O documento discute o reconhecimento intersubjetivo a partir de uma perspectiva procedural. Primeiramente, destaca que o reconhecimento intersubjetivo não é um conceito definido, mas sim um processo. Segundo, analisa a teoria do reconhecimento de Honneth, especialmente sua ênfase na importância das dimensões corporais e das relações conflituosas entre os sujeitos. Por fim, defende que uma pedagogia triangular é necessária para reconhecer a diversidade cultural da América Latina resultante da mestiçagem entre tradições indígenas
4. com o objetivo de recomendar e colocar em prática o conjunto
dos códigos legais.
No horizonte filosófico,essas expressões vão muito além
do âmbito jurídico e/ou legislativo. No inglês, procedure significa
“uma maneira de fazer algo, de modo especial, o modo correto
e usual” de realizar uma ação ou uma atividade. Em outras pala-
vras, o jeito de fazer ou realizar uma atividade ou ação está ligado
a um processo. Nesse processo, há um elemento básico em torno
do qual vai-se conseguindo a forma (ou melhor, a fisionomia) e
concretizando a meta procurada.
Evidentemente, esse procedimento não é aleatório, pois
ele necessita de uma sequência de instruções relativas ou asso-
ciadas ao fenômeno em questão. Por isso, não se trata de uma
palavra ou de uma unidade sintática possuidora de significado
em si mesma. Na verdade, o sentido da expressão está associado
ao uso que dela se realiza. No caso, não há dúvidas a respeito da
influência do giro linguístico.
Nesse sentido, o reconhecimento intersubjetivo se ali-
menta da teoria do agir comunicativo, no seu aspecto procedi-
mental. Há, pois, uma metodologia cujo procedimento significa
deixar de lado todas as convicções prévias e, então, poder en-
xergar o fato ou o fenômeno na sua completa transparência e
nitidez. Essa metodologia supõe uma rotina na análise dos casos,
sem nenhum pré-estabelecimento, ou seja, com nenhuma condi-
ção determinada previamente.
No nível filosófico, essa condição não se refere apenas
aos objetos – até porque não há objetos “de pesquisa” –, mas a
qualquer sujeito concernido. Essa é a exigência imprescindível
para qualquer teoria do reconhecimento, pois o procedimento
interativo requer que os participantes sejam reconhecidos como
sujeitos coautores. Caso não sejam admitidos enquanto sujeitos
concernidos, não participam da interação e, então, não passariam
de meros objetos passivos na ação. Nesse sentido, as relações –
virtuais ou não – perseguem sempre o telos do entendimento,
cujo processo vinculado ao âmbito ilocucionário da fala.
Para seguir com a linha de Axel Honneth – autor fun-
damental do livro– é importante salientar seu afastamento de
Habermas. Essa atitude está bem explicada na obra Crítica do
Poder,quando diz que Habermas se atém às estruturas básicas das
regras da linguagem, deixando de lado o significado e a impor-
tância das dimensões físico-corporais dos sujeitos.Sem dar aten-
ção a “esse corpo humano” dos sujeitos, é impossível reconhecer
a dimensão social do agir comunicativo. Na tentativa de superar
esse déficit, Honneth vai propor uma teoria do reconhecimento
que possa levar em conta a conflituosidades das relações e que
perpassam as esferas de qualquer relacionamento intersubjetivo.
Então, se Habermas se mantém na esfera do kantismo,
Honneth envereda pelo caminho hegeliano. Embora esse dis-
tanciamento, há, sim, um recurso habermasiano em Honneth: a
intersubjetividade comunicativa.Através da interação comunica-
tiva, abre-se a possibilidade para as relações interativas entre os
sujeitos. Por isso, se os sujeitos são capazes de entender determi-
nadas leis que regem a natureza, é possível também reconstruir
os procedimentos acerca das relações entre os sujeitos em um
mundo social.
Nesse horizonte, os sujeitos conseguem desenvolver
suas identidades pessoais na medida em que podem compar-
tilhar com outros sujeitos, isto é, com um grupo social e arti-
cular-se nesse grupo. Nesse processo interativo, a comunicação
linguística é o meio através do qual todos os sujeitos podem
compartilhar pontos de vista, desejos, aspirações, metas, valores e
normas.Nesse compartilhar,há elementos materiais e simbólicos
5. do mundo objetivo, mas há também aspectos que fogem da al-
çada científica, pois fazem parte do mundo subjetivo e, ademais,
do mundo social.
