1835 3,061,684 3,061,684
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16. Amostra representativa da população
portuguesa na Idade Moderna
3.180 informantes (0,025% do real)
Time interval Number of
necessary
informants
1551-1600 300
1601-1650 470
1651-1700 500
1701-1750 530
1751-1800 600
1801-1834 780
Total 3,180
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17. P.S. Post Scriptum
Arquivo Digital de Escrita Quotidiana em
Portugal e Espanha na Época Moderna
• Séc. XVI a inícios do século XIX, até às reformas
administrativas de c. 1833
• Cartas arquivadas (e contextualizadas) como prova
incriminatória em processos de tribunais civis, da Igreja
e da Inquisição
• Escritas por homens, mulheres e crianças, de todos os
estratos sociais, de todas as regiões de Portugal,
Espanha e seus Impérios
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18. Edição P.S. Post Scriptum
• Contextualização
• Base de dados biográfica de autores e destinatários
• Transcrição diplomática
• Edição crítica genética,
• Linguagem XML-TEI
• Tokenização
• Anotação morfossintática
• Lematização
• (Anotação por campos semânticos)
• Anotação sintática
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19. Endereços
• Edição clássica
http://ps.clul.ul.pt
• Edição interativa na plataforma TEITOK
de Maarten Janssen
–http://cards-fly.clul.ul.pt/teitok/
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28. Parser de Dan Bikel e edição em Corpus
Search – Anotação sintática
29. Cressy, David, 1980, Literacy and the Social Order. Reading and Writing in Tudor and Stuart England.
Cambridge, Cambridge University Press.
Curto, Diogo Ramada. 2007. Cultura escrita (séculos XV a XVIII). 1a ed. Lisboa: Imprensa de Ciências
Sociais.
Curto, Diogo Ramada. 1988. O discurso político em Portugal (1600-1650). Temas de cultura portuguesa
12. Lisboa: Projecto Univ. Aberta. Centro de Estudos de História e Cultura Portuguesa.
Curto, Diogo Ramada. 2011. A cultura política no tempo dos Filipes (1580-1640). Lugar da história 78.
Lisboa: Edições 70.
Leão, Duarte Nunes de. 1576. Orthographia da lingoa portuguesa. Em Lisboa: per Ioão de Barreira.
Marquilhas, Rita. 2000. A Faculdade Das Letras: Leitura E Escrita Em Portugal No Século XVII. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Marquilhas, Rita. 2012. “A Historical Digital Archive of Portuguese Letters.” In Letter Writing in Late
Modern Europe, edited by Marina Dossena and Gabriella Del Lungo Camiciotti, 31–43. Amsterdam:
John Benjamins.
Moreno, Juan-Carlos, Mendívil Giró, José Luis, and José-Luis Mendívil-Giró. 2014. On Biology, History
and Culture in Human Language: A Critical Overview. Sheffield & Bristol: Equinox.
Rodríguez, Marie-Christine e Bennassar, Bartolomé, 1978, «Signatures et niveau culturels des témoins et
accusés dans les procès d’inquisition du ressort du Tribunal de Tolède (1525-1817) et du ressort du
Tribunal de Cordoue (1595-1632)», Caravelle. Cahiers du Monde Hispanique et Luso-Brésilien, 31.
Toulouse, Université de Toulouse-Le Mirail, pp. 19-46.
Rodrigues, Teresa Ferreira, ed. 2009. História Da População Portuguesa: Das Longas Permanências À
Conquista Da Modernidade. Porto: CEPESE & Edições Afrontamento.
Vaamonde, Gael, Rita Marquilhas, Ana Luísa Costa, and Clara Pinto. 2014. “Post Scriptum: Archivo
Digital de Escritura Cotidiana.” In Humanidades Digitales: Desafíos, Logros Y Perspectivas de Futuro,
edited by Sagrario López Poza and Nieves Pena Sueiro, 473–82. Janus [en línea], Anexo 1.
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