1. Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
KOZINETS, Robert. Netnography: Doing Ethnographic Research Online. Sage, 2009,
pp 1-40 (cap. 1 e 2).
Os dois primeiros capítulos do livro de Robert Kozinets são dedicados a apresentar os
conceitos de cultura e comunidade online e a história da etnografia. Na introdução do
primeiro capítulo, trata das demandas e configurações que possibilitaram o surgimento
da netnografia. Desde a criação e disseminação da internet, pesquisadores acadêmicos e
pesquisadores profissionais, analistas de mercados, procuram entender como as pessoas
interagem e se apresentam em ambientes online.
Netnografia é necessária? Antes de ir para esta pergunta, Kozinets responde outra: o
neologismo é necessário? Para tanto, cita Jerry Lombardi que fez um resgate histórico
da própria palavra etnografia que, no contexto do século XIX, quando passou a ser
praticada, tinha um teor etnocêntrico e era conhecida por termos como “comparative
moral philosophy”.
A etnografia digital tem três características definidoras e distintas. A primeira
característica compreende as diferenças que a comunicação online possui em relação à
comunicação face-a-face em termos de acessibilidade, aproximação e possiblidades de
inclusão. A segunda se refere ao modo de coleta e análise de dados. No caso da
etnografia digital, a maior parte dos dados já estão no formato digital, o que gera
desafios e facilidades específicas. Por fim, os problemas e padrões éticos da etnografia
offline não correspondem aos presentes no ambiente online. Apesar das diferenças e da
sua opção pelo termo netnografia, Kozinets deixa claro que “etnografia é etnografia”,
seja ciber-, net- ou qualquer outro prefixo.
As páginas seguintes são dedicadas a discutir e definir os termos “comunidade online” e
“cultura”. Para o primeiro, cita Howard Rheingold, que definiu comunidade online
como “social aggregations that emerge from the net when enough people carry on . . .
public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal
relationships in cyberspace”. Kozinets decompose cada parte dessa definição para
mostrar como as comunidades online são entendidas pela netnografia e desdobra-se por
mais linhas nos conceitos de “pertencimento” e “permanência”.
Para falar de cultura e cibercultura, Kozinets cita Raymond Williams que explicou
como o conceito é utilizado em vários âmbitos e ciências e utiliza a definição de Clyde
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Kluckhohn, de 1949, para mostrar os inúmeros significados possíveis, que incluem: “a
people’s total lifeways; a social legacy; a way of thinking, feeling, and believing; a
storehouse of learning; a set of orientations to problems or learned behaviours;
mechanisms for the regulation of people’s behaviours; techniques for adjusting to the
external environment; behavioural maps; and others.” Em relação a cibercultura,
Kozinets parece acreditar que é um termo efêmero. O prefixo “ciber” se refere a práticas
e tecnologias de informação e comunicação que são parte de um fluxo contínuo e, por
isso, este prefixo não seria mais apropriado do que temos como “cultura da escrita”.
Padrões e números das comunidades online possuem semelhanças e dessemelhanças por
todo o mundo. Robert Kozinets exibe uma tabela com números absolutos e percentuais
da população conectada por regiões do mundo e elenca algumas características
regionais, como o maior uso de dispositivos móveis por japoneses e o uso mais intenso
por alemães, noruegueses e austríacos.
O segundo capítulo procura entender a cultura online. A discussão inicial é sobre a
existência ou inexistência de um determinismo na relação cultura x tecnologia. Kozinets
explica que esta relação é complexa e entrelaçada.
A primeira fase da pesquisa acadêmica sobre interações online foi baseada em estudos
experimentais de psicologia social e concluiu, de modo geral, que o ambiente online
seria um suporte limitante para expressões culturais e sociais. Em ambientes
experimentais “frios”, como sugere Kozinets, foi natural que este tipo de pesquisa, nesta
fase, encontrasse interações fracas. Os pesquisadores dessa época argumentavam que as
interações online eram menos interessantes por não possuírem, por exemplo, elementos
como gestualidade e presença física.
Essas conclusões foram logo postas em cheque por pesquisas subseqüentes que
analisaram, por exemplo, como o ambiente de comunicação textual foi apropriado e
reconfigurado para abarcar informações sobre estados emocionais, como os
“emoticons”. Outros estudos descobriram que a expectativa de interações continuadas
leva os usuários a se engajar mais nas interações e participar com mais intensidade. A
alegação de que na internet todos seriam “equalizados” também foi contestada, ao se
perceber melhor os sinais de hierarquia e diferenciação.
O mundo social online é visto por diversas disciplinas e métodos de jeitos e ângulos
diferentes. “Survey approaches inform us about the relative population, demographic
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3. Resenha por Tarcízio Silva - @tarushijio
constitution, and frequencies of behaviours of online community members. Social
psychological and experimental approaches hypothesize about and test suggested causal
relations between important individual and group level variables such as attitudes,
memory, and beliefs.[…] Netnography, the ethnography of online groups, studies
complex cultural practices in action, drawing our attention to a multitude of grounded
and abstract ideas, meanings, social practices, relationships, languages, and symbol
systems.” Todas essas disciplinas se complementam, segundo Kozinets. O autor faz
uma rica descrição de uma hipotética imersão de uma usuária de internet em uma
comunidade online de troca de informações sobre viagens e turismo. De uma busca
inicial por informação até a participação comprometida em uma comunidade online, a
personagem descrita aprende a dinâmica das interações, normas, referências, práticas,
hierarquias e discursos do grupo. Kozinets chama a atenção, citando vários estudos,
para os benefícios das comunidades online em participantes que podem conhecer outras
pessoas com interesses, problemas e estigmas semelhantes.
A preocupação em classificar as comunidades e participações em categorias é abordada
em seguida e Kozinets cita alguns trabalhos que propuseram categorizações. As
comunidades online, segundo o autor, seriam compostas de dois elementos básicos. O
primeiro é a relação entre o usuário ou participantes com o “consumo” ou “atividade”
básica. O segundo refere-se aos relacionamentos efetivados nas comunidades online e
sua intensidade, significação, profundidade e duração. Em relação à participação,
Kozinets apresenta um infográfico que mostra oito tipos de participantes e do tipo de
interação de acordo com centralidade da atividade de consumo e da força dos laços.
Kozinets fecha o capítulo falando do desenvolvimento da pesquisa sobre comunidades e
cultura online. Pesquisadores da área de estudos culturais e antropólogos tem percebido
que as comunidades online moldam e são conseqüência de novas condições, “pós-
modernas”, da sociedade. Citando um trabalho de Whitty sobre “paquera online”, fala
sobre a representação, apresentação do corpo no ambiente online. Outros trabalhos
analisam a relação das corporações e das comunidades fomentadas por estas, muitas
vezes multifacetadas: ao mesmo tempo de reforço e conflito. O autor encerra falando
das apropriações das ferramentas e comunidades online nas ações de “mudança” de
mundo e ambientes políticos.
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