Por isso, o procedimentalismo admite diferentes hori-
zontes do agir humano. As ciências exatas desenvolvem suas ati-
vidades no âmbito dos saberes empírico-analíticos. Mas as pers-
pectivas subjetiva e social têm outros componentes, alguns dos
quais não se traduzem desde enunciados meramente descritivos.
Ao campo social, por exemplo, os fatos e normas estão vincula-
dos à compreensão de sentido e, para isso, faz-se necessário uma
ciência crítica da sociedade. No caso, é importante não apenas
entender o processo histórico de socialização, mas também as
condições que possibilitaram a existência sociocultural dos sujei-
tos. Ou seja, o desenvolvimento das identidades está vinculado
ao problema específico da reprodução social da vida e da convi-
vência em um contexto relacional.
Esse é um dos pontos fundamentais para entender
o texto sobre as relações de reconhecimento intersubjetivo.
Primeiro, porque a intersubjetividade presume sempre sujeitos
participantes, isto é, coautores; segundo, não é admissível que
sujeitos possam ser considerados com meros expectadores ou
objetos; terceiro, a aspecto procedural requer uma metodologia
participativa sem mascarar a conflituosidades das relações, pois o
reconhecimento dos participantes significa também considerar a
diversidade de pontos de vista.
A possibilidade de os sujeitos se entenderem com os
demais é um fator importante para o reconhecimento. Não se
trata de saber qual dos dois aspectos é prioritário ou qual an-
tecede o outro. Na perspectiva de Honneth, parece tratar-se de
uma via de mão dupla, na qual há uma retroalimentação entre
reconhecimento e intersubjetividade.Todavia,o mais importante
se relaciona ao abandono do procedimento monológico, pois a
intersubjetividade é a característica essencial na constituição das
identidades pessoais e na interação social.
Deste modo, o reconhecimento refere-se sempre a
ação ou ao efeito de averiguar, examinar, verificação para, deste
modo, tomar conhecimento e certificar-se de um acontecimen-
to, fenômeno ou fato. No caso das relações sociais, o reconhe-
cimento intersubjetivo não trata apenas de constatar a presença
de outros sujeitos, mas – e fundamentalmente – de admitir sua
legitimidade enquanto participantes. O reconhecimento supõe,
então, a legitimidade do interlocutor, na sua própria fisionomia
e com seus traços característicos, isto é, considerar os outros
como verdadeiros coautores, atitude fundamental para procedi-
mento intersubjetivo.
Em um contexto atual, essa intersubjetividade remete
ao reconhecimento de uma diversidade que, na América Latina,
significa a aceitação de uma singularidade que reúne três grandes
cosmogonias. Em outras palavras, a mudança do eixo gravita-
cional da modernidade transformou o Atlântico em centro das
atenções, não apenas redesenhando o mapa do Ocidente, pois
cria uma interconexão entre culturas, estilos de vida, valores etc.
bastante diferenciados. Ao substituir o Mediterrâneo e a amplia-
ção dos horizontes faz com que, a partir do século XV, o novo
mapa evidencie o encontro-desencontro de distintos mundos.
Para Darcy Ribeiro, foi um “acontecimento espantoso”, com en-
frentamentos e violências de todos os tipos.
A expressão “comércio triangular” denota o significa-
do profundo desse processo, cuja dimensão ideológico-cultural
é extremamente pluridimensional. Com o passar do tempo, a
mudança geocultural vai criando uma América Morena,refletin-
do a mestiçagem de uma diversidade ibero-afro-indoamericana.
6. Embora a perspectiva de homogeneização, é notória a multipli-
cidade ideológico-cultural.
Sem aprofundar a questão, gostaria de salientar o sig-
nificado desse deslocamento do eixo gravitacional e, então,
reinterpretar a noção de “comércio triangular” e transformá-lo
em ponto de partida para uma pedagogia triangular. Por certo,
o atual contexto latino-americano – inclusive norte-americano
e, evidentemente, o brasileiro – reflete uma diversidade que, no
campo da educação, reforça a perspectiva da multiplicidade. Na
prática, o reconhecimento intersubjetivo exige respostas pedagó-
gicas voltadas a dar conta dessa interculturalidade afro-indígena
e ibero-americana. Não se trata de um reconhecimento passivo,
mas de práticas educacionais – no sentido afirmativo – com a
finalidade de reconhecer as contribuições fundamentais das tra-
dições indígenas (ou autóctones) e das afrodescendentes, cujo
leque perfaz uma variedade extraordinária de representações do
contexto atual. Não poucas vezes, essa multiplicidade se defronta
a conflitos e seu reconhecimento é, então, motivo de discrimina-
ção e violência.
A pedagogia triangular tem como missão compreender
as lutas e as reivindicações que contemplem a diversidade cultu-
ral, assegurando também o reconhecimento da especificidade de
cada cultura e de cada gênero. Trata-se de elaborar uma gramá-
tica pluridimensional das tradições latino-americanas, sem des-
prender-se das matizes étnico-culturais do pensar e do filosofar
ocidental. A alternativa pós-colonial indica, pois, uma compre-
ensão epistemológica capaz de entender a composição dessas
matizes, insistindo também em “outras” perspectivas, no sentido
de renovar a compreensão desta América morena.
Nesse processo,a diversidade não significa apenas a cer-
tificação de mundos e estilos de vida, mas a desconstrução das
colonialidades e, ao mesmo tempo, a busca de alternativas para o
diálogo intercultural e a convivência hospitaleira na diversidade.
Para usar Honneth, há duas frentes: por um lado o reconheci-
mento voltado a consideração dos indivíduos ou grupos sociais
que necessitam obter o “reconhecimento ou o respeito pela sua
diferença”; o outro está ligada à possibilidade de um repensar que
rompe com o centralismo europeu para, então, reconsiderar nos-
sos saberes desde um novo eixo gravitacional, cujo mapeamento
geocultural oferece a “recuperação anabásica”– para utilizar a ex-
pressão de Francisco Miró Quesada –, ou seja, a recuperação das
tradições perdidas e, então, poder estabelecer novas bases de sus-
tentação que permitam “compreender, até as últimas consequên-
cias, o novo pensar que se pode descortinar. Em outras palavras,
o repensar significa o reconhecimento da interseção entre três
continentes e seus distintos mundos de vida, atitude que permite
dar-se conta e abrir-se para uma esfera de reconhecimento com
vistas à perspectiva ibero-afro-indígena latino-americana.
Deste modo, é possível reafirmar a gramática pluridi-
mensional, interconectando especificidades de mundos distintos,
cujos vínculos humanos, políticos, sociais e comerciais interco-
necta três continentes, modificando o desenho da modernidade,
removendo a Europa do centro das atenções. O novo sistema-
-mundo permite entender a contextualização da América Latina
no cenário ocidental e, ao mesmo tempo, compreender o que
significou o encontro-desencontro de mundos de vida distintos,
com formações e projetos muito diferentes,embora,com o passar
do tempo,tenha havido um processo de homogenização pecami-
nosa. Este seria o ponto de partida para o reconhecimento das
interculturalidades destas Américas mestiças, o que nos permite
entender o encontro-desencontro da diversidade a partir de uma
perspectiva ibero-afro-indígena latino-americana.
7. Até que ponto a virtualidade favorece essa pedagogia?
Como essa pedagogia triangular poderia utilizar-se da virtualidade?
Atualmente, as relações virtuais de reconhecimento in-
tersubjetivo apresentam uma base dinâmica, reafirmando papéis
que vão se modificando em vista às vivências dos envolvidos tan-
to no virtual quanto no presencial. Por isso, o reconhecimento
intersubjetivo virtual representa um dos meios através do qual
ocorre o fenômeno inter-relacional. Mas ainda persiste a dúvida
de se a virtualidade é um meio ou um fim. A internet, tal como
ela funciona atualmente, ou seja, enquanto uma representação
simbólica e, ao mesmo tempo, uma ferramenta que possibilita
transformar o virtual em uma experiência presencial, parece ser
um novo instrumento em vistas ao reconhecimento dos outros.
Nesse sentido, é importante realçar o pensamento de
Vanessa, quando ela afirma que a busca por reconhecimento
acontece tanto presencial como virtualmente. Nesse sentido,
vale a pena destacar que o uso da internet como recurso de co-
municação auxilia no reconhecimento da diversidade, ou seja, é
um recurso fundamental rumo a uma pedagogia triangular. O
compartilhar as experiências originárias segue os princípios do
agir comunicativo, a porta de entrada ou o ponto de partida para
a interação e a convivência de hospitalidade, sem ninguém ser
considerado como estrangeiro, menosprezado ou invisibilizado.
Com esse meio, não há mais espaço para o “esquecimento das
origens”ou para o desarraigo.Então,os desafios não podem fugir
da tarefa de pensar de novo o pensar.
Por isso, a leitura desta obra é, sem dúvidas, uma pista
importante para entender essa virtualidade procedural.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................. 15
CAPÍTULO I
PERCURSO METODOLÓGICO................................. 23
1.1 Ponto de partida para a pesquisa de doutoramento.......28
1.2 Cenário da pesquisa: Curso de Pedagogia EAD/
UFSM/UAB.......................................................................37
1.2.1 Sujeitos da pesquisa e seu universo........................49
1.3 Coleta de dados e os procedimentos metodológicos.....50
1.3.1 Entrevista Semiestruturada On-line......................50
1.3.2 Autoetnografia Virtual: narrativa de uma
imersão on-line...............................................................55
1.4 Procedimento de Análise: o caminho para
a interpretação....................................................................64
1.5 A experiência com o Software Nvivo.............................66
CAPÍTULO II
TEORIA HONNETHIANA.......................................... 73
2.1 Honneth como seguidor da Teoria Crítica....................76
2.1.1 Teoria e prática na obra de Honneth.....................82
2.2 Situando o Reconhecimento na teoria honnethiana.....84
2.3 Luta por reconhecimento: a gramática moral dos
conflitos sociais...................................................................97
2.4 Educação e políticas de reconhecimento.....................118
CAPÍTULO III
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA....................................... 125
3.1 Aspectos históricos e pedagógicos da EAD................126
3.2 Universidade Aberta do Brasil....................................142
3.2.3 Ambiente Virtual Moodle.......................................155
3.3 Virtualidade Real........................................................169
8. Reconhecimento IntersubjetivoVirtual 15
INTRODUÇÃO
Este livro apresenta o resultado da pesquisa de dou-
toramento, realizada no Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Pelotas. O objetivo cen-
tral do trabalho foi a interpretação das relações sociais de re-
conhecimento intersubjetivo, valendo-se de espaços virtuais,
especificamente em um curso de formação de professores, na
modalidade de Educação a Distância (EAD), no âmbito do
Sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB). A base teó-
rica que guia essa investigação está na luta pelo reconhecimen-
to, proposta pelo filósofo alemão Axel Honneth.
O Núcleo central da pesquisa se encontra na afirmação
que o reconhecimento intersubjetivo não necessita da presença
física do outro, na medida em que ele também seja vivenciado
em espaços virtuais. Essa afirmativa considera os papéis reco-
nhecidos socialmente e, por isso, já instituídos historicamente
nas relações sociais, com base na teoria do reconhecimento. O
movimento constitutivo das relações sociais de reconhecimento
desencadeadas na virtualidade real, a partir da análise realizada
baseando-se do pensamento de Honneth, é nomeado nesse livro
como Reconhecimento Intersubjetivo Virtual.
O trabalho foi guiado por quarto objetivos específicos:
(1) compreender a estrutura conceitual da teoria do reconhe-
CAPÍTULO IV
A ESTRUTURA DAS RELAÇÕES DE
RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO
VIRTUAL..................................................................... 173
4.1 O eu em “nós”: quem são os estudantes EAD da
universidade pública..........................................................180
4.1.1 Relações de Gênero e Reconhecimento...............186
4.1.2 Padrões de reconhecimento das relações
interpessoais virtuais.....................................................195
4.1.3 Padrões de reconhecimento das relações acadêmicas
e profissionais...............................................................208
4.2 Narrativa de uma Autoetnografia Virtual...................224
4.2.1 A escrita on-line e off-line....................................227
4.2.2 Docência Virtual Compartilhada........................230
4.2.3 As possíveis Patologias do Reconhecimento
Intersubjetivo Virtual...................................................239
4.3 Dos limites e das possibilidades do Reconhecimento
Intersubjetivo Virtual........................................................248
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................... 257
REFERÊNCIAS........................................................... 